segunda-feira, 19 de maio de 2014

Mundial 2014: CNBB contra exploração e em prol da dignidade e paz

Vai decorrer no Brasil o Mundial 2014 de Futebol, lá designado por Copa do Mundo. Certamente que todos queriam – e querem – que este evento da “indústria da paz” decorresse na normalidade da vida social, sem violência e sem obstrução dos direitos humanos.
Porém, a realidade tem-se revelado bem mais dura e estranha, quer pelas medidas tomadas pelos poderes quer pela onda de manifestações que tem percorrido o território deste grandes país e que denunciam as situações de forte irregularidade social contra os mais vulneráveis.
Ninguém quererá abdicar das vantagens deste evento à escala mundial, mas os brasileiros, aqueles que vivem a crueza da realidade, ditada pelas assimetrias, pelas desigualdades, pela exploração, que a cada passo se impõe como repressão, não podem bendizer uma iniciativa que os espolia, que os instrumentaliza em nome da beleza de fachada do país. Inclusive, soube-se que se organizaram cursos de inglês para determinados grupos sociais de previsível contacto com os turistas, em que se inserem as prostitutas, mas negados, pelos vistos, aos taxistas.
Na sequência de mensagem oportunamente a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), divulgou, através do Departamento de Pastoral do Turismo, um folheto ou desdobrável sob o título Copa do Mundo, Dignidade e Paz, preparado pela Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz, e em que, numa perspetiva de contribuição para o debate, denunciam com preocupação as seguintes situações clamorosas que acompanham a preparação e realização da Copa, que sintetizamos assim:
Situações clamorosas
Exclusão de milhares de cidadãos da informação e da participação nos processos decisórios sobre as obras atinentes à copa; remoção de famílias e comunidades para a construção dos estádios e vias de comunicação, com a violação do direito de moradia em comunidades e bairros populares; aprofundamento das desigualdades urbanas e a degradação ambiental; apropriação do desporto por privados e grandes corporações, em quem os governos vêm delegam responsabilidades públicas; desrespeito da legislação e do direito ambiental, laboral e do consumidor; inversão das prioridades do dinheiro público, em detrimento da saúde, educação, saneamento básico, transporte e segurança; institucionalidade progressiva do regime de exceção, mediante decreto, medidas provisórias, portarias e resoluções; e remoção de espaços sagrados das religiões.

Os bispos reconhecem no desporto um direito humano de especial valor para uma vida saudável, que nenhum povo deve negligenciar; e verificam que, de entre os diversos desportos, os brasileiros nutrem inquestionável paixão pelo futebol. Assim se explica, segundo os prelados, a expectativa e a alegria com que a maioria dos brasileiros aguarda a copa do mundo, realizada no país pela segunda vez.
Por isso, garantem que, no quadro da fidelidade à sua missão evangelizadora, a Igreja que milita no Brasil “acompanha, com presença amorosa, materna e solidária”, este “grande evento que reunirá vários países e protagonizará a oportunidade de um congraçamento universal, na alegria que o desporto pode trazer ao espírito humano”. No entanto, advertem que o sucesso do evento não se medirá pelos valores que injete na economia nacional ou pelos lucros que proporcione aos patrocinadores, mas “na garantia de segurança para todos sem o uso da violência, no respeito ao direito às pacíficas manifestações de rua, na criação de mecanismos que impeçam o trabalho escravo, o tráfico humano e a exploração sexual, sobretudo de pessoas socialmente vulneráveis, e combatam eficazmente o racismo e a violência” (cf mensagem da CNBB para a Copa do Mundo).
A CNBB idealiza agora o Brasil comoum imenso campo de futebol sem arquibancadas nem camarotes”, em que todos foram convocados e, por consequência, todos se devem sentir “titulares do jogo da vida que não admite expectadores”, mas cuja “vitória de todos” só resultará, se forem cumpridas exigências fundamentais, como aquelas, que, a segui, se discriminam de forma sintética:
Exigências fundamentais
Garantia da permanência em suas localidades e da segurança para a vida de todos os brasileiros e turistas, mas sobretudo das pessoas dos bairros populares e pessoas em situação de rua; respeito integral da legislação laboral e da proteção dos trabalhadores; proibição da perseguição a quem quer que trabalhe em espaço público; promoção de ações eficazes contra “o trabalho escravo, o tráfico humano e a exploração sexual, especialmente de crianças e adolescentes, com punição exemplar e ágil para com os infratores”; não criminalização dos movimentos sociais, com total respeito do direito às manifestações de rua; e respeito integral dos direitos dos “torcedores” (claques) e consumidores.

