Maio é aquele mês que o povo denomina
de mês das flores e os cristãos chamam de Mês de Maria, a flor das flores, a
rosa das rosas, no dizer de Afonso X – e abre com o Dia do Trabalhador.
Antes de mais, embora nome de mês se
deva grafar com minúscula quando não inicia frase ou título, deve-se usar-se
maiusculado se ele integrar a designação de efeméride ou denominação notável.
Por isso, mês de maio, mas Mês de Maria, o que me faz lamentar que,
no discurso do Presidente da República, venha invariavelmente grafada a
expressão “o 25 de abril”, quando deveria ser “O 25 de Abril”, porque referido
à Revolução dos Cravos (funcionando como se fora nome próprio).
Maio é efetivamente o 5.º mês do calendário
gregoriano, como já o era a partir da reorganização do calendário com Júlio
César, embora o número e a sequência dos meses tivesse muitas versões. Como os
nomes dos outros meses, tratava-se de adjetivo modificador do nome mensis, que passou a ficar subentendido.
Era o mês dedicado a Júpiter (numen maius – a divindade maior que as outras), o deus da luz ou do
dia (o Iuppiter Dialis). Terá derivado do nome de Maya, deusa grega, mãe de Hermes – o mensageiro dos deuses – que o
concebera de Zeus (o deus grego da luz e do dia – Zeus, Diós). Em Roma, a
mitologia contava com a deusa Maia ou Maiesta, a Bona Dea
(Boa Deusa), a mãe de Mercúrio, que o teve de Júpiter. Era a deusa do ressurgir da
natureza na primavera, da fecundidade e da abundância na terra, do cultivo e do
crescimento das plantas, da virgindade e da fertilidade na mulher. Veja-se como a maiestas
real (majestade, no latim, derivada de Maiesta)
coincide com a bonitas (bondade) que
o rei devia deter. Nas festas em honra de Maia romana, pelos vistos, não eram
admitidos os homens.
A designação de mês das flores tem a
ver com o rebentamento consolidado da floração iniciada com a primavera, agora em toda a pujança e exuberância. Se é o “mês das
flores”, é também mês das noivas, mês das mães e mês de Maria (a virgem da
beleza e do amor divino), o mês feminino por excelência do ano: o mês lírico,
poético, idílico, alegre, sonoro e colorido.
A mitologia greco-romana também conhecia o festival
das flores – a florália, donde as atuais
expressões jogos florais e batalha de flores – em homenagem a Maia e
que acontecia entre abril e maio. E, tal como nas festas primitivas que
celebravam a “Primavera”, além das flores, símbolo da renovação da vida,
os rituais maianos constavam de dança, festa e licenciosidade. Homens e mulheres,
libertos das roupagens sombrias e escuras do inverno, vestiam panos claros,
transparentes e flutuantes, rodopiando em campos verdejantes ao som do alaúde e
da flauta e usando flores nos cabelos, nos pulsos e na cintura.
Os festejos de primavera, entre os
celtas, celebravam não só o regresso do calor, como eram um louvor, uma homenagem
aos deuses que se fazia para almejar a boa colheita do trigo recém-semeado. Os
rituais de fertilidade traziam a festa para o campo, dançando os casais em
torno dum mastro, símbolo da árvore sagrada, em autênticos jogos de sedução,
através da técnica do enrolar e desenrolar de fitas coloridas, de aproximação e
afastamento mútuos.
Por tudo quanto era sítio se encenava
sobre a terra o ato sagrado que garantia a vida: a germinação das sementes. Na
última noite dos festejos, as orgias reproduziam o “casamento sagrado” que unia
o casal divino. E, repetindo ritualmente o ato criador original, fazia-se
circular a energia criativa, espalhando-a pelos campos cultivados, garantindo
assim magicamente a preservação da vida vegetal e animal até ao ano seguinte.
Hoje, em prol da garantia da vida,
consubstanciada no alimento, no lazer e na propagação da espécie, considera-se
que a forma de viver e de viver dignamente se apoia no trabalho, trabalho não
escravizante, mas que acautele o sustento condigno da pessoa e sua família,
obvie a um futuro de qualidade e previna situações de doença e ausência de
emprego.
Ora os devotos de Mercúrio (palavra da família de merx, mercedis, no latim, e mercê, mercancia, mercado, mercadoria e
mercantilismo, no português. Veja-se o materialismo originário do
tratamento de Vossa Mercê ou Você!) tornaram ao longo da História o trabalho, fonte de subsistência,
em modo de domínio e exploração do homem sobre o homem: penosidade, horário
excessivo, falta de pagamento adequado e ausência de folgas proporcionais.
Porém, o movimento de libertação da
escravidão laboral e de humanização do trabalho surgiu. E, assim, a grande manifestação de trabalhadores nas ruas Chicago, nos
Estados Unidos, no primeiro dia de maio de 1886, com a participação de milhares e milhares de pessoas, reivindicava a redução da jornada de trabalho para 8 horas diárias.
