sexta-feira, 9 de maio de 2014

O papel do professor católico na escola

A agência Ecclesia dá hoje, 9 de maio, Dia da Europa, relevo à informação de que os bispos e outros responsáveis pela pastoral nas escolas das Conferências Episcopais da Europa, ao todo 70 participantes, vão reunir-se em Sarajevo, na Bósnia Herzegovina, entre os dias 15 e 18, para refletir sobre a figura do professor católico.
O principal tema na agenda do encontro, de acordo com o noticiado, será “a formação cristã e o acompanhamento espiritual dos professores católicos na escola”, cujo debate, nas palavras do padre Michel Remery, secretário-geral adjunto do CCEE, se fundamenta no “papel fundamental que o professor tem, juntamente com os pais, na formação integral e, portanto, também na formação espiritual dos jovens”.
Quanto ao reconhecido papel fundamental do professor, o estratega do encontro adianta, segundo a mencionada agência Ecclesia, que “ser professor significa estabelecer uma relação pessoal e sábia com o aluno. Esta relação deve ser capaz de transmitir a palavra de vida, mesmo antes das ideias”.
É óbvio que o professor católico, em termos genéricos, não pode armar-se em professor diferente dos outros. Neste sentido, ele “desenvolve a sua atividade profissional de acordo com as orientações de política educativa e observando as exigências do currículo nacional, dos programas e das orientações programáticas ou curriculares em vigor, bem como do projeto educativo da escola”, mas tendo em conta que as suas funções devem ser “exercidas com responsabilidade profissional e autonomia técnica e científica” (cf ECD, art.º 35.º). No horizonte da sua atividade deve estar presente os objetivos da educação definidos constitucionalmente: “contribui para a igualdade de oportunidades, a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais, o desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, de compreensão mútua, de solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social e para a participação democrática na vida coletiva” (CRP, art.º 73.º/2).
E não se pense que a nossa CRP não está alinhada com os melhores princípios estabelecidos internacionalmente. O n.º 2 do seu art.º 43.º, transcrito pela alínea a) do n.º 3 do art.º 2.º da Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE), prescreve que “o Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer diretrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas”. Estes aspetos concernentes a matéria educativa fazem parte daqueles artigos que o bispo emérito de Setúbal afirma serem “evangelho puro”.
Por seu turno, a LBSE declara, no referido artigo, que o Sistema Educativo contribui
para o desenvolvimento pleno e harmonioso da personalidade dos indivíduos, incentivando a formação de cidadãos livres, responsáveis, autónomos e solidários e valorizando a dimensão humana do trabalho” (n.º 4).
Por outro lado, pretende que a educação promova
o desenvolvimento do espírito democrático e pluralista, respeitador dos outros e das suas ideias, aberto ao diálogo e à livre troca de opiniões, formando cidadãos capazes de julgarem com espírito crítico e criativo o meio social em que se integram e de se empenharem na sua transformação progressiva” (n.º 5).
***
A especificidade do professor católico é a definida na exortação apostólica Evangelii Nuntiandi, em dezembro de 1975, para o leigo inserido na dinâmica autonómica das realidades terrestres entre as quais vem a educação e que constituem o campo próprio da atividade laical:
O campo próprio da sua atividade evangelizadora é o mesmo mundo vasto e complicado da política, da realidade social e da economia, como também o da cultura, das ciências e das artes, da vida internacional, dos ‘mass media’ e, ainda, outras realidades abertas para a evangelização, como sejam o amor, a família, a educação das crianças e dos adolescentes, o trabalho profissional e o sofrimento. Quanto mais leigos houver impregnados do Evangelho, responsáveis em relação a tais realidades e comprometidos claramente nas mesmas, competentes para as promover e conscientes de que é necessário fazer desabrochar a sua capacidade cristã, muitas vezes, escondida e asfixiada, tanto mais essas realidades, sem nada perder ou sacrificar do próprio coeficiente humano, mas patenteando uma dimensão transcendente para o Além, não raro desconhecida, se virão a encontrar ao serviço da edificação do reino de Deus e, por conseguinte, da salvação em Jesus Cristo. (EN, 70).
Como se depreende, a educação é uma das vertentes da atividade laical. E exige a dedicação competente e a marca discreta, mas eficaz, do espírito evangélico, assente na índole humana da pessoa e do trabalho, porém, aberta ao transcendente.
Já o decreto conciliar Apostolicam Actuositatem ensinava dez anos antes:
Quanto aos leigos, devem eles assumir como encargo próprio seu essa edificação da ordem temporal e agir nela de modo direto e definido, guiados pela luz do Evangelho e a mente da Igreja e movidos pela caridade cristã; enquanto cidadãos, cooperar com os demais com a sua competência específica e a própria responsabilidade; buscando sempre e em todas as coisas a justiça do reino de Deus. A ordem temporal deve ser construída de tal modo que, respeitadas integralmente as suas leis próprias, se torne, para além disso, conforme aos princípios da vida cristã, de modo adaptado às diferentes condições de lugares, tempos e povos. (AA, 30).
