Não
pode a opinião pública desculpar-se de que, não obstante o entretimento a que
se vêm entregando os partidos políticos, não tem sido devidamente alertada para
a importância das eleições europeias, quando o perigo da obstrução ao avanço do
projeto da União parece espreitar. Efetivamente, cresce assustadoramente o
número de antieuropeístas e de eurocéticos, como é necessário moderar as
ambições e o excesso de mordomias dos eurocratas, dos eurofuncionários e dos europolíticos
em geral.
No
reforço da importância das eleições e dos objetivos da humanização das
políticas europeias, veio, a 13 de maio pp, o MCTE (Movimento de Trabalhadores
Cristãos Europeu) apresentar uma declaração sob o título “Trabalho, pão e dignidade – Queremos e merecemos
uma Europa melhor”.
A declaração
constitui um vibrante repto aos cerca de 400 milhões de cidadãos europeus que,
entre os dias 22 e 25 de maio (em Portugal, o dia 25), são chamados a
desempenhar o papel de eleitores dos 751 deputados ao Parlamento Europeu. É óbvio
que, se os eleitores comparecerem no ato eleitoral, terão legitimidade moral,
cívica e europeia para fazer funcionar a massa crítica quando os seus deputados
se entregarem à negligência em relação aos temas a abordar, estudar, discutir e
a provar, ou se dedicarem a dar asas à ambição desmedida de seus interesses
pessoais.
Os trabalhadores
cristãos têm toda a razão quando clamam por uma Europa melhor. De facto, esta
União Europeia, que nem é união nem é verdadeiramente europeia, está condenada
ao fracasso: se uns tantos, mas tão poucos, ficam a governar-se melhor, mas
falta para a maioria o pão, porque lhes falta o trabalho, a Europa já era… E
sem trabalho que garanta o pão, a não ser que ele viesse indigna e desgraçadamente
por esmola, onde fica a dignidade da pessoa humana?
O MTCE, que em Portugal tem como rosto a
LOC/MTC (Liga Operária Católica/Movimento de Trabalhadores Cristãos), denuncia
sem papas na língua e sem ferrugem na pena:
“A crise que vem reinando desde há vários
anos, e que começou como uma crise financeira e continuou com a crise da
dívida, levou-nos a uma notável perda de confiança na política europeia, o que
afeta em grande parte o próprio projeto europeu. O desemprego, a precariedade
laboral e os baixos salários representam um grande desafio. O desemprego jovem,
sobretudo nos países mais afetados pela crise, alcançou proporções dramáticas.
Como efeito da crise, nota-se um aumento da desintegração social. A desigualdade
social entre os países membros, e no interior deles, está a crescer. É
escandaloso que os ricos sejam os beneficiados da crise e se tornem ainda mais
ricos, enquanto os pobres são cada vez mais numerosos.”.
Por isso, afirma-se claramente:
“A necessidade urgente de um agir mais
orientado a criar uma Europa social justa, fiável, convincente e humanitária, a
fim de assegurar, desta forma, os valores básicos da União Europeia e construir
o futuro da Europa”.
Porque:
“Só uma Europa social justa conseguirá a
aceitação e aprovação, assim como o sentido de pertença dos trabalhadores e
trabalhadoras no seio da Europa”.
Como suporte da sua declaração, o MTCE
aduz a doutrina expressa pelo Papa São João Paulo II no seu principal documento
sobre o trabalho humano, a encíclica Laborem
Exercens:
No MTCE, vive-se a convicção de que será
condição necessária de globalização com rosto humano uma Europa como modelo de
justiça social. “A Europa do futuro” – dizem os trabalhadores cristãos europeus
– “deve ser distinta, nova, uma outra Europa, uma Europa que implemente na
prática um modelo social europeu”, em cujo processo de integração social se
mantenha firmemente “a prioridade do trabalho sobre o capital”, como quer o
referido pontífice:
Diante da realidade dos dias de hoje, em cuja estrutura se encontram
marcas bem profundas de tantos conflitos, causados pelo homem, e na qual os
meios técnicos — fruto do trabalho humano — desempenham um papel de primeira
importância […], deve recordar-se, antes de mais, um princípio ensinado sempre
pela Igreja. É o princípio da prioridade do “trabalho” em confronto com o “capital”.
