Por iniciativa de Paulo VI e na
sequência do decreto conciliar sobre os meios de comunicação social Inter Mirifica, promulgado em 4 de
dezembro de 1964, e da Carta
Apostólica “motu próprio” In
fructibus multis, já de 2 de abril
do mesmo ano, com a qual foi instituída a Pontifícia Comissão para as
Comunicações Sociais, foi estabelecido como Dia
Mundial das Comunicações Sociais o domingo que antecede a solenidade do
Pentecostes. Entre nós, a efeméride coincide com a solenidade da Ascensão do
Senhor (que noutros países se celebra no dia próprio, a quinta-feira anterior) e
7.º Domingo da Páscoa; e, neste ano de 2014, ocorre a 1 de junho.
O
primeiro ano em que se celebrou o Dia
Mundial das Comunicações Sociais, foi o ano de 1967, efeméride para a qual
o Papa preparou uma mensagem sobre “os
meios de comunicação social”. Nela recorda que a iniciativa corresponde a
uma opção do Vaticano II que perspetiva a íntima solidariedade da Igreja “com o género humano e com a
sua história” e constitui uma chamada de “atenção dos seus filhos e de todos os
homens de boa vontade para o vasto e complexo fenómeno dos modernos meios de
comunicação social, como a imprensa, o cinema, a rádio e a televisão, que são
uma das notas mais caraterísticas da civilização moderna”. E o pontífice não
deixa de alertar para a necessidade do uso “tanto mais atento e responsável”
destes meios quanto maiores são o seu “poder e a ambivalente eficácia”.
Posteriormente, em 23 de
maio de 1971, no V Dia Mundial da Comunicação Social,
Paulo VI faz publicar a Instrução Communio et Progressio, que passa a
constituir uma espécie de carta magna dos Meios de Comunicação Social, na ótica
da Igreja. Reconhecendo que “a comunhão e
o progresso da convivência humana são os fins primordiais da comunicação social
e dos meios que emprega, como sejam a imprensa, o cinema, a rádio e a televisão”,
há que estatuir normas de utilização dos meios adequados àqueles fins. E, se “com
o desenvolvimento técnico destes meios, aumenta a facilidade com que maior
número de pessoas e cada um em particular lhes pode ter acesso, aumenta também
o grau de penetração e influência na mentalidade e comportamento das mesmas
pessoas”. Por isso, tanto os promotores da informação como os seus
destinatários devem respeitar um conjunto de regras – a que a Igreja não pode
ser alheia e que deve oferecer a mais-valia do fermento evangélico – regras
essas que, no respeito pelos valores éticos atinentes à verdade, ao respeito, à
dignidade humana, à liberdade e à responsabilidade, devem orientar as pessoas
para a consecução do bem comum.
Os pontífices que sucederam a Montini dedicaram ao
tema grande atenção e, com a reforma da Cúria Romana, operada por João Paulo
II, através da Constituição Apostólica
Pastor Bonus, de 28 de junho de 1988, é instituído o Pontifício Conselho das Comunicações Sociais, a partir do organismo
já existente. Também, no alvorecer do 3.º milénio, a Igreja começou a dar
atenção à Internet. E, assim, a 28 de fevereiro de 2002, o Conselho publicou duas instruções: Igreja e Internet e Ética na
Internet. E Bento XVI aderiu à comunicação através das redes sociais, a que
Francisco tem dado seguimento.
No ano em curso, está disponível para estudo e
reflexão a mensagem do Papa Francisco para o XLVIII Dia Mundial das Comunicações Sociais, em 2014, que se celebra este
ano, como já foi dito, a 1 de junho, subordinado ao tema comunicação a serviço de uma autêntica cultura do encontro.
Trata-se da primeira mensagem da pena deste pontífice para esta efeméride. E
diga-se desde já que vale a pena ler e reler esta peça comunicacional e, à sua
luz, analisar o mundo, tentar perceber qual o juízo de Deus a respeito dele e
buscar formas de intervenção para que as pessoas não fiquem encalhadas na
profusão de tanto material informativo, perdendo-se do sentido da existência e
desviando a sua ação do rumo em ordem ao verdadeiro fim, o homem e o bem comum,
aliás segundo o coração de Deus. Sem receio de ser mal compreendido, o Papa afirma
a não neutralidade destes instrumentos de comunicação. E tem razão: não é somente
para prestar o serviço isento, imparcial e objetivo da informação que os
partidos, os governos e as ONG criam os seus canais de informação – o que é
legítimo, desde que se respeite o direito dos destinatários e dos outros
criadores de meios de comunicação social.
