É esta a principal
enunciação da mensagem do Papa Francisco para a
jornada de estudos em torno do decreto conciliar Apostolicam Actuositatem (AA), sobre o apostolado dos Leigos, organizada pelo Pontifício Conselho para
os Leigos em parceria com a Universidade Pontifícia da Santa Cruz.
Com efeito, a 18 de
novembro, passa o cinquentenário da promulgação do referido decreto conciliar pelo
Papa Paulo VI. E a jornada referida ocorreu a 12 de novembro, passado, em torno
do tema “Vocação e missão dos leigos – 50 anos do decreto Apostolicam Actuositatem”, documento de
um Concílio que, no dizer de Paulo VI, que a ele presidiu e acompanhou nas três
das suas quatro sessões, teve o caráter “de um grande e triplo ato de amor: a Deus, à Igreja, à humanidade” – evento
extraordinário de graça.
Francisco
recorda que o Concílio Vaticano II não olha para os leigos como se eles fossem
membros de “segunda categoria” ao serviço e em função da hierarquia como
simples executores de “ordens de cima”. São, antes, na condição de discípulos
de Cristo, que na força do seu Batismo e da sua inclusão natural “no mundo”,
chamados a animar todo o ambiente, toda a atividade e toda a relação humana
segundo o espírito evangélico, levando a luz, a esperança e a caridade recebidas
de Cristo aos lugares que, de outra forma, permaneceriam alheios à ação de Deus
e abandonados à miséria da condição humana.
Esta
renovada atitude de amor que inspirava os padres conciliares, segundo o Papa,
levou também, entre seus múltiplos frutos, a uma nova forma de olhar para a
vocação e missão dos leigos na Igreja e no mundo, com “magnífica expressão nas
duas grandes constituições conciliares”: a dogmática Lumen Gentium (LG), sobre o
ser da Igreja, e a pastoral Gaudium et
Spes (GS), sobre a Igreja no mundo atual.
Sobre o ser
e o estatuto do leigo, a Lumen Gentium
ensina que os leigos são fundamentalmente membros da Igreja – Povo de Deus:
“Todas as
coisas que se disseram a respeito do Povo de Deus se dirigem igualmente
aos leigos, aos religiosos e aos clérigos, algumas, contudo, pertencem de modo
particular aos leigos, homens e mulheres, em razão do seu estado e missão; e os
seus fundamentos, devido às circunstâncias especiais do nosso tempo, devem ser
mais cuidadosamente expostos” (LG 30).
E estabelece a limitação dos pastores (bispos,
presbíteros e diáconos) e sua relação com os leigos:
“Os
sagrados pastores conhecem perfeitamente quanto os leigos contribuem para o bem
de toda a Igreja. Pois aqueles sabem que não foram instituídos por Cristo para
se encarregarem por si sós de toda a missão salvadora da Igreja para com o
mundo, mas que o seu cargo sublime consiste em pastorear de tal modo os fiéis e
de tal modo reconhecer os seus serviços e carismas, que todos, cada um segundo
o seu modo próprio, cooperem na obra comum.” (LG 30).
Os leigos contribuem para a edificação e crescimento da
Igreja:
“É
necessário que todos, ‘praticando a verdade na caridade, cresçamos de todas as
maneiras para aquele que é a cabeça, Cristo; pelo influxo do qual o corpo
inteiro, bem ajustado e coeso por toda a espécie de junturas que o alimentam,
com a ação proporcionada a cada membro, realiza o seu crescimento em ordem à
própria edificação na caridade’ (Ef 4,15-16).” (LG 30).
Que
se entende por leigos?
De
modo negativo (o que não são):
“Por leigos entendem-se
aqui todos os cristãos que não são membros da sagrada Ordem ou do estado
religioso reconhecido pela Igreja” (LG 31).
De
modo afirmativo e positivo (o que são: de laikós, adjetivo
grego – membro do laós, povo):
“Os fiéis que,
incorporados em Cristo pelo Baptismo, constituídos em Povo de Deus e tornados
participantes, a seu modo, da função sacerdotal, profética e real de Cristo,
exercem, pela parte que lhes toca, a missão de todo o Povo cristão na Igreja e
no mundo” (LG 31).
