segunda-feira, 26 de maio de 2014

Para onde vai a Europa? Que fazer em Portugal com estas eleições?

São conhecidos os resultados das eleições para o Parlamento Europeu e encontra-se já praticamente desenhada a distribuição de mandatos naquele areópago internacional. Nestes termos, verifica-se que as formações partidárias que se organizam em torno dos dois grandes grupos europeístas PPE (grupo do Partido Popular Europeu) e S&D (Grupo da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas) ainda são quem obteve o maior número de votos dos validamente expressos em toda a UE. No entanto, o PPE (213 mandatos, resultantes de 28,36% dos votos), que ganhou as eleições, não dispõe de maioria capaz de claramente puxar pelo projeto europeu, a não ser com opões concertadas com a segunda formação partidária, que se lhe segue em resultados, a S&D (190 mandatos, resultantes de 25,30% dos votos).
Esta situação da correlação das forças políticas, inquestionavelmente europeístas, resulta indubitavelmente do facto de terem mostrado um frágil interesse na corporização do desígnio da Europa dos cidadãos pautada pelo princípio da subsidiariedade e pelo valor da solidariedade. Com efeito, a união política, a governabilidade, a união económica e financeira – reguladas por uma efetiva união bancária, com uma moeda única a servir de instrumento gestionário e relacional – está longe de aparecer no horizonte. Depois, os grandes rasgos perspetivados na UE – circulação de pessoas e bens, acesso a emprego em qualquer dos Estados-membros, patamares mínimos comuns em educação, saúde e segurança social, combate eficaz ao terrorismo, medidas sérias anticorrupção, elevação equânime dos salários, responsabilidades comuns nas dívidas públicas, permeabilidade de serviços – são ainda valores distantes.
Não bastava esta distância dos valores e das raízes (cristãs, humanistas e iluministas) e eis que muitos partidos populistas, eurocéticos ou nacionalistas (alguns são mesmo antieuropeístas; e vão lá fazer o quê?) vão entrar no Parlamento Europeu. Em alguns países, não tanto quanto se temia. Contudo, “a França dá um sinal de alarme com a vitória da Frente Nacional”, afirmou o ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, o socialdemocrata Frank-Walter Steinmeier.
Bastará este susto, que faz do Parlamento a visível manta de retalhos, para levar a cabo a profecia do primeiro-ministro francês Manuel Valls, que se afirmou “convencido que a Europa pode ser reorientada para apoiar mais o crescimento e o emprego, o que não faz há anos”?
A fragmentação parlamentar verificada após as eleições europeias em que mais de metade dos eleitores se absteve (a participação cifra-se nos 43.09%), mostra à saciedade as fragilidades do desenvolvimento do projeto de uma Europa mais unida nos papéis que na prática. E, sobretudo, que mensagem de futuro dará aos cidadãos uma UE que não soube ou não quis responder a uma crise sistémica, a não ser pela austeridade sobre os países em dificuldade e resgate dos bancos de Alemanha e quiçá França? Que peso moral e político terá uma UE que perante conflitos regionais e mundiais tem apresentado uma posição débil, quase obediente aos ditames norte-americanos?
O facto de os grandes partidos pró-europeus, embora continuem largamente maioritários, terem perdido bastante poder em relação a 2009, dever-se-á muito ao descalabro do PS francês. O resultado global obtido por aqueles partidos só não terá sido pior mercê dos bons resultados do Partido Democrata do primeiro-ministro Matteo Renzi, em Itália. Os outros partidos pró-europeus também estão a cair, com os liberais a conseguirem menos lugares que em 2009 e os Verdes a perderem cinco. Porém, crescem os partidos radicais. A extrema-direita francesa de Marine Le Pen arrebatou o maior número de votos. A esquerda radical, que apresentou o grego Alexis Tsipras como candidato à presidência da Comissão, melhora a sua presença, sobretudo devido à vitória do Syriza na Grécia. E, sempre contrariante da possibilidade de o Parlamento escolher o próximo presidente da Comissão, o primeiro-ministro britânico David Cameron viu a sua posição reforçada pela vitória do Ukip.
