segunda-feira, 5 de maio de 2014

Mentira, a quanto obrigas?

Com facilidade hoje se recorre à mentira por palavras ou por atitudes. Podem argumentar que sempre assim foi. Porém, os prevaricadores sabiam que a sua utilização implicava custos, que, no mínimo, se concretizavam na apresentação do pedido de desculpas, na retratação e na mudança de postura. Às vezes, sofriam-se penalizações fortuitas ou, ainda, alguma mais grave que podia acarretar consequências para o futuro de vida. Tempo houve, embora de má memória, em que dois estudantes de uma antiga cidade portuguesa, por castigo contra fraude em exame liceal (resultante de recurso técnico-tecnológico resultante de sua própria inteligência e habilidade) foram arredados do sistema de ensino e, mais tarde, forçados ao exílio emigratório. Punição desproporcionada, é certo, mas aconteceu…
Porém, desde há uns tempos que a noção da mentira por palavras ou de postura ganhou foros de impunidade. Já não falo das promessas eleitorais não cumpridas por parte de Durão Barroso, Sócrates ou Passos Coelho, nem dos governantes atuais que dizem uma coisa e fazem outra.
Mas atentemos em determinadas enormidades, que servem de pretexto a fundamentações e atitudes, que ultrapassam a mera hipocrisia, para raiarem o deslavamento social e político.
Assim, será credível que o TC (Tribunal Constitucional) constitua um risco para o país, como apregoa a União Europeia, ou que ele terá orientado a governação no sentido das medidas ora inscritas no DEO? Ou constituiu uma vitória do sistema educativo, como afirmou Isabel Alçada, o facto de o TC haver chumbado a posição da oposição maioritária parlamentar contra a avaliação de desempenho dos docentes em 2010?
Quanto à prova de avaliação de docentes exigível, como condição sine qua non para a docência, aos candidatos que não tenham cinco anos de exercício, será sustentável e útil a declaração do Tribunal Central Administrativo do Sul de que a obrigação do exame não prejudica a liberdade de escolha de profissão (quando não é isso que está em causa) ou como é que um Secretário de Estado afirma que com estes exames teremos a geração de professores mais bem qualificada em todo o tempo da democracia em termos ocidentais? Com quem é que as gerações atuais aprenderam? Auferiram um ensino por geração espontânea ou foram formados em regime de autodidatismo? Mas estes políticos e governantes correm o risco da reeleição e os magistrados manter-se-ão. Já me esqueci de que o detentor do mais alto cargo político no país afiançara, há uns poucos anos, que as pensões por si percebidas quase não lhe davam para pagar as contas ou que ainda havia de nascer alguém que fosse mais honesto do que ele.
Mas muito recentemente o país foi informado daquilo com que já contava: a saída limpa do programa de ajustamento. Como será uma saída limpa, se é necessária a carta de intenções e compromissos a apresentar à troika para os anos subsequentes ou se está equacionada a previsão de que, se for necessário, de futuro se acionará o programa cautelar? Como é que os parceiros europeus e outros nos apoiam nesse tipo de saída, se advertem com tanta clareza para os riscos ainda existentes, inclusive para o perigo que o TC representa?
Depois, dizem-nos com todo o descaro que não vai haver cortes nem aumento de impostos. Porém, anuncia-se aumento do IVA (terá deixado de ser imposto ou é um imposto anão?), que vai para a sustentabilidade da segurança social (contra o princípio da não consignação orçamental de receitas?); será aumentada a TSU do trabalhador por conta de outrem, para garantir a sua pensão de reforma no futuro (Será que o governante que o diz, acredita no que diz?); e a CES (contribuição extraordinária de solidariedade) transitória dos reformados e aposentados passa a CS (contribuição de sustentabilidade) permanente. Pronto. E assim não se decretam mesmo cortes no rendimento, pois não?
