A agência Ecclesia dá hoje, 9 de maio, Dia da Europa, relevo à informação de
que os bispos e outros responsáveis pela pastoral nas escolas das Conferências
Episcopais da Europa, ao todo 70 participantes, vão reunir-se em Sarajevo, na
Bósnia Herzegovina, entre os dias 15 e 18, para refletir sobre a figura do
professor católico.
O principal
tema na agenda do encontro, de acordo com o noticiado, será “a formação cristã
e o acompanhamento espiritual dos professores católicos na escola”, cujo debate,
nas palavras do padre Michel Remery, secretário-geral adjunto do CCEE, se
fundamenta no “papel fundamental que o professor tem, juntamente com os pais,
na formação integral e, portanto, também na formação espiritual dos jovens”.
Quanto ao reconhecido
papel fundamental do professor, o estratega do encontro adianta, segundo a
mencionada agência Ecclesia, que “ser
professor significa estabelecer uma relação pessoal e sábia com o aluno. Esta
relação deve ser capaz de transmitir a palavra de vida, mesmo antes das ideias”.
É óbvio que
o professor católico, em termos genéricos, não pode armar-se em professor
diferente dos outros. Neste sentido, ele “desenvolve a sua atividade
profissional de acordo com as orientações de política educativa e observando as
exigências do currículo nacional, dos programas e das orientações programáticas
ou curriculares em vigor, bem como do projeto educativo da escola”, mas tendo
em conta que as suas funções devem ser “exercidas com responsabilidade
profissional e autonomia técnica e científica” (cf ECD, art.º 35.º). No
horizonte da sua atividade deve estar presente os objetivos da educação
definidos constitucionalmente: “contribui para a igualdade de oportunidades, a
superação das desigualdades económicas, sociais e culturais, o desenvolvimento da
personalidade e do espírito de tolerância, de compreensão mútua, de
solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social e para a
participação democrática na vida coletiva” (CRP, art.º 73.º/2).
E não se pense que a nossa CRP não está alinhada com os melhores princípios
estabelecidos internacionalmente. O n.º 2 do seu art.º 43.º, transcrito pela alínea
a) do n.º 3 do art.º 2.º da Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE), prescreve
que “o Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer diretrizes
filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas”. Estes aspetos
concernentes a matéria educativa fazem parte daqueles artigos que o bispo
emérito de Setúbal afirma serem “evangelho puro”.
Por seu turno, a LBSE declara, no referido artigo, que o Sistema Educativo
contribui
“para o desenvolvimento pleno e harmonioso da personalidade dos
indivíduos, incentivando a formação de cidadãos livres, responsáveis, autónomos
e solidários e valorizando a dimensão humana do trabalho” (n.º 4).
Por outro lado, pretende que a educação promova
“o desenvolvimento do espírito democrático e pluralista, respeitador dos
outros e das suas ideias, aberto ao diálogo e à livre troca de opiniões,
formando cidadãos capazes de julgarem com espírito crítico e criativo o meio
social em que se integram e de se empenharem na sua transformação progressiva”
(n.º 5).
***
A especificidade do professor católico é a definida na exortação
apostólica Evangelii Nuntiandi, em dezembro
de 1975, para o leigo inserido na dinâmica autonómica das realidades terrestres
entre as quais vem a educação e que constituem o campo próprio da atividade
laical:
O campo próprio da sua atividade evangelizadora é
o mesmo mundo vasto e complicado da política, da realidade social e da
economia, como também o da cultura, das ciências e das artes, da vida
internacional, dos ‘mass media’ e, ainda, outras realidades abertas para a
evangelização, como sejam o amor, a família, a educação das crianças e dos adolescentes, o trabalho
profissional e o sofrimento. Quanto mais leigos houver impregnados do
Evangelho, responsáveis em relação a tais realidades e comprometidos claramente
nas mesmas, competentes para as promover e conscientes de que é necessário
fazer desabrochar a sua capacidade cristã, muitas vezes, escondida e asfixiada,
tanto mais essas realidades, sem nada perder ou sacrificar do próprio coeficiente
humano, mas patenteando uma dimensão transcendente para o Além, não raro
desconhecida, se virão a encontrar ao serviço da edificação do reino de Deus e,
por conseguinte, da salvação em Jesus Cristo. (EN, 70).
Como se depreende, a educação é uma
das vertentes da atividade laical. E exige a dedicação competente e a marca
discreta, mas eficaz, do espírito evangélico, assente na índole humana da pessoa
e do trabalho, porém, aberta ao transcendente.
Já o decreto conciliar Apostolicam Actuositatem ensinava dez
anos antes:
Quanto aos
leigos, devem eles assumir como encargo próprio seu essa edificação da ordem
temporal e agir nela de modo direto e definido, guiados pela luz do Evangelho e
a mente da Igreja e movidos pela caridade cristã; enquanto cidadãos, cooperar
com os demais com a sua competência específica e a própria responsabilidade;
buscando sempre e em todas as coisas a justiça do reino de Deus. A ordem
temporal deve ser construída de tal modo que, respeitadas integralmente as suas
leis próprias, se torne, para além disso, conforme aos princípios da vida
cristã, de modo adaptado às diferentes condições de lugares, tempos e povos.
(AA, 30).