Também
João Paulo II, na sua exortação apostólica Christifideles
Laici (CL), de 30 de dezembro de
1988, retoma a noção de leigos da LG, justificando:
“Ao
responder à pergunta quem são os fiéis leigos, o Concílio, ultrapassando
anteriores interpretações prevalentemente negativas, abriu-se a uma visão
decididamente positiva e manifestou o seu propósito fundamental ao afirmar a plena pertença dos fiéis leigos à
Igreja e ao seu mistério e a índole peculiar da sua vocação, a qual tem como específico ‘procurar
o Reino de Deus tratando das coisas temporais e ordenando-as segundo Deus’.”
(CL, 9).
Qual
é a sua marca?
“É
própria e peculiar dos leigos a característica secular” (LG 31).
Enquanto a função primordial dos pastores
é garantir a sã doutrina, presidir à celebração dos divinos mistérios e
coordenar a ação hodegética ou a caminhada comum (sinodalidade), “é próprio do estado dos leigos viver
no meio do mundo e das ocupações seculares”, pelo que “eles são chamados por Deus para, cheios de fervor cristão, exercerem
como fermento o seu apostolado no meio do mundo” (AA 2), na certeza de que a todos
os fiéis (pastores e leigos)
incumbe “o glorioso encargo de trabalhar
para que a mensagem divina da salvação seja conhecida e recebida por todos os
homens em toda a terra” (AA3).
E a Gaudium et Spes adverte:
“Os leigos, que devem tomar parte ativa em toda a
vida da Igreja, não devem apenas impregnar o mundo com o espírito cristão, mas
são também chamados a serem testemunhas de Cristo, em todas as circunstâncias,
no seio da comunidade humana” (GS 43).
Referindo-se às duas preditas Constituições
conciliares, o Papa diz que estes documentos
“consideram os fiéis leigos dentro duma visão de conjunto do Povo de Deus, ao
qual pertencem junto com os membros da ordem sagrada e com os religiosos,
participando da forma que lhes é própria da função sacerdotal, profética e real
de Cristo”. E reconhece que este ensinamento conciliar que fez crescer na
Igreja a formação dos leigos, já deu tantos frutos até aqui.
Porém,
Francisco sente para si e para os demais pastores a interpelação do Concílio
Vaticano II, que, como todo o concílio
“Interpela
cada geração de pastores e de leigos porque é um dom inestimável do Espírito
Santo, a ser acolhido com gratidão e sentido de responsabilidade: tudo o que
nos foi dado pelo Espírito e transmitido pela santa Mãe Igreja deve sempre ser
entendido de novo, assimilado e concretizado na realidade”.
***
Talvez, por
isso, seja conveniente continuar a ler a fundamentação do apostolado laical, como
integrando todo o complexo do apostolado eclesial e não como corpo ou ação à
parte:
“A Igreja nasceu para tornar todos os homens participantes da redenção
salvadora e, por eles, ordenar efetivamente a Cristo o universo inteiro,
dilatando pelo mundo o seu reino para glória de Deus Pai. Toda a atividade do
Corpo místico que a este fim se oriente chama-se “apostolado”. A Igreja exerce-o
de diversas maneiras, por meio de todos os seus membros, já que a vocação
cristã é também, por sua própria natureza, vocação ao apostolado.” (AA2).
O apostolado é tão essencial à Igreja como
a ação ao corpo vivo (não se deve esquecer que Igreja é Povo de
Deus e Corpo de Cristo) e todos estão constituídos no dever de se implicarem nele:
“Do mesmo modo que num corpo vivo nenhum membro tem um papel meramente
passivo, mas antes, juntamente com a vida do corpo, também participa na sua atividade,
assim também no Corpo de Cristo, que é a Igreja, todo o corpo ‘cresce segundo a
operação própria de cada um dos seus membros’ (Ef 4,16). Mais ainda: é tanta
neste corpo a conexão e coesão dos membros (cf Ef 4,16) que se deve dizer que
não aproveita nem à Igreja nem a si mesmo aquele membro que não trabalhar para
o crescimento do corpo, segundo a própria capacidade.” (AA2).
