Nota prévia
Nos últimos anos, tornou-se mais momentoso
e cada vez mais rápido o acesso à informação, originando novos serviços, novas
práticas e novas exigências. A acessibilidade aos objetos digitais e a
preservação dos mesmos passaram a constituir uma forte preocupação e um premente
desafio para as instituições culturais como bibliotecas, arquivos e museus, dando
espaço ao estabelecimento da “curadoria digital”.
Se esta curadoria deve ser encarada no
âmbito dos servidos acima referenciados, deve sê-o de forma peculiar no contexto
da biblioteca escolar – o que, em termos de desafio, coloca algumas questões de
reposicionamento do professor bibliotecário e da inventariação de um novo
modelo de formação para estes profissionais. Nestes termos, aqui ficam algumas
linhas de reflexão infobiblioteconómica: o
âmbito da curadoria digital; o interesse e importância da curadoria digital; a
dupla função da curadoria; as fases da
curadoria digital; a aplicação ao estatuto do professor bibliotecário; e
considerações futuras.
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O âmbito da curadoria digital
A
“curadoria digital”
abrange naturalmente um complexo de tarefas que passam pela pesquisa, crítica,
seleção, preservação, manutenção, apresentação e arquivamento de ativos ou
dados digitais, com vista à disponibilização aos usuários. Sendo assim, a
curadoria fica associada ao processo de criação e desenvolvimento de repositório
de dados para consultas atuais e futuras realizadas por simples curiosos,
competentes pesquisadores, cientistas, historiadores e estudiosos de outros
ramos do saber e/ou atividade.
Podem, assim, identificar-se as
principais operações da curadoria: recolha de ativos; fornecimento de busca e recuperação de
ativos; certificação de confiabilidade e integridade dos conteúdos; e
continuidade e comparabilidade do conteúdos.
O interesse e importância da
curadoria digital
Qualquer empresa e serviço público ou
parapúblico que pretendam primar pela eficiência e pela eficácia (a que hoje se
associa o binómio rigor / rapidez) utilizam a curadoria digital para melhorar a
qualidade da informação e dos dados na construção da sua estratégia interna e
externa e para otimização dos seus processos operacionais. No entanto, o seu
papel sobressai em: instituições de pesquisa; cursos
académicos; simpósios; jornais e outras publicações periódicas; estações de
rádio e televisão; departamentos do Estado; arquivos e bibliotecas.
A curadoria responde às sucessivas e
experimentadas situações de obsolescência e evolução do formato de
armazenamento; à necessidade de aumento da taxa de criação de novos dados e conjuntos; ao fenómeno
do amplo acesso e
busca flexível e variada;
à comparabilidade de definições sintáticas e semânticas dos diversos conjuntos
de dados.
Além do volume de informação a
recolher e a prestar, importa acautelar a qualidade – o que se consegue pela
mobilização de técnicas cientificamente sustentadas, pela cultura de
autoavaliação de processos e resultados e pelo recurso a solicitação de
heteroavaliação, lançando de mão das diversas formas de interação facultadas
pelo trabalho em rede.
A abundância de informação, com a pertinência
de ter de se evitar a saturação e a congestão informativas, só se tornará útil
se for acompanhada do conveniente controlo e se não perder de vista as exigências
de um éthos estribado nos
pressupostos de uma antropologia sã ou, se quisermos, pelos princípios
axiológicos que devem reger as sadias relações interpessoais e intergrupais.
A dupla função da curadoria
A curadoria
digital constitui-se como alternativa à tradicional organização de informações
relevantes e como um filtro face ao crescimento exponencial de geração de
dados. Asseguram os estudiosos que, há uns anos esta parte, a quantidade de
dados produzidos pela sociedade em rede deixou de ser suportada pela capacidade
de armazenamento disponível para o seu arquivamento. Hoje, as redes sociais,
através dos diferentes servidores e das diferentes ferramentas (por exemplo: Twitter, informação em tempo real; Paper.li, jornal personalizado online agregador de conteúdos; Storify, mural de
histórias de redes sociais; Pinterest, lista de interesses visual de
produtos; Spotify, streaming de música através de
listas personalizadas), e os aparelhos móveis são os principais artefactos
utilizados para aumento do número de dados armazenados na rede digital a cada
instante.
Mas a
curadoria também se constitui em modalidade humana de administrar o fluxo de
conteúdo digital em contraposição aos filtros automáticos gerados através de
algoritmos. As redes sociais e os outros sistemas de informação que organizam
os dados de acordo com o perfil dos respetivos usuários passam a exercer o
controlo sobre o quinhão de informação que o usuário pode consumir apresentando
apenas um tipo específico de conteúdo. Neste contexto, o consumidor passa a ter
uma postura passiva e deixa de lado a postura ativa e aleatória de descoberta
de conteúdo oferecido pela curadoria digital. É preciso ter em conta que este
mecanismo de controlo, se for manipulado de forma “inética” pode compaginar uma
perversa limitação e criar um sistema de dependência supina, o que não é
desejável nem faz crescer o cibernauta, que deve dispor de um forte sentido crítico
e de discernimento.
