Na ótica de amigos
de Francisco deveria ser esta a primeira de suas viagens apostólicas fora da
Itália (seria ato simbólico e importante para os dois lados em conflito) e é
efetivamente a primeira decidida por si, já que a primeira que realizou fora
objeto de marcação histórica, herdada de Bento XVI: a da XXVIII Jornada Mundial
da Juventude no Rio de Janeiro, Brasil, em julho de 2013 (vd Henrique Cymerman,
in Visão, 22-05-2014). Esta
será, pois, a segunda viagem de Francisco fora da Itália e a quarta visita papal
à Terra Santa, na esteira de Paulo VI (1964), João Paulo II (2000, na
celebração do jubileu milenar) e Bento XVI (2009).
A peregrinação evoca o encontro entre
o papa Paulo VI e o patriarca ecuménico Atenágoras, de Constantinopla (Igreja
Ortodoxa), que ocorreu a 5 e 6 de janeiro de 1964, no Monte das Oliveiras, em
Jerusalém – o primeiro encontro em mais de 500 anos entre os máximos
representantes da Igreja Católica e da Igreja Ortodoxa, divididas há mais de
nove séculos.
Francisco
leva na sua comitiva o rabino Abraham Skorka, de Buenos Aires, e um dignitário
muçulmano, Omar Ahmed Abboud, secretário-geral do Instituto de Diálogo
Inter-religioso da República da Argentina. E o grande artífice da viagem, pelo
lado dos contactos com as diversas entidades, é Henrique Cymerman, de origem
portuguesa, jornalista correspondente da SIC em Israel, que à pergunta de
Francisco “O que posso eu fazer pela Terra Santa?” respondeu: “Para começar, é
ir lá.”.
A vertente religiosa da peregrinação
papal
O Papa salienta o
caráter religioso da viagem:
Já no
próximo sábado começarei a viagem à Terra Santa, o solo onde Jesus
viveu. Será uma viagem estritamente religiosa. O primeiro motivo, para me
encontrar com o meu irmão Bartolomeu I, na celebração do cinquentenário do
encontro de Paulo VI com Atenágoras I. Pedro e André encontrar-se-ão mais uma
vez, e isto é muito bonito. O segundo motivo é rezar pela paz naquela terra que
sofre tanto. (Praça de S. Pedro, 21-05-2014).
Por seu turno, o patriarca ecuménico
de Constantinopla, evocará com o Papa o “histórico abraço de Jerusalém” feito
há 50 anos por Paulo VI e Atenágoras – encontro que abriu um caminho que “já
não é possível interromper”. “Começamos a perdoar-nos uns aos outros pelos erros
e desconfiança do passado e demos passos importantes rumo à aproximação e reconciliação”,
confessa o hierarca ortodoxo, que espera que o encontro e a assinatura de uma
declaração conjunta com o Papa, na delegação apostólica em Jerusalém, seja “um
bom passo em frente” no diálogo entre católicos e ortodoxos, assegurando que “o
espírito de amor fraterno e de respeito recíproco tomou o lugar das antigas
polémicas e da suspeita”.
Nas palavras de Bartolomeu, os dois
responsáveis cristãos dirigem “um apelo e um convite a todas as pessoas,
independentemente da sua fé e virtudes”, para “um diálogo que no fundo visa o
conhecimento da verdade de Cristo”, após o que rezarão juntos na Basílica do
Santo Sepulcro.
***
Para lá do aspeto ecuménico da viagem
papal, regista-se a componente do diálogo com a religião judaica. Mais de 400
rabinos e personalidades judaicas dos EUA (rabinos e líderes de todas as
denominações judaicas), segundo o jornal do Vaticano, assinaram uma mensagem de
boas-vindas ao Papa. A mensagem será publicada em quatro páginas do jornal
israelita ‘Ha'aretz’ de domingo, segundo dia da viagem papal à Terra Santa, que
decorre entre sábado e segunda-feira, com passagens por Amã, Belém, Telavive e
Jerusalém. Na segunda-feira, o Papa, que deseja “construir pontes entre todas
as religiões para levar a paz ao mundo”, discursará no mausoléu do Yad Vashem
de Jerusalém, em memória das vítimas do Holocausto, visitando, em seguida, os
dois grãos-rabinos de Israel, no centro Heichal Shlomo.
