sexta-feira, 16 de maio de 2014

Declaração do MTCE sobre as eleições europeias

Não pode a opinião pública desculpar-se de que, não obstante o entretimento a que se vêm entregando os partidos políticos, não tem sido devidamente alertada para a importância das eleições europeias, quando o perigo da obstrução ao avanço do projeto da União parece espreitar. Efetivamente, cresce assustadoramente o número de antieuropeístas e de eurocéticos, como é necessário moderar as ambições e o excesso de mordomias dos eurocratas, dos eurofuncionários e dos europolíticos em geral.
No reforço da importância das eleições e dos objetivos da humanização das políticas europeias, veio, a 13 de maio pp, o MCTE (Movimento de Trabalhadores Cristãos Europeu) apresentar uma declaração sob o título “Trabalho, pão e dignidade – Queremos e merecemos uma Europa melhor”.
A declaração constitui um vibrante repto aos cerca de 400 milhões de cidadãos europeus que, entre os dias 22 e 25 de maio (em Portugal, o dia 25), são chamados a desempenhar o papel de eleitores dos 751 deputados ao Parlamento Europeu. É óbvio que, se os eleitores comparecerem no ato eleitoral, terão legitimidade moral, cívica e europeia para fazer funcionar a massa crítica quando os seus deputados se entregarem à negligência em relação aos temas a abordar, estudar, discutir e a provar, ou se dedicarem a dar asas à ambição desmedida de seus interesses pessoais.
Os trabalhadores cristãos têm toda a razão quando clamam por uma Europa melhor. De facto, esta União Europeia, que nem é união nem é verdadeiramente europeia, está condenada ao fracasso: se uns tantos, mas tão poucos, ficam a governar-se melhor, mas falta para a maioria o pão, porque lhes falta o trabalho, a Europa já era… E sem trabalho que garanta o pão, a não ser que ele viesse indigna e desgraçadamente por esmola, onde fica a dignidade da pessoa humana?
O MTCE, que em Portugal tem como rosto a LOC/MTC (Liga Operária Católica/Movimento de Trabalhadores Cristãos), denuncia sem papas na língua e sem ferrugem na pena:
“A crise que vem reinando desde há vários anos, e que começou como uma crise financeira e continuou com a crise da dívida, levou-nos a uma notável perda de confiança na política europeia, o que afeta em grande parte o próprio projeto europeu. O desemprego, a precariedade laboral e os baixos salários representam um grande desafio. O desemprego jovem, sobretudo nos países mais afetados pela crise, alcançou proporções dramáticas. Como efeito da crise, nota-se um aumento da desintegração social. A desigualdade social entre os países membros, e no interior deles, está a crescer. É escandaloso que os ricos sejam os beneficiados da crise e se tornem ainda mais ricos, enquanto os pobres são cada vez mais numerosos.”.

Por isso, afirma-se claramente:
“A necessidade urgente de um agir mais orientado a criar uma Europa social justa, fiável, convincente e humanitária, a fim de assegurar, desta forma, os valores básicos da União Europeia e construir o futuro da Europa”.

Porque:
“Só uma Europa social justa conseguirá a aceitação e aprovação, assim como o sentido de pertença dos trabalhadores e trabalhadoras no seio da Europa”.