Mas os bispos brasileiros vão mais longe que denunciar situações de pecado social – expressas na espoliação, exploração e repressão, motivadas pela sede insaciável do lucro e/ou pela necessidade política de apresentar as melhores condições da Copa para impressionar o mundo – ou definir condições para que o evento tenha verdadeiro sucesso. Eles vêm empenhar os serviços de Igreja no compromisso sincero e eficaz a:
Tríplice compromisso
Acompanhar torcedores (claques) e jogadores nas suas solicitações de momentos de espiritualidade e encontro com Deus e dar testemunho de uma presença orante durante toda a copa; acompanhar as populações vulneráveis, especialmente aquelas que vivem em situação de rua, para que não sejam retiradas dos logradouros públicos durante a copa e posteriormente restituídas às ruas, como objetos que estorvam o evento; e participar dos esforços por consciencialização dos visitantes, no sentido de não praticarem o turismo sexual, mas serem presença que valorize a dignidade humana e a confraternização universal.

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Em síntese e de acordo com a agência Ecclesia, segundo os prelados brasileiros, o êxito do Campeonato do Mundo de Futebol de 2014, em que estará presente a seleção de Portugal, deve ser avaliado pela “garantia de segurança para todos sem o uso da violência, no respeito pelo direito às pacíficas manifestações de rua, na criação de mecanismos que impeçam o trabalho escravo, o tráfico humano e a exploração sexual”.
A publicação do folheto suso referido, preparada pela Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz, surgiu após encontros entre representantes das 12 cidades-sede do Mundial 2014 (12 de junho a 13 de julho).
A Igreja Católica do Brasil mostra, nas suas palavras, verdadeiro ‘cartão vermelho’ à subtração de milhões (o documento diz “milhares”) de cidadãos “ao direito à informação” e à participação nos “processos decisórios sobre as obras” atinentes ao evento.
A hierarquia eclesiástica requer dos poderes constituídos e seus agentes ações eficazes para evitar o trabalho escravo, o tráfico humano e o turismo sexual, com “punição exemplar e ágil para com os infratores”.
A CNBB, por seu turno, assume o real e humilde compromisso de acompanhar adeptos e jogadores, em “momentos de espiritualidade”, e de defender as populações “vulneráveis”, especialmente as que vivem na rua.
O folheto/desdobrável retoma trechos da mensagem da CNBB, ‘Jogando pela Vida’, divulgada no passado mês de março; e os responsáveis católicos manifestam a sua solidariedade, em particular, “aos que, por causa das obras da Copa, foram feridos na sua dignidade e visitados pela dor da perda de entes queridos”. Também os bispos apelam à sociedade brasileira para que adira ao projeto ‘Copa da Paz’ e à Campanha ‘Jogando a favor da vida – denuncie o tráfico humano’, que têm a finalidade de trabalhar para que o evento seja “lembrado como tempo de fortalecimento da cidadania”.
Finalmente, a Igreja Católica no Brasil considera que “não é possível aceitar” que famílias e comunidades inteiras tenham sido removidas para a construção de estádios e de outras obras estruturantes, “numa clara violação” do direito à habitação, ou que este evento de dimensão mundial “aprofunde as desigualdades urbanas e a degradação ambiental”.
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Trata-se de um documento que reconhece a validade do desporto, a importância deste evento para o Brasil. No entanto, os pobres correram riscos graves, cuja continuidade e agravamento há que estancar e cujas consequências urge minorar. Para tanto, postula-se a mobilização de todos. A Igreja manifesta nesta circunstância a lucidez dos valores e a consciência da gravidade e extensão das situações de risco, a que se pode obviar também pela leitura das manifestações de rua cuja legitimidade não deve ser torpedeada. Mas a Igreja não pode deixar de disponibilizar o seu serviço de solicitude pastoral e humanitária, pela dignidade da pessoa humana e da vida por cuja pujança e abundância Cristo se doou.

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