Nesse dia, teve início uma greve geral nos EUA. No dia 3 de maio, houve um
pequeno levantamento que acabou com uma escaramuça com a polícia e com a morte
de dezenas trabalhadores manifestantes. No dia seguinte, 4 de maio, uma nova manifestação
foi organizada como protesto pelos acontecimentos dos dias anteriores, tendo
terminado com o lançamento de uma bomba por desconhecidos para o meio dos
policiais que começavam a dispersar os manifestantes, matando sete agentes. A
polícia abriu então fogo sobre a multidão, matando doze pessoas e ferindo
dezenas. São acontecimentos que passaram a ser conhecidos como a Revolta de
Haymarket.
Porém, o movimento não parou. Três anos mais tarde, no dia 20 de junho de 1889, a segunda Internacional
Socialista reunida em Paris decidiu, por proposta de Raymond Lavigne, convocar
anualmente uma manifestação com o objetivo de lutar pelas 8 horas de trabalho
diárias. A data escolhida foi o 1.º de Maio, como homenagem às lutas sindicais
de Chicago. Em 1 de maio de 1891 uma manifestação no norte de
França foi dispersada pela polícia provocando a morte de dez manifestantes.
Esse novo drama serviu para reforçar o dia como dia de luta dos trabalhadores e,
meses depois, a Internacional Socialista de Bruxelas proclamou esse dia
como dia internacional de reivindicação das condições laborais.
Os primeiros frutos consolidados vieram tarde, mas
vieram. Assim, em 23 de abril de 1919, o senado francês ratificou
o dia de 8 horas e proclamou o dia 1 de maio desse ano como dia feriado; e, em
1920, a Rússia adotou o 1.º de maio como feriado nacional, exemplo que passou a
ser seguido por muitos outros países.
Apesar de até hoje os estadunidenses se negarem a
reconhecer a data como sendo o Dia do
Trabalhador, tal não impediu que, em 1890, a luta dos seus trabalhadores tivesse
conseguido que o Congresso aprovasse que a jornada de trabalho fosse reduzida
de 16 para 8 horas diárias.
Em Portugal, só a partir do 1.º de maio de 1974 (o ano
da revolução do 25 de Abril), em que se fez a primeira megamanifestação dos trabalhadores,
é que se voltou a comemorar livremente o Primeiro de Maio, que passou a
ser feriado nacional. Durante a Ditadura Nacional
e o Estado Novo, a comemoração deste
dia era reprimida pela polícia à luz da ideia governamental de que a
reivindicação laboral que desembocasse na greve configurava ato de crime.
Hoje, como se pode observar, maio continua a ser mês
excelente de primavera, mas já não com a licenciosidade orgíaca de antanho, a
não ser que nisso alguns inscrevam injustamente as semanas académicas. Mas o
comum de hoje é o trabalho, que se quer não escravizante, mas regulado e com situações
de lazer e folga quanto bastem para o “conseguimento”, e não mera consecução,
da dignidade da pessoa humana.
Fica bem abrir o mês de maio, o da força da natureza e
da energia humana, com o dia do trabalhador, em homenagem aos lutadores pelo
direito ao trabalho regrado e regulado, e bem assim como celebração do trabalho
como forma de vida condigna com o estatuto que o homem quer para si de suficiência
contra a avareza, o parasitismo e a preguiça.
E para os crentes, em louvor do trabalho humano, hoje é comemorado o dia de São José Operário, instituído pelo Papa Pio XII, em 1955, para oferecer ao trabalhador cristão
um modelo e um protetor. José, de facto de família real, unido em matrimónio
com a mais santa e a maior entre todas as mulheres, considerado como o pai adotivo
do Filho de Deus, não obstante tudo, passou a vida inteira a trabalhar e a tirar
do seu trabalho de artesão carpinteiro tudo o que
era necessário ao sustento da família.
Mas o mês
maiano é o Mês de Maria, que os cristãos assinalam com a recitação comunitária
do terço do rosário e com diversas festividades marianas, de que se destacam,
além das que por aqui ou por ali revelam forte piedade popular: Nossa Senhora
Medianeira de Todas as Graças, no dia 8; Nossa Senhora do Rosário de Fátima, no
dia 13; Nossa Senhora da Estrada, no dia 24; e Visitação de Nossa Senhora, no
dia 31. Não se trata de uma deusa, mas da mãe do autor da Vida, Jesus de Nazaré,
o Cristo da fé dos homens.
Quanto a
flores, em Portugal, além da pujança florida nos jardins e nos diversos
recantos naturais, destacam-se as maias, as flores de giesta amarelas ou
brancas, assim como as festas das maias que se celebram em algumas regiões. As
portas das casas, as bonecas de trapos ou as grelhas dos automóveis são
enfeitadas com ramos de giesta amarela ou com coroas de flores também chamadas maias ou maios. É
um vestígio do Beltane, antigo festejo
celta, já referido e que assinalava o início do verão.
E para
cumular a riqueza do mês mariano, das flores ou do trabalho, o primeiro domingo
do mês celebra a Mãe de cada um dos seres humanos, a mãe de carne e osso, de alma
e energia, a heroína de todas as horas, a geratriz e o amparo da vida, a
multiplicadora do trabalho e das energias.
Sendo assim,
Ao trabalho,
ao povo que trabalha, à mãe que deu vida e força para o trabalho, à mulher da intuição
e à Senhora da Estrada ou do Trabalho ou da Boa Relação Interpessoal – a homenagem
florida do trabalhador que reza, canta, fala, ouve, escreve e se cala também às
vezes.
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