Bem o
intuíram gradas figuras da Igreja Católica, entre as quais destaco o papel
fundador de Tiago Alberione, que imaginou um novo meio de pregar o Evangelho,
dentro do espírito de paulino, agora lançando mão dos modernos meios de
comunicação. Nesse sentido, partindo da ideia de que a obra de Deus se faz com os homens de Deus,
fundou, em 20 de agosto de 1914, na cidade italiana de Alba, a Pia
Sociedade São Paulo. A partir
de 1931, a Família Paulista fixou-se, para além da Itália, no Brasil, Argentina,
Estados Unidos e mais 30 outros
países, entre eles, Portugal. Atualmente são 10.000 as pessoas (com quatro
congregações e uma grande editora) que reclamam a espiritualidade do Padre
Tiago Alberione.
Em
Portugal, a Igreja Católica, vai promover a 29 de maio um encontro de
apresentação da mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial das Comunicações Sociais de 2014. Referia a agência Ecclesia, no dia 14 de maio, que “a iniciativa anual está
marcada para o Seminário Franciscano da Luz (Largo da Luz), em Lisboa, e conta
com a participação do presidente da Comissão Episcopal da Cultura, Bens
Culturais e Comunicações Sociais, D. Pio Alves, e do antropólogo Alfredo
Teixeira, professor da Universidade Católica Portuguesa”. E sintetiza a razão
de ser do encontro: A mensagem do Papa,
divulgada em janeiro, desafia os profissionais dos média a promover uma
“cultura do encontro” entre seres humanos num mundo cada vez mais globalizado,
em que persistem problemas como a “exclusão, marginalização e pobreza”.
***
Por mim, aqui deixo uma condensação
da mensagem papal “Comunicação ao serviço de uma autêntica cultura do encontro”.
***
O mundo, que hoje
se tornou pequeno, faz-nos mais próximos uns dos outros. Na globalização, que
nos faz mais interdependentes, com os progressos dos transportes e das
tecnologias de comunicação, devíamos sentir-nos mais próximos e interligados.
Porém, permanecem e acentuam-se as divisões, a que estamos demasiado habituados:
ao luxo dos mais ricos opõe-se a miséria dos mais pobres; é enorme o sofrimento
resultante das múltiplas formas “de exclusão, marginalização e pobreza”, e “conflitos
para os quais convergem causas económicas, políticas, ideológicas e até religiosas”.
Os mass-media,
verdadeiro dom de Deus, ajudam, através duma boa comunicação humana, a sentirmo-nos
mais próximos e a perceber um renovado sentido de unidade da humanidade, que
impele à solidariedade e compromisso sério por uma vida mais digna. Os muros da
divisão só serão superados, se estivermos prontos a ouvir e a aprender uns dos
outros, pelo diálogo que faça crescer a compreensão e respeito, dando e
recebendo. Os mass-media, sobretudo a Internet, nestes dias em que as
redes da comunicação atingem progressos sem precedentes, podem possibilitar-nos
a consecução efetiva do encontro e solidariedade entre todos.
Mas há
problemas: a rapidez da informação supera a capacidade de reflexão e
discernimento, obstando à expressão equilibrada e correta de si mesmo; a
variedade opinativa, rica em si, pode levar ao enclausuramento na esfera de informações
atinentes às nossas expectativas e ideias, ou respeitantes a meros interesses
políticos e económicos. Por sua vez, o demasiado entretenimento na conexão
digital separa-nos do próximo; e o seu não uso, por ignorância, desleixo ou
falta de meios, gera a infoexclusão.
Estes limites
não justificam a “rejeição dos mass-media; antes, recordam-nos que,
afinal, a comunicação é conquista mais humana que tecnológica”. Assim, devemos
humanizar a sua utilização, com eficiência e moderação, por exemplo, procurando
um sentido de pausa e calma, com tempo e capacidade de silêncio para escuta. E
temos de ser pacientes para compreender e acolher os que são diferentes; para
aprendermos “a ver o mundo com olhos diferentes e apreciar a experiência humana
como se manifesta nas várias culturas e tradições”; e para apreciarmos os grandes
valores do Cristianismo, por exemplo, “a visão do ser humano como pessoa, o
matrimónio e a família, a distinção entre esfera religiosa e esfera política,
os princípios de solidariedade e subsidiariedade”.
E “como pode
a comunicação estar ao serviço de uma autêntica cultura do encontro”, ou seja,
“como é possível, apesar de todas as nossas limitações e pecados, ser
verdadeiramente próximo dos outros”? É questão existencial que resume a que o
escriba colocou a Jesus: “E quem é o meu próximo?” (Lc 10,29). A
pergunta do escriba remete para a comunicação de proximidade. Podemos
reformulá-la: “Como se manifesta a ‘proximidade’ nos meios de comunicação e no
ambiente das tecnologias digitais”? A parábola do bom samaritano, parábola do
comunicador, dá a resposta. Realmente, quem comunica faz-se próximo. E o bom
samaritano faz-se próximo e cuida do homem que encontra jazente ao lado da estrada.
