segunda-feira, 12 de maio de 2014

Igreja de portas abertas, mesmo para “marcianos”

Este é o clamor do Papa Francisco lançado hoje, dia 12 de maio, a partir da homilia na celebração eucarística em Santa Marta como comentário à 1.ª leitura da Liturgia da Palavra.
Apesar de Jesus ter enviado os discípulos por todo o mundo e ordenado que fizessem discípulos de todas as nações, ensinando todas as gentes a observar tudo quanto lhes tinha mandado (cf Mc 16,15; Mt 28,19-20; Lc 24,47), não havia maneira de eles compreenderem que a Salvação era para todos e não somente para os judeus.
O livro dos Atos refere que os apóstolos e os irmãos, que viviam na Judeia, ao saberem que “também os pagãos haviam acolhido a Palavra de Deus”, censuraram Pedro: “Tu entraste na casa de pagãos e comeste com eles!” (cf At, 11,1-3). E Pedro teve de lhes contar o episódio da visão que tivera em Jope: Vira uma espécie de grande toalha sustentada pelas quatro pontas, que descia do céu e chegava até junto dele. Dentro havia quadrúpedes da terra, animais selvagens, répteis e aves do céu. Uma voz ordenava: “Levanta-te, Pedro, mata e come”. Ao que ele retorquiu que não podia ser, pois, jamais entrara coisa profana e impura na sua boca. A voz repreendeu-o: “Não chames impuro o que Deus purificou”. Sendo assim, levado pelo Espírito Santo, acedeu a acompanhar os três homens que lhe haviam sido enviados de Cesareia. E, após terem entrado na casa que lhes fora indicada, Pedro falou; e, ao ver que o Espírito Santo desceu sobre os presentes como sobre os apóstolos no Pentecostes, recordou-se do que o Senhor dissera: “João batizou com água, mas vós sereis batizados no Espírito Santo”. E concluiu que Deus concedera a eles o mesmo dom que àqueles que acreditavam em Jesus.
Ora, quem seria Pedro para se opor à ação de Deus? Ao ouvirem a narração do facto, os fiéis de origem judaica acalmaram-se e glorificaram a Deus: “Também aos pagãos Deus concedeu a conversão que leva para a vida!” (cf At 11,6-18).
Este espírito de capelinha ou de tentativa de circunscrever a vontade salvífica divina a um grupo ou casta era recorrente, naturalmente ou por medo. Recorde-se o caso da conversão de Paulo.
Ananias, quando se sentiu enviado por Deus ao encontro de Paulo, respondeu: “Senhor, a muitos ouvi, acerca deste homem, quantos males tem feito aos teus santos em Jerusalém” (At 9,13). Foi necessária a tranquilização vinda do Alto: “Vai, porque este é para mim um vaso escolhido, para levar o meu nome diante dos gentios, e dos reis e dos filhos de Israel. E eu lhe mostrarei quanto deve padecer pelo meu nome” (At 9,15-16). E foi decisiva a intervenção de Barnabé, porque, “quando Saulo (Paulo) chegou a Jerusalém, procurava ajuntar-se aos discípulos, mas todos o temiam, não crendo que ele fosse discípulo” (At 9,26).
E continuou a dialética entre a tentativa de exclusão e a observação da vontade do Espírito Santo a guiar a Igreja. Quando (At 14,1-2) “entraram juntos na sinagoga dos judeus e falaram de tal modo que creu uma grande multidão, não só de judeus mas de gregos, os judeus incrédulos incitaram e irritaram, contra os irmãos, os ânimos dos gentios”. Mas não resta dúvida de que é o Espírito Santo quem guia os passos apostólicos. Veja-se o que se relata em Atos (16,6-10):
Passando pela Frígia e pela província da Galácia, foram impedidos pelo Espírito Santo de anunciar a palavra na Ásia. E, quando chegaram à Mísia, intentavam ir para Bitínia, mas o Espírito não lho permitiu. E, tendo passado pela Mísia, desceram a Tróade. E Paulo teve de noite uma visão em que se lhe apresentou um homem da Macedónia e lhe rogou: “Passa à Macedónia, e ajuda-nos”. Logo depois desta visão, procurámos partir para a Macedónia, concluindo que o Senhor nos chamava para lhes anunciarmos o Evangelho.

