quinta-feira, 15 de maio de 2014

XLVIII Dia Mundial das Comunicações Sociais

Por iniciativa de Paulo VI e na sequência do decreto conciliar sobre os meios de comunicação social Inter Mirifica, promulgado em 4 de dezembro de 1964, e da Carta Apostólica “motu próprio” In fructibus multis, já de 2 de abril do mesmo ano, com a qual foi instituída a Pontifícia Comissão para as Comunicações Sociais, foi estabelecido como Dia Mundial das Comunicações Sociais o domingo que antecede a solenidade do Pentecostes. Entre nós, a efeméride coincide com a solenidade da Ascensão do Senhor (que noutros países se celebra no dia próprio, a quinta-feira anterior) e 7.º Domingo da Páscoa; e, neste ano de 2014, ocorre a 1 de junho. 
O primeiro ano em que se celebrou o Dia Mundial das Comunicações Sociais, foi o ano de 1967, efeméride para a qual o Papa preparou uma mensagem sobre “os meios de comunicação social”. Nela recorda que a iniciativa corresponde a uma opção do Vaticano II que perspetiva a íntima solidariedade da Igreja “com o género humano e com a sua história” e constitui uma chamada de “atenção dos seus filhos e de todos os homens de boa vontade para o vasto e complexo fenómeno dos modernos meios de comunicação social, como a imprensa, o cinema, a rádio e a televisão, que são uma das notas mais caraterísticas da civilização moderna”. E o pontífice não deixa de alertar para a necessidade do uso “tanto mais atento e responsável” destes meios quanto maiores são o seu “poder e a ambivalente eficácia”.
Posteriormente, em 23 de maio de 1971, no V Dia Mundial da Comunicação Social, Paulo VI faz publicar a Instrução Communio et Progressio, que passa a constituir uma espécie de carta magna dos Meios de Comunicação Social, na ótica da Igreja. Reconhecendo que “a comunhão e o progresso da convivência humana são os fins primordiais da comunicação social e dos meios que emprega, como sejam a imprensa, o cinema, a rádio e a televisão”, há que estatuir normas de utilização dos meios adequados àqueles fins. E, se “com o desenvolvimento técnico destes meios, aumenta a facilidade com que maior número de pessoas e cada um em particular lhes pode ter acesso, aumenta também o grau de penetração e influência na mentalidade e comportamento das mesmas pessoas”. Por isso, tanto os promotores da informação como os seus destinatários devem respeitar um conjunto de regras – a que a Igreja não pode ser alheia e que deve oferecer a mais-valia do fermento evangélico – regras essas que, no respeito pelos valores éticos atinentes à verdade, ao respeito, à dignidade humana, à liberdade e à responsabilidade, devem orientar as pessoas para a consecução do bem comum.
Os pontífices que sucederam a Montini dedicaram ao tema grande atenção e, com a reforma da Cúria Romana, operada por João Paulo II, através da Constituição Apostólica Pastor Bonus, de 28 de junho de 1988, é instituído o Pontifício Conselho das Comunicações Sociais, a partir do organismo já existente. Também, no alvorecer do 3.º milénio, a Igreja começou a dar atenção à Internet. E, assim, a 28 de fevereiro de 2002, o Conselho publicou duas instruções: Igreja e Internet e Ética na Internet. E Bento XVI aderiu à comunicação através das redes sociais, a que Francisco tem dado seguimento.
No ano em curso, está disponível para estudo e reflexão a mensagem do Papa Francisco para o XLVIII Dia Mundial das Comunicações Sociais, em 2014, que se celebra este ano, como já foi dito, a 1 de junho, subordinado ao tema comunicação a serviço de uma autêntica cultura do encontro. Trata-se da primeira mensagem da pena deste pontífice para esta efeméride. E diga-se desde já que vale a pena ler e reler esta peça comunicacional e, à sua luz, analisar o mundo, tentar perceber qual o juízo de Deus a respeito dele e buscar formas de intervenção para que as pessoas não fiquem encalhadas na profusão de tanto material informativo, perdendo-se do sentido da existência e desviando a sua ação do rumo em ordem ao verdadeiro fim, o homem e o bem comum, aliás segundo o coração de Deus. Sem receio de ser mal compreendido, o Papa afirma a não neutralidade destes instrumentos de comunicação. E tem razão: não é somente para prestar o serviço isento, imparcial e objetivo da informação que os partidos, os governos e as ONG criam os seus canais de informação – o que é legítimo, desde que se respeite o direito dos destinatários e dos outros criadores de meios de comunicação social.