Na convicção de que “existe na Igreja
diversidade de funções, mas unidade de missão”, os Bispos discerniam na aula
conciliar que:
“Aos Apóstolos e seus sucessores, confiou Cristo a missão de ensinar,
santificar e governar em seu nome e com o seu poder. Mas os leigos, dado que
são participantes do múnus sacerdotal, profético e real de Cristo, têm um papel
próprio a desempenhar na missão do inteiro Povo de Deus, na Igreja e no mundo.
Exercem, com efeito, apostolado com a sua ação para evangelizar e santificar os
homens e para impregnar e aperfeiçoar a ordem temporal com o espírito do
Evangelho; deste modo, a sua atividade nesta ordem dá claro testemunho de
Cristo e contribui para a salvação dos homens. E, sendo próprio do estado dos
leigos viver no meio do mundo e das ocupações seculares, eles são chamados por
Deus para, cheios de fervor cristão, exercerem como fermento o seu apostolado
no meio do mundo.” (AA 2).
Por seu turno, a exortação apostólica de
Paulo VI Evangelii Nuntiandi (EN), de 8 de dezembro de
1975 (há quarenta anos), insere a missão dos leigos no contexto da ação de toda a Igreja:
“A Igreja é ela toda inteiramente evangelizadora.
Ora isso quer dizer que, para com o conjunto do mundo e para com cada parcela
do mundo onde ela se encontra, a Igreja se sente responsável pela missão de
difundir o Evangelho.” (EN, 60).
E
especifica a missão evangelizadora dos leigos, diferente, mas não inferior à da
Hierarquia, que se fundamenta na sua vocação específica:
“Os leigos, a quem a sua vocação específica coloca no meio do mundo e à
frente de tarefas as mais variadas na ordem temporal, devem também eles,
através disso mesmo, atuar uma singular forma de evangelização” (EN, 70).
Definido claramente a sua tarefa, em
contraposição com a da Hierarquia, Paulo VI ensina:
“A sua primeira e imediata tarefa não é a instituição e o desenvolvimento
da comunidade eclesial; esse é o papel específico dos Pastores, mas sim, o pôr
em prática todas as possibilidades cristãs e evangélicas escondidas, mas já
presentes e operantes, nas coisas do mundo. O campo próprio da sua atividade
evangelizadora é o mesmo mundo vasto e complicado da política, da realidade
social e da economia, como também o da cultura, das ciências e das artes, da
vida internacional, dos ‘mass media’ e, ainda, outras realidades abertas para a
evangelização, como sejam o amor, a família, a educação das crianças e
dos adolescentes, o trabalho profissional e o sofrimento.” (EN, 70).
Depois, o Papa Montini postula a
mobilização e a capacitação dos leigos para a missão:
“Quanto mais leigos houver impregnados do Evangelho, responsáveis em
relação a tais realidades e comprometidos claramente nas mesmas, competentes
para as promover e conscientes de que é necessário fazer desabrochar a sua
capacidade cristã muitas vezes escondida e asfixiada, tanto mais essas
realidades, sem nada perder ou sacrificar do próprio coeficiente humano, mas
patenteando uma dimensão transcendente para o além, não raro desconhecida, se
virão a encontrar ao serviço da edificação do reino de Deus e, por conseguinte,
da salvação em Jesus Cristo” (EN, 70).
***
É capaz de ser interessante visitar
também, a este respeito, o Código de Direito Canónico (CDC), que, tendo em conta a
personalidade e capacidade jurídica dos fiéis, define o côngruo estatuto de
cada fiel e grupo de fiéis.
