A 22 de novembro, a Igreja Católica celebrou a solenidade
de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo. Não se trata de um rei com
poderio limitado a um território, a uma nação, a um período de tempo. É, sim, o
rei universal e de todo o tempo: Princípio e Fim, Alpha (Α) e Ómega (Ω), o
Primeiro e o Último, Senhor do Tempo e da Eternidade!
Os reis da Terra, mesmo que sejam imperadores, têm a
jurisdição confinada a um território e a um período de tempo bem limitado. E
hoje as democracias atribuem-lhes um poder pouco mais que simbólico. Alguns nem
do poder de veto dispõem em relação aos seus parlamentos. Pertencem a família
real, nascem em palácio ou então distinguiram-se pela sua bravura militar em
prol do seu povo, que em compensação os aclamou como defensores, condutores e
reis.
Jesus Cristo, ao invés, nasce em Belém numa gruta e é
reclinado num presépio. A sua família é pobre e os seus feitos ignoraram a
espada e os cavalos de guerra. Hoje, o bombardeiro, o míssil, o tanque de
guerra, as minas e armadilhas, as armas biológicas, químicas e de hidrogénio
não constituiriam recursos ao seu dispor. Mas Ele é Rei. Mateus (Mt 21,5) porfia que Ele cumpre as profecias veterotestamentárias
referentes ao Messias-Rei e apresenta-o como o pregador genuíno do Reino dos
Céus (cf Mt 4,17;
6,33) e como o líder do reino
escatológico, que vem a julgar-nos pelas ações praticadas para com o próximo (cf Mt
25,21-46). Também Marcos o apresenta como o pregador
do reino de Deus, apelando ao arrependimento (cf Mc 1,15). Por seu turno, Lucas apresenta as multidões a
aclamá-lo, quando entrava solenemente em Jerusalém, como “o Rei que vem em nome
do Senhor” (Lc 19,38) e coloca
um dos salteadores que foram crucificados com Ele a pedir-lhe: “lembra-te de
mim quando estiveres no teu reino” (Lc 23,42).
Os evangelhos sinóticos apresentam-no recorrentemente
como o Rei dos Judeus ou o Rei de Israel. Todavia, é interessante anotar que
Mateus nos reporta os presentes oferecidos por uns magos que vieram do Oriente:
ouro, porque é rei; incenso, porque é Deus; e mirra, porque é homem (vd Mt 2,1-12). Mais do que o seu valor real, importa a simbologia:
Rei, Deus, Homem.
Segundo João, Jesus a Pilatos que lhe pergunta se é o
Rei dos Judeus, esclarece o sentido e a finalidade do seu reino:
“A minha realeza não é deste mundo; se a minha
realeza fosse deste mundo, os meus guardas teriam lutado para que Eu não fosse
entregue às autoridades judaicas; portanto, o meu reino não é de cá. […] É como
dizes: Eu sou rei! Para isto nasci, para isto vim ao mundo: para dar testemunho
da Verdade. Todo aquele que vive da Verdade escuta a minha voz.” (Jo 18,36.37).
***
Assim, todos aqueles que reconhecem o reinado e a
realeza de Cristo, se apressam a apresentar a distinção entre os reinos deste
mundo e o reino de Cristo e o modus
faciendi das suas realezas.
Por exemplo, o Bispo do Porto na sua homilia do dia
22, refere que o Evangelho do dia (Jo 18,33-37) nos recorda “que o reino de que somos membros e a
realeza de Jesus, agora celebrada, não são feitos de grandeza nem de poder ou
de ambição”, porquanto Jesus “não possui cetros nem tronos”, sendo “o seu reino”
o “reino de amor e de serviço” – ainda que, esclareça-se, os salmos e a
literatura apocalíptica ponham na mão do Messias-Rei o cetro, o sentem num
trono de luz, lhe coloquem na cabeça a coroa e lhe firmem no escabelo os pés. E
adiantou:
“Aqui reside a distinção entre o reino de Deus e
aquilo a que nos habituou o mundo com os seus reinos, ideologias e impérios,
que foi fazendo e desfazendo, construindo e desconstruindo, impondo e
desmoronando, criando e levando a ruir” (sublinho).