O decreto conciliar, fazendo apelo à competência específica de cada um, apela à cooperação entre todos e exige dos cristãos a busca da “justiça do reino de Deus”, mas no respeito integral das leis próprias da ordem temporal, almejando que esta se conforme aos princípios da vida cristã.
***
Porém, a informação com que este arrazoado se iniciou comporta ainda a incidência do encontro sobre “a situação e o papel das escolas católicas para o futuro da Bósnia-Herzegovina, um país que ainda carrega as feridas da guerra, como mostram as recentes manifestações no país”. É natural que, sendo anfitriã do encontro Conferência Episcopal da Bósnia-Herzegovina, a problemática local tenha o seu lugar no debate. No entanto, não pode perder-se de vista o facto de o evento ter dimensão europeia e se realizar seis anos após o último encontro, que decorreu em Roma, sobre a escola católica na esfera pública europeia.
O professor católico, sobretudo o que trabalhe numa escola, não pode deixar de ter permanentemente diante de seus olhos o que a declaração conciliar sobre a educação cristã Gravissimum Educationis enuncia no seu n.º 5
 – Sobre a escola:
Entre todos os meios de educação, tem especial importância a escola, que, em virtude da sua missão, enquanto cultiva atentamente as faculdades intelectuais, desenvolve a capacidade de julgar retamente, introduz no património cultural adquirido pelas gerações passadas, promove o sentido dos valores, prepara a vida profissional, e criando entre alunos de índole e condição diferentes um convívio amigável, favorece a disposição à compreensão mútua; além disso, constitui como que um centro em cuja operosidade e progresso devem tomar parte, juntamente, as famílias, os professores, os vários agrupamentos que promovem a vida cultural, cívica e religiosa, a sociedade civil e toda a comunidade humana.
Sobre os trabalhadores da educação
É bela, portanto, e de grande responsabilidade a vocação de todos aqueles que, ajudando os pais no cumprimento do seu dever e fazendo as vezes da comunidade humana, têm o dever de educar nas escolas; esta vocação exige especiais qualidades de inteligência e de coração, uma preparação esmeradíssima e uma vontade sempre pronta à renovação e adaptação.
O documento reconhece a posição privilegiada da escola em virtude da sua missão. E discrimina a vertente intelectual, a retidão do discernimento, a memória patrimonial, o sentido dos valores, a preparação para a vida profissional, a criação da capacidade de convívio amigável e mútua compreensão e, enfim, a promoção da integralidade da vida – cultural, cívica e religiosa – no quadro da sociedade civil e de toda a comunidade humana.
Quanto aos trabalhadores da educação, evidencia-se-lhes a vocação educacional, a grande responsabilidade, a componente de ajuda aos pais no cumprimento do dever deles, o estatuto de representantes da comunidade humana no dever educativo escolar. E tudo isto comporta exigências intelectuais e emocionais, preparação acurada e vontade de renovação e adaptação.
Mais recentemente, em 2009, a Congregação para a Educação Católica, pela carta-circular n.º 520/2009, refere-se à escola católica nos termos seguintes:
Uma escola católica carateriza-se pelo vínculo institucional que mantém com a hierarquia da Igreja, que garante que o ensino e a educação sejam fundados sobre princípios da fé católica e ensinados por professores que se distinguem pela reta doutrina e pela probidade de vida. Nestes centros educativos, abertos a todos os que partilhem e respeitem o projeto educativo, deve-se viver um ambiente escolar imbuído do espírito evangélico de liberdade e caridade, que favoreça um desenvolvimento harmónico da personalidade de cada um. Neste ambiente é ordenada toda a cultura humana à mensagem da salvação, de modo que o conhecimento do mundo, da vida e do homem, que os alunos gradualmente adquirem, seja iluminado pelo Evangelho (n.º 6).
Neste documento, que assume o estabelecido na citada declaração conciliar, no seu n.º 8 – bem como no código de direito canónico e no código dos cânones das igrejas orientais, nos textos atinentes à educação – a escola católica é marcada pelos estritos vínculos à hierarquia, aos princípios da fé católica, à retidão de doutrina e de vida dos professores, à abertura a todos (desde que aceitem o projeto educativo que ela estabelecer e a que tem de se ligar), à vivência dos princípios evangélicos da liberdade e da caridade, e à procura do desenvolvimento harmónico da personalidade de cada um.
Mas o documento entende que, através da escola católica, “está assegurado o direito das famílias e dos alunos a uma educação autenticamente católica” e, não sendo esta escola uma ilha no oceano do mundo, por ela, ao mesmo tempo, se atingem “os outros fins culturais e de formação humana e académica dos jovens, que são próprios de qualquer escola”.
***

Ora, apesar de, olhando para o panorama geral das escolas católicas, me tentar questionar onde está a vinculação das escolas católicas àquelas premissas – de rigor, liberdade e integralidade, abertura e verdade – faço votos, neste Dia da Europa, para que o encontro de meados de maio do CCEE decorra em clima de franco debate, obtenha os melhores resultados e contribua para a renovação da operacionalidade e imagem das escolas católicas, de modo que estas sirvam de referência para as outras e constituam uma alternativa de real mais-valia.

Sem comentários:

Enviar um comentário