Na comunicação ao país do passado dia 4 de maio, o primeiro-ministro não se esqueceu de referir que não foi o seu governo que induziu o país ao programa de resgate e nem o elaborou, ao que o anterior governante mor retorquiu que fora o partido de Passos Coelho quem precipitou a crise política que levou ao pedido de intervenção externa. Também aqui alguém está a mentir ou ambas as narrativas obnubilam a verdade! Os portugueses ainda se recordam de que o “parceiro de tango” de Pinto de Sousa, em 2010, pediu desculpa ao povo pelo facto de ter alinhado com o então primeiro-ministro num PEC 2, quando tinha afirmado coisas bem diferentes semanas antes.
Como posso estranhar que portugueses se enganem mutuamente, fujam ao fisco, enganem os clientes, clientes ludibriem os comerciantes, trabalhadores iludam os chefes ou os patrões explorem os colaboradores, quando o exemplo que vem do saltos servidores da República no atropelo à observância da ética republicana? E foi preciso a Autoridade Fiscal vir a sortear automóveis para que não se fuja ao fisco… Deus nos valha!
E se dermos uma voltinha pelas estruturas escolares e académicas?
Clama-se à boca cheia que o MEC, as inspeções e os dirigentes escolares pressionam os docentes em ordem ao sucesso estatístico. Eu não o afirmo ao pé da letra, porque não o consigo provar, mas vi cenas de que não gostei e ouvi de gente fidedigna narrativa de episódios totalmente despidos de uma ética dos mínimos; e lembro-me de que um docente novinho denunciou na RTP1 perante quem estava em debate, inclusive a então Ministra da Educação, uma atitude de pressão inspetiva, numa escola, rumo a sucesso estatístico, denúncia de que resultou uma carta de retratação dirigida à RTP. Não sei se hoje os professores têm suficiente autoridade para atuar em caso de fraude da parte dos alunos em situação de aula ou atividades com vista às aulas. Mas o rigor em contexto de exames nacionais é “superextraordinário”, quando aqueles têm, por disciplina, um peso de 30% no cômputo do conjunto dos dois momentos de avaliação do aluno, quanto a avaliação interna tem um peso de 70%. Há uma certa hipocrisia e dualidade de atuação, pois não?!
Por seu turno, a imprensa da semana passada referia que os colégios (organizações de ensino privado) sobem artificialmente as classificações dos alunos, o que o “jornal da caserna” já referia há muitos anos, como alegado pretexto para induzir o sucesso estatístico. Um estudo académico de uma das mais prestigiadas faculdades universitárias portuguesas verificava que, em geral, o ensino privado preparava melhor para o ingresso no ensino superior, ao passo que o ensino público preparava melhor para a permanência nos cursos superiores.
Também a produção jornalística da passada semana assinalava que os inquéritos a que se procedeu nos meios académicos levavam a constatar que a fraude académica é mais frequente nos estudantes com piores notas e/ou cujos progenitores são de estrato socioeconómico mais elevado e, nalguns casos, de mais altas habilitações académicas.
É caso para perguntar: Que cidadania se está a construir com o referencial da Lei de Bases do Sistema Educativo, vigente desde 1986, estribada na Constituição dita a mais progressista do mundo?
É bem verdade que a ética e a cidadania não se decretam, mas devem ser pano de fundo e objetivo nunca olvidável da ação educativa. De contrário, como queremos almejar a construção, manutenção e desenvolvimento da dignidade da pessoa humana, a não ser com o culto da verdade pela palavra e pela atitude? Como queremos uma sociedade mais humana, mais justa e mais fraterna, a não ser pelo culto da verdade na relação interpessoal e no respeito pelos bens materiais e morais próprios e de outrem?
É bem pertinente o lamento de Paulo VI de que o diabo, o pai da mentira, invadiu a sociedade, incluindo a eclesial, com os seus desvarios, o que só traz perturbação ao sossego e à paz.

Ora, só a revolução da verdade libertará o homem e a sociedade. Parece-me, pois, que é conveniente atender às indicações daquele que veio ao mundo para dar testemunho da Verdade. Quanto ao mais, estudem, trabalhem, repousem, joguem, rezem, cantem e dancem – mas sejam verdadeiros!

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