sábado, 10 de maio de 2014

Bastará bradar: “Basta!”?

Pedro Silva Pereira, ex-ministro do PS e candidato ao Parlamento Europeu, em sétimo lugar na lista encabeçada por Francisco Assis, reclamou, no sábado de hoje, uma mudança que “devolva a esperança” aos portugueses. É uma coisa em que todos estaremos de acordo, já que governo que tirou quase tudo aos cidadãos, a ponto de muitos dificilmente se reconhecerem cidadãos de pleno direito, muito pequeno quinhão de esperança deixou no espectro nacional, quando a sua preocupação essencial consistiu em fazer de Portugal um “bom aluno” não sei de quem nem em que matérias. Seria a obediência acrítica ao eixo “Mercosy” na rampa da austeridade galopante?
É, no entanto, difícil de aceitar que tenha sido a direita, por si só, ou a esquerda renitente a atirar unilateralmente o país para a necessidade de ajuda externa. Embora, em tese, seja possível acusar do PSD de 2011 de haver precipitado as condições que induziram ao pedido de intervenção da troika, por via da recusa em subscrever a aprovação do PEC 4, também é verdade que a preparação desse instrumento de equilíbrio orçamental e contenção da dívida soberana foi mal equacionada pelo governo socrático. Nem se pode omitir o facto de Teixeira dos Santos haver produzido, durante o último tetramestre de 2010, uma declaração premonitória das condições de custo da dívida que levariam à elaboração de um programa de ajustamento apoiado pelo FMI, Comissão Europeia e BCE. É certo que a Assembleia da República, apesar de o orçamento do Estado ter passado (na versão PEC 3, segundo alguns), gerou maiorias de autêntica diversão a contrariar pura e simplesmente as opções governamentais. E, se Cavaco Silva, por acaso, tem alguma razão em se queixar de algum hipotético escondimento da situação do país à Presidência da República, também é verdade que o Presidente aproveitou bem o discurso de vitória eleitoral nas presidenciais para zurzir nos seus opositores e o discurso de tomada de posse para incitar os jovens ao sobressalto democrático, bem como utilizou o capital da sua magistratura de influência para acautelar o enervamento dos mercados e para escamotear a competente externa da crise, nomeadamente a europeia.
Como se pode bem compreender, não é uma só das “narrativas” que garante a certeza da origem da crise e do défice de esperança. Nem hoje o partido Socialista dá garantias de se posicionar como alternativa significativamente melhor que a atual governação. Chegados ao poder, muito em breve se notam os sintomas chagados do clientelismo partidário, acautelados os interesses básicos do bloco central de interesses daqueles que a ocupação nominal do poder retirou provisoriamente da ribalta. Não foram prestadas promessas ajuramentadas de que tal não irá suceder nem elas garantiriam absolutamente nada em momento em que desgraçadamente – e assim contrario Silva Pereira – os políticos são mesmo iguais. Como assegura Silva Martins, não têm pedagogia política, não têm conhecimento político e, parece-me, nem detêm experiência profissional e/ou política, tendo mesmo alguns uma competência académica “ficcionada”.
Concorda-se com o candidato em que o “maior adversário” da mudança política é a “abstenção, a resignação, a desistência” e que é preciso lembrar os portugueses que nas eleições europeias se decide “o futuro de Portugal e da Europa”. A Conferência Episcopal Portuguesa, em sua nota pastoral de 1 de maio, reconhece o divórcio entre políticos eleitores e entre a Europa e nós:
É um sentimento comum experimentar a distância entre o nosso voto e as suas consequências práticas. Além disso, a Europa pode parecer uma entidade estranha, que está para além das nossas fronteiras e não nos diz diretamente respeito. Por vezes, a onda de descrédito que atinge alguns setores políticos é tendenciosamente generalizada. Estas eleições, que marcarão o futuro da União Europeia nos próximos anos, devem ser encaradas como um momento privilegiado para colaborar na construção de uma Europa melhor.
Por isso, é urgente lembrar aos políticos que têm eles de equacionar os temas de cada eleição, explicá-los ao eleitorado e debatê-los com franqueza e elevação, centrando a discussão nas matérias e não nas pessoas. A mesma nota pastoral recomenda:
Urge ser esclarecida a opinião pública a respeito dos programas partidários e das pessoas que se candidatam. A nossa democracia deve exigir, de todos, propostas realistas, geradoras de soluções concretizáveis, evitando falsas ilusões.
Para isso, é também necessário que as candidaturas sejam limpas, isto é, sem pessoas com rabos-de-palha na política, nas finanças e/ou na atividade profissional, mas com candidatos competentes, cultos, trabalhadores e simpáticos. E, de uma vez por todas, se efetivamente os políticos não são todos iguais, mostrem-no com palavras, currículo, ação e não com desfechos como os conhecidos até agora, por exemplo: Gaspar para o FMI, Catroga e Cardona para EDP, Jorge Coelho para Mota Engil, Nogueira para BCP, Pina Moura para Iberdrola, etc. E que saibam fazer mais alguma coisinha que não seja cortar no rendimento dos outros, aumentar impostos, contribuições, taxas e tarifas ou mexer em diplomas legais só para mostrar serviço e para satisfazer lóbis.
Finalmente, é certo que nas eleições de 25 de maio se decide o futuro de Portugal, mas não o do governo, porque se decide o futuro da Europa. Porém, não sei se o futuro da Europa se decide com este painel de candidatos, sobretudo se crescer assustadoramente o bolo dos eurocéticos. Como se pode renovar algo em que não se acredita? Não será possível a Europa da solidariedade e da subsidiariedade, a Europa da união política e socioeconómica, financeira e bancária e, então, da moeda única? Ora, se as candidaturas seguissem as vozes dos bispos da CCEE já aqui explanada em tempos, outro galo cantaria. Por seu turno, os bispos portugueses explicam no referido documento:
A Europa é muito mais do que um espaço geográfico. É uma comunidade de ideais e valores, para a qual muito tem contribuído a fé cristã ao longo dos séculos. O ressurgir do ideal europeu, no rescaldo de duas guerras mundiais que tiveram origem no nosso Continente, em boa parte foi obra de líderes políticos cristãos. Tem-se dado a evolução de um mercado comum ou de uma comunidade económica para o ideal de uma união europeia, que atualmente congrega 28 Estados. Estes encontram na Europa a sua casa comum, comprometidos na construção de um projeto de civilização, orientado por critérios de paz e justiça social, de liberdade religiosa, de diálogo cultural e solidariedade, a nível interno e com a comunidade de todos os outros povos e nações.
Será que todos os eleitos e elegendos interiorizam estes pressupostos e perspetivam a sua ação pelo texto seguinte, da mesma CEP, ou alinham por gregarismo ou por indicação partidária?
Numa visão realista do nosso Continente, dinamiza-nos a esperança de uma Europa melhor, em que seja salvaguardada a vida humana desde conceção até morte natural, em que o desemprego não pareça um mal inevitável, mas um desafio a responder sem adiamentos, em que as fronteiras não se fechem à solidariedade com os povos maltratados política e economicamente, em que o diálogo inter-religioso e intercultural seja o caminho de sentido único para uma paz justa e duradoura, em que o capital não se arvore em governo autocrático, mas sirva a pessoa humana e o bem comum.
Para quando a política como verdadeira ciência baseada no direito e na justiça, uma atraente arte de expressão das ideias e das sensibilidades dos homens e das comunidades, uma autêntica demagogia (condução sábia e honesta dos povos!) – para termos um futuro melhor em Portugal e na Europa?

Por tudo, não posso dizer que basta bradar “Basta!”.

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