Bem o intuíram gradas figuras da Igreja Católica, entre as quais destaco o papel fundador de Tiago Alberione, que imaginou um novo meio de pregar o Evangelho, dentro do espírito de paulino, agora lançando mão dos modernos meios de comunicação. Nesse sentido, partindo da ideia de que a obra de Deus se faz com os homens de Deus, fundou, em 20 de agosto de 1914, na cidade italiana de Alba, a Pia Sociedade São Paulo. A partir de 1931, a Família Paulista fixou-se, para além da Itália, no Brasil, Argentina, Estados Unidos e mais 30 outros países, entre eles, Portugal. Atualmente são 10.000 as pessoas (com quatro congregações e uma grande editora) que reclamam a espiritualidade do Padre Tiago Alberione.
Em Portugal, a Igreja Católica, vai promover a 29 de maio um encontro de apresentação da mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial das Comunicações Sociais de 2014. Referia a agência Ecclesia, no dia 14 de maio, que “a iniciativa anual está marcada para o Seminário Franciscano da Luz (Largo da Luz), em Lisboa, e conta com a participação do presidente da Comissão Episcopal da Cultura, Bens Culturais e Comunicações Sociais, D. Pio Alves, e do antropólogo Alfredo Teixeira, professor da Universidade Católica Portuguesa”. E sintetiza a razão de ser do encontro: A mensagem do Papa, divulgada em janeiro, desafia os profissionais dos média a promover uma “cultura do encontro” entre seres humanos num mundo cada vez mais globalizado, em que persistem problemas como a “exclusão, marginalização e pobreza”.
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Por mim, aqui deixo uma condensação da mensagem papal “Comunicação ao serviço de uma autêntica cultura do encontro”.
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O mundo, que hoje se tornou pequeno, faz-nos mais próximos uns dos outros. Na globalização, que nos faz mais interdependentes, com os progressos dos transportes e das tecnologias de comunicação, devíamos sentir-nos mais próximos e interligados. Porém, permanecem e acentuam-se as divisões, a que estamos demasiado habituados: ao luxo dos mais ricos opõe-se a miséria dos mais pobres; é enorme o sofrimento resultante das múltiplas formas “de exclusão, marginalização e pobreza”, e “conflitos para os quais convergem causas económicas, políticas, ideológicas e até religiosas”.
Os mass-media, verdadeiro dom de Deus, ajudam, através duma boa comunicação humana, a sentirmo-nos mais próximos e a perceber um renovado sentido de unidade da humanidade, que impele à solidariedade e compromisso sério por uma vida mais digna. Os muros da divisão só serão superados, se estivermos prontos a ouvir e a aprender uns dos outros, pelo diálogo que faça crescer a compreensão e respeito, dando e recebendo. Os mass-media, sobretudo a Internet, nestes dias em que as redes da comunicação atingem progressos sem precedentes, podem possibilitar-nos a consecução efetiva do encontro e solidariedade entre todos.
Mas há problemas: a rapidez da informação supera a capacidade de reflexão e discernimento, obstando à expressão equilibrada e correta de si mesmo; a variedade opinativa, rica em si, pode levar ao enclausuramento na esfera de informações atinentes às nossas expectativas e ideias, ou respeitantes a meros interesses políticos e económicos. Por sua vez, o demasiado entretenimento na conexão digital separa-nos do próximo; e o seu não uso, por ignorância, desleixo ou falta de meios, gera a infoexclusão.
Estes limites não justificam a “rejeição dos mass-media; antes, recordam-nos que, afinal, a comunicação é conquista mais humana que tecnológica”. Assim, devemos humanizar a sua utilização, com eficiência e moderação, por exemplo, procurando um sentido de pausa e calma, com tempo e capacidade de silêncio para escuta. E temos de ser pacientes para compreender e acolher os que são diferentes; para aprendermos “a ver o mundo com olhos diferentes e apreciar a experiência humana como se manifesta nas várias culturas e tradições”; e para apreciarmos os grandes valores do Cristianismo, por exemplo, “a visão do ser humano como pessoa, o matrimónio e a família, a distinção entre esfera religiosa e esfera política, os princípios de solidariedade e subsidiariedade”.