E, a seguir, adverte com a lucidez do seu raciocínio e
a firmeza simples da sua voz:
“Aqui
devemos encontrar também a diferença entre o que Jesus nos propõe e as
solicitações do mundo e do tempo, que, por vezes, em momentos menos lúcidos,
nos levam a prender-nos ao poder, à riqueza, às aparências ou aos interesses
pessoais momentâneos, em vez de nos dedicarmos, com uma vida simples, humilde e
desprendida, ao serviço dos mais simples e dos mais pobres”.
Também o sacerdote que presidiu à celebração
eucarística da Solenidade de Cristo Rei, ao meio dia, na igreja dos Passionistas
frisou em três notas a distinção entre o Reino de Cristo e os reinos do mundo.
O Reino de Cristo é, ao invés dos reinos do mundo, o reino da não-violência, o
reino do amor, o reino do serviço – disse – evocando a onda de violência dos
dias anteriores em Paris.
Com efeito, a violência gera mais violência, mas o
amor gera mais amor e é mais forte que a morte, o serviço leva a cuidar do
outro e a proporcionar-lhe o aumento do bem-estar e sentido da dignidade humana.
Neste sentido, o serviço e o amor desempenham a função da autêntica autoridade
(auctoritas, no latim,
significa aumento).
Por outro lado, o Prelado portuense, referindo-se ao
facto de a liturgia ter escolhido a perícopa do Evangelho de São João sobre o
sentido e a finalidade da realeza de Cristo ao concluir e ao completar o ano
litúrgico dela fazendo “uma espécie de síntese da palavra de Deus proclamada ao
longo de todo o ano”, esclareceu-nos sobre o rumo da nossa participação no
Reino da Cruz:
“Somos
convidados a perceber que a vida de Jesus, a sua palavra e a sua herança se
consubstanciam neste reino que anuncia a boa nova aos pobres e aos retos de
coração. Jesus foi reconhecido como Salvador e como
Rei no auge da cruz, através do olhar crente do centurião romano que, ao ver
como Jesus dá a vida, numa total fidelidade e obediência à vontade do Pai,
reconhece que Ele é o Filho de Deus.”
Depois, assinala o sentido do serviço totalizante
(até ao sangue, se necessário for) que somos convidados a exercer em prol do Reino:
“Só quando damos a vida, quando somos servos, quando nos entregamos à
missão é que contribuímos para a salvação do mundo, para a construção do reino
de Deus e para a vida da Igreja”.
E, fazendo a ponte de passagem deste fim
de ano litúrgico para a “Caminhada de Advento-Natal”, proposta à Diocese nos
alvores do novo ciclo anual, afirma que ela vai proporcionar “este sentido de
serviço e esta dimensão de entrega da vida a Deus para bem dos irmãos”, na
certeza de que “Há mais alegria em dar-(Se)”.
Assim, “os gestos, os desafios, as
atitudes e os valores” da predita Caminhada de Advento-Natal mostram “como
podemos fazer das nossas vidas, dos lugares que habitamos e dos projetos
humanos e pastorais que desenvolvemos, presépios onde Jesus nasça”, para que se
faça Natal “no coração de cada pessoa, de cada família e de cada comunidade”.
Ademais, evocando a proximidade da
inauguração do Ano da Misericórdia, mostrou-se convicto de que sob o signo do
Jubileu, “compreenderemos ainda mais o que hoje nos diz o Evangelho” e explicitou:
“O amor e o serviço a que somos chamados como construtores de um reino novo
e de mundo melhor são o rosto humanizado da bondade, da ternura e da
misericórdia de Deus. Encontraremos em Jesus, o Filho de Deus, a porta da
misericórdia divina. Pertence-nos viver, anunciar, celebrar e testemunhar esta
misericórdia que constitui a essência do Reino de Deus e o desígnio da missão
da Igreja.”.
***
Lá de Roma, também
Francisco, à recitação do Angelus, no
passado domingo, evocou a Solenidade de Cristo Rei. E, comentando o Evangelho
da Eucaristia desta solenidade litúrgica, sublinhou que Jesus, apresentado a
Pilatos, se intitula como rei de um reino que “não é deste mundo” (Jo 18,36).