O cânone 204 parte da condição de base ou
comum de todos os membros do povo de Deus e chama-lhes fiéis (Christifideles – fiéis de Cristo). Veja-se o seu §
l:
“Fiéis
são aqueles que, por terem sido incorporados em Cristo pelo baptismo, foram
constituídos em povo de Deus e por este motivo se tornaram a seu modo
participantes do múnus sacerdotal, profético e real de Cristo e, segundo a
própria condição, são chamados a exercer a missão que Deus confiou à Igreja
para esta realizar no mundo”.
Não distinguindo, como faz o
Concílio, entre leigos, clérigos e religiosos, cân. 207 especifica, no § 1, a
distinção entre clérigos (bispos, presbíteros e diáconos) e leigos (clerici et laici):
“Por
instituição divina, entre os fiéis existem os ministros sagrados, que no
direito se chamam também clérigos; os outros fiéis também se designam por
leigos”.
E o § 2 declara que os religiosos
(verdadeiros
cultores da Igreja e do Reino)
são leigos e clérigos:
“De
ambos estes grupos existem fiéis que, pela profissão dos conselhos evangélicos
por meio dos votos ou outros vínculos sagrados, reconhecidos e sancionados pela
Igreja, se consagram a Deus de modo peculiar, e contribuem para a missão
salvífica da Igreja; cujo estado, embora não diga respeito à estrutura
hierárquica da Igreja, pertence contudo à sua vida e santidade”.
Quanto às obrigações e direitos comuns, há
que ter em conta os câns. 208 a 223, de que se destacam o seguintes aspetos:
- A verdadeira
igualdade no concernente à dignidade e atuação;
-
A liberdade de escolha do estado de vida;
-
A obrigação de manter sempre a comunhão com a Igreja;
-
A obrigação de prover às necessidades de Igreja;
-
A obrigação de promover a justiça social e de auxiliar os pobres com os seus
próprios recursos;
-
O dever de promover ou manter a ação apostólica;
-
O esforço por levar uma vida santa e promover o incremento da Igreja e a sua
contínua santificação;
- O direito de prestar culto a Deus e de
seguir uma forma própria de vida espiritual, consentânea com a doutrina da
Igreja;
- O direito à boa fama e à intimidade;
- O direito à educação cristã;
- A possibilidade de livremente fundar e
dirigir associações para fins de caridade ou de piedade ou para fomentar a
vocação cristã no mundo, e de reunir-se para prosseguirem em comum esses mesmos
fins;
- A justa liberdade de investigação e de
expor prudentemente as suas opiniões acerca das matérias em que são peritos,
observada a devida reverência para com o magistério da Igreja.
Em especial, no cân. 211,
estabelece-se:
“Todos
os fiéis têm o dever e o direito de trabalhar para que a mensagem divina da
salvação chegue cada vez mais a todos os homens de todos os tempos e do mundo
inteiro”.
Quantos aos aspetos específicos
dos fiéis leigos, vêm os cânones 224 a 231, estipulando-se genericamente, no
cân. 224, o seguinte:
“Os
fiéis leigos, além das obrigações e dos direitos comuns a todos os fiéis e dos
que se estabelecem em outros cânones, têm as obrigações e gozam dos direitos
referidos nos cânones deste título”.
Neste âmbito, destaca-se o cân.
225, que fundamenta o que estabelece, como se pode ver:
§ 1:
Os leigos, uma vez que, como todos os fiéis, são deputados para o apostolado em
virtude do batismo e da confirmação, têm a obrigação geral e gozam do direito
de, quer individualmente quer reunidos em associações, trabalhar para que a
mensagem divina da salvação seja conhecida e recebida por todos os homens e em
todas as partes da terra; esta obrigação torna-se mais urgente nas
circunstâncias em que só por meio deles os homens podem ouvir o Evangelho e
conhecer a Cristo.
- § 2:
Têm ainda o dever peculiar de, cada qual, segundo a própria condição, imbuir e
aperfeiçoar com espírito evangélico a ordem temporal, e de dar testemunho de
Cristo especialmente na sua atuação e no desempenho das suas funções seculares.
***
Decidida e
claramente o ser diferente não significa ser inferior ou superior!
2015.11.13 – Louro de Carvalho
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