sábado, 3 de maio de 2014

Sobre as “profecias” de Natália Correia

No seu livro O Botequim da Liberdade, Fernando Dacosta recolhe sete enunciados que denomina de “profecias de Natália Correia”, cidadã política açoriana de profunda veia intelectual e poética, animada de considerável ativismo social. Nasceu em 1923 e faleceu em 1993, com pouco mais de 69 anos de idade.
As profecias ou pré-admonições, que em baixo se transcrevem, estão no ponto de rebuçado do seu cumprimento, cumprindo aos portugueses ou deixar que o “doce” chegue ao seu termo normal ou interromper a sua prossecução e, por consequência, minimizar os seus efeitos.
Torna-se claro que o país entrou já “num tempo de subcultura, de retrocesso cultural, como toda a Europa, todo o Ocidente” (vd 3). Veja-se o que determina o posicionamento da União Europeia em relação à Ucrânia e à Crimeia: não é a solidariedade, a paz, o progresso, mas o interesse económico, o escoamento dos produtos agrícolas, as questões comerciais, o domínio da ideologia ocidental estribada no neocapitalismo onde o dinheiro impera sem o suporte de que a moeda seria apenas o símbolo e o instrumento de relação comercial. Instituições eleitas em processo normal, não menos fidedigno que os das outras democracias, caem por sublevação popular com a “bênção” dos Estados Ocidentais – União Europeia e EUA – contrariando os interesses estratégicos russos, que também não têm melhor idealismo nem melhor poesia que a do interesse geoestratégico setorial.
A predita poetisa teceu considerações sobre o retorno de nacionais, que foram acolhidos num misto de justiça, estribada na obrigação e na solidariedade nacional, e de incómodo nunca oculto. Mas, na sequência disso, o tempo parece ter-lhe dado razão. Efetivamente, os seus filhos cresceram e a sua geração, que, ainda que não seja lícito e justo generalizar, “não compreendeu nem aceitou nem esqueceu” a descolonização dita exemplar, está no poder, embora não sozinha. E os que nos governam tentam “modificar-nos, por pulsões inconscientes” (vd 2).
É certo que a visão dos governantes da segunda metade da década de 70 e da primeira de 80, fez-nos entrar na Europa, a par da Espanha. E a Europa, que fez entrar milhões de écus (agora euros), condicionou-nos a agricultura, as pescas, a marinha mercante, a floresta, o comércio e a indústria. Mais: sem fazer as reformas políticas e económicas que se impunham numa linha de coesão e subsidiariedade, levou-nos a alinhar no símbolo da união económica, política e social – o euro, moeda única – e, logo ao espreitar da primeira crise sistémica, reagiu da pior forma possível. Politicamente, um país, o de vocação hegemónica, pôs-se a mandar, incentivando os países ao investimento público em força e à construção e aquisição de equipamentos de feição megalómana, até que passou a uma segunda fase, a da agiotagem (vd 1), que, mandando a solidariedade para as urtigas, consiste em exigir o pagamento da designada por “dívida soberana” (juntando a dos Estados com as dos privados) a altíssimo juro, em tempo unilateralmente determinado e impondo condições de esfarelamento das instituições nacionais e o empobrecimento atroz da classe média. Os neoliberais, vestidos de socialdemocratas e/ou de democratas cristãos, não descansam enquanto não destruírem “os sistemas sociais existentes, sobretudo os dirigidos aos idosos” (vd 5), enquanto os cidadãos continuam “a pôr gente neste desgraçado mundo e votos neste reacionário centrão” (vd 5).
Ademais, o mundo da subcultura aceite ou induzido por quem nos governa através da mentira continuada, ora disfarçada ora escancarada (atente-se nas recentes declarações do governante mor, na última versão do DEO e nas subsequentes do n.º 2 da coligação), gosta dos valores – a cultura, a fé, o amor, a solidariedade (vd 6) – apenas nos livros e nas alocuções do Papa Francisco, que aplaudem, mas em não acreditam, por eles exigirem a verdade, e que no fundo abjuram em nome do capitalismo sem rosto travestido da inevitabilidade e da obrigação de expiar os alegados erros recentemente cometidos. E vêm tentar dourar ou adoçar a pílula, garantindo que o acréscimo de 0,25% do IVA vai direitinho para a sustentabilidade da Segurança Social e/ou que o acréscimo de 0,2% da TSU dos trabalhadores no ativo reverterá para o pagamento das suas pensões de reforma no futuro (!!! – Coitados, se a pensão for só isso…), na contrariação voluntária do princípio orçamental da não consignação de receitas. Já em tempos tentaram lançar um imposto para obviar aos fogos florestais, lembram-se? E agora “explicam” ao povo “crente” que o governo tinha outras opções, mas o TC não as viabilizou, e, como o governo “respeita” as instituições, corta-se dizendo-se não haver cortes. Que linda forma de respeito!
E, porque “a produtividade hoje não depende já do esforço humano, mas da sofisticação tecnológica” (vd 4), “Mais de 80% do que fazemos não serve para nada”, o que leva a que nos interroguemos para que “ainda querem que trabalhemos mais”.
Assim, não é de admirar que, se nada se fizer coletivamente para inverter a situação, se verifique progressiva e irreversivelmente a pré-admonição n.º 7 daquela perigosa esquerdista socialdemocrata, com a indiferença e a resignação de tantos perante o logro da UE:
(…) Miséria, fome, corrupção, desemprego, violência, abater-se-ão aqui por muito tempo (…). O Serviço Nacional de Saúde, a maior conquista do 25 de Abril, o Estado Social e a independência nacional sofrerão gravíssimas ruturas. Abandonados, os idosos vão definhar, morrer, por falta de assistência e de comida. Espoliada, a classe média declinará, só haverá muito ricos e muito pobres. (…).

