domingo, 25 de maio de 2014

A escola e a curadoria digital

Nota prévia
Nos últimos anos, tornou-se mais momentoso e cada vez mais rápido o acesso à informação, originando novos serviços, novas práticas e novas exigências. A acessibilidade aos objetos digitais e a preservação dos mesmos passaram a constituir uma forte preocupação e um premente desafio para as instituições culturais como bibliotecas, arquivos e museus, dando espaço ao estabelecimento da “curadoria digital”.
Se esta curadoria deve ser encarada no âmbito dos servidos acima referenciados, deve sê-o de forma peculiar no contexto da biblioteca escolar – o que, em termos de desafio, coloca algumas questões de reposicionamento do professor bibliotecário e da inventariação de um novo modelo de formação para estes profissionais. Nestes termos, aqui ficam algumas linhas de reflexão infobiblioteconómica: o âmbito da curadoria digital; o interesse e importância da curadoria digital; a dupla função da curadoria; as fases da curadoria digital; a aplicação ao estatuto do professor bibliotecário; e considerações futuras.
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O âmbito da curadoria digital
A “curadoria digital” abrange naturalmente um complexo de tarefas que passam pela pesquisa, crítica, seleção, preservação, manutenção, apresentação e arquivamento de ativos ou dados digitais, com vista à disponibilização aos usuários. Sendo assim, a curadoria fica associada ao processo de criação e desenvolvimento de repositório de dados para consultas atuais e futuras realizadas por simples curiosos, competentes pesquisadores, cientistas, historiadores e estudiosos de outros ramos do saber e/ou atividade.
Podem, assim, identificar-se as principais operações da curadoria: recolha de ativos; fornecimento de busca e recuperação de ativos; certificação de confiabilidade e integridade dos conteúdos; e continuidade e comparabilidade do conteúdos.

O interesse e importância da curadoria digital
Qualquer empresa e serviço público ou parapúblico que pretendam primar pela eficiência e pela eficácia (a que hoje se associa o binómio rigor / rapidez) utilizam a curadoria digital para melhorar a qualidade da informação e dos dados na construção da sua estratégia interna e externa e para otimização dos seus processos operacionais. No entanto, o seu papel sobressai em: instituições de pesquisa; cursos académicos; simpósios; jornais e outras publicações periódicas; estações de rádio e televisão; departamentos do Estado; arquivos e bibliotecas.
A curadoria responde às sucessivas e experimentadas situações de obsolescência e evolução do formato de armazenamento; à necessidade de aumento da taxa de criação de novos dados e conjuntos; ao fenómeno do amplo acesso e busca flexível e variada; à comparabilidade de definições sintáticas e semânticas dos diversos conjuntos de dados.
Além do volume de informação a recolher e a prestar, importa acautelar a qualidade – o que se consegue pela mobilização de técnicas cientificamente sustentadas, pela cultura de autoavaliação de processos e resultados e pelo recurso a solicitação de heteroavaliação, lançando de mão das diversas formas de interação facultadas pelo trabalho em rede.
A abundância de informação, com a pertinência de ter de se evitar a saturação e a congestão informativas, só se tornará útil se for acompanhada do conveniente controlo e se não perder de vista as exigências de um éthos estribado nos pressupostos de uma antropologia sã ou, se quisermos, pelos princípios axiológicos que devem reger as sadias relações interpessoais e intergrupais.

A dupla função da curadoria
A curadoria digital constitui-se como alternativa à tradicional organização de informações relevantes e como um filtro face ao crescimento exponencial de geração de dados. Asseguram os estudiosos que, há uns anos esta parte, a quantidade de dados produzidos pela sociedade em rede deixou de ser suportada pela capacidade de armazenamento disponível para o seu arquivamento. Hoje, as redes sociais, através dos diferentes servidores e das diferentes ferramentas (por exemplo: Twitter, informação em tempo real; Paper.li, jornal personalizado online agregador de conteúdos; Storify, mural de histórias de redes sociais; Pinterest, lista de interesses visual de produtos; Spotify, streaming de música através de listas personalizadas), e os aparelhos móveis são os principais artefactos utilizados para aumento do número de dados armazenados na rede digital a cada instante.
Mas a curadoria também se constitui em modalidade humana de administrar o fluxo de conteúdo digital em contraposição aos filtros automáticos gerados através de algoritmos. As redes sociais e os outros sistemas de informação que organizam os dados de acordo com o perfil dos respetivos usuários passam a exercer o controlo sobre o quinhão de informação que o usuário pode consumir apresentando apenas um tipo específico de conteúdo. Neste contexto, o consumidor passa a ter uma postura passiva e deixa de lado a postura ativa e aleatória de descoberta de conteúdo oferecido pela curadoria digital. É preciso ter em conta que este mecanismo de controlo, se for manipulado de forma “inética” pode compaginar uma perversa limitação e criar um sistema de dependência supina, o que não é desejável nem faz crescer o cibernauta, que deve dispor de um forte sentido crítico e de discernimento.