E, colocando-se a questão estritamente política da escolha do presidente da Comissão, sabe-se que a novidade destas eleições poderia levar à escolha da presidência deste órgão com base necessária nos resultados eleitorais. Efetivamente, segundo os tratados mais recentemente aprovados, caberá ao Conselho Europeu propor o Presidente da Comissão, tendo em conta os resultados das eleições para o Parlamento, que este órgão coerentemente sancionaria pelo sistema de votação maioritária. Por isso, sugiram na ribalta das campanhas eleitorais candidatos a Presidente da Comissão: Jean-Claude Juncker, Martin Schulz, Tsipras, Guy Verhofstadt e a dupla Ska Keller/José Bové.
Segundo as expectativas criadas junto dos eleitores, os nomes da provável escolha seriam Jean-Claude Juncker, pelo PPE, ou Martin Schulz, pela S&D, no pressuposto de que a formação política de que emerge cada um deles obteria resultados que possibilitassem a escolha do seu candidato. Porém, ante os resultados escrutinados, a escolha do Presidente torna-se problemática. Ou os grandes partidos se entendem em torno de um destes seus candidatos ou terão de encontrar um terceiro nome. Entre os nomes que já circulam está a atual diretora do FMI, a francesa Christine Lagarde, e a primeira-ministra dinamarquesa, Helle Thorning-Schmidt.
E, se o luxemburguês Juncker, candidato do PPE à sucessão de Barroso e considerado demasiado “federalista” pelos britânicos, garante que não se vai ajoelhar diante de nenhum líder, porque “ganhou as eleições”, os dirigentes não têm essa certeza. Assim, a chanceler alemã Angela Merkel, mais do que nunca vista como a dona da União Europeia, nunca se mostrou entusiasta com a afirmação hegemónica do Parlamento e da Comissão em detrimento dos Estados (do seu Estado), podendo vir a aproveitar o impasse para impor o seu candidato. Mais: disse-se feliz com o “resultado sólido” dos conservadores alemães e preparada para discutir o novo presidente da Comissão Europeia. Por seu turno, na carta de convite aos dirigentes dos 28, o presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, dizia ser “cedo demais” para falar em nome para a presidência da Comissão. Assim, em conformidade com a mencionada carta-convite, os chefes de Estado e de Governo dos 28 Estados membros reúnem-se no dia 27 à noite, em Bruxelas, para análise dos resultados das eleições, marcadas por uma clara rejeição das instituições europeias em vários países, a acompanhar o voto de protesto (ou o refúgio no não voto) em relação a muitas das políticas nacionais.
Ora, se a simples escolha do presidente de um órgão comunitário se torna tão problemática, como é que poderemos crer na capacidade da autoridade comunitária para afirmar e desenvolver o projeto europeu conforme ele se encontra perspetivado e definido? A Europa caminha para a consolidação de si mesma ou aproxima-se do abismo? Tudo depende dos homens, dos crentes na Europa!
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No caso português, o comentador político de domingo da TVI estará bem frustrado por dois motivos: a sua coligação AP (Aliança Portugal) perdeu estrondosamente as eleições com o pior resultado de sempre (27,7%); o PPE ganhou, mas sem possibilidade de impor o seu candidato na presidência da Comissão, razão pela qual ele recomendara fervorosamente o voto na AP. Mas, deixando de lado esta ferroada de mau gosto, fixemo-nos em aspetos essenciais, mas não sem considerar os que também são importantes a nível sintomático. Entre estes, contam-se: a significativa perda de votos do Bloco de Esquerda (BE), com menos um mandato; a acentuada subida da CDU, com mais um mandato; a novidade do volume de votos no Movimento do partido da Terra (MPT), pelos vistos, com dois mandatos; e a obnubilação do Partido Livre, em que muitos diziam ter esperança.
