sábado, 24 de maio de 2014

A pluridimensional viagem do Papa Francisco à Terra Santa

Na ótica de amigos de Francisco deveria ser esta a primeira de suas viagens apostólicas fora da Itália (seria ato simbólico e importante para os dois lados em conflito) e é efetivamente a primeira decidida por si, já que a primeira que realizou fora objeto de marcação histórica, herdada de Bento XVI: a da XXVIII Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro, Brasil, em julho de 2013 (vd Henrique Cymerman, in Visão, 22-05-2014). Esta será, pois, a segunda viagem de Francisco fora da Itália e a quarta visita papal à Terra Santa, na esteira de Paulo VI (1964), João Paulo II (2000, na celebração do jubileu milenar) e Bento XVI (2009).
A peregrinação evoca o encontro entre o papa Paulo VI e o patriarca ecuménico Atenágoras, de Constantinopla (Igreja Ortodoxa), que ocorreu a 5 e 6 de janeiro de 1964, no Monte das Oliveiras, em Jerusalém – o primeiro encontro em mais de 500 anos entre os máximos representantes da Igreja Católica e da Igreja Ortodoxa, divididas há mais de nove séculos.
Francisco leva na sua comitiva o rabino Abraham Skorka, de Buenos Aires, e um dignitário muçulmano, Omar Ahmed Abboud, secretário-geral do Instituto de Diálogo Inter-religioso da República da Argentina. E o grande artífice da viagem, pelo lado dos contactos com as diversas entidades, é Henrique Cymerman, de origem portuguesa, jornalista correspondente da SIC em Israel, que à pergunta de Francisco “O que posso eu fazer pela Terra Santa?” respondeu: “Para começar, é ir lá.”.

A vertente religiosa da peregrinação papal
O Papa salienta o caráter religioso da viagem:
Já no próximo sábado começarei a viagem à Terra Santa, o solo onde Jesus viveu. Será uma viagem estritamente religiosa. O primeiro motivo, para me encontrar com o meu irmão Bartolomeu I, na celebração do cinquentenário do encontro de Paulo VI com Atenágoras I. Pedro e André encontrar-se-ão mais uma vez, e isto é muito bonito. O segundo motivo é rezar pela paz naquela terra que sofre tanto. (Praça de S. Pedro, 21-05-2014).
Por seu turno, o patriarca ecuménico de Constantinopla, evocará com o Papa o “histórico abraço de Jerusalém” feito há 50 anos por Paulo VI e Atenágoras – encontro que abriu um caminho que “já não é possível interromper”. “Começamos a perdoar-nos uns aos outros pelos erros e desconfiança do passado e demos passos importantes rumo à aproximação e reconciliação”, confessa o hierarca ortodoxo, que espera que o encontro e a assinatura de uma declaração conjunta com o Papa, na delegação apostólica em Jerusalém, seja “um bom passo em frente” no diálogo entre católicos e ortodoxos, assegurando que “o espírito de amor fraterno e de respeito recíproco tomou o lugar das antigas polémicas e da suspeita”.
Nas palavras de Bartolomeu, os dois responsáveis cristãos dirigem “um apelo e um convite a todas as pessoas, independentemente da sua fé e virtudes”, para “um diálogo que no fundo visa o conhecimento da verdade de Cristo”, após o que rezarão juntos na Basílica do Santo Sepulcro.
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Para lá do aspeto ecuménico da viagem papal, regista-se a componente do diálogo com a religião judaica. Mais de 400 rabinos e personalidades judaicas dos EUA (rabinos e líderes de todas as denominações judaicas), segundo o jornal do Vaticano, assinaram uma mensagem de boas-vindas ao Papa. A mensagem será publicada em quatro páginas do jornal israelita ‘Ha'aretz’ de domingo, segundo dia da viagem papal à Terra Santa, que decorre entre sábado e segunda-feira, com passagens por Amã, Belém, Telavive e Jerusalém. Na segunda-feira, o Papa, que deseja “construir pontes entre todas as religiões para levar a paz ao mundo”, discursará no mausoléu do Yad Vashem de Jerusalém, em memória das vítimas do Holocausto, visitando, em seguida, os dois grãos-rabinos de Israel, no centro Heichal Shlomo.
A publicação da mensagem (em que “é reconhecido por todos os líderes judaicos que o diálogo é fundamental para uma compreensão autêntica e um apreço recíproco”) é iniciativa de Angelica Berrie, presidente do ‘Center for Interreligious Understanding’, sedeado em New Iork, e do rabino Jack Bemporad, diretor do Centro João Paulo II para o Diálogo inter-religioso, sedeado em Roma, junto da Universidade Pontifícia S. Tomás de Aquino (Angelicum).
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Porém, o mundo árabe não fica obnubilado nas preocupações de Francisco, bem como na hospitalidade dos seus líderes. Assim, o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, que receberá este domingo o Papa em Belém, emitiu um comunicado de boas-vindas:
Tenho a alegria de lhe dar as boas-vindas à Terra Santa, onde o povo palestino o vai acolher, em Belém e Jerusalém, com todo o respeito que convém à sua grande dignidade e à sua mensagem de amor e de paz.
Abbas recorda a posição da Santa Sé na defesa dos direitos do povo palestino, muçulmano e cristão, apontando a Terra Santa como berço de mensagens e de religiões, terra de amor e paz.

