Um inquérito que foi lançado, sob a
égide da Universidade de Évora, a milhares de estudantes e também a professores
e dirigentes de escolas, agora mais propriamente agrupamentos de escolas,
revela dados curiosos, mas que não sei se era necessário recorrer a tal
auscultação de opinião para chegarmos ao conhecimento deles.
Todavia, merecem reflexão e
desapontamento. A reflexão tem a ver com o reconhecimento de que algo vai mal
no sistema, que não exatamente o que foi dito nem o porquê do que foi dito.
Especificando, é certo que os programas escolares das diversas disciplinas do
ensino secundário são notoriamente extensos; as disciplinas no 10.º ano e no
11.º são bastantes, o que não acontece no 12.º (e, pelo menos no que a
comunicação social acentua, tal diferença não vem anotada), e o número de
alunos por turma, em regra, é excessivo. Já não será verdade que os alunos não
dispõem de tempo para estudo e outras ocupações também necessárias à vida e à
educação.
Referem muitos dos inquiridos que não
é suficiente a articulação do ensino básico com o secundário e querem que se
instale uma lógica de maior e exigência e rigor na preparação do “nosso
futuro”.
Este postulado considero-o abstruso –
e daí o meu desapontamento – não porque não deva ser como o dizem agora. Mas
pergunto-me com toda a indignação que me assiste, solidariamente com tudo
aquilo que os professores sofrem na pele, na carne e no sangue: Onde estavam ou
estão os agora opinantes quando os professores na escola querem contrariar a
indisciplina, o desinteresse, a preguiça, a irresponsabilidade, a falta de
autoridade do professor, a má educação de postura, atitudes e comportamentos, bem
como às vezes, as ameaças e a violência? Onde estão ou estavam os pais,
individualmente considerados e/ou em associação, quando deveriam estar ao lado
dos professores mais do que ao lado dos alunos irrequietos e irresponsáveis, a
alinhar no hipercriticismo, tantas vezes, demolidor? Onde estavam ou estão
alguns dirigentes que dão sempre razão aos alunos e alguns professores que
branqueiam situações bem “imbranquiáveis”? Se calhar agora foram todos lestos a
dizer mal do sistema, a expor à opinião pública a miséria de algumas unidades
escolares (que não sei quantificar, mas a Comunicação Social sabe fazê-lo e nem
sempre o faz da melhor maneira) … Onde está a observância por parte de uma
enorme franja de alunos do constitucional direito e dever de aprender, com que
se relacionam o direito e dever de ensinar – que, aliás, muitos alunos o
desejam, tantas vezes na discrição e no silêncio? Como é que é possível que o
legítimo direito de aprender não se sobreponha à superficialidade e à balda?
Surge mais tarde, quando já não se torna fácil apanhar o comboio do real
sucesso, porquê, para quê?
É verdade que o excessivo número de
alunos por turma é um obstáculo grande à gestão da sala de aula e ao sucesso.
Todavia, não será o maior nem o único. A prova é que, em muitos casos em que o
número de alunos é excecionalmente exíguo, os resultados não são bons e a
gestão de aula nem sempre é a aceitável. O problema resulta do facto de tudo se
exigir da escola, mesmo aquilo que a família e a sociedade deveriam dar, mas
não o fazem porque não sabem, não podem ou não querem. Mas, se não podem ou não
sabem, deveriam dar mais a mão à escola, em vez de se porem contra ela ou
contra os professores, por vezes, invadindo a autonomia profissional e
questionando a seleção de conteúdos programáticos e de metodologias de ensino.
Os programas das diversas disciplinas
parecem extensos. E sê-lo-ão se os alunos tiverem de aprender quase tudo neste
nível de ensino. Quantas horas não perdem os professores do ensino secundário a
instruir sobre conteúdos que deveriam estar mais que assimilados e em
parâmetros de exercício da cidadania que deveriam estar já incorporados (o saber
estar em sala de aula, a assiduidade e pontualidade, o saber ouvir, o saber
intervir, o saber cumprimentar, etc.)! E será verdade que esses aspetos foram
descurados no ensino básico? É óbvio que não. Os módulos de formação cívica, em
regime de disciplina autónoma ou nas abordagens nas diversas disciplinas, têm
sido imperativo no ensino básico, aliás como muitos dos conteúdos, em justa consonância
com os diversos níveis etários e de escolaridade.
