segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Os pilares da construção do ecumenismo

O Papa Francisco visitou, no dia 15 de novembro, a Igreja Evangélica e Luterana de Roma. Para o efeito preparou um discurso, que não chegou a pronunciar, porque na ocasião optou por ouvir as perguntas de alguns participantes no encontro e dar-lhes resposta de índole pessoal. E, a concluir, fez um comentário homilético a várias passagens dos Evangelhos e com referência especial à perícopa do tema do Juízo Final (Mt 25,31-46). De tudo se faz menção e leitura livre.
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As respostas às perguntas formuladas: o que o Papa mais gosta de fazer e o que sugere
Ao menino de 9 anos – afeiçoado à participação no culto das crianças praticado na comunidade e fascinado pelas histórias de Jesus e pelo modo como Ele atua – que perguntou ao Santo Padre o que é que mais lhe agrada mais enquanto Papa, Francisco responde que é ser pastor. E parte do gosto da criança por esta ou aquela iguaria, mas que precisa de comer de tudo. Assim, também o Papa confessa que o que mais lhe agrada é desempenhar o ofício de pároco, de pastor. Diz que não gosta muito das entrevistas protocolares, mas deve proceder a elas. E fez um parêntesis para esclarecer que esta entrevista é familiar e destas gosta.
Mesmo quando exerceu outras funções como a de reitor da faculdade de teologia, era pároco e agradava-lhe ensinar o catecismo às crianças, dialogar com elas e celebrar a Missa com elas ao domingo. Sentia-se bem a visitar doentes, a falar com pessoas tristes e desesperadas ou a visitar encarcerados. E gosta do exercício de Papa como se fosse pároco, servindo, sendo pastor, pároco e bispo com condição para, mais do que intervir na sociedade, ter um coração feliz.
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A uma luterana casada com um católico italiano – vivendo em comum e com muita felicidade há muitos anos e compartilhando alegrias e sofrimentos, mas não podendo participar em comum na Ceia do Senhor – que lhe perguntou o que poderemos fazer para alcançar a comunhão neste ponto, o Papa disse não ser fácil responder em virtude das questões teológicas subjacentes à celebração da Ceia do Senhor. No entanto, recorda que o fundamental está salvaguardado. Com efeito, o Senhor sobre o pão e sobre o vinho disse “isto é o meu corpo”, “este é o meu sangue”, deu-os aos discípulos e mandou que o fizéssemos em Sua memória.
Depois, compartilhar a Ceia do Senhor é recordar e imitar o Senhor fazendo exatamente o que Ele fez. E hoje a celebração da Ceia, por um lado, é viático consolador na viagem de nossas vidas, por outro, prefigura o banquete final de todos com e em Cristo. Ora, para participar na celebração da Ceia é preciso ter recebido o Batismo e crer na presença de Cristo no Pão e no Vinho. Ora, o Batismo que recebemos é o mesmo num único Senhor; e a presença de Cristo é assumida por católicos e evangélicos. Porém, há uma diferença na perceção desta presença.
Ora, se temos o mesmo Batismo, devemos caminhar em conjunto. No caso vertente, estes cônjuges, além do Batismo, testemunham um caminho profundo – o caminho conjugal, próprio da família, do amor humano e da fé partilhada. E, quando um e outro se sentem pecadores, um diz o seu pecado a Deus e pede perdão; o outro abeira-se do sacerdote e pede a absolvição. São remédios iguais e diferentes para manter vivo o Batismo. Mas rezam em conjunto e o Batismo cresce e torna-se forte; e ensinam aos filhos quem é Jesus, porque veio ao mundo e o que fez – acabam por fazer o mesmo, seja em linguagem católica seja em linguagem luterana.
Quanto à Ceia, o Papa entende que tem de se avançar mais no diálogo teológico. No entanto, diz que é possível o casal encontrar forma de a Ceia ou a Missa servirem de acompanhamento de ambos os cônjuges e os filhos na vida do dia a dia. E aduziu o exemplo do pastor luterano cuja esposa era católica. Acompanhava-a a ela e aos filhos à Missa; e, depois, celebrava a Ceia com a comunidade que servia. É preciso falar em conjunto com o Senhor e avançar.
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À pergunta de uma suíça – tesoureira da comunidade e empenhada no projeto de acolhimento aos refugiados – que pergunta o que podemos fazer como cristãos para que as pessoas não se resignem ou não ergam novos muros, Francisco gracejou que, sendo suíça e tesoureira, tem todo o poder na mão. Mas adiantou logo: serviço, miséria, muros.  