Eis a transcrição das “profecias” de Natália Correia, a partir da obra referenciada:
1 – “A nossa entrada (na CEE) vai provocar gravíssimos retrocessos no país, a Europa não é solidária com ninguém, explorar-nos-á miseravelmente como grande agiota que nunca deixou de ser. A sua vocação é ser colonialista”.
2 – “A sua influência (dos retornados) na sociedade portuguesa não vai sentir-se apenas agora, embora seja imensa. Vai dar-se sobretudo quando os seus filhos, hoje crianças, crescerem e tomarem o poder. Essa será uma geração bem preparada e determinada, sobretudo muito realista devido ao trauma da descolonização, que não compreendeu nem aceitou, nem esqueceu. Os genes de África estão nela para sempre, dando-lhe visões do país diferentes das nossas. Mais largas mas menos profundas. Isso levará os que desempenharem cargos de responsabilidade a cair na tentação de querer modificar-nos, por pulsões inconscientes de, sei lá, talvez vingança!”.
3 – “Portugal vai entrar num tempo de subcultura, de retrocesso cultural, como toda a Europa, todo o Ocidente”.
4 – “Mais de 80% do que fazemos não serve para nada. E ainda querem que trabalhemos mais. Para quê? Além disso, a produtividade hoje não depende já do esforço humano, mas da sofisticação tecnológica”.
5 – “Os neoliberais vão tentar destruir os sistemas sociais existentes, sobretudo os dirigidos aos idosos. Só me espanta que perante esta realidade ainda haja pessoas a pôr gente neste desgraçado mundo e votos neste reacionário centrão”.
6 –“Há a cultura, a fé, o amor, a solidariedade. Que será, porém, de Portugal quando deixar de ter dirigentes que acreditem nestes valores?”.
7 – “As primeiras décadas do próximo milénio serão terríveis. Miséria, fome, corrupção, desemprego, violência, abater-se-ão aqui por muito tempo. A Comunidade Europeia vai ser um logro. O Serviço Nacional de Saúde, a maior conquista do 25 de Abril, o Estado Social e a independência nacional sofrerão gravíssimas ruturas. Abandonados, os idosos vão definhar, morrer, por falta de assistência e de comida. Espoliada, a classe média declinará, só haverá muito ricos e muito pobres. A indiferença que se observa ante, por exemplo, o desmoronar de cidades e o incêndio das florestas é uma antecipação disso, de outras derrocadas a vir”.


Em face do susodito, só me resta solicitar que meditem, votem efetiva e conscientemente nas eleições europeias e entrem da linha da consciencialização crítica e façam-se ouvir.

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