Porém, há dois fatores de insucesso
nesta matéria: enquanto uns fazem os marcos de percurso, outros os desfazem;
por outro lado, os profissionais nem sempre têm a resiliência suficiente para
avançar perante os obstáculos de toda a ordem. E, por trás destes fatores, há
uma situação de base perversa: “o não se admitir que seria necessário assumir,
em determinados momentos, o insucesso real e, a partir daí, refazer a caminhada
rumo ao sucesso”. Ora, a partir do tempo de Roberto Carneiro, apesar da magna
reforma educativa que ele pôs em marcha, presumiu-se o sucesso escolar e
educativo (Quem não se lembra das cartas por si enviadas com o remetente “da
escola do sucesso”?) e, nesse sentido, declarou-se o caráter excecional das
retenções, que muitos apostam em levar ao pé da letra, e proibiu-se a retenção
no termo do primeiro ano de escolaridade. É certo que na escola os professores
são assiduamente chamados à atenção para a importância dos anos de início de
ciclo. Implicam marcos específicos de socialização que deveriam ser encarados
com cuidados também específicos. Ora, em vez da preocupação com eventuais traumas
de infância, alegadamente provocáveis por determinadas medidas educativas,
deveriam ter-se em conta as situações parcelares de insucesso. E, se além das
medidas consensualmente espelhadas nos normativos legais, fosse necessário
provocar uma pausa individualizada no avanço da escolaridade, as equipas
interdisciplinares de orientação escolar deveriam entrar em ação de acompanhamento
específico junto de quem dele necessitasse. Nem sempre terá sido boa
conselheira a insistência quase tautológica em que os professores devem mudar
de estratégias, ter em conta o percurso escolar e alargar a avaliação a
elementos não estritamente cognitivos, como os valores, as atitudes e os
comportamentos – como se fossem os principais responsáveis pelo insucesso. Tal
não pode significar que os professores não devam fazer competentemente o seu
trabalho pré-didático, didático e pós-didático, sempre na atenção aos contextos
de escola e de comunidade (e às crises de infância e de adolescência), sempre
na disposição de reavaliar, reformular e promover. Todavia, a escola tem de abandonar
o “puericentrismo” como linha-força e a “matetolatria” como postura. É verdade
que a escola se faz para os alunos e em torno dos alunos, mas não podem ser
eles os condutores do processo de ensino-aprendizagem.
Voltando à extensão dos programas do
ensino secundário, deve dizer-se que, além do necessário cumprimento das metas
do ensino básico adequadas a cada nível de ensino, progressivas e cíclicas,
deveria dar-se ao professor a capacidade da gestão dos programas de acordo com
as circunstâncias de turma, constituindo os mesmos uma panóplia de
possibilidades curriculares. É que a escola, mais do que do exame final,
deveria cuidar da formação académica dos alunos. Diga-se que se torna desviante
a insistência excessiva ministerial, editorial e escolar em prol da preparação
de exame final. Este deveria surgir por acréscimo e aferição das aprendizagens,
ou então modalidade de avaliação única para quem transbordou o sistema escolar.
E o ingresso no ensino superior deveria ser reequacionado noutros parâmetros
que não as médias do ensino secundário (quase em exclusivo, porquê?).
Evitar-se-iam fabricações de notas, sobretudo em instituições do ensino
privado, que dizem que preparam melhor para o ingresso no ensino superior que
as escolas públicas, as quais, por sua vez, parece que preparam melhor para
aguentar com o peso académico daquele patamar de ensino. Mas, se quisermos que
os exames constituam modalidade de avaliação final universal, então a gestão
dos programas que se faça como na disciplina de Literatura Portuguesa: núcleos
fundamentais obrigatórios em todas as escolas; e núcleos a lecionar em regime
alternativo. E o exame incidiria sobre os conteúdos obrigatórios e com várias
hipóteses sobre os conteúdos lecionados em alternativa, respondendo cada aluno
aos conteúdos lecionados na sua escola.
Quanto à insuficiente articulação
entre ensino básico e secundário (multiplicam-se as reuniões e os relatórios!),
penso que se deve ter em conta que a articulação não é fácil, sobretudo se
desde o início (1.º ano de escolaridade) não se doseia o rigor com a
flexibilidade, se as tendências pueris não são orientadas, se a prestação docente
e discente não se torna cada vez menos lúdica e cada vez mais responsável. Não
haverá um demasiado “tutuar” dos alunos em relação ao (à) professor (a), um
excessivo cumprimento das vontades caprichosas das crianças? Não seria
conveniente uma reorientação da postura parental em relação às crianças e à
melhor e equilibrada relação com a escola? Não estará a ser progressivamente
prejudicada a autonomia que se quer cada vez mais consolidada para os alunos?
Ademais, os resultados das provas finais no fim dos diversos ciclos do ensino
básico não são famosos, mas os alunos, regra geral, transitam para o ciclo
seguinte. Mais: o regime de assiduidade é exigente, segundo o estatuto do aluno
e ética escolar, mas o seu atropelo mais não é que a sobrecarga de trabalhos
para os professores; idem para o regime disciplinar, em que tudo ou quase tudo
se inobserva, mas nada acontece, a não ser mais trabalho de papelada para
docentes e diretores de turma.
Finalmente, por não relevante,
diga-se que não tem suporte real a afirmação de que os alunos não têm tempo
para estudar. Regra geral, o tempo não falta. Será é mal aproveitado. Os alunos
passam muito tempo fora de casa sem ocupação. Mas podem estudar na escola, não
tendo de o fazer necessariamente em casa: até, sem falar de ludotecas e
bibliotecas escolares, para matar o tempo, ainda dispõem de tempo para ginásio,
academias, piscinas, passeios e farras. Podem não ter tempo eventualmente para
os ditos testes. E aí algo vai mal: se a avaliação das aprendizagens resulta de
várias modalidades, instrumentos e momentos, porquê um disciplinamento
específico à volta dos testes? Se ela deve incidir no processo e nos
resultados, porque não levar os alunos a estudar todos os dias? Porque é que os
pais têm de ser informados em especial sobre testes e não sobre todo o processo
escolar? Porquê a marcação antecipada, a obrigatoriedade do teste e a não
prestação de dois testes no mesmo dia?
Enfim, só no termo da escolaridade é
que nos damos conta de que se cedeu ao facilitismo ao longo da escolaridade? Só
em inquérito anónimo é que temos a ousada coragem de sugerir a obrigação de
maior exigência e rigor na preparação do nosso futuro? Esquecemo-nos de que a escola
nos dá tantas vezes a palavra?
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