Também agora, como Pedro, em face de umas estruturas eclesiais, por vezes, mais fiscalizadoras que promotoras, mais legalistas que evangélicas, o Papa se pergunta e nos faz perguntar a nós próprios: “Quem somos nós para fechar as portas ao Espírito Santo”? O Espírito, que guia a Igreja, sopra onde quer e como Lhe apraz. Todos o sabemos, mas persiste a tentação, da parte de quem se considera com fé indefetível, de Lhe bloquear o caminho e pretender encaminhá-lo numa determinada direção. É uma tentação experimentada nos alvores do cristianismo e que aflora muitas vezes ao longo da História da Igreja com seu efeito perverso. É a narrativa do filho mais velho, o irmão do pródigo, a retorquir ao pai:
Há tantos anos que te sirvo sem nunca transgredir uma ordem tua, e nunca me deste um cabrito para eu fazer uma festa com os meus amigos. Mas, quando chegou esse teu filho, que te consumiu a fortuna com meretrizes, mataste-lhe o vitelo gordo! (Lc 15,29-30).Este é o clamor do Papa Francisco lançado hoje, dia 12 de maio, a partir da homilia na celebração eucarística em Santa Marta como comentário à 1.ª leitura da Liturgia da Palavra.
Apesar de Jesus ter enviado os discípulos por todo o mundo e ordenado que fizessem discípulos de todas as nações, ensinando todas as gentes a observar tudo quanto lhes tinha mandado (cf Mc 16,15; Mt 28,19-20; Lc 24,47), não havia maneira de eles compreenderem que a Salvação era para todos e não somente para os judeus. 
O livro dos Atos refere que os apóstolos e os irmãos, que viviam na Judeia, ao saberem que “também os pagãos haviam acolhido a Palavra de Deus”, censuraram Pedro: “Tu entraste na casa de pagãos e comeste com eles!” (cf At, 11,1-3). E Pedro teve de lhes contar o episódio da visão que tivera em Jope: Vira uma espécie de grande toalha sustentada pelas quatro pontas, que descia do céu e chegava até junto dele. Dentro havia quadrúpedes da terra, animais selvagens, répteis e aves do céu. Uma voz ordenava: “Levanta-te, Pedro, mata e come”. Ao que ele retorquiu que não podia ser, pois, jamais entrara coisa profana e impura na sua boca. A voz repreendeu-o: “Não chames impuro o que Deus purificou”. Sendo assim, levado pelo Espírito Santo, acedeu a acompanhar os três homens que lhe haviam sido enviados de Cesareia. E, após terem entrado na casa que lhes fora indicada, Pedro falou; e, ao ver que o Espírito Santo desceu sobre os presentes como sobre os apóstolos no Pentecostes, recordou-se do que o Senhor dissera: “João batizou com água, mas vós sereis batizados no Espírito Santo”. E concluiu que Deus concedera a eles o mesmo dom que àqueles que acreditavam em Jesus. 
Ora, quem seria Pedro para se opor à ação de Deus? Ao ouvirem a narração do facto, os fiéis de origem judaica acalmaram-se e glorificaram a Deus: “Também aos pagãos Deus concedeu a conversão que leva para a vida!” (cf At 11,6-18).
Este espírito de capelinha ou de tentativa de circunscrever a vontade salvífica divina a um grupo ou casta era recorrente, naturalmente ou por medo. Recorde-se o caso da conversão de Paulo.
Ananias, quando se sentiu enviado por Deus ao encontro de Paulo, respondeu: “Senhor, a muitos ouvi, acerca deste homem, quantos males tem feito aos teus santos em Jerusalém” (At 9,13). Foi necessária a tranquilização vinda do Alto: “Vai, porque este é para mim um vaso escolhido, para levar o meu nome diante dos gentios, e dos reis e dos filhos de Israel. E eu lhe mostrarei quanto deve padecer pelo meu nome” (At 9,15-16). E foi decisiva a intervenção de Barnabé, porque, “quando Saulo chegou a Jerusalém, procurava ajuntar-se aos discípulos, mas todos o temiam, não crendo que ele fosse discípulo” (At 9,26).
E continuou a dialética entre a tentativa de exclusão e a observação da vontade do Espírito Santo a guiar a Igreja. Quando (At 14,1-2) “entraram juntos na sinagoga dos judeus e falaram de tal modo que creu uma grande multidão, não só de judeus mas de gregos, os judeus incrédulos incitaram e irritaram, contra os irmãos, os ânimos dos gentios”. Mas não resta dúvida de que é o Espírito Santo quem guia os passos apostólicos. Veja-se o que se relata em Atos (16,6-10):
Passando pela Frígia e pela província da Galácia, foram impedidos pelo Espírito Santo de anunciar a palavra na Ásia. E, quando chegaram à Mísia, intentavam ir para Bitínia, mas o Espírito não lho permitiu. E, tendo passado pela Mísia, desceram a Tróade. E Paulo teve de noite uma visão em que se lhe apresentou um homem da Macedónia e lhe rogou: “Passa à Macedónia, e ajuda-nos”. Logo depois desta visão, procurámos partir para a Macedónia, concluindo que o Senhor nos chamava para lhes anunciarmos o Evangelho.

