sexta-feira, 23 de maio de 2014

Trabalho “exemplar” da PSP de Lisboa

Segundo o que pôde ler-se nas edições on line do jornal I, de 22 de maio, e do DN, de hoje 23, “agentes de patrulhamento da PSP de Lisboa vão estar empenhados, até 10 de junho, a juntar 15 toneladas de tampinhas plásticas para fazer uma superbandeira nacional, para apoiar a seleção nacional de futebol e bater um recorde do Guinness”. Estranho serviço confiado à corporação encarregada da garantia da liberdade e segurança dos cidadãos e do apoio às pessoas mais vulneráveis para ajudar à concretização da coesão social, como assegurava, há tempos, o ministro da tutela!
Por seu turno, o Sindicato Unificado da Polícia (SUP) denuncia esta situação, afirmando que os agentes “estão a ser obrigados a fazer este serviço que em nada dignifica a PSP”. Ora, do meu ponto de vista, não se trata de um trabalho não dignificante, podendo até ser considerado uma ocupação de algum interesse social, desportivo e mediático. No entanto, dada a inserção da polícia de segurança pública na esfera atual do Estado exíguo em que o país se colocou, todas as atividades que ultrapassem a estrita missão das forças de segurança devem ser objeto de momentosa ponderação, não vá suceder que o prestígio e a credibilidade daquela corporação fiquem desnecessariamente prejudicadas face à opinião pública. Não se podem, a propósito, olvidar as reais constrições na admissão de pessoal, no regime de progressão e promoção e na perceção de vencimentos e remunerações suplementares, inerentes à função.  
Neste sentido se entendem as palavras do presidente do SUP, Peixoto Rodrigues, que opina:
“É um contrassenso que, na semana em que se apresentou a nova imagem da PSP, uma situação destas aconteça. Não basta apresentar carros-patrulha pintados de novo e novo fardamento e depois colocar agentes a executar este tipo de trabalho que nada tem a ver com as suas funções”.
Há ainda de acrescentar-se que, em todos os setores da atividade, com razão ou sem ela, por mero preconceito de cidadãos atrasados ou por razões objetivas, se vive da imagem. O povo inventou um estribilho: “conforme se mostram assim se tratam”. E um corpo de cidadãos qualificados a quem a sociedade, através do Estado, confiou o múnus da segurança das populações, um serviço público em prol da pessoa humana e seus bens, tem que ganhar e manter a confinação de todos – o que se consegue em grande parte pela imagem. Não basta, mas ela é necessária a adornar o desempenho dedicado e eficaz.
Poderia argumentar-se que os agentes estão a desenvolver esta curiosa atividade em regime de voluntariado, nos tempos livres ou no âmbito da sua afirmação desportiva (que é um elemento de formação e ocupação a considerar na vida da polícia). Mas não, o presidente do SUP esclarece que a ordem partiu do comandante da segunda divisão da PSP de Lisboa. Ao questionar esta ordem aquando da cerimónia de apresentação da nova imagem da PSP, Peixoto Rodrigues obteve como resposta a informação de que “o Comando Metropolitano tem conhecimento” e “abraçou este projeto cujo objetivo é bater um recorde do Guinness”. Todavia, ou não sabem ou fazem de conta que não sabem que “os agentes estão contrariados e a executar este trabalho mesmo em dias de folga”. Mais: “O Comando quer passar a ideia de que as pessoas estão a separar as tampinhas de forma voluntária, mas eu sei que estão a ser obrigadas e só não dizem que não, com medo das repercussões”, afirma o referido dirigente sindical.
Pondere-se a excelência de uma das valências essenciais em que se impõe a ocupação de homens pagos pela República para sua liberdade e segurança pública:
Até ao dia 10 de junho, 15 a 16 elementos, “que seriam mais úteis a fazerem investigação criminal”, terão de separar 15 toneladas de tampinhas de plástico por cores, com o objetivo de “criar uma bandeira nacional para celebrarmos o Dia de Portugal” e ser um “incentivo à seleção nacional de futebol” e um apoio a “instituições de solidariedade social”.
Lá ficam o Dia de Portugal e as instituições de solidariedade social com as costas largas para justificar tão estranha ocupação, pelos vistos involuntária, mas desejada por alguém, que tem o direito de mandar como muito bem entende.
Que hei de eu dizer a isto, quando se veem outras coisas igualmente bem patuscas: professores a servirem de amas-secas a alunos e alunas do ensino básico e secundário; professores, médicos, enfermeiros e assistentes sociais mais escrupulosos, por obrigação, com papéis do que com os utentes; magistrados e oficiais de justiça mais zelosos nos formalismos que na substância; sacerdotes mais preocupados com as rubricas litúrgicas do que com os conteúdos do culto e com a participação dos crentes; casamentos mais centrados nas fatiotas, nos anéis e nos ramos de flores que na responsabilidade decorrente do ato matrimonial; batismos mais voltados para os padrinhos e as prendas; profissões de fé e comunhões solenes mais assentes nas fotos, na indumentária e no banquete que na fé; e mais não digo, para não alongar a lista.
Não seria de esperar que os do Alto – Presidência da República, Assembleia da República, Governo, Tribunais, Forças Armadas e de Segurança, Escolas e Serviços Públicos, em geral – dessem o exemplo, se centrassem no essencial de suas missões e zelassem pela dignidade das pessoas e pelo prestígio das instituições?

Se as instituições dos Estados-Membros não se prestigiam a si próprias, como queremos ter uma UE prestigiada e a funcionar ao serviço dos cidadãos, nas linhas da subsidiariedade e da solidariedade – uma voz com autoridade moral e política que se ouça no mundo?

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