No seu livro O Botequim da Liberdade, Fernando Dacosta recolhe sete enunciados
que denomina de “profecias de Natália Correia”, cidadã política açoriana de
profunda veia intelectual e poética, animada de considerável ativismo social.
Nasceu em 1923 e faleceu em 1993, com pouco mais de 69 anos de idade.
As profecias ou pré-admonições, que
em baixo se transcrevem, estão no ponto de rebuçado do seu cumprimento,
cumprindo aos portugueses ou deixar que o “doce” chegue ao seu termo normal ou interromper
a sua prossecução e, por consequência, minimizar os seus efeitos.
Torna-se claro que o país entrou já “num
tempo de subcultura, de retrocesso cultural, como toda a Europa, todo o
Ocidente” (vd 3). Veja-se o que determina o posicionamento da União
Europeia em relação à Ucrânia e à Crimeia: não é a solidariedade, a paz, o
progresso, mas o interesse económico, o escoamento dos produtos agrícolas, as
questões comerciais, o domínio da ideologia ocidental estribada no
neocapitalismo onde o dinheiro impera sem o suporte de que a moeda seria apenas
o símbolo e o instrumento de relação comercial. Instituições eleitas em
processo normal, não menos fidedigno que os das outras democracias, caem por
sublevação popular com a “bênção” dos Estados Ocidentais – União Europeia e EUA
– contrariando os interesses estratégicos russos, que também não têm melhor idealismo nem melhor
poesia que a do interesse geoestratégico setorial.
A predita poetisa teceu considerações
sobre o retorno de nacionais, que foram acolhidos num misto de justiça,
estribada na obrigação e na solidariedade nacional, e de incómodo nunca oculto.
Mas, na sequência disso, o tempo parece ter-lhe dado razão. Efetivamente, os seus
filhos cresceram e a sua geração, que, ainda que não seja lícito e justo
generalizar, “não compreendeu nem aceitou nem
esqueceu” a descolonização dita exemplar, está no poder, embora não
sozinha. E os que nos governam tentam “modificar-nos,
por pulsões inconscientes” (vd 2).
É certo que a visão
dos governantes da segunda metade da década de 70 e da primeira de 80, fez-nos
entrar na Europa, a par da Espanha. E a Europa, que fez entrar milhões de écus (agora euros), condicionou-nos a agricultura,
as pescas, a marinha mercante, a floresta, o comércio e a indústria. Mais: sem
fazer as reformas políticas e económicas que se impunham numa linha de coesão e
subsidiariedade, levou-nos a alinhar no símbolo da união económica, política e
social – o euro, moeda única – e, logo ao espreitar da primeira crise sistémica,
reagiu da pior forma possível. Politicamente, um país, o de vocação hegemónica,
pôs-se a mandar, incentivando os países ao investimento público em força e à construção
e aquisição de equipamentos de feição megalómana, até que passou a uma segunda
fase, a da agiotagem (vd 1), que, mandando a solidariedade para as urtigas, consiste
em exigir o pagamento da designada por “dívida soberana” (juntando a dos Estados
com as dos privados) a altíssimo juro, em tempo unilateralmente determinado e
impondo condições de esfarelamento das instituições nacionais e o
empobrecimento atroz da classe média. Os neoliberais, vestidos de
socialdemocratas e/ou de democratas cristãos, não descansam enquanto não destruírem
“os sistemas sociais existentes, sobretudo os dirigidos aos idosos” (vd 5), enquanto
os cidadãos continuam “a pôr gente neste desgraçado mundo e votos neste reacionário
centrão” (vd 5).
Ademais, o mundo da
subcultura aceite ou induzido por quem nos governa através da mentira continuada,
ora disfarçada ora escancarada (atente-se nas recentes declarações do governante
mor, na última versão do DEO e nas subsequentes do n.º 2 da coligação), gosta
dos valores – a cultura, a fé, o amor, a solidariedade (vd 6) – apenas nos
livros e nas alocuções do Papa Francisco, que aplaudem, mas em não acreditam,
por eles exigirem a verdade, e que no fundo abjuram em nome do capitalismo sem
rosto travestido da inevitabilidade e da obrigação de expiar os alegados erros
recentemente cometidos. E vêm tentar dourar ou adoçar a pílula, garantindo que
o acréscimo de 0,25% do IVA vai direitinho para a sustentabilidade da Segurança
Social e/ou que o acréscimo de 0,2% da TSU dos trabalhadores no ativo reverterá
para o pagamento das suas pensões de reforma no futuro (!!! – Coitados, se a
pensão for só isso…), na contrariação voluntária do princípio orçamental da não
consignação de receitas. Já em tempos tentaram lançar um imposto para obviar aos
fogos florestais, lembram-se? E agora “explicam” ao povo “crente” que o governo
tinha outras opções, mas o TC não as viabilizou, e, como o governo “respeita”
as instituições, corta-se dizendo-se não haver cortes. Que linda forma de respeito!
