quarta-feira, 14 de maio de 2014

Formas insólitas de reagir

Não quero negar o direito que os portugueses têm de se exprimir e de se exprimirem como entenderem, como não quero negar o direito de manifestação e de nenhuma das suas formas. Se é certo que estes direitos, como muitos outros, estão consagrados constitucionalmente (vd CRP, art.os 37.º e 45.º) e vem regulamentado o seu exercício por leis ordinárias atinentes aos respetivos temas, algumas das suas concretizações, no entanto, suscitam-me a interrogação sobre a sanidade de algumas das formas do exercício da cidadania e das ilações que os representantes do povo, maxime os governantes, deveriam tirar a partir da leitura ponderada de certos factos.
Por norma, não contesto as manifestações de rua frente aos governantes, em edifícios e sítios simbólicos do poder, central, regional ou local, como em eventos significativos ou não – desde obviamente que não sejam cometidos excessos, sobretudo se portadores de violência. Por outro lado, os destinatários específicos dos atos de contestação deveriam ouvir as razões e disponibilizarem-se a receber, por si ou seus representantes, a carta ou documento de teor reivindicativo. Tudo deveria ser possibilitado pela intervenção serena e firme das forças da ordem, para o que os organizadores deveriam ter ascendente bastante junto dos manifestantes para conseguirem um momento de trégua em cada ato público em que solicitassem a presença de detentor específico do poder.
Habitualmente, os expectadores das galerias da Assembleia da República assistem civilizadamente aos debates parlamentares. Excecionalmente, lá são evacuados por não cumprirem escrupulosamente o dever de não manifestação. E tudo bem. Todavia, já aqui se notam situações insólitas. Recordo-me das seguintes: ordem de identificação dada pelo presidente do parlamento aos agentes de autoridade sobre alguns manifestantes, o que não era necessário; excessiva irritação da parte da atual presidente ou de quem eventualmente as suas vezes faz, nos termos regimentais, não sendo caso para tanto, para quem tem à vontade político; aquelas frases moralizadoras, a exemplo de que “este é o vosso parlamento” ou “estes são os representantes do povo”, já que se trata de tautologias que não colhem em momentos de efervescência; e aquelas afirmações primoministeriais, em remoque à Mesa parlamentar, de que todas as formas de manifestação são legítimas (o que não será bem assim, se o seu exercício em concreto desrespeitar a regulamentação legal), pelo que as respeita.
Mas, na vigência desta legislatura, outras coisas insólitas aconteceram. Quem não se lembra de que, no contexto de uma manifestação policial multímoda, alguns manifestantes escalaram a escadaria da Assembleia da República? E noutra a Presidente da AR veio falar com os manifestantes, o que não faz com outros, talvez porque haverá manifestantes e manifestantes…
Outros casos se verificaram. Quantos terão sido os Ministros e Secretários de Estado que não passaram por uma interrupção de manifestantes a cantar “Grândola Vila morena”? Uma senha da inauguração da democracia não deveria, a meu ver, cair nas mãos de um grupo, por mais legítimo que seja, como arma de arremesso contra detentores legítimos do poder democrático, mesmo que indignos do nome de democratas.
Recentemente, afloram incidentes de militares: no lançamento de um livro do general Loureiro dos Santos, um conjunto significativo de oficiais generais abandonou a sala quando entrou o Ministro da Defesa Nacional em sinal de protesto pela eventualidade de ele vir a usar da palavra, o que até nem aconteceu; e soube-se hoje que a Associação dos Oficiais das Forças Armadas (AOFA) faltou às comemorações dos 40 anos da Associação dos Deficientes das Forças Armadas (ADFA), devido à presença do ministro da Defesa, que dizem simbolizar a “penalização a que vêm sendo sujeitas as Forças Armadas e os militares, que até tem posto em causa missões indispensáveis ao país” (vd DN de 14-05-2014).
Também há dias, o Ministro da Administração Interna reagiu às notícias que referiam que um sindicalista policial andara a distribuir panfletos no Aeroporto de Lisboa, que alegadamente alertavam os turistas para a falta de segurança no país, abrindo o livro da situação de absentismo do referido agente das forças de segurança. Assim, falou das suas faltas por doença própria e de familiares e por atividade sindical e somou os alegados poucos dias de trabalho efetivo no último ano.
Independentemente de o governante ter ou não faltado à verdade e de ter revelado aspetos da vida privada do agente público, importa afirmar que ao superior hierárquico compete controlar, pelos meios legítimos de que dispõe, o cumprimento dos deveres laborais dos trabalhadores, inclusive os do eventual absentismo dos funcionários, segundo regras estabelecidas na lei e nos regulamentos. E, por mais razão que assista ao Ministro, a quem compete agir disciplinarmente, no âmbito da tutela, apenas no quadro da subsidiariedade, não é a Comunicação Social o lugar próprio nem o meio legítimo de morigerar a relação de trabalho na Administração Pública, mas o respetivo regime disciplinar. Quanto aos preditos panfletos, se o sindicalista abusou dos poderes que lhe confere a lei sindical, é bom lembrar que ainda temos os tribunais administrativos e fiscais!
Já vi filme parecido da parte de um autarca, que tomou atitude semelhante à que assumiu o Ministro (lavando este tipo de roupa suja perante os membros da respetiva assembleia municipal a respeito de uma funcionária). Pensava eu que isso só aconteceria no quadro do poder local, em que pode não haver formação e estatura política suficientes. Será que o Ministro copiou por esse autarca? Se a moda pega…
Quanto aos militares referidos acima, é oportuno referir aquilo que recentemente o Papa disse aos estudantes dos colégios e universidades romanas. Se a vida em comunidade e em sociedade comporta problemas, nomeadamente a intriga e a murmuração, não se dizem as coisas nas costas, mas face a face. Ou seja, se os generais e a AOFA foram convidados e o Ministro da Defesa Nacional também o foi, é óbvio que o governante deveria poder usar da palavra, como aliás os organizadores dos respetivos eventos deveriam prever o uso da palavra por parte dos representantes dos generais e da AOFA, respetivamente. Aqueles lugares não são o Parlamento em que o uso da palavra é regulamentado de forma não flexível.

Finalmente, prefiro aplaudir com estas minhas duas mãos que me pertencem aqueles que resolveram cortar barba e bigode em protesto pelo facto de o vencedor/a do festival da Eurovisão da Canção ter comparecido em palco com um misto de vestido, brincos, barba e bigode! Se a moda pega… Só espero que não se torne obrigatória!

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