A vertente política do périplo pontifício
Apesar da ótica marcadamente religiosa da ação papal, independentemente da sua intenção, não se pode passar ao lado da vertente política, por duas ordens de razões: o Papa não deixa de ser e de se apresentar como Chefe de Estado; e sente-se convocado a intervir pela palavra e gesto num mundo dividido também politicamente e onde é acolhido simpática, mas criticamente por líderes políticos, embora com suporte ideológico religioso expresso.
Ademais, o itinerário escolhido por Francisco sublinha a posição favorável à solução de dois Estados, Israel e Palestina, defendida pela Santa Sé e apresenta uma novidade histórica: pela primeira vez, um Papa vai entrar em território palestino sem ter passado previamente por solo israelita. O Papa, acompanhado pelo Patriarca Latino de Jerusalém, realiza uma peregrinação que decorre entre sábado e segunda-feira, com passagens por Amã, Belém, Telavive e Jerusalém, e cumprirá uma agenda que prevê 14 intervenções, entre homilias e discursos, e a assinatura de uma declaração conjunta com o patriarca ecuménico de Constantinopla.
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E a perspetiva vaticana não deixa margem para dúvidas, dado que o Secretário de Estado do Vaticano, cardeal Pietro Parolin, reafirmou em entrevista à Rádio Vaticano que a Santa Sé defende “o direito de Israel a existir e gozar de paz e de segurança dentro das fronteiras internacionalmente reconhecidas” e “o direito do povo palestino de ter uma pátria, soberana e independente, o direito de se deslocar livremente, o direito de viver com dignidade”. E sublinha
O reconhecimento do caráter sagrado e universal da cidade de Jerusalém, da sua herança cultural e religiosa, portanto, como lugar de peregrinação dos fiéis das três religiões monoteístas”. (vd Ecclesia, 23.05.2014).
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Mahmoud Abbas, que se reunira seis vezes com Bento XVI, foi recebido, no Vaticano a 17 de outubro de 2013, por Francisco, que pediu, num encontro de cerca de meia hora, “decisões corajosas” pela paz na região.
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Também D. Fouad Twal, patriarca latino de Jerusalém, autoridade máxima da Igreja Católica na Terra Santa, ao projetar a visita de Francisco à região, espera forte contributo para a paz e assegura que a viagem papal tem “dimensão política” incontornável, que deve ser tida em conta.
Há os judeus, os muçulmanos, o diálogo ecuménico, a unidade, a paz. Estou certo de que os discursos do Papa serão discursos de um Papa em visita pastoral, em visita de oração e de diálogo, mas nada impede que tenham uma dimensão política sobre a situação – referiu em entrevista à Ecclesia, SIC e ‘Vida Nueva’.
O Patriarca referencia os locais que Francisco visitará – entre os quais, o Santo Sepulcro, o memorial do Holocausto ‘Yad Vashem’, o Muro das Lamentações e a Esplanada das Mesquitas – mas não deixa de lembrar:
Na Terra Santa, considerando a situação que vivemos, não podemos evitar a dimensão política: tudo é política. Se se falar do fim da ocupação, do trabalho, se se falar da liberdade religiosa, dos muros ou dos postos de controlo, é de política que falamos.
Deseja que os discursos do Papa “toquem a cabeça e o coração dos dirigentes políticos, de modo a terem a coragem de mudar de modo que haja mais paz e harmonia para todos”. E adverte:
Quando falo de paz, é para todas as pessoas, judeus, cristãos ou muçulmanos; não haverá nunca uma paz para um povo apenas, sem os outros. Ou vivemos juntos, em paz, todos juntos, ou continuaremos este círculo de violência que não acabará nunca. […] Entre os desafios que enfrentamos, há a situação política, há um despertar do fanatismo religioso, seja judeu ou muçulmano – que é mau para todos –, em todo o Médio Oriente. A minha resposta a esse despertar é a educação nas escolas, nas universidades, nos nossos encontros, na oração. […] A situação é muito complicada na Terra Santa. Esperamos que as pessoas não se contentem com a manifestação e o espetáculo da chegada do Papa, mas que tenham tempo de estudar profundamente os discursos do Santo Padre, que devem ser uma mensagem para os líderes políticos, para os crentes – crentes cristãos, muçulmanos e judeus.
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Para o Presidente do Conselho Pontifício para o Diálogo Inter-Religioso – que ouviu as expectativas das comunidades de Amã, em colóquio focado na relação entre religião e violência, organizado pelos líderes dos diversos credos presentes no território – o Papa Francisco é aguardado como “portador da esperança”, não só para o país “mas sobretudo para aqueles países da região médio-oriental nos quais a guerra ainda continua”.
 Não existe uma só religião no mundo que pregue a violência. Nem os conflitos que se desenrolaram nestes anos, sobretudo na região médio-oriental, têm uma raiz religiosa. Não existem guerras de religião. Aliás, devemos entender finalmente que a religião, qualquer uma, é paz – salienta o cardeal D. Jean Louis Tauran.
A Jordânia é o primeiro local de paragem de Francisco, que fará uma visita de cortesia ao rei da Jordânia, Abdullah II, no Palácio Real de Amã, se encontrará com as diversas autoridades locais e visitará o local do Batismo de Jesus, junto ao Jordão, onde decorrerá o encontro com refugiados sírios e jovens com deficiência. Antes de seguir para Belém, na Palestina, o Papa vai jantar com os refugiados da Síria.