E, porque “a
produtividade hoje não depende já do esforço humano, mas da sofisticação
tecnológica” (vd 4), “Mais de 80% do que fazemos não serve para nada”, o que
leva a que nos interroguemos para que “ainda querem que trabalhemos mais”.
Assim, não é de admirar
que, se nada se fizer coletivamente para inverter a situação, se verifique progressiva
e irreversivelmente a pré-admonição n.º 7 daquela perigosa esquerdista
socialdemocrata, com a indiferença e a resignação de tantos perante o logro da
UE:
(…) Miséria,
fome, corrupção, desemprego, violência, abater-se-ão aqui por muito tempo (…).
O Serviço Nacional de Saúde, a maior conquista do 25 de Abril, o Estado Social
e a independência nacional sofrerão gravíssimas ruturas. Abandonados, os idosos
vão definhar, morrer, por falta de assistência e de comida. Espoliada, a classe
média declinará, só haverá muito ricos e muito pobres. (…).
Eis a transcrição das “profecias” de Natália Correia, a partir
da obra referenciada:
1 – “A nossa entrada (na CEE) vai provocar gravíssimos
retrocessos no país, a Europa não é solidária com ninguém, explorar-nos-á
miseravelmente como grande agiota que nunca deixou de ser. A sua vocação é ser
colonialista”.
2 – “A sua influência (dos retornados) na sociedade
portuguesa não vai sentir-se apenas agora, embora seja imensa. Vai dar-se
sobretudo quando os seus filhos, hoje crianças, crescerem e tomarem o poder.
Essa será uma geração bem preparada e determinada, sobretudo muito realista
devido ao trauma da descolonização, que não compreendeu nem aceitou, nem
esqueceu. Os genes de África estão nela para sempre, dando-lhe visões do país
diferentes das nossas. Mais largas mas menos profundas. Isso levará os que
desempenharem cargos de responsabilidade a cair na tentação de querer
modificar-nos, por pulsões inconscientes de, sei lá, talvez vingança!”.
3 – “Portugal vai entrar num tempo de subcultura, de
retrocesso cultural, como toda a Europa, todo o Ocidente”.
4 – “Mais de 80% do que fazemos não serve para nada. E ainda querem que trabalhemos mais. Para quê? Além disso, a produtividade hoje não depende já do esforço humano, mas da sofisticação tecnológica”.
4 – “Mais de 80% do que fazemos não serve para nada. E ainda querem que trabalhemos mais. Para quê? Além disso, a produtividade hoje não depende já do esforço humano, mas da sofisticação tecnológica”.
5 – “Os neoliberais vão tentar destruir os sistemas
sociais existentes, sobretudo os dirigidos aos idosos. Só me espanta que
perante esta realidade ainda haja pessoas a pôr gente neste desgraçado mundo e
votos neste reacionário centrão”.
6 –“Há a cultura, a fé, o amor, a solidariedade. Que será,
porém, de Portugal quando deixar de ter dirigentes que acreditem nestes
valores?”.
7 – “As primeiras décadas do próximo milénio serão
terríveis. Miséria, fome, corrupção, desemprego, violência, abater-se-ão aqui
por muito tempo. A Comunidade Europeia vai ser um logro. O Serviço Nacional de
Saúde, a maior conquista do 25 de Abril, o Estado Social e a independência nacional
sofrerão gravíssimas ruturas. Abandonados, os idosos vão definhar, morrer, por
falta de assistência e de comida. Espoliada, a classe média declinará, só haverá
muito ricos e muito pobres. A indiferença que se observa ante, por exemplo, o
desmoronar de cidades e o incêndio das florestas é uma antecipação disso, de
outras derrocadas a vir”.
Em face do susodito,
só me resta solicitar que meditem, votem efetiva e conscientemente nas eleições
europeias e entrem da linha da consciencialização crítica e façam-se ouvir.
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