A publicação da mensagem (em que “é reconhecido
por todos os líderes judaicos que o diálogo é fundamental para uma compreensão
autêntica e um apreço recíproco”) é iniciativa de Angelica Berrie, presidente
do ‘Center for Interreligious Understanding’, sedeado em New Iork, e do rabino
Jack Bemporad, diretor do Centro João Paulo II para o Diálogo inter-religioso,
sedeado em Roma, junto da Universidade Pontifícia S. Tomás de Aquino
(Angelicum).
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Porém, o mundo árabe não fica
obnubilado nas preocupações de Francisco, bem como na hospitalidade dos seus
líderes. Assim, o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, que receberá
este domingo o Papa em Belém, emitiu um comunicado de boas-vindas:
Tenho a alegria de lhe dar
as boas-vindas à Terra Santa, onde o povo palestino o vai acolher, em Belém e
Jerusalém, com todo o respeito que convém à sua grande dignidade e à sua
mensagem de amor e de paz.
Abbas recorda a posição da Santa Sé
na defesa dos direitos do povo palestino, muçulmano e cristão, apontando a
Terra Santa como berço de mensagens e de religiões, terra de amor e paz.
A vertente política do périplo
pontifício
Apesar da ótica marcadamente
religiosa da ação papal, independentemente da sua intenção, não se pode passar
ao lado da vertente política, por duas ordens de razões: o Papa não deixa de
ser e de se apresentar como Chefe de Estado; e sente-se convocado a intervir pela
palavra e gesto num mundo dividido também politicamente e onde é acolhido
simpática, mas criticamente por líderes políticos, embora com suporte
ideológico religioso expresso.
Ademais, o itinerário escolhido por
Francisco sublinha a posição favorável à solução de dois Estados, Israel e
Palestina, defendida pela Santa Sé e apresenta uma novidade histórica: pela
primeira vez, um Papa vai entrar em território palestino sem ter passado
previamente por solo israelita. O Papa, acompanhado pelo Patriarca Latino
de Jerusalém, realiza uma peregrinação que decorre entre sábado e
segunda-feira, com passagens por Amã, Belém, Telavive e Jerusalém, e cumprirá
uma agenda que prevê 14 intervenções, entre homilias e discursos, e a
assinatura de uma declaração conjunta com o patriarca ecuménico de
Constantinopla.
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E a perspetiva vaticana não deixa
margem para dúvidas, dado que o Secretário de Estado do Vaticano, cardeal
Pietro Parolin, reafirmou em entrevista à Rádio Vaticano que a Santa Sé defende
“o direito de Israel a existir e gozar de paz e de segurança dentro das
fronteiras internacionalmente reconhecidas” e “o direito do povo palestino de
ter uma pátria, soberana e independente, o direito de se deslocar livremente, o
direito de viver com dignidade”. E sublinha
O reconhecimento do
caráter sagrado e universal da cidade de Jerusalém, da sua herança cultural e
religiosa, portanto, como lugar de peregrinação dos fiéis das três religiões
monoteístas”. (vd Ecclesia,
23.05.2014).
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Mahmoud Abbas, que se reunira seis
vezes com Bento XVI, foi recebido, no Vaticano a 17 de outubro de 2013, por
Francisco, que pediu, num encontro de cerca de meia hora, “decisões corajosas”
pela paz na região.
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Também D. Fouad Twal, patriarca latino de Jerusalém,
autoridade máxima da Igreja Católica na Terra Santa, ao projetar a visita de Francisco à
região, espera forte contributo para a paz e assegura que a viagem papal tem
“dimensão política” incontornável, que deve ser tida em conta.
Há os judeus, os muçulmanos, o diálogo ecuménico, a unidade, a paz. Estou
certo de que os discursos do Papa serão discursos de um Papa em visita
pastoral, em visita de oração e de diálogo, mas nada impede que tenham uma
dimensão política sobre a situação – referiu em entrevista à Ecclesia, SIC e ‘Vida Nueva’.
O
Patriarca referencia os locais que Francisco visitará – entre os quais, o Santo
Sepulcro, o memorial do Holocausto ‘Yad Vashem’, o Muro das Lamentações e a
Esplanada das Mesquitas – mas não deixa de lembrar:
Na Terra Santa, considerando a situação que vivemos, não podemos evitar a
dimensão política: tudo é política. Se se falar do fim da ocupação, do
trabalho, se se falar da liberdade religiosa, dos muros ou dos postos de controlo,
é de política que falamos.
Deseja
que os discursos do Papa “toquem a cabeça e o coração dos dirigentes políticos,
de modo a terem a coragem de mudar de modo que haja mais paz e harmonia para
todos”. E adverte:
Quando falo de paz, é para todas as pessoas, judeus, cristãos ou
muçulmanos; não haverá nunca uma paz para um povo apenas, sem os outros. Ou
vivemos juntos, em paz, todos juntos, ou continuaremos este círculo de
violência que não acabará nunca. […] Entre os desafios que enfrentamos, há a
situação política, há um despertar do fanatismo religioso, seja judeu ou
muçulmano – que é mau para todos –, em todo o Médio Oriente. A minha resposta a
esse despertar é a educação nas escolas, nas universidades, nos nossos
encontros, na oração. […] A situação é muito complicada na Terra Santa.
Esperamos que as pessoas não se contentem com a manifestação e o espetáculo da
chegada do Papa, mas que tenham tempo de estudar profundamente os discursos do
Santo Padre, que devem ser uma mensagem para os líderes políticos, para os
crentes – crentes cristãos, muçulmanos e judeus.
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Para o Presidente
do Conselho Pontifício para o Diálogo Inter-Religioso – que ouviu as
expectativas das comunidades de Amã, em
colóquio focado na relação entre religião e violência, organizado pelos líderes
dos diversos credos presentes no território – o Papa Francisco é aguardado como
“portador da esperança”, não só para o país “mas sobretudo para aqueles países
da região médio-oriental nos quais a guerra ainda continua”.
Não existe uma só religião no mundo que pregue
a violência. Nem os conflitos que se desenrolaram nestes anos, sobretudo na
região médio-oriental, têm uma raiz religiosa. Não existem guerras de religião.
Aliás, devemos entender finalmente que a religião, qualquer uma, é paz –
salienta o cardeal D. Jean Louis Tauran.
A Jordânia é o
primeiro local de paragem de Francisco, que fará uma visita de cortesia ao rei
da Jordânia, Abdullah II, no Palácio Real de Amã, se encontrará com as diversas
autoridades locais e visitará o local do Batismo de Jesus, junto ao Jordão,
onde decorrerá o encontro com refugiados sírios e jovens com deficiência. Antes
de seguir para Belém, na Palestina, o Papa vai jantar com os refugiados da
Síria.
Um testemunho
de solidariedade
O prefeito da Congregação para as
Igrejas Orientais, cardeal Leonardo Sandri, antecipou à revista 'Terra Santa' a
primeira a visita do Papa àquela região e destacou o encontro com refugiados sírios,
na Jordânia. O jantar que Francisco promove em Amã, na primeira noite da
viagem, “será muito importante”, tendo em conta a “catástrofe humana” que
atinge a Síria, em guerra civil há mais de três anos.
Quanto ao significado do ato, aquele responsável
da Santa Sé explicita que “O encontro com os refugiados mostrará que a Igreja
está ao lado daqueles que mais sofrem e representará um apelo ao mundo inteiro
para uma ajuda concreta a estas pessoas”.
Acentuando o facto de Francisco
passar por Belém, na Palestina e Jerusalém, onde se vai encontrar na Basílica
do Santo Sepulcro com os representantes das Igrejas cristãs da região, não
deixa de adiantar que “a viagem terá fundamentalmente um significado ecuménico,
na esteira de uma interpelação que é comum a todos os cristãos e que é cada vez
mais incompreensível: por que é estamos divididos?”. E faz ressaltar o gesto de
Francisco e Bartolomeu se encontrarem e se abraçarem, exatamente como Paulo VI
e Atenágoras se abraçaram há 50 anos, no Santo Sepulcro, onde “mais fortemente
se pode perceber a divisão entre cristãos”.
D. Leonardo Sandri menciona ainda a
possibilidade de, durante a visita do Papa, as negociações entre Israel e a
Santa Sé conhecerem desejavelmente novos desenvolvimentos relativamente à
questão do Cenáculo, local que, para os católicos, é o da última ceia de Cristo
e, para os judeus, o do túmulo do rei David.
Sob a égide de Santa Maria
Um dia
antes de iniciar a primeira viagem à Terra Santa, Francisco visitou em privado
a Basílica de Santa Maria Maior, em Roma, onde rezou diante da imagem de Nossa
Senhora durante cerca de 15 minutos e junto da qual deixou um ramo de flores.
Que a Virgem ajude o Papa a mudar “ao menos o coração dos homens”, dado ser
impossível “mudar a situação imediatamente”, como deseja o Patriarca Latino de
Jerusalém.
É esta
uma basílica, que já visitou oito vezes desde o início do pontificado, em março
de 2013.
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Pela
paz, pelo ecumenismo, pelo diálogo inter-religioso e pela solidariedade com
quem sofre!
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