Porém, o
Papa, para que não se pense que este reino pode esperar, por supostamente ser
considerado como de um mundo longínquo e incessível à maioria, adverte:
“Isto não significa que Cristo é rei
de outro mundo, mas que é rei de outra maneira. É uma contraposição entre duas
lógicas. A lógica mundana apoiada na ambição e na competição, combate com as
armas do medo, da chantagem e da manipulação das consciências. A lógica do
Evangelho, a de Jesus, ao invés, expressa na humildade e na gratuidade, afirma-se
silenciosamente, mas eficazmente com a força da verdade.”
É, pois, um
reino que já começou, que está entre nós, mas com uma lógica e um dinamismo
diferentes dos reinos deste mundo e que a ele se confinam. Enquanto “os reinos
deste mundo, por vezes, são erguidos sobre a prepotência, a rivalidade, a
opressão”, o reino de Deus ou o reino de Cristo é um “reino de justiça, de amor
e de paz” (vd Prefácio da
Missa de Cristo Rei).
Por outro
lado, o Pontífice aponta o facto de Jesus se revelar como rei justamente na
cruz. E a quem supõe que isto é “uma falência”, responde que se trata da
“surpreendente gratuitidade do amor” ou, se quisermos, a “falência do pecado”,
das ambições, explicitando:
“Na falência da Cruz se vê o amor,
este amor que é gratuito, que Jesus nos dá. Falar de potência e de força para o
cristão, significa fazer referência ao poder da Cruz e à força do amor de
Jesus: um amor que permanece firme e íntegro, mesmo diante da recusa, que surge
como o cumprimento de uma vida gasta na oferta total de si em favor da
humanidade”.
Sobre o facto
de, “no Calvário, os circunstantes e os líderes” ridicularizarem Jesus pregado
na cruz e lhe lançarem o desafio do “Salva-te
a ti mesmo, e desce da cruz” (Mc 15,30), o Bispo de Roma ensina que efetivamente “a verdade de Jesus é aquela
que em tom de zombaria os seus adversários lançam sobre Ele de que “não pode salvar-se a si mesmo!” (Mc 15,31) e assegura:
“Se Jesus tivesse descido da cruz,
teria cedido à tentação do príncipe deste mundo; ao invés, Ele não se salva a
si mesmo justamente para poder salvar os outros, porque deu a sua vida por nós,
por cada um de nós”.
Depois, apela
a que cada um interiorize a entrega de Jesus por cada um de nós. Assim,
explica:
“Dizer ‘Jesus deu a vida pelo mundo é verdadeiro’, mas é mais belo dizer
‘Jesus deu a sua vida por mim’. E hoje aqui na praça, cada um de nós diga em
seu coração ‘Deu a vida por mim’, para salvar cada um de nós dos nossos
pecados.”.
E destacou o
facto de ter sido um malfeitor a entender isto. Com efeito, foram crucificados
com Ele dois malfeitores. Desses, um conhecido como o “bom ladrão” suplicou-Lhe
que se lembrasse dele, quando entrasse no seu reino” (cf Lc 23,42). A este propósito o Papa comentou:
“Ele era um malfeitor, era um corrupto
que foi condenado à morte por causa da brutalidade que cometeu na vida. Mas viu
na atitude de Jesus, na humildade de Jesus o amor. Esta é a força do reino de
Cristo: o amor”.
Por isso, o
Prelado de toda a Igreja Católica medita diante do povo reunido à sua frente:
“A força de Reino de Cristo é o amor,
por isso, a realeza de Jesus não nos oprime, mas liberta-nos das nossas
fraquezas e misérias, encorajando-nos a seguir os caminhos do bem, da
reconciliação e do perdão”.
Daí o
conselho papal de contemplação e de oração de súplica confiante:
“Olhemos para a cruz de Jesus, olhemos
para a cruz do bom ladrão e digamos todos juntos aquilo que disse o bom ladrão:
“Jesus, lembra-te de mim, quando entrares no teu reino”. Pedir a Jesus, quando
nos encontramos frágeis, pecadores, derrotados, para nos guardar e dizer: ‘O
Senhor está ai. Não se esqueça de mim’.”.
E pretende
que, face a “tantas dilacerações no mundo” e a demasiadas feridas na carne dos
homens, Nossa Senhora nos ampare no nosso esforço de imitação de Jesus, o rei,
tornando visível o seu reino nos “gestos de ternura, de compreensão e de
misericórdia”.
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Christus vincit,
Christus regnat, Christus imperat! – Cristo
vence, reina e impera.
2015.11.24 – Louro de Carvalho
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