O decreto conciliar, fazendo apelo à competência
específica de cada um, apela à cooperação entre todos e exige dos cristãos a
busca da “justiça do reino de Deus”, mas no respeito integral das leis próprias
da ordem temporal, almejando que esta se conforme aos princípios da vida cristã.
***
Porém, a informação com que este
arrazoado se iniciou comporta ainda a incidência do encontro sobre “a situação
e o papel das escolas católicas para o futuro da Bósnia-Herzegovina, um país
que ainda carrega as feridas da guerra, como mostram as recentes manifestações
no país”. É natural que, sendo anfitriã do encontro Conferência Episcopal da
Bósnia-Herzegovina, a problemática local tenha o seu lugar no debate. No entanto,
não pode perder-se de vista o facto de o evento ter dimensão europeia e se realizar
seis anos após o último encontro, que decorreu em Roma, sobre a escola católica
na esfera pública europeia.
O professor católico, sobretudo o que
trabalhe numa escola, não pode deixar de ter permanentemente diante de seus
olhos o que a declaração conciliar sobre a educação cristã Gravissimum Educationis enuncia no seu n.º 5
– Sobre a escola:
Entre todos os meios de
educação, tem especial importância a escola, que, em virtude da sua missão,
enquanto cultiva atentamente as faculdades intelectuais, desenvolve a
capacidade de julgar retamente, introduz no património cultural adquirido pelas
gerações passadas, promove o sentido dos valores, prepara a vida profissional,
e criando entre alunos de índole e condição diferentes um convívio amigável,
favorece a disposição à compreensão mútua; além disso, constitui como que um
centro em cuja operosidade e progresso devem tomar parte, juntamente, as
famílias, os professores, os vários agrupamentos que promovem a vida cultural,
cívica e religiosa, a sociedade civil e toda a comunidade humana.
– Sobre os trabalhadores da
educação
É bela, portanto, e de
grande responsabilidade a vocação de todos aqueles que, ajudando os pais no
cumprimento do seu dever e fazendo as vezes da comunidade humana, têm o dever
de educar nas escolas; esta vocação exige especiais qualidades de inteligência
e de coração, uma preparação esmeradíssima e uma vontade sempre pronta à
renovação e adaptação.
O documento reconhece a posição privilegiada
da escola em virtude da sua missão. E discrimina a vertente intelectual, a retidão
do discernimento, a memória patrimonial, o sentido dos valores, a preparação
para a vida profissional, a criação da capacidade de convívio amigável e mútua
compreensão e, enfim, a promoção da integralidade da vida – cultural, cívica e
religiosa – no quadro da sociedade civil e de toda a comunidade humana.
Quanto aos trabalhadores da educação,
evidencia-se-lhes a vocação educacional, a grande responsabilidade, a componente
de ajuda aos pais no cumprimento do dever deles, o estatuto de representantes
da comunidade humana no dever educativo escolar. E tudo isto comporta
exigências intelectuais e emocionais, preparação acurada e vontade de renovação
e adaptação.
Mais recentemente, em 2009, a Congregação
para a Educação Católica, pela carta-circular n.º 520/2009, refere-se à escola
católica nos termos seguintes:
Uma escola católica carateriza-se
pelo vínculo institucional que mantém com a hierarquia da Igreja, que garante
que o ensino e a educação sejam fundados sobre princípios da fé católica e
ensinados por professores que se distinguem pela reta doutrina e pela probidade
de vida. Nestes centros educativos, abertos a todos os que partilhem e
respeitem o projeto educativo, deve-se viver um ambiente escolar imbuído do
espírito evangélico de liberdade e caridade, que favoreça um desenvolvimento
harmónico da personalidade de cada um. Neste ambiente é ordenada toda a cultura
humana à mensagem da salvação, de modo que o conhecimento do mundo, da vida e
do homem, que os alunos gradualmente adquirem, seja iluminado pelo Evangelho (n.º
6).
Neste documento, que assume o
estabelecido na citada declaração conciliar, no seu n.º 8 – bem como no código
de direito canónico e no código dos cânones das igrejas orientais, nos textos atinentes
à educação – a escola católica é marcada pelos estritos vínculos à hierarquia,
aos princípios da fé católica, à retidão de doutrina e de vida dos professores,
à abertura a todos (desde que aceitem o
projeto educativo que ela estabelecer e a que tem de se ligar), à vivência
dos princípios evangélicos da liberdade e da caridade, e à procura do desenvolvimento
harmónico da personalidade de cada um.
Mas o documento entende que, através
da escola católica, “está assegurado o direito das
famílias e dos alunos a uma educação autenticamente católica” e, não sendo esta
escola uma ilha no oceano do mundo, por ela, ao mesmo tempo, se atingem “os
outros fins culturais e de formação humana e académica dos jovens, que são
próprios de qualquer escola”.
***
Ora, apesar de, olhando
para o panorama geral das escolas católicas, me tentar questionar onde está a
vinculação das escolas católicas àquelas premissas – de rigor, liberdade e
integralidade, abertura e verdade – faço votos, neste Dia da Europa, para que o encontro de meados de maio do CCEE
decorra em clima de franco debate, obtenha os melhores resultados e contribua
para a renovação da operacionalidade e imagem das escolas católicas, de modo
que estas sirvam de referência para as outras e constituam uma alternativa de
real mais-valia.
Sem comentários:
Enviar um comentário