As fases da
curadoria digital
Em
consonância com as tarefas enunciadas acima e a dupla função da curadoria,
podem
estabelecer-se-lhe as seguintes fases e/ou modalidades da curadoria
digital:
Conceptualização,
que abarca a conceção e o planeamento da criação de conteúdo, incluindo a
definição de métodos de recolha, seleção crítica e armazenamento;
Criação ou
receção, que abrange: a produção de conteúdo atribuindo elementos de
metainformação administrativos, descritivos, estruturais e técnicos, podendo também
ser adicionados, nesta fase, elementos de metainformação de preservação; e a
receção de conteúdo, de acordo com políticas de recolha, de criadores de
conteúdo, outros arquivos, repositórios ou data centers e, se
necessário, a atribuição de metadados apropriados;
Acesso e uso,
que garanta fácil acesso a conteúdos públicos e privados pelos usuários;
Avaliação e
seleção, que implica a avaliação e seleção de conteúdos digitais que requerem
preservação atendendo a normas, processos e requisitos necessários para o
procedimento;
Deposição, ou
seja, disponibilidade para se desfazer de conteúdos não selecionados para
preservação, atendendo a normas pré-estabelecidas autonomamente e/ou de acordo
com as convenções firmadas com outrem;
Backup, ou seja, transferência de conteúdo
digital para um arquivo confiável, no respeito pelas normas pré-estabelecidas autonomamente
e/ou de acordo com as convenções firmadas com outrem;
Preservação,
com as ações que garantam a preservação e identificação do conteúdo;
Reavaliação,
ou seja, avaliação e seleção adicional para conteúdo já avaliado;
Armazenamento,
com manutenção dos dados de forma segura dentro dos padrões pré-definidos;
Transformação,
ou seja, criação de novo conteúdo a partir do original.
Sobre a
aplicação ao estatuto do professor bibliotecário
Depois do que
fica dito, pouco há a acrescentar aos desafios que se colocam à formação e à
atividade de ação e coordenação deste professor especialista e seus colaboradores.
Basta que se
tenha em conta a crescente dimensão da biblioteca escolar, dada a agregação
administrativa e pedagógica de agrupamentos já constituídos ao abrigo do DL n.º
115-A/98, de 4 de maio, a que se seguiu: o DL n.º 75/2008, de 22 de abril,
alterado e republicado pelo DL n.º 137/2012, de 2 de julho. Depois, sabemos que
a biblioteca tem outras valências, como: sala de exposições, hemeroteca, sala
de leitura, Internet, acesso a redes sociais (a que não se obvia com proibição,
mas orientação, aquisição de nível etário e aumento de banda larga da Net escolar),
mediateca, etc. – um complexo centro de recursos.
E também o
professor bibliotecário sabe que os colaboradores devem ser sensibilizados e
mobilizados para esta literacia / curadoria, até porque eles possuem uma
formação muito desigual nesta área e encontram-se já demasiado sobrecarregados
com trabalho burocrático e a atividade em sala de aula, por razões de ordem
social e familiar, não se encontra nada facilitada.
No entanto, a
escola, se quer preparar para a vida ativa e cidadã, não pode deixar de
melhorar o seu desempenho tecnológico e colocá-lo ao serviço da educação,
cultura, ciência e arte.
Considerações
futuras
Face ao
exposto, é preciso passar das palavras aos atos. Não basta que se reforce o investimento
em educação. É igualmente necessário promover uma racional afetação de verbas e
recursos. E a Biblioteca tem de ser encarada como um dos principais lugares de
prestação de serviço educativo, com relevância similar da reconhecida à sala de
aula e ao pavilhão desportivo.
Por isso, é
de repensar o esforço de modernização da biblioteca e seus recursos, abrindo
mais a mão das aquisições em equipamentos, unidades bibliográficas e similares e
em recursos humanos (unidades disponíveis e formação adequada). Serão também de
evitar as falhas, lacunas e ruturas dos serviços de internet e intranet
escolares, para que nenhum dos serviços entre em colapso.
A biblioteca não
pode ser um lugar de passatempo, castigo ou espaço de menoridade pedagógica. Deve,
sim, integrar a missão holística da escola. Analogamente e na medida das suas
dimensões, se deve apetrechar todos os centros de recolha e prestação de dados
existentes na escola, que devem ser objeto da conveniente valorização.
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