Jesus inverte a perspetiva: não se trata de reconhecer o outro como meu
semelhante, mas da minha capacidade de me fazer semelhante a ele. “Por isso,
comunicar significa tomar consciência de que somos humanos, filhos de Deus”.
Se a
comunicação visa predominantemente induzir o consumo ou a manipulação de
pessoas, configura agressão violenta como a sofrida pelo homem da parábola espancado
pelos assaltantes e abandonado. Aquele não é um próximo para o levita e para o
sacerdote, mas um estranho de que é melhor guardar distância. Se outrora
imperavam as regras da pureza ritual, hoje os mass-media podem
condicionar-nos ao ponto de fazer-nos ignorar o nosso próximo real. Não basta garantir
a conexão digital: é imperioso que ela logre o encontro verdadeiro, pois não
podemos viver isolados. “Precisamos de amar e ser amados”. Por si, as
estratégias comunicativas não garantem beleza, bondade e verdade na comunicação.
O mundo dos mass-media “não pode alhear-se da solicitude pela
humanidade, chamado como é a exprimir ternura”. Como sendo “um lugar rico de
humanidade”, a rede digital pode criar a rede de pessoas humanas.
Através da
rede dos mass-media, cuja neutralidade é só aparente, pois só pode
constituir ponto de referência quem, ao comunicar, se coloca a si mesmo em jogo,
o testemunho cristão pode alcançar as periferias existenciais, concretizando
assim a perspetiva papal de Igreja: “entre uma Igreja acidentada que sai pela
estrada e uma Igreja doente de autorreferencialidade, não hesito em preferir a
primeira”.
Por outro
lado, o envolvimento pessoal é a própria raiz da fiabilidade do comunicador. E
é esse que leva o cristão às estradas do mundo onde as pessoas vivem: “é lá que
as podemos, efetiva e afectivamente, alcançar”. Nelas se contam as estradas digitais,
“congestionadas de humanidade, muitas vezes ferida: homens e mulheres que
procuram uma salvação ou uma esperança”. Graças à rede, a mensagem cristã irá
“até ao cabo do mundo (At 1,8). Abrir as portas das igrejas implica
aderir também ao ambiente digital: “para que as pessoas entrem”, independentemente
da sua condição de vida, e para que o Evangelho cruze “o limiar do templo” e
saia “ao encontro de todos”. Somos chamados a testemunhar a Igreja como “casa
de todos”. A comunicação concorre para dar forma à vocação missionária da
Igreja: as redes sociais são também lugar de vivência da vocação de redescobrir
a beleza da fé, do encontro com Cristo; são espaço de uma Igreja “que consiga
levar calor, inflamar o coração”.
O testemunho
não resulta do bombardeio de mensagens, mas da vontade de se doar aos outros “através
da disponibilidade para se deixar envolver, pacientemente e com respeito, nas
suas questões e nas suas dúvidas, no caminho de busca da verdade e do sentido
da existência humana” (Bento XVI, Mens. XLVII
Dia Mundial das Comunicações Sociais). O episódio de Emaús
ensina a necessidade de saber inserir-se no diálogo com os homens e mulheres,
para compreender seus anseios, dúvidas, esperanças, e lhes oferecer o Evangelho
de Jesus, Deus feito homem, que morreu e ressuscitou para nos libertar do
pecado e da morte – desafio que requer profundidade, atenção à vida,
sensibilidade espiritual. Dialogar postula a convicção de que o outro tem algo
para dizer, dar espaço ao seu ponto de vista e propostas; não significa
renunciar às próprias ideias e tradições, mas à pretensão de que sejam únicas e
absolutas. A comunicação será azeite perfumado pela dor e vinho bom pela
alegria, como no caso do samaritano; a nossa luminosidade não derivará de truques
ou efeitos especiais, mas da proximidade, com amor e ternura, de quem
encontramos pelo caminho.
É pertinente
a presença atenta da Igreja no mundo da comunicação, para dialogar com o homem
de hoje e levá-lo ao encontro com Cristo: Igreja companheira de estrada, que
sabe pôr-se a caminho com todos. O grande e apaixonante desafio da revolução da
comunicação e da informação, longe de criar receio da cidadania do digital, requer
energias frescas e nova imaginação para transmitir a todos a beleza de Deus.
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