E “como pode a comunicação estar ao serviço de uma autêntica cultura do encontro”, ou seja, “como é possível, apesar de todas as nossas limitações e pecados, ser verdadeiramente próximo dos outros”? É questão existencial que resume a que o escriba colocou a Jesus: “E quem é o meu próximo?” (Lc 10,29). A pergunta do escriba remete para a comunicação de proximidade. Podemos reformulá-la: “Como se manifesta a ‘proximidade’ nos meios de comunicação e no ambiente das tecnologias digitais”? A parábola do bom samaritano, parábola do comunicador, dá a resposta. Realmente, quem comunica faz-se próximo. E o bom samaritano faz-se próximo e cuida do homem que encontra jazente ao lado da estrada. Jesus inverte a perspetiva: não se trata de reconhecer o outro como meu semelhante, mas da minha capacidade de me fazer semelhante a ele. “Por isso, comunicar significa tomar consciência de que somos humanos, filhos de Deus”.
Se a comunicação visa predominantemente induzir o consumo ou a manipulação de pessoas, configura agressão violenta como a sofrida pelo homem da parábola espancado pelos assaltantes e abandonado. Aquele não é um próximo para o levita e para o sacerdote, mas um estranho de que é melhor guardar distância. Se outrora imperavam as regras da pureza ritual, hoje os mass-media podem condicionar-nos ao ponto de fazer-nos ignorar o nosso próximo real. Não basta garantir a conexão digital: é imperioso que ela logre o encontro verdadeiro, pois não podemos viver isolados. “Precisamos de amar e ser amados”. Por si, as estratégias comunicativas não garantem beleza, bondade e verdade na comunicação. O mundo dos mass-media “não pode alhear-se da solicitude pela humanidade, chamado como é a exprimir ternura”. Como sendo “um lugar rico de humanidade”, a rede digital pode criar a rede de pessoas humanas.
Através da rede dos mass-media, cuja neutralidade é só aparente, pois só pode constituir ponto de referência quem, ao comunicar, se coloca a si mesmo em jogo, o testemunho cristão pode alcançar as periferias existenciais, concretizando assim a perspetiva papal de Igreja: “entre uma Igreja acidentada que sai pela estrada e uma Igreja doente de autorreferencialidade, não hesito em preferir a primeira”.
Por outro lado, o envolvimento pessoal é a própria raiz da fiabilidade do comunicador. E é esse que leva o cristão às estradas do mundo onde as pessoas vivem: “é lá que as podemos, efetiva e afectivamente, alcançar”. Nelas se contam as estradas digitais, “congestionadas de humanidade, muitas vezes ferida: homens e mulheres que procuram uma salvação ou uma esperança”. Graças à rede, a mensagem cristã irá “até ao cabo do mundo (At 1,8). Abrir as portas das igrejas implica aderir também ao ambiente digital: “para que as pessoas entrem”, independentemente da sua condição de vida, e para que o Evangelho cruze “o limiar do templo” e saia “ao encontro de todos”. Somos chamados a testemunhar a Igreja como “casa de todos”. A comunicação concorre para dar forma à vocação missionária da Igreja: as redes sociais são também lugar de vivência da vocação de redescobrir a beleza da fé, do encontro com Cristo; são espaço de uma Igreja “que consiga levar calor, inflamar o coração”.
O testemunho não resulta do bombardeio de mensagens, mas da vontade de se doar aos outros “através da disponibilidade para se deixar envolver, pacientemente e com respeito, nas suas questões e nas suas dúvidas, no caminho de busca da verdade e do sentido da existência humana” (Bento XVIMens. XLVII Dia Mundial das Comunicações Sociais). O episódio de Emaús ensina a necessidade de saber inserir-se no diálogo com os homens e mulheres, para compreender seus anseios, dúvidas, esperanças, e lhes oferecer o Evangelho de Jesus, Deus feito homem, que morreu e ressuscitou para nos libertar do pecado e da morte – desafio que requer profundidade, atenção à vida, sensibilidade espiritual. Dialogar postula a convicção de que o outro tem algo para dizer, dar espaço ao seu ponto de vista e propostas; não significa renunciar às próprias ideias e tradições, mas à pretensão de que sejam únicas e absolutas. A comunicação será azeite perfumado pela dor e vinho bom pela alegria, como no caso do samaritano; a nossa luminosidade não derivará de truques ou efeitos especiais, mas da proximidade, com amor e ternura, de quem encontramos pelo caminho.
É pertinente a presença atenta da Igreja no mundo da comunicação, para dialogar com o homem de hoje e levá-lo ao encontro com Cristo: Igreja companheira de estrada, que sabe pôr-se a caminho com todos. O grande e apaixonante desafio da revolução da comunicação e da informação, longe de criar receio da cidadania do digital, requer energias frescas e nova imaginação para transmitir a todos a beleza de Deus.

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