O Papa verifica que desde o início o homem se armou em construtor de muros, que nos separam de Deus. Mais: há uma fantasia por trás dos muros humanos – tornar-se como Deus. Depois, os muros que separam de Deus também separam os homens e mulheres uns dos outros, quando a postura é “nós é que temos o poder, vós ficais de fora”. É a soberba do poder, é a exclusão.
Contra a tentação de erigir muros ou de os manter levantados, o Papa propõe o serviço à maneira de Jesus: fazer de último, lavar os pés; prestar serviço aos irmãos e irmãs, aos mais necessitados. Servir faz derrubar os muros que a miséria levanta.
Recusar o serviço equivale a defender o próprio poder, o egoísmo. Os muros do egoísmo são como o suicídio: fecham-nos. Mais: invoca-se o nome de Deus para fechar os corações e mesmo para matar.
Enfim, o que podemos fazer como cristãos para que as pessoas não se resignem ou não ergam novos muros é falar claro, rezar e servir. E isto, por pouco que se afigure, vale a pena. O Papa recorda que Madre Teresa de Calcutá se interrogava um dia sobre o que significa todo o esforço para fazer morrer com dignidade esta gente que está a três ou quatro dias da morte. E concluiu que, embora seja uma gota de água no mar, depois disto, o mar já não é o mesmo.
Mas a postura de derrubar muros deve ser constante, pois, como adverte Francisco, “com o serviço, os muros cairão por si, mas o nosso egoísmo, o nosso desejo de poder procura sempre construí-los”.
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Homilia do Santo Padre: as escolhas de Jesus
Durante a sua vida foram múltiplas as escolhas de Jesus: os primeiros discípulos; os doentes que sarava, a multidão que o seguia, o serviço, a cruz.
O que levava as multidões a segui-Lo? A autenticidade, falando como quem tem autoridade e não como os doutores da lei, que se pavoneavam. Com amor o Senhor escolhia e corrigia. E, se os discípulos falhavam nos métodos, como pôr a hipótese de fazer que desça fogo do céu, Ele os corrigia advertindo-os de que não sabiam que espírito era o deles.
Depois, o Bispo de Roma cita o caso da mãe dos filhos de Zebedeu (João e Tiago), que pedia ao Mestre que no seu Reino colocasse um dos filhos à direita e o outro à esquerda; e o dos discípulos de Emaús, que saíram de Jerusalém, após a morte de Jesus por medo. Sempre o Senhor faz as suas escolhas. No primeiro caso, não concede aqueles ligares cimeiros, mas convida ao serviço como em último; no segundo, acompanha, explica, apresenta-se e anima.
Mas, na opinião de Francisco, a grande escolha de Jesus vem alinhada com a do Rei que para as bodas do filho mandou que os servos fossem às encruzilhadas dos caminhos e trouxessem para o banquete todos, nomeadamente os cegos, os surdos, os coxos… – bons e cativos.
Depois, escolheu entre as 99 ovelhas que andavam juntas para ir à procura da ovelha perdida, não se refugiando no cálculo aritmético.
E a escolha de Cristo para os últimos dias – a definitiva – não é aferir se fomos à missa, se fizemos uma boa catequese, mas a questão tem a ver com os pobres, porque a pobreza está no coração do Evangelho (cf Mt, 25, 31-46). Ele é o exemplo acabado da pobreza: sendo rico, fez-se pobre para nos enriquecer com a sua pobreza. É o Senhor, mas é o servo. Despiu-se da sua condição de Deus, aniquilou-se, humilhou-se na obediência até à morte. É a escolha do serviço.
Não será, pois, viável a pretensão de discutir entre luteranos e católicos quais ficarão à direita ou à esquerda de Cristo no Seu Reino. Mas o que importa é enfrentarmos em conjunto os tempos de tribulação que nos desafiam: em razão do mesmo Batismo os cristãos são perseguidos, queimados vivos, temos enfim a mesma sorte. Deveríamos, pois, implorar perdão por isto, pelo escândalo da divisão, agora que todos enveredamos pela opção do serviço, como Jesus mandou.
Por fim, o Papa intuiu que devia pedir ao Senhor que serve, que Se digne ser hoje “o servo da unidade, que nos ajude a caminhar em conjunto”. Isto quer dizer que nós temos de rezar em conjunto; trabalhar em conjunto “pelos pobres, pelos necessitados”; e “amar-nos uns aos outros com amor de irmãos”.
Falta ainda uma coisa: superar a diversidade dos livros dogmáticos entre luteranos e católicos. Aqui Francisco aduz a asserção de um teólogo luterano de que “agora é o tempo da diversidade reconciliada no Senhor como Servo de Javé, daquele Deus que veio até nós para servir e não para ser servido”. É a pertinência do diálogo teológico.