Também agora, como Pedro, em face de umas estruturas eclesiais, por vezes, mais fiscalizadoras que promotoras, mais legalistas que evangélicas, o Papa se pergunta e nos faz perguntar a nós próprios: “Quem somos nós para fechar as portas ao Espírito Santo”? O Espírito, que guia a Igreja, sopra onde quer e como Lhe apraz. Todos o sabemos, mas persiste a tentação, da parte de quem se considera com fé indefetível, de Lhe bloquear o caminho e pretender encaminhá-lo numa determinada direção. É uma tentação experimentada nos alvores do cristianismo e que aflora muitas vezes ao longo da História da Igreja com seu efeito perverso. É a narrativa do filho mais velho, o irmão do pródigo, a retorquir ao pai: 
Há tantos anos que te sirvo sem nunca transgredir uma ordem tua, e nunca me deste um cabrito para eu fazer uma festa com os meus amigos. Mas, quando chegou esse teu filho, que te consumiu a fortuna com meretrizes, mataste-lhe o vitelo gordo! (Lc 15,29-30).

Francisco, agarrando o significado da função do “ostiário” (o ministro das portas e dos sinos) que existia como uma das ordens ditas menores e cujo papel se mantém hoje necessariamente, embora sem constituir um ministério específico que postule uma instituição ritual, sublinha a vertente da abertura. O ostiário não estava para fechar portas, mas para as abrir. E quem somos nós para fechar portas? – interroga-se o papa, confessando que é uma ótima palavra para os bispos, os sacerdotes e também para os cristãos. É de acrescentar que nunca se toca o sino para mandar as pessoas embora, mas para entrar, prestar uma informação útil, assinalar celebrativamente algo de importante e significativo.
Francisco insiste em que Deus deixou a liderança da Igreja “nas mãos do Espírito Santo”. Ele é – continua o pontífice – “é aquele que, como disse Jesus, nos vai ensinar tudo” e “nos ajudará a recordar o que Jesus nos ensinou”: 
O Espírito Santo é a presença viva de Deus na Igreja. É ele que conduz a Igreja, que faz caminhar a Igreja. Sempre mais, para além dos limites, mais em frente. O Espírito Santo com os seus dons guia a Igreja. Não se pode compreender a Igreja de Jesus sem este Paráclito, que o Senhor nos envia para isso. E faz estas opções impensáveis […] É mesmo o Espírito Santo que atualiza a Igreja: na verdade, ele a atualiza e a faz caminhar para frente.

O Papa Francisco exortou os católicos a construírem uma Igreja de portas abertas e a serem dóceis às surpresas do Espírito Santo, usando os “marcianos” como imagem do imprevisível.
“Se amanhã chegasse uma expedição de marcianos, por exemplo, e um deles viesse ter connosco – sim, marcianos, verdade, com o nariz comprido e as orelhas grandes, como são pintados pelas crianças – e dissesse: ‘Eu quero o Batismo’. O que é que aconteceria?

O discurso homilético papal, como se viu, evoca o momento de tensão provocado pela conversão dos primeiros cristãos vindos do mundo considerado pagão, uma prova de que o Espírito Santo faz a Igreja ir “para lá dos limites, em frente”.
“Quem somos nós para fechar as portas?” – questionou Francisco, quando tanta gente do mundo eclesiástico pensa que as portas são para fechar e aferrolhar, mesmo que as pessoas fiquem à chuva, ao frio ou ao calor do Sol, à seca. Para tanto invocam invariavelmente o medo, a segurança, a prudência. Todos conhecemos a célebre parábola dos talentos, em que um dos contemplados pela entrega de talentos para pôr a render se comportou assim: 
Chegou, por fim, o que havia recebido um só talento, dizendo: Senhor, soube que és um homem severo, ceifas onde não semeaste e recolhes onde não joeiraste; e, atemorizado, fui esconder o teu talento na terra; aqui tens o que é teu (Mt 25,24-25). 

Será que hoje o homem de Igreja movido pelo medo não merece também a resposta do Senhor?
Servo mau e preguiçoso, sabias que ceifo onde não semeei e que recolho onde não joeirei? Devias ter entregado o meu dinheiro aos banqueiros e, vindo eu, teria recebido o que é meu com juros. Tirai-lhe, pois, o talento e dai-o ao que tem os dez talentos; porque a todo o que tem, dar-se-lhe-á, e terá em abundância; mas ao que não tem, até o que tem, ser-lhe-á tirado. Ao servo inútil, porém, lançai-o nas trevas exteriores; ali haverá o choro e o ranger de dentes (Mt 25, 26-30).

 “Quando o Senhor nos faz ver o caminho, quem somos nós para dizer: ‘Não, Senhor, não é prudente, não façamos assim’?” – afiança o Papa, que convidou todos a rezarem, pedindo ao Senhor a graça da docilidade ao Espírito Santo, a exemplo de São João XXIII.
Penso também que é oportuno e mesmo necessário rever o entendimento que se tem dos versículos de Mateus (Mt 18,17.18), que remetem para a consideração do irmão como “publicano”, quando ele não ouve a Igreja no quadro da correção fraterna e para o poder de desligar no Céu o que se desliga na Terra, bem como o versículo de João, o da hipótese de retenção dos pecados (Jo 20,23).
Poderá efetivamente o perdão dos pecados ser recusado, como uso de poder ou como castigo de estilo de vida? Não deverá, antes, o “mediador” humano (porque o verdadeiro mediador é único, o Senhor Jesus Cristo) agendar convictamente a não desistência de recuperar o pecador que se mostre impenitente? Em vez de juiz sobre o pecado ou intermediário do negócio de que reterá o seu quinhão, deverá preferencialmente fazer-se promotor de arrependimento, mesmo que tenha havido reincidência (“Perdoar não até sete vezes, mas cada um perdoar a cada um setenta vezes sete” – vd Mt 18,21.22). O próprio Cristo no caminho do Calvário terá caído por três vezes. É fraqueza humana e a dinâmica do Evangelho do Reino que o postulam: Se o irmão te ofender, reprende-o a sós; se não te ouvir, repreende-o diante de testemunhas; se não vos ouvir, comunica-o à Igreja; e se ela também não for ouvida, considera-o como um pagão ou um publicano (cf Mt 18,15-17). Aqui está o busílis. Considerar o irmão como publicano (pecador público) ou estrangeiro não pode significar desprezo ou mandá-lo para o inferno, mas colocá-lo como tema prioritário na agenda da recuperação. É este o furor dos santos!
O administrador dos mistérios divinos, mais do que guardá-los ciosamente, deve, sim, zelosamente disponibilizá-los, abrindo-lhes as vias de acesso, de par em par, a quem se aproxime (e procurar que muitos mais se aproximem), com a única prudência de não esbanjar, não desperdiçar.
“Os pobres comerão e ficarão saciados. Louvarão o Senhor os que O procuram” (Sl 22,27). Mas o despenseiro humano dos bens divinos, para servir os pobres, tem de ser pobre em espírito, caso contrário, não serve em condições, perdido no afã pelo dinheiro, pelo prestígio, pela carreira. E lá vai ele, movido pela falsa prudência, a correr fechar portas, quando a sua função é abrir portas, escancará-las para que a graça de Deus passe com liberdade e abundância!


Francisco, agarrando o significado da função do “ostiário” (o ministro das portas e dos sinos) que existia como uma das ordens ditas menores e cujo papel se mantém hoje necessariamente, embora sem constituir um ministério específico que postule uma instituição ritual, sublinha a vertente da abertura. O ostiário não estava para fechar portas, mas para as abrir. E quem somos nós para fechar portas? – interroga-se o papa, confessando que é uma ótima palavra para os bispos, os sacerdotes e também para os cristãos. É de acrescentar que nunca se toca o sino para mandar as pessoas embora, mas para entrar, prestar uma informação útil, assinalar celebrativamente algo de importante e significativo.
Francisco insiste em que Deus deixou a liderança da Igreja “nas mãos do Espírito Santo”. Ele é – continua o pontífice – “é aquele que, como disse Jesus, nos vai ensinar tudo” e “nos ajudará a recordar o que Jesus nos ensinou”:
O Espírito Santo é a presença viva de Deus na Igreja. É ele que conduz a Igreja, que faz caminhar a Igreja. Sempre mais, para além dos limites, mais em frente. O Espírito Santo com os seus dons guia a Igreja. Não se pode compreender a Igreja de Jesus sem este Paráclito, que o Senhor nos envia para isso. E faz estas opções impensáveis […] É mesmo o Espírito Santo que atualiza a Igreja: na verdade, ele a atualiza e a faz caminhar para frente.

O Papa Francisco exortou os católicos a construírem uma Igreja de portas abertas e a serem dóceis às surpresas do Espírito Santo, usando os “marcianos” como imagem do imprevisível.
“Se amanhã chegasse uma expedição de marcianos, por exemplo, e um deles viesse ter connosco – sim, marcianos, verdade, com o nariz comprido e as orelhas grandes, como são pintados pelas crianças – e dissesse: ‘Eu quero o Batismo’. O que é que aconteceria?

O discurso homilético papal, como se viu, evoca o momento de tensão provocado pela conversão dos primeiros cristãos vindos do mundo considerado pagão, uma prova de que o Espírito Santo faz a Igreja ir “para lá dos limites, em frente”.
“Quem somos nós para fechar as portas?” – questionou Francisco, quando tanta gente do mundo eclesiástico pensa que as portas são para fechar e aferrolhar, mesmo que as pessoas fiquem à chuva, ao frio ou ao calor do Sol, à seca. Para tanto invocam invariavelmente o medo, a segurança, a prudência. Todos conhecemos a célebre parábola dos talentos, em que um dos contemplados pela entrega de talentos para pôr a render se comportou assim:
Chegou, por fim, o que havia recebido um só talento, dizendo: Senhor, soube que és um homem severo, ceifas onde não semeaste e recolhes onde não joeiraste; e, atemorizado, fui esconder o teu talento na terra; aqui tens o que é teu (Mt 25,24-25). 

Será que hoje o homem de Igreja movido pelo medo não merece também a resposta do Senhor?
Servo mau e preguiçoso, sabias que ceifo onde não semeei e que recolho onde não joeirei? Devias ter entregado o meu dinheiro aos banqueiros e, vindo eu, teria recebido o que é meu com juros. Tirai-lhe, pois, o talento e dai-o ao que tem os dez talentos; porque a todo o que tem, dar-se-lhe-á, e terá em abundância; mas ao que não tem, até o que tem, ser-lhe-á tirado. Ao servo inútil, porém, lançai-o nas trevas exteriores; ali haverá o choro e o ranger de dentes (Mt 25, 26-30).

 “Quando o Senhor nos faz ver o caminho, quem somos nós para dizer: ‘Não, Senhor, não é prudente, não façamos assim’?” – afiança o Papa, que convidou todos a rezarem, pedindo ao Senhor a graça da docilidade ao Espírito Santo, a exemplo de São João XXIII.
Penso também que é oportuno e mesmo necessário rever o entendimento que se tem dos versículos de Mateus (Mt 18,17.18), que remetem para a consideração do irmão como “publicano”, quando ele não ouve a Igreja no quadro da correção fraterna e para o poder de desligar no Céu o que se desliga na Terra, bem como o versículo de João, o da hipótese de retenção dos pecados (Jo 20,23).
Poderá efetivamente o perdão dos pecados ser recusado, como uso de poder ou como castigo de estilo de vida? Não deverá, antes, o “mediador” humano (porque o verdadeiro mediador é único, o Senhor Jesus Cristo) agendar convictamente a não desistência de recuperar o pecador que se mostre impenitente? Em vez de juiz sobre o pecado ou intermediário do negócio de que reterá o seu quinhão, deverá preferencialmente fazer-se promotor de arrependimento, mesmo que tenha havido reincidência (“Perdoar não até sete vezes, mas cada um perdoar a cada um setenta vezes sete” – vd Mt 18,21.22). O próprio Cristo no caminho do Calvário terá caído por três vezes. É fraqueza humana e a dinâmica do Evangelho do Reino que o postulam: Se o irmão te ofender, reprende-o a sós; se não te ouvir, repreende-o diante de testemunhas; se não vos ouvir, comunica-o à Igreja; e se ela também não for ouvida, considera-o como um pagão ou um publicano (cf Mt 18,15-17). Aqui está o busílis. Considerar o irmão como publicano (pecador público) ou estrangeiro não pode significar desprezo ou mandá-lo para o inferno, mas colocá-lo como tema prioritário na agenda da recuperação. É este o furor dos santos!
O administrador dos mistérios divinos, mais do que guardá-los ciosamente, deve, sim, zelosamente disponibilizá-los, abrindo-lhes as vias de acesso, de par em par, a quem se aproxime (e procurar que muitos mais se aproximem), com a única prudência de não esbanjar, não desperdiçar.

“Os pobres comerão e ficarão saciados. Louvarão o Senhor os que O procuram” (Sl 22,27). Mas o despenseiro humano dos bens divinos, para servir os pobres, tem de ser pobre em espírito, caso contrário, não serve em condições, perdido no afã pelo dinheiro, pelo prestígio, pela carreira. E lá vai ele, movido pela falsa prudência, a correr fechar portas, quando a sua função é abrir portas, escancará-las para que a graça de Deus passe com liberdade e abundância!

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