Este princípio diz respeito diretamente ao próprio processo de produção,
relativamente ao qual o trabalho é sempre uma causa eficiente primária, ao passo que o “capital”, sendo o conjunto dos
meios de produção, permanece apenas um instrumento, ou causa instrumental. Este princípio é uma verdade evidente,
que resulta de toda a experiência histórica do homem. (cf Laborem
Exercens n.º 12).
O Papa adiantou ainda a excelência do
trabalho humano, enaltecendo a dignidade do próprio homem, a qual se evidencia
com o trabalho decorrente da inteligência empreendedora e do domínio sobre a
matéria, pela ciência e pela tecnologia, de que resultam instrumentos maravilhosos:
A consideração do mesmo problema, que se fará em seguida, há de
confirmar-nos na convicção quanto à prioridade do trabalho humano no confronto com aquilo que, com o tempo, passou a ser habitual chamar-se “capital”.
Com efeito, se no âmbito deste último conceito entram, além dos recursos da
natureza postos à disposição do homem, também aquele conjunto de meios pelos
quais o homem se apropria dos recursos da natureza, transformando-os à medida
das suas necessidades (e deste modo, nalgum sentido, “humanizando-os”), então
há que fixar desde já a certeza de que tal conjunto de meios é o fruto do património histórico do trabalho
humano. Todos os meios de produção, desde os mais
primitivos até aos mais modernos, foi o homem que os elaborou: a experiência e
a inteligência do homem. Deste modo, foram aparecendo não só os instrumentos
mais simples que servem para o cultivo da terra, mas também — graças a um
adequado progresso da ciência e da técnica — os mais modernos e os mais
complexos: as máquinas, as fábricas, os laboratórios e os computadores. Assim, tudo aquilo que serve para o trabalho, tudo
aquilo que, no estado atual da técnica, constitui dele “instrumento” cada dia
mais aperfeiçoado, é fruto do mesmo trabalho. (cf id et ib).
Em coerência com a primeira parte da sua declaração,
o MCTE considera que, na encruzilhada em que se encontra hoje a Europa, se deve “optar por uma mudança de paradigma”,
pelo que “as eleições europeias devem ser instrumento de apoio para conseguir
que o modelo social europeu faça caminho”.
Nestes termos, o MCTE sente-se na obrigação de exigir (segue-se a
condensação dos respetivos itens da reivindicação):
− Fim da política de austeridade,
destruidora da Europa, altamente gravosa para os cidadãos e cidadãs e de efeito
negativo massivo nos direitos dos trabalhadores, nos rendimentos, na segurança
social, nos sistemas de preços e nos bens públicos.
− Integração económica (resultante do mercado comum e da União
Económica e Monetária) complementada pelos pilares da Europa social e da
Europa ecológica, com o abandono do modelo neoliberal vigente.
− Fortalecimento da vertente social, sem precariedade
laboral e com salários justos, incluindo a criação do salário mínimo a nível
europeu, definido a partir da noção de pobreza da UE.
− Nível de coordenação de âmbito europeu na
área da segurança social para evitar que a concorrência induza reduções dos seus
benefícios nos diferentes países da UE.
− Luta concreta contra o desemprego jovem,
por uma política europeia coordenada, com o consequente cumprimento da garantia
de emprego jovem e com formação qualificada e gratuita para todos os jovens.
− Declaração do domingo, na EU, como dia
semanal de descanso laboral para todos os cidadãos e cidadãs europeus, para
proteção da saúde e garantia de um melhor equilíbrio entre o trabalho e a vida
privada e familiar.
− Fortalecimento das funções do Parlamento
Europeu de modo que seja este a determinar o rumo da política europeia.
***
Finalmente, a declaração assume-se como
apelo “aos membros dos Movimentos integrantes do MTCE e a todos os europeus a
fazerem uso do seu direito a eleger, a ir às urnas e emitir o seu voto, para
forjar assim a nossa Europa de cidadãos e cidadãs”.
Será que, depois desta apelante declaração às
consciências cívicas e cristãs, ainda fica margem para a coragem de ficar em
casa ou de ir até à praia em vez de ir votar?
Acreditamos mesmo na dignidade do homem e na
hegemonia do trabalho sobre o capital?
Quereremos deixar de ter legitimidade moral para, no
futuro, fazer valer a nossa consciência crítica perante os desmandos dos agentes
das políticas europeias, não queremos, pois não?
Vamos então votar todos em consciência!
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