Como suporte da sua declaração, o MTCE aduz a doutrina expressa pelo Papa São João Paulo II no seu principal documento sobre o trabalho humano, a encíclica Laborem Exercens:
No MTCE, vive-se a convicção de que será condição necessária de globalização com rosto humano uma Europa como modelo de justiça social. “A Europa do futuro” – dizem os trabalhadores cristãos europeus – “deve ser distinta, nova, uma outra Europa, uma Europa que implemente na prática um modelo social europeu”, em cujo processo de integração social se mantenha firmemente “a prioridade do trabalho sobre o capital”, como quer o referido pontífice:
Diante da realidade dos dias de hoje, em cuja estrutura se encontram marcas bem profundas de tantos conflitos, causados pelo homem, e na qual os meios técnicos — fruto do trabalho humano — desempenham um papel de primeira importância […], deve recordar-se, antes de mais, um princípio ensinado sempre pela Igreja. É o princípio da prioridade do “trabalho” em confronto com o “capital”. Este princípio diz respeito diretamente ao próprio processo de produção, relativamente ao qual o trabalho é sempre uma causa eficiente primária, ao passo que o “capital”, sendo o conjunto dos meios de produção, permanece apenas um instrumento, ou causa instrumental. Este princípio é uma verdade evidente, que resulta de toda a experiência histórica do homem. (cf Laborem Exercens n.º 12).
O Papa adiantou ainda a excelência do trabalho humano, enaltecendo a dignidade do próprio homem, a qual se evidencia com o trabalho decorrente da inteligência empreendedora e do domínio sobre a matéria, pela ciência e pela tecnologia, de que resultam instrumentos maravilhosos:
A consideração do mesmo problema, que se fará em seguida, há de confirmar-nos na convicção quanto à prioridade do trabalho humano no confronto com aquilo que, com o tempo, passou a ser habitual chamar-se “capital”. Com efeito, se no âmbito deste último conceito entram, além dos recursos da natureza postos à disposição do homem, também aquele conjunto de meios pelos quais o homem se apropria dos recursos da natureza, transformando-os à medida das suas necessidades (e deste modo, nalgum sentido, “humanizando-os”), então há que fixar desde já a certeza de que tal conjunto de meios é o fruto do património histórico do trabalho humano. Todos os meios de produção, desde os mais primitivos até aos mais modernos, foi o homem que os elaborou: a experiência e a inteligência do homem. Deste modo, foram aparecendo não só os instrumentos mais simples que servem para o cultivo da terra, mas também — graças a um adequado progresso da ciência e da técnica — os mais modernos e os mais complexos: as máquinas, as fábricas, os laboratórios e os computadores. Assim, tudo aquilo que serve para o trabalho, tudo aquilo que, no estado atual da técnica, constitui dele “instrumento” cada dia mais aperfeiçoado, é fruto do mesmo trabalho. (cf id et ib).
Em coerência com a primeira parte da sua declaração, o MCTE considera que, na encruzilhada em que se encontra hoje a Europa, se deve “optar por uma mudança de paradigma”, pelo que “as eleições europeias devem ser instrumento de apoio para conseguir que o modelo social europeu faça caminho”.
Nestes termos, o MCTE sente-se na obrigação de exigir (segue-se a condensação dos respetivos itens da reivindicação):
− Fim da política de austeridade, destruidora da Europa, altamente gravosa para os cidadãos e cidadãs e de efeito negativo massivo nos direitos dos trabalhadores, nos rendimentos, na segurança social, nos sistemas de preços e nos bens públicos.
− Integração económica (resultante do mercado comum e da União Económica e Monetária) complementada pelos pilares da Europa social e da Europa ecológica, com o abandono do modelo neoliberal vigente.
− Fortalecimento da vertente social, sem precariedade laboral e com salários justos, incluindo a criação do salário mínimo a nível europeu, definido a partir da noção de pobreza da UE.
− Nível de coordenação de âmbito europeu na área da segurança social para evitar que a concorrência induza reduções dos seus benefícios nos diferentes países da UE.
− Luta concreta contra o desemprego jovem, por uma política europeia coordenada, com o consequente cumprimento da garantia de emprego jovem e com formação qualificada e gratuita para todos os jovens.
− Declaração do domingo, na EU, como dia semanal de descanso laboral para todos os cidadãos e cidadãs europeus, para proteção da saúde e garantia de um melhor equilíbrio entre o trabalho e a vida privada e familiar.
− Fortalecimento das funções do Parlamento Europeu de modo que seja este a determinar o rumo da política europeia.
***
Finalmente, a declaração assume-se como apelo “aos membros dos Movimentos integrantes do MTCE e a todos os europeus a fazerem uso do seu direito a eleger, a ir às urnas e emitir o seu voto, para forjar assim a nossa Europa de cidadãos e cidadãs”.
Será que, depois desta apelante declaração às consciências cívicas e cristãs, ainda fica margem para a coragem de ficar em casa ou de ir até à praia em vez de ir votar?
Acreditamos mesmo na dignidade do homem e na hegemonia do trabalho sobre o capital?
Quereremos deixar de ter legitimidade moral para, no futuro, fazer valer a nossa consciência crítica perante os desmandos dos agentes das políticas europeias, não queremos, pois não?

Vamos então votar todos em consciência!

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