Segundo o que pôde ler-se nas edições
on line do jornal I, de 22 de maio, e do DN, de hoje 23, “agentes de
patrulhamento da PSP de Lisboa vão estar empenhados, até 10 de junho, a juntar
15 toneladas de tampinhas plásticas para fazer uma superbandeira nacional, para
apoiar a seleção nacional de futebol e bater um recorde do Guinness”. Estranho serviço
confiado à corporação encarregada da garantia da liberdade e segurança dos cidadãos
e do apoio às pessoas mais vulneráveis para ajudar à concretização da coesão social,
como assegurava, há tempos, o ministro da tutela!
Por seu turno, o Sindicato Unificado
da Polícia (SUP) denuncia esta situação, afirmando que os agentes “estão a ser
obrigados a fazer este serviço que em nada dignifica a PSP”. Ora, do meu ponto
de vista, não se trata de um trabalho não dignificante, podendo até ser considerado
uma ocupação de algum interesse social, desportivo e mediático. No entanto, dada
a inserção da polícia de segurança pública na esfera atual do Estado exíguo em
que o país se colocou, todas as atividades que ultrapassem a estrita missão das
forças de segurança devem ser objeto de momentosa ponderação, não vá suceder
que o prestígio e a credibilidade daquela corporação fiquem desnecessariamente prejudicadas
face à opinião pública. Não se podem, a propósito, olvidar as reais constrições
na admissão de pessoal, no regime de progressão e promoção e na perceção de vencimentos
e remunerações suplementares, inerentes à função.
Neste sentido se entendem as palavras
do presidente do SUP, Peixoto Rodrigues, que opina:
“É um contrassenso que, na semana em
que se apresentou a nova imagem da PSP, uma situação destas aconteça. Não basta
apresentar carros-patrulha pintados de novo e novo fardamento e depois colocar
agentes a executar este tipo de trabalho que nada tem a ver com as suas funções”.
Há ainda de acrescentar-se que, em
todos os setores da atividade, com razão ou sem ela, por mero preconceito de cidadãos
atrasados ou por razões objetivas, se vive da imagem. O povo inventou um
estribilho: “conforme se mostram assim se tratam”. E um corpo de cidadãos
qualificados a quem a sociedade, através do Estado, confiou o múnus da
segurança das populações, um serviço público em prol da pessoa humana e seus
bens, tem que ganhar e manter a confinação de todos – o que se consegue em grande
parte pela imagem. Não basta, mas ela é necessária a adornar o desempenho
dedicado e eficaz.
Poderia argumentar-se que os agentes
estão a desenvolver esta curiosa atividade em regime de voluntariado, nos
tempos livres ou no âmbito da sua afirmação desportiva (que é um elemento de
formação e ocupação a considerar na vida da polícia). Mas não, o presidente do
SUP esclarece que a ordem partiu do comandante da segunda divisão da PSP de
Lisboa. Ao questionar esta ordem aquando da cerimónia de apresentação da nova
imagem da PSP, Peixoto Rodrigues obteve como resposta a informação de que “o
Comando Metropolitano tem conhecimento” e “abraçou este projeto cujo objetivo é
bater um recorde do Guinness”. Todavia, ou não sabem ou fazem de conta que não
sabem que “os agentes estão contrariados e a executar este trabalho mesmo em
dias de folga”. Mais: “O Comando quer passar a ideia de que as pessoas estão a
separar as tampinhas de forma voluntária, mas eu sei que estão a ser obrigadas
e só não dizem que não, com medo das repercussões”, afirma o referido dirigente
sindical.
Pondere-se a excelência de uma das
valências essenciais em que se impõe a ocupação de homens pagos pela República
para sua liberdade e segurança pública:
Até ao dia 10 de junho, 15 a 16
elementos, “que seriam mais úteis a fazerem investigação criminal”, terão de
separar 15 toneladas de tampinhas de plástico por cores, com o objetivo de “criar
uma bandeira nacional para celebrarmos o Dia de Portugal” e ser um “incentivo à
seleção nacional de futebol” e um apoio a “instituições de solidariedade social”.
Lá ficam o Dia de Portugal e as instituições
de solidariedade social com as costas largas para justificar tão estranha
ocupação, pelos vistos involuntária, mas desejada por alguém, que tem o direito
de mandar como muito bem entende.
Que hei de eu dizer a isto, quando se
veem outras coisas igualmente bem patuscas: professores a servirem de amas-secas
a alunos e alunas do ensino básico e secundário; professores, médicos,
enfermeiros e assistentes sociais mais escrupulosos, por obrigação, com papéis
do que com os utentes; magistrados e oficiais de justiça mais zelosos nos formalismos
que na substância; sacerdotes mais preocupados com as rubricas litúrgicas do que
com os conteúdos do culto e com a participação dos crentes; casamentos mais
centrados nas fatiotas, nos anéis e nos ramos de flores que na responsabilidade
decorrente do ato matrimonial; batismos mais voltados para os padrinhos e as
prendas; profissões de fé e comunhões solenes mais assentes nas fotos, na
indumentária e no banquete que na fé; e mais não digo, para não alongar a lista.
Não seria de esperar que os do Alto –
Presidência da República, Assembleia da República, Governo, Tribunais, Forças
Armadas e de Segurança, Escolas e Serviços Públicos, em geral – dessem o
exemplo, se centrassem no essencial de suas missões e zelassem pela dignidade das
pessoas e pelo prestígio das instituições?
Se as instituições dos Estados-Membros
não se prestigiam a si próprias, como queremos ter uma UE prestigiada e a
funcionar ao serviço dos cidadãos, nas linhas da subsidiariedade e da
solidariedade – uma voz com autoridade moral e política que se ouça no mundo?
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