Começando por uma informação
científica
Até ao ano de 2006, Plutão
foi considerado o nono planeta do Sistema Solar. Entretanto, no final da década
de 70 do século passado, com a descoberta de 2060 Chiron e o reconhecimento da pequena massa daquele corpo
celeste, começou a ser questionada a sua classificação como planeta. No início
deste século, foram descobertos no Sistema Solar externo vários outros objetos
similares a Plutão, incluindo Éris, que é 27% mais massivo do que ele. Assim, em 24 de agosto de 2006, a UAI
(União Astronómica Internacional) criou uma definição formal de planeta,
que fez Plutão deixar de ser planeta e ganhar a nova classificação de planeta
anão, juntamente com Éris e Ceres. Depois
deste procedimento reclassificativo, Plutão foi adicionado à lista de corpos
menores do Sistema Solar e
recebeu a identificação 134340. O
deus do submundo dos mortos – Hades, grego, ou Plutão, romano – há de andar a
revolver-se de raiva lá no seu habitat… Porém, há cientistas que afirmam
que Plutão não deveria ser considerado planeta anão.
Sem me armar com a presunção de
qualquer competência científica, real ou factícia, perante uma decisão de quem
sabe, já na ocasião estranhei a fundamentação da reclassificação: o tamanho. E comentava
para um amigo o que seria dos homens demasiado pequenos, ou mesmo anões, se por
causa do tamanho tivessem de ser desconsiderados como homens e passassem a homens
anões a incluir noutra tabela classificativa, compatível com o estatuto de “menoridade”.
A questão preocupante
Porém, o que é preocupante não é a
taxonomia científica, até porque há outras razões de substância que aconselharam
a desclassificação do até há pouco dito planeta. O problema é que os nossos políticos
teimam em desclassificar as pessoas. 90% das pessoas não serão bem seres humanos,
já que não há problema se a sorte da economia ou a relação de forças os levar a
viver com um salário de 485 euros mensais, a que há que subtrair os descontos
obrigatórios e os impostos diretos e indiretos, que a vida em sociedade exige
de forma cega à maioria, deixando cirurgicamente no limbo da intangibilidade
uns poucos. Isto, porque uns 10% dos habitantes terráqueos são homens sem
hipótese de desclassificação, a menos que surja o golpe da roda da fortuna ou
revolução político-económica. Os direitos deste pequeno grupo são irrenunciáveis,
inegociáveis, inalienáveis e intransmissíveis – ou porque fazem parte
integrante dos compromissos assumidos pelos outros ou porque integram o contrato
social de que estes privilegiados se consideram donos únicos ou, ainda, porque
souberam trabalhar e gerir, quando a maioria é pobre porque quer ou porque não
sabe orientar-se, dizem. É certo que, de vez em quando, mimoseiam o próximo com
uns generosos presentes de filantropia, a que, se crentes, inscrevem nas obras
de misericórdia ou de caridade, fazendo gato-sapato da