Este inefável ex-ministro das Finanças
da era da governança cavaquista, agora afastado da política dita ativa e
professor de economia na Nova School of Business and Economics, não
deixa de surpreender.
Em 1993, afirmou
perante a Assembleia da República que o país era um “oásis” (Quem não se lembra
do lugar do oásis e da escola do sucesso?). O OE de 1993, que previa o encaixe
de 3.340 milhões contos de receitas correntes, precisou de ser complementado pelo
orçamento retificativo porque, afinal, a receita fora bem menor. O OE previa o crescimento
do PIB em 2%, ao passo que, na realidade, se verificou um recuo de 0,7%. Em dezembro
daquele ano, Cavaco houve por bem mudar de titular das finanças. Porém, nada
impediu que o Ministro tenha sido cúmplice do então Primeiro-Ministro na
subscrição da outorga, a dois agentes da extinta PIDE/DGS, de uma pensão por “altos
serviços prestados à pátria”, proposta pelo Supremo Tribunal Militar.
No fim do não de 2013,
vinte anos depois, surpreendeu a opinião pública ao propalar que “os 13 juízes do Tribunal
Constitucional não são ajuizados, querem preservar a sociedade sem classes e a
economia nacionalizada prescritas pela Constituição aprovada em 1976, têm uma
visão demasiado legalista da sua função e que deviam dar mais importância ao
memorando assinado com a troika do que à lei fundamental”. E chegou ao ponto de
zurzir contra o atual Presidente da República, quando perorou que “a maioria
das decisões do TC sobre medidas austeritárias surgem na sequência de pedidos
de declaração de inconstitucionalidade feitos pelo Presidente, e em alguns
casos (em relação à contribuição extraordinária de solidariedade, por exemplo),
contrariam esses pedidos do PR”. E infere que o PR suplanta os juízes no
anacronismo e na falta de sapiência e juízo que lhes atribui quando afirma
“estes 13 juízes não são homens ajuizados, porque também há mulheres e também
talvez por outras razões”, enunciado que denota um desajeitado machismo agradável
a determinadas mentes.
Recentemente, afirmou, em entrevista a
Sílvia
de Oliveira e Hugo Neutel, de Dinheiro Vivo, que o
ajustamento pesou mais sobre os ricos e sobre os mais pobres e que “a classe
média acabou por ser a que menos sofreu”. Bem gostava de perceber como é que o infalível
professor é capaz de contrariar a voz consensual de que a classe média foi tão prejudicada
pela crise que surgiram novos pobres, que vêm a depauperar até à exaustão os recursos
das organizações de solidariedade e a esgotar a capacidade de solidariedade
económica dos cidadãos. Há mesmo quem profetize que a classe média, essencial
na vida do Estado, está de tal maneira diminuída que mais parece em vias de extinção
do que em processo de reconversão. Não sabe o professor que muitos dos avós consomem
as pensões de reforma e de aposentação, cada vez mais rarefeitas, no sustento
de netos com pais e tios desempregados, sentindo-se mesmo forçados a abandonar
o lar de terceira idade a que já se tinham recolhido? Não saberá que milhares
de jovens abandonaram o ensino superior por falta de dinheiro para pagamento de
propinas, alojamento e alimentação? Não sabe que centenas de adolescentes
usufruem da única refeição que lhes é dada na escola? Não saberá Sua
Excelentíssima Docência que o país tem uma sangria emigratória parecida com a
da década de 60 do século XX, calculada em cerca de 300 mil almas, sendo muitas
de gente qualificada? Não sente o economista, que deveria conhecer a situação
da sociedade pelo lado da economia social, não sente como decresceu a
natalidade, por falta de meios, designadamente estabilidade laboral, existência
de condições de compatibilidade entre ocupação laboral e dedicação à família? Não
reconhece que a escola está, ao nível do primeiro ciclo do ensino básico, sem
população discente? Não percebe que a Administração Pública, ora esbulhada até
ao tutano, se prestigia e ganha eficácia com uma classe média robusta?
Crerá o ilustre académico que se
trata de filhos da gente muito rica ou da gente muito pobre? Acha que os ricos são
assim tantos neste país? Acha que os muito pobres puderam fazer cursos superiores,
emigrar ou perder muito dinheiro? Subestima os cortes salariais, de pensões e de
subsídios que se abateram sobre funcionários? Acha pouca coisa o aumento brutal
de impostos ou pensa que eles custam menos a pagar pelos elementos da classe
média?
***
Mas vejamos, com natural interesse, como o intelectual comenta
a forma como o país assinala o fim simbólico do resgate e o balanço que faz dos
três anos de troika. Neste
sentido, entende que se trata de um dia simbólico e não mais: é um dia igual ao
anterior e muitas coisas ficarão iguais no dia seguinte. No entanto,
considera-o um marco e os marcos são o que nos faz viver. Houve um contrato e,
na linha da tradição de que “os contratos têm de ser cumpridos”, o país, todo
ele, cumpriu. Infere que “os símbolos são importantes mas, enquanto
símbolos, não são importantes nos bolsos das pessoas. […] É essa a dificuldade
que se tem em passar realidades económicas, algumas delas instantâneas, que
mudam em centésimos de segundo, e que podem fazer imensa diferença na vida das
pessoas. Mas a realidade é muito mais viscosa, muito mais lenta”.
Braga de
Macedo acredita que, se se mantiverem os aspetos fundamentais das exigências do
memorando, Portugal não terá problemas de acesso aos mercados e que o país
estará melhor.