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Do discurso que o Santo Padre tinha preparado: os pilares de um ecumenismo sólido
É óbvio que o discurso escrito não diverge do exposto, quer nas respostas às três questões levantadas pelos participantes no encontro, quer no comentário homilético. Será fácil de sistematizar os conteúdos (os materiais de que se fazem) os pilares do ecumenismo: oração, trabalho pelos pobres e diálogo doutrinal – mas tudo em conjunto, ou seja, em dinamismo sinodal. É um discurso naturalmente mais sistemático e menos conversacional.
Francisco começa por salientar o ensejo de compartilhar a oração fraterna e a oportunidade de refletir sobre as relações mútuas entre as duas Igrejas e sobre a situação ecuménica em geral. Ao mesmo tempo, sublinha os numerosos passos dados rumo à unidade, embora com a consciência de que muito está por fazer.
Tornando-se hoje o movimento ecuménico um elemento fundamental para as nossas comunidades, o progresso neste campo configura-se como o objetivo que mobiliza o empenho estável de muitas pessoas de diversas gerações – o que dá como resultado que, a nível local, regional e mundial, se experimente “um ecumenismo muito vivo”, de modo que, “mesmo fora das nossas comunidades, os homens e as mulheres de hoje estão na procura” da vivência da fé de modo autêntico, procura que “constitui o motivo principal do progresso ecuménico”.
Mais do que nas preocupações do homem, o ecumenismo deve reconhecer-se no sistema de reciprocidade como apanágio das comunidades de crentes que buscam o Reino de Deus e a sua justiça, vindo o resto por acréscimo. Ora, nesta caminhada comum, podemos aprender uns com os outros a vivência comum de uma fé sustentada, encorajada, experimentada e encarada como riqueza e fonte de força.
A parábola do Juízo Final (cf Mt 25,31-46) ensina que seremos julgados consoante “a nossa proximidade concreta” junto do irmão na sua condição real, o que postula a “capacidade de atenção, compaixão, partilha e serviço”. A este respeito, Francisco cita do Concílio Vaticano II as palavras iniciais da Constituição Pastoral Gaudium et Spes – “as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo” (GS, 1) – dizendo que se trata de “um modo de ser Igreja”.
Ora, sendo um modo de ser Igreja, “é também a vocação e missão ecuménica” de todos os cristãos, que se espelha no empenho comum no serviço da caridade (sobretudo para com os mais pequenos e os mais pobres), que torna credível a nossa fé e a nossa pertença a Cristo. Caso contrário, ficamos comprometidos pela divisão e conflito.
A todos se abre, na cooperação ecuménica, a possibilidade de assumir conjuntamente a alegria e a tarefa da caridade, a exercer com as crianças e os idosos (sobretudo os mais desprotegidos), os refugiados e com os demais necessitados de cuidado e sustento. Por outro lado, é urgente “reencontrar a riqueza da oração comum” (e a leitura comum da bíblia), dos textos litúrgicos e das várias formas de culto” (por exemplo, as celebrações ecuménicas da Palavra e a liturgia ecuménica das horas). E Francisco alude, em especial, à semana de oração pela unidade dos cristãos e à jornada de oração pelo cuidado da criação, bem como a diversas iniciativas da Igreja Luterana.
Além disso, movidos pelo Batismo, somos chamados ao aprofundamento do diálogo teológico em busca da verdade divina e na descoberta de novos aspetos da revelação, salientando que os esforços destes 50 anos (depois da promulgação do decreto conciliar sobre o ecumenismo) mostram mais o que nos une que aquilo que nos separa. Com a inabalável confiança no diálogo ecuménico podemos aprofundar em especial os temas da Igreja, da Eucaristia e do Ministério.
Depois, Francisco disponibiliza a Igreja Católica para reapreciar as intenções da Reforma e a figura de Martinho Lutero no quadro do postulado “Ecclesia semper reformanda”, de acordo com o esboçado no recente documento da Comissão luterano-católica para a unidade, “Do conflito à comunhão – Comemoração luterano-católica comum da Reforma no ano de 2017”, que “encarou e realizou esta reflexão de modo promissor”.
Assim, o ecumenismo católico-luterano – condição fundamental do testemunho convincente da nossa fé em Cristo face aos homens do nosso tempo – assenta nos seguintes pilares: a oração comum, a partilha diaconal (de serviço) aos pobres e o diálogo teológico. O Jubileu da Misericórdia, segundo o Papa, ajudará ao reforço do ecumenismo pela “redescoberta da misericórdia de Deus e da beleza do amor pelos irmãos”.
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Prosit!

2015.11.16 – Louro de Carvalho

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