As fases da curadoria digital
Em consonância com as tarefas enunciadas acima e a dupla função da curadoria, podem estabelecer-se-lhe as seguintes fases e/ou modalidades da curadoria digital:
Conceptualização, que abarca a conceção e o planeamento da criação de conteúdo, incluindo a definição de métodos de recolha, seleção crítica e armazenamento;
Criação ou receção, que abrange: a produção de conteúdo atribuindo elementos de metainformação administrativos, descritivos, estruturais e técnicos, podendo também ser adicionados, nesta fase, elementos de metainformação de preservação; e a receção de conteúdo, de acordo com políticas de recolha, de criadores de conteúdo, outros arquivos, repositórios ou data centers e, se necessário, a atribuição de metadados apropriados;
Acesso e uso, que garanta fácil acesso a conteúdos públicos e privados pelos usuários;
Avaliação e seleção, que implica a avaliação e seleção de conteúdos digitais que requerem preservação atendendo a normas, processos e requisitos necessários para o procedimento;
Deposição, ou seja, disponibilidade para se desfazer de conteúdos não selecionados para preservação, atendendo a normas pré-estabelecidas autonomamente e/ou de acordo com as convenções firmadas com outrem;
Backup, ou seja, transferência de conteúdo digital para um arquivo confiável, no respeito pelas normas pré-estabelecidas autonomamente e/ou de acordo com as convenções firmadas com outrem;
Preservação, com as ações que garantam a preservação e identificação do conteúdo;
Reavaliação, ou seja, avaliação e seleção adicional para conteúdo já avaliado;
Armazenamento, com manutenção dos dados de forma segura dentro dos padrões pré-definidos;
Transformação, ou seja, criação de novo conteúdo a partir do original.

Sobre a aplicação ao estatuto do professor bibliotecário
Depois do que fica dito, pouco há a acrescentar aos desafios que se colocam à formação e à atividade de ação e coordenação deste professor especialista e seus colaboradores.
Basta que se tenha em conta a crescente dimensão da biblioteca escolar, dada a agregação administrativa e pedagógica de agrupamentos já constituídos ao abrigo do DL n.º 115-A/98, de 4 de maio, a que se seguiu: o DL n.º 75/2008, de 22 de abril, alterado e republicado pelo DL n.º 137/2012, de 2 de julho. Depois, sabemos que a biblioteca tem outras valências, como: sala de exposições, hemeroteca, sala de leitura, Internet, acesso a redes sociais (a que não se obvia com proibição, mas orientação, aquisição de nível etário e aumento de banda larga da Net escolar), mediateca, etc. – um complexo centro de recursos.
E também o professor bibliotecário sabe que os colaboradores devem ser sensibilizados e mobilizados para esta literacia / curadoria, até porque eles possuem uma formação muito desigual nesta área e encontram-se já demasiado sobrecarregados com trabalho burocrático e a atividade em sala de aula, por razões de ordem social e familiar, não se encontra nada facilitada.
No entanto, a escola, se quer preparar para a vida ativa e cidadã, não pode deixar de melhorar o seu desempenho tecnológico e colocá-lo ao serviço da educação, cultura, ciência e arte.

Considerações futuras
Face ao exposto, é preciso passar das palavras aos atos. Não basta que se reforce o investimento em educação. É igualmente necessário promover uma racional afetação de verbas e recursos. E a Biblioteca tem de ser encarada como um dos principais lugares de prestação de serviço educativo, com relevância similar da reconhecida à sala de aula e ao pavilhão desportivo.
Por isso, é de repensar o esforço de modernização da biblioteca e seus recursos, abrindo mais a mão das aquisições em equipamentos, unidades bibliográficas e similares e em recursos humanos (unidades disponíveis e formação adequada). Serão também de evitar as falhas, lacunas e ruturas dos serviços de internet e intranet escolares, para que nenhum dos serviços entre em colapso.

A biblioteca não pode ser um lugar de passatempo, castigo ou espaço de menoridade pedagógica. Deve, sim, integrar a missão holística da escola. Analogamente e na medida das suas dimensões, se deve apetrechar todos os centros de recolha e prestação de dados existentes na escola, que devem ser objeto da conveniente valorização.

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