Não quero negar o direito que os
portugueses têm de se exprimir e de se exprimirem como entenderem, como não
quero negar o direito de manifestação e de nenhuma das suas formas. Se é certo
que estes direitos, como muitos outros, estão consagrados constitucionalmente (vd
CRP, art.os 37.º e 45.º) e vem regulamentado o seu exercício por
leis ordinárias atinentes aos respetivos temas, algumas das suas concretizações,
no entanto, suscitam-me a interrogação sobre a sanidade de algumas das formas
do exercício da cidadania e das ilações que os representantes do povo, maxime
os governantes, deveriam tirar a partir da leitura ponderada de certos factos.
Por norma, não contesto as manifestações
de rua frente aos governantes, em edifícios e sítios simbólicos do poder,
central, regional ou local, como em eventos significativos ou não – desde obviamente
que não sejam cometidos excessos, sobretudo se portadores de violência. Por
outro lado, os destinatários específicos dos atos de contestação deveriam ouvir
as razões e disponibilizarem-se a receber, por si ou seus representantes, a
carta ou documento de teor reivindicativo. Tudo deveria ser possibilitado pela
intervenção serena e firme das forças da ordem, para o que os organizadores
deveriam ter ascendente bastante junto dos manifestantes para conseguirem um
momento de trégua em cada ato público em que solicitassem a presença de
detentor específico do poder.
Habitualmente, os expectadores das
galerias da Assembleia da República assistem civilizadamente aos debates parlamentares.
Excecionalmente, lá são evacuados por não cumprirem escrupulosamente o dever de
não manifestação. E tudo bem. Todavia, já aqui se notam situações insólitas.
Recordo-me das seguintes: ordem de identificação dada pelo presidente do parlamento
aos agentes de autoridade sobre alguns manifestantes, o que não era necessário;
excessiva irritação da parte da atual presidente ou de quem eventualmente as suas
vezes faz, nos termos regimentais, não sendo caso para tanto, para quem tem à vontade
político; aquelas frases moralizadoras, a exemplo de que “este é o vosso parlamento”
ou “estes são os representantes do povo”, já que se trata de tautologias que
não colhem em momentos de efervescência; e aquelas afirmações primoministeriais,
em remoque à Mesa parlamentar, de que todas as formas de manifestação são
legítimas (o que não será bem assim, se o seu exercício em concreto
desrespeitar a regulamentação legal), pelo que as respeita.
Mas, na vigência desta legislatura,
outras coisas insólitas aconteceram. Quem não se lembra de que, no contexto de uma
manifestação policial multímoda, alguns manifestantes escalaram a escadaria da
Assembleia da República? E noutra a Presidente da AR veio falar com os manifestantes,
o que não faz com outros, talvez porque haverá manifestantes e manifestantes…
Outros casos se verificaram. Quantos terão
sido os Ministros e Secretários de Estado que não passaram por uma interrupção
de manifestantes a cantar “Grândola Vila morena”? Uma senha da inauguração da
democracia não deveria, a meu ver, cair nas mãos de um grupo, por mais legítimo
que seja, como arma de arremesso contra detentores legítimos do poder democrático,
mesmo que indignos do nome de democratas.
Recentemente, afloram incidentes de
militares: no lançamento de um livro do general Loureiro dos Santos, um
conjunto significativo de oficiais generais abandonou a sala quando entrou o Ministro
da Defesa Nacional em sinal de protesto pela eventualidade de ele vir a usar da
palavra, o que até nem aconteceu; e soube-se hoje que a Associação dos Oficiais das Forças
Armadas (AOFA) faltou às comemorações dos 40 anos da Associação dos Deficientes
das Forças Armadas (ADFA), devido à presença do ministro da Defesa, que dizem
simbolizar a
“penalização a que vêm sendo sujeitas as Forças Armadas e os militares, que até
tem posto em causa missões indispensáveis ao país” (vd DN de 14-05-2014).
Também há dias, o Ministro
da Administração Interna reagiu às notícias que referiam que um sindicalista
policial andara a distribuir panfletos no Aeroporto de Lisboa, que alegadamente
alertavam os turistas para a falta de segurança no país, abrindo o livro da
situação de absentismo do referido agente das forças de segurança. Assim, falou
das suas faltas por doença própria e de familiares e por atividade sindical e
somou os alegados poucos dias de trabalho efetivo no último ano.
Independentemente de o governante ter ou
não faltado à verdade e de ter revelado aspetos da vida privada do agente
público, importa afirmar que ao superior hierárquico compete controlar, pelos
meios legítimos de que dispõe, o cumprimento dos deveres laborais dos trabalhadores,
inclusive os do eventual absentismo dos funcionários, segundo regras
estabelecidas na lei e nos regulamentos. E, por mais razão que assista ao Ministro,
a quem compete agir disciplinarmente, no âmbito da tutela, apenas no quadro da
subsidiariedade, não é a Comunicação Social o lugar próprio nem o meio legítimo
de morigerar a relação de trabalho na Administração Pública, mas o respetivo
regime disciplinar. Quanto aos preditos panfletos, se o sindicalista abusou dos
poderes que lhe confere a lei sindical, é bom lembrar que ainda temos os
tribunais administrativos e fiscais!
Já vi filme parecido da parte de um
autarca, que tomou atitude semelhante à que assumiu o Ministro (lavando este
tipo de roupa suja perante os membros da respetiva assembleia municipal a
respeito de uma funcionária). Pensava eu que isso só aconteceria no quadro do
poder local, em que pode não haver formação e estatura política suficientes.
Será que o Ministro copiou por esse autarca? Se a moda pega…
Quanto aos militares referidos acima, é
oportuno referir aquilo que recentemente o Papa disse aos estudantes dos
colégios e universidades romanas. Se a vida em comunidade e em sociedade
comporta problemas, nomeadamente a intriga e a murmuração, não se dizem as
coisas nas costas, mas face a face. Ou seja, se os generais e a AOFA foram
convidados e o Ministro da Defesa Nacional também o foi, é óbvio que o governante
deveria poder usar da palavra, como aliás os organizadores dos respetivos
eventos deveriam prever o uso da palavra por parte dos representantes dos generais
e da AOFA, respetivamente. Aqueles lugares não são o Parlamento em que o uso da
palavra é regulamentado de forma não flexível.
Finalmente, prefiro aplaudir com estas
minhas duas mãos que me pertencem aqueles que resolveram cortar barba e bigode
em protesto pelo facto de o vencedor/a do festival da Eurovisão da Canção ter
comparecido em palco com um misto de vestido, brincos, barba e bigode! Se a
moda pega… Só espero que não se torne obrigatória!
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