Um testemunho de solidariedade
O prefeito da Congregação para as Igrejas Orientais, cardeal Leonardo Sandri, antecipou à revista 'Terra Santa' a primeira a visita do Papa àquela região e destacou o encontro com refugiados sírios, na Jordânia. O jantar que Francisco promove em Amã, na primeira noite da viagem, “será muito importante”, tendo em conta a “catástrofe humana” que atinge a Síria, em guerra civil há mais de três anos.
Quanto ao significado do ato, aquele responsável da Santa Sé explicita que “O encontro com os refugiados mostrará que a Igreja está ao lado daqueles que mais sofrem e representará um apelo ao mundo inteiro para uma ajuda concreta a estas pessoas”.
Acentuando o facto de Francisco passar por Belém, na Palestina e Jerusalém, onde se vai encontrar na Basílica do Santo Sepulcro com os representantes das Igrejas cristãs da região, não deixa de adiantar que “a viagem terá fundamentalmente um significado ecuménico, na esteira de uma interpelação que é comum a todos os cristãos e que é cada vez mais incompreensível: por que é estamos divididos?”. E faz ressaltar o gesto de Francisco e Bartolomeu se encontrarem e se abraçarem, exatamente como Paulo VI e Atenágoras se abraçaram há 50 anos, no Santo Sepulcro, onde “mais fortemente se pode perceber a divisão entre cristãos”.
D. Leonardo Sandri menciona ainda a possibilidade de, durante a visita do Papa, as negociações entre Israel e a Santa Sé conhecerem desejavelmente novos desenvolvimentos relativamente à questão do Cenáculo, local que, para os católicos, é o da última ceia de Cristo e, para os judeus, o do túmulo do rei David.

Sob a égide de Santa Maria
Um dia antes de iniciar a primeira viagem à Terra Santa, Francisco visitou em privado a Basílica de Santa Maria Maior, em Roma, onde rezou diante da imagem de Nossa Senhora durante cerca de 15 minutos e junto da qual deixou um ramo de flores. Que a Virgem ajude o Papa a mudar “ao menos o coração dos homens”, dado ser impossível “mudar a situação imediatamente”, como deseja o Patriarca Latino de Jerusalém.
É esta uma basílica, que já visitou oito vezes desde o início do pontificado, em março de 2013.
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Pela paz, pelo ecumenismo, pelo diálogo inter-religioso e pela solidariedade com quem sofre!

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