Mas os aspetos essenciais prendem-se com o crescimento da abstenção, a subida aterradora da percentagem de votos nulos e brancos e a ambiguidade da vitória/derrota. Antes de mais, a abstenção cresceu, embora tal crescimento possa ter sido nominalmente potenciado pelo volume de emigrantes que mantêm o recenseamento em território nacional. E, se os partidos sabem que os portugueses estão tão divorciados da política, têm a obrigação grave de mudar de postura em relação ao Estado, de estratégia e de discurso e, paralelamente à campanha ideológica e de projeto, têm de mobilizar para o voto como dever e direito cívico de todos. E as entidades que detêm o múnus da formação em cidadania (escolas, partidos, associações, empresas, Igrejas…) têm de recentrar as metas e os objetivos da formação. No caso, das eleições europeias, havia que discutir a sério as grandes questões do projeto europeu, as propostas para melhorar a caminhada da UE e os temas e problemas nacionais na sua relação com a Europa (aspetos positivos, aspetos negativos, influências mútuas, servilismos, hegemonias, etc.). E isto não se fez. Perdeu-se imenso tempo com nomes, com aparições e com a manutenção de más escolhas. Assim, não admira que, desgraçadamente, ao protesto plasmado na abstenção crescente se tenha adicionado o protesto evidenciado pelo voto branco e pelo voto nulo (7% é muito e não pode decorrer da distração ou da inépcia do eleitor!) e, ainda, pelo não acesso de 12 mil eleitores ao voto por não funcionamento das respetivas mesas.
Quanto à ambiguidade da expressão de voto, registam-se dois fenómenos suplementares: a dispersão de votos pelos partidos. Foram identificados os partidos que obtiveram mandatos, embora não tenham direito a canto de vitória. Porém, muitos eleitores depositaram a sua confiança em muitos dos pequenos partidos. Mas o que dá que pensar é o duplo fenómeno da derrota estrondosa da AP, com menos de 30% dos votos do eleitorado votante; e a vitória tangencial do Partido Socialista, que sabe a pouco, no dizer de António Costa.
Como é possível que uma coligação que tanto mal fez aos serviços públicos e parapúblicos, às pequenas e médias empresas, ao povo trabalhador e aos aposentados/reformados perspetive uma vitória eleitoral nas próximas eleições legislativas? Mais: como é que têm os líderes a distinta coragem de prometer que, a partir do dia seguinte ao das eleições, devolveriam a esperança aos portugueses? Será que o eleitoralismo vai anular tudo o que está previsto no DEO, na carta de conforto ao FMI e no espectro de resoluções do TC desalinhadas das opções do governo?
E, com todo o respeito pelo eleitorado, pergunto-me: Será que não se pagam impostos, não há reformados, não se anularam SCUT e não se fecharam serviços públicos nos distritos de Aveiro, Braga, Bragança, Leiria, Viana do Castelo, Vila Real e Viseu? Porque não querem vir para cá morar os governantes, se aqui se vive tão bem com os benefícios da AP?

Porém, a vitória do PS (31,4%), pela diferença de uns magros quase 4%, não dá para cantar, cantar, cantar. Ao ouvir os socialistas, lembrei-me do cacarejar da galinha, depois de ela pôr um simples ovo, ou da euforia do meio bêbado, que faz trinta por uma linha. Terá este partido socialista a capacidade de governar de forma aceitável, no período pós-troika, um país verdadeiramente estilhaçado pela penúria resultante da austeridade sentida pelos mais frágeis e pela classe média verdadeiramente esgotada? Servir-lhe-á esta liderança invertebrada e inerme na postura e no discurso. Parece que há um país ansioso por sair do túnel e o braço seguro de que precisa não se revela nada seguro, mas garante que se sente bem seguro… E o país precisa de quem o lidere, sem se armar em Messias caído de para-quedas!

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