Quanto à validade dos sacrifícios,
conclui que eram exigidos pelo programa e que valeram a pena, embora reconheça
que “o contrato estava mal escrito, que foi um
contrato abusivo, que se devia ter ido a tribunal, isto em termos simbólicos, e
que o senhor juiz nos dava razão”. Mas Portugal cumpriu.
No atinente
aos objetivos – endireitar as contas públicas e reestruturar a economia – o professor,
embora sustente que o contrato fora elaborado à pressa e numa situação de fraqueza
negocial e, depois, “foi executado num ambiente em que a zona a que pertencemos esteve
quase a afundar”, entende que se atingiram porquanto, no ano passado, tivemos
um excedente, pela primeira vez, desde há décadas. Ora “o primeiro problema de
Portugal, que levou Portugal a pedir ajuda externa, foi o défice externo, tinha
a ver com o facto de não podermos pagar as nossas dívidas ao exterior. […] Estou
praticamente certo de que temos o recorde de défice externo em percentagem de
PIB continuado. A dívida externa que acumulámos, é brutal”.
Porém,
o
governo, porque “alterar a conta corrente é impossível, tem que pôr as contas
em ordem e dar competitividade à economia através de reformas estruturais. Foi
exatamente o que fez, com base num guião”. Mas o guião dizia “nós damos o
dinheiro à cabeça com estas condições”.
Não sei se o analista
professor diria uma coisa destas se vivesse em Portugal com atenção ao que
efetivamente se passa. É que o seu raciocínio é contraditório. Verifica que o
problema da dívida externa é a canga, a herança que tivemos de 10 anos e assegura
que não conhece país “que tenha conseguido crédito externo com um défice tão
grande durante tanto tempo”. E, citando Olivier Blanchard, define as
caraterísticas da nossa economia: crescimento anémico – não há crescimento –,
défice orçamental grande, défice da conta corrente muito grande.
Embora se tenha afirmado convicto
de que o país cumpriu, acaba por defender que as reformas estruturais vão ser
julgadas no sentido de terem ou não conseguido espoletar o potencial exportador
da economia portuguesa. Trata-se, diz ele, de uma questão muito complexa porque,
ao lado do défice da conta corrente, há uma total relutância, ou incapacidade
em fazer reformas estruturais. E as exportações entraram mesmo na rampa do crescimento
sustentável?
E não deixa de chorar
pelas cebolas podres do Egito quando refere que “a estrutura económica
portuguesa até era relativamente flexível, nos anos 60, mas veio a Revolução,
com aquela nacionalização por grosso. Essa alteração acabou por ser má, mesmo
depois das privatizações, e isso verificou-se, sobretudo, porque a economia
fechou”. Outro ilustre a clamar que antigamente é que era bom. Tínhamos ouvido
já Durão Barroso a dizer bem do ensino no liceu de seus estudos pré-abrilinos! Terá
sido esse ensino que o levou a decretar “nem mais um soldado para as colónias”
ou recentemente “nem mais um euro para o protetorado, se o TC não tiver juízo”?
As nacionalizações – onde
é que estava o lúcido economista nesse período? – deixaram cicatrizes: a economia
fechou e as reformas estruturais estavam encavalitadas há muitas décadas –
justificou. Todavia, o que lhe parece mais grave desse período, “que ainda está
a decorrer, é a legibilidade das reformas estruturais”.
E faz algumas interrogações
pertinentes, em termos contrastivos: “Será que se fez a mais no mercado de
trabalho, a menos no mercado financeiro, a mais na agricultura, a menos na
indústria, o que é que é o turismo, como é que é a atração de investimento
estrangeiro? ”. No entanto, não deixa de embandeirar em arco: “Temos vitórias
indiscutíveis de abertura e de confiança em que Portugal é um sítio onde se
pode investir. Temos melhorado enormemente, estamos a atrair investimento
estrangeiro como nunca aconteceu, mesmo à escala europeia”. Então, porque é que
não há investimento? – é imperioso perguntar, penso eu.
Porém, o analista encontra
razões da não legibilidade das reformas estruturais, sentenciando:
“Temos, em Portugal, uma
tradição de concertação social, mas também temos, em Portugal, uma coisa
insólita: os sindicatos, tal como a esquerda, estão divididos, o que é uma
coisa rara na Europa, onde é muito mais frequente a direita estar dividida”. E apresenta
a solução:
Noutros países, há uma tradição de
concertação social e uma tradição de concertação económica. Isto quer dizer que
para abrir a economia ao investimento estrangeiro são precisas reformas. Não só
que se façam, mas que sejam vistas como tal e que as organizações empresariais
e as grandes empresas exportadoras sintam que o Estado é sensível. Teria
gostado de que essas reformas, ao longo destes anos, tivessem sido um bocadinho
mais rápidas.
***
Assim, não percebo como, com tanta incerteza
sobre os resultados no futuro, Braga de Macedo afirma que foi o governo que
decretou a saída limpa, uma saída europeia, e como é que o economista, apesar de
tudo, algo lúcido, acredita na índole limpa da saída do programa de ajustamento,
com tanta coisa para acabar de fazer e com tantos riscos, ou que gizámos o
nosso seguro. E como é que acredita que Merkel é sincera ao afirmar que
Portugal será uma porta para o mundo? Contradições de economista ou otimismo
pertinaz!
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