A LBSE (Lei de Bases do Sistema
Educativo), na sua versão
de 1986, fixa como escolaridade obrigatória o 9.º ano de escolaridade (9 anos
de ensino básico) e define como idade-limite da obrigação de frequentar a escola
os 15 anos de idade (vd Lei n.º 46/86, de 14 de outubro, art.º 6.º/1.4); e, na
sua versão de 2009, fixa como obrigatória a escolaridade de 12 anos (9 anos de
ensino básico e mais 3 anos de ensino secundário) e como idade-limite para a
obrigação de frequência escolar os 18 anos de idade (vd Lei n.º 85/2009, de 27
de agosto, art.º 2.º/1.4).
Os governos das últimas décadas, nas
suas opções programáticas, preconizam a qualificação dos portugueses, mormente
dos trabalhadores. Os alunos frequentam as escolas e multiplicam-se – em
escolas, empresas e centros de formação – os cursos profissionais, os cursos de
educação e formação, os cursos de educação e formação de adultos de
certificação escolar ou de dupla certificação (escolar e profissional), os
cursos de aprendizagem, os cursos de aprendizagem em alternância, os centros de
novas oportunidades (CNO), o sistema de reconhecimento, validação e
certificação de competências (RVCC) e, agora, os centros para a qualificação e
o ensino profissional (CPEQ). E todos propalam a produtividade e a
competitividade no trabalho e, a par da formação de emprego, com vista ao
trabalho por conta de outrem, muitos exaltam e enaltecem, como solução, o
autoemprego, o empreendedorismo.
Ora, a leitura dos resultados, como
adiante veremos, permite interrogarmo-nos sobre o que efetivamente se passa. As
crianças, adolescentes e jovens têm efetivamente frequentado a escola até aos
15 anos de idade, desde 1986 (27 anos)? Se sim, deveriam ter concluído o 9.º
ano de escolaridade, ou seja, ter concluído o ensino básico. Se não, como ou
porque é que não tiveram sucesso, uma vez que a retenção é uma medida
extraordinária e todas as pressões têm sido feitas e todos os expedientes têm
sido usados para o sucesso estatístico? As diretivas escolares estão a abarrotar
de medidas de acompanhamento dos alunos e de recuperação e/ou desenvolvimento das
aprendizagens. Terão os frequentadores da escola procedido ao seu abandono ou
saído dela precocemente, com a negligência ou a cumplicidade de quem? Os poucos
alunos abrangidos por regimes especiais de currículos adaptados e currículos
alternativos ou não deviam contar para as estatísticas de insucesso ou deviam ser tidos como dotados da escolaridade. Quanto ao ensino secundário, as facilidades
oferecidas para a sua frequência já eram quase uma conquista antes da alteração
à LBSE de 2009, que veio a impô-lo.
No entanto, as desconfianças e as
dificuldades existem e talvez tenham até aumentado. Quanto a desconfianças, as
empresas não creem nas competências fornecidas pela escola. É vulgaríssimo
tecerem-se as mais rasgadas loas ao sistema de ensino antigo (mais valia a 4.ª
classe antiga que o 9.º ano de hoje), chegando até a dizer-se que foi pena
acabarem, no âmbito da revolução abrilina com o ensino técnico-profissional das
antigas escolas industriais, comerciais e agrícolas. Ao contrapor-se a
existência hoje de cursos profissionais, logo objetam que estes cursos são
muito teóricos, como se os de antigamente fossem sempre exemplares. O próprio Presidente
da Comissão Europeia, um português, disse maravilhas do ensino que frequentou
no liceu a que entregou parte do prémio que recentemente lhe fora atribuído. Quanto
a dificuldades, elas são múltiplas. Por um lado, a massificação e
democratização do ensino trazem mais dificuldades e mesmo alguma degradação,
mercê das diversas heterogenias. Por outro lado, parece que tudo se exige da
escola, mesmo o que sociedade e família não podem, não sabem ou não querem dar.
E o hipercriticismo de alunos e pais, aliado a falsa devoção pedagógica de quem
entende dever imolar-se pelos alunos, em nome de teorias psicopedagógicas falsas
ou parcelares, provocou a instalação e o avanço da preguiça escolar, da
indisciplina e mesmo da violência. Não se estuda nem se deixa estudar, não se
aprende nem se deixa aprender. Tudo se espera do professor, que, muitas vezes,
se vê torpedeado por bloqueios, falta de autoridade e também falta de motivação.
A falta de autoridade do professor acompanha o que eu designo por “arrapazamento”
do Estado. E o preconceito subvalorizou os cursos profissionais e técnico-profissionais
de 1983, da reforma de Mário Soares-José Augusto Seabra, até 1989.
Mas há outras variáveis. Muitas
escolas programam o ensino em função dos recursos humanos existentes e não em
razão do mercado ou da necessidade de formação. As altas classificações são a única
pedra de toque para ingresso em determinados cursos superiores, excluindo-se
outros critérios que deveriam ser relevantes, como, por exemplo, as relações
interpessoais, a formação cívica e a capacidade de aculturação. Os detentores
de cargos públicos desfazem das iniciativas de antecessores, perdendo-se tempo
no seu desmantelamento, sem que se encontrem sucedâneos melhores. Assiste-se à
castração dos projetos de escola pela sonegação da loada autonomia, não
autorização de criação de cursos, funcionamento de turmas ou pela exigência de
números mínimos. E funciona a guerra emulatória entre direções gerais, bem como
a discussão de competência para a lecionação de cursos: escolas, empresas,
centros de formação…
Outros fazem questão de clamar que os
portugueses trabalham pouco ou trabalham com falta de qualidade! Mas nada fazem
para inverter a situação, se ela é verídica. Conhecem-se situações de falta de cumprimento
de escolaridade. E que fazem as entidades responsáveis pelo cumprimento das obrigações
escolares: Instituto de Emprego e Formação Profissional, Serviços da Segurança
Social, Comissões de Proteção de Crianças e Jovens, Ministério Público, autarquias,
empresas e serviços junto de quem solicitam emprego…?
Os resultados
E os resultados, que sintetizo, veem-se (vd Público, de 20-5). Portugal é o pior dos
28 países da UE no tocante à escolarização: 70,6% dos trabalhadores por conta
própria não passam do ensino básico e só 40% da população completou o secundário,
contra a média da UE de 75,2%.
Quanto a
tempo de trabalho e resultados, “trabalhamos muito mais horas, porém, estamos
em 21.º lugar em termos de produtividade e isso deve-se às baixas qualificações
dos portugueses”.
Ainda há
muito que fazer no país, sobretudo em matéria de educação, segundo o que refere
a demógrafa Maria João Valente Rosa no retrato de Portugal na Europa do Pordata, base de dados da Fundação
Francisco Manuel dos Santos, que compara os indicadores portugueses com os dos
28 países-membros da UE.
A mencionada demógrafa sustenta que “Portugal é o terceiro país com
níveis de abandono escolar mais elevados, apesar dos progressos significativos
das últimas décadas”. E pior do que Portugal, com uma taxa de abandono escolar
entre os 18 e os 24 anos de 19,2%, só a Espanha e Malta (23,5% e cerca de 20%,
respetivamente), que encabeçam uma lista cuja média se situa nos 11,9%. Entre os 25 e os 64 anos, só 40%
dos portugueses têm o ensino secundário completo, pelo que não se estranha que,
num quadro onde se mede a percentagem de trabalhadores por contra própria sem o
secundário completo Portugal, lidere pelas piores razões – 70,6%, contra a
média de 24,3%, como se referiu. Dos trabalhadores por conta de outrem, 50,4% dos
portugueses não completaram o secundário, contra 17,9% da UE.
O problema
era crónico. Com taxas de analfabetismo terríveis, só em 2008 é que a população sem qualquer nível de escolaridade ficou abaixo da população com
o ensino superior”, segundo a demógrafa, para quem, porém, a situação portuguesa se torna mais grave se nos lembrarmos de que os 15,1% dos portugueses que têm o ensino superior estão “em boa parte a ser empurrados para fora do país” pela crise. E, ao verificar que Portugal
se destaca pelo número de retenções em anos de escolaridade, entende que “somos
obrigados a concluir que algo está mal na escola portuguesa” e opina que “tanto
como prolongar a escolaridade obrigatória até ao 12.º ano, o país devia
repensar o seu sistema de ensino”.
As falhas nas qualificações dos
portugueses são a chave de explicação de outro dos indicadores em que Portugal
fica desconfortável: a produtividade laboral por hora de trabalho, pois, tendo 100
como valor de referência, Portugal fica-se pelos 65: “Nós trabalhamos muito
mais horas, porém, estamos em 21.º lugar em termos de produtividade”, o que, na
opinião da demógrafa, se deve às baixas qualificações: quase 71% dos
trabalhadores por conta própria têm apenas o ensino básico. E não é o volume populacional
que justifica a improdutividade ou o desempenho insuficiente, como defendem
alguns, já que “somos o 11.º país da União em termos populacionais”; quase
tantos como a Bélgica e o dobro da Dinamarca e Finlândia. E, em termos territoriais,
somos o 13.º. Ou seja, “o máximo que poderíamos dizer é que somos um país médio
no contexto da União Europeia”, esclarece.
Porém, no atinente à população, Portugal é o país
com menos filhos por mulher (1,28 contra os 1,58 da média da UE). A França, de recente
forte investimento na natalidade, sobressai com 2,01 filhos por mulher em idade
fértil, seguida da Irlanda e Reino Unido, não podendo afirmar-se que a nossa baixa
natalidade o seja por opção deliberada. No último inquérito à fecundidade, o
INE mostra que as pessoas têm em média 1,03 filhos, mas desejariam ter 2,31 filhos,
residindo o grande óbice nos “custos financeiros”. No
concernente à população idosa, Portugal é o 6.º país com mais idosos por cada
100 jovens: 129,4 (115,5 na UE a 28). No quadro das despesas das famílias em
saúde no total de despesas, Portugal surge em 1.º lugar: os portugueses gastam
5,8% do seu orçamento em Saúde, face a uma média de 3,5%. Porém, no campo da
Saúde, um indicador coloca Portugal ao nível dos países da Europa do Norte: a
mortalidade infantil, fixa nos 3,4 por mil, abaixo dos 3,8 da média da UE. “É
uma das taxas mais baixas do mundo”, sublinha a referida investigadora, “e isso
torna-se ainda mais relevante se nos recordarmos de que em 1960 éramos os piores”.
Quanto à capacidade de enfrentar despesas
inesperadas, quase 36% (muitas) das
famílias se dizem sem essa capacidade. Porém, a média da UE é de 40,2%,
enquanto Espanha Grécia ultrapassam essa linha. Porém, se olharmos para o ano
de 2007, temos o dobro das famílias portuguesas em tal situação, o que mostra o
grande impacto da crise na situação das famílias.
Concluindo
Muito a fazer nos campos da educação e formação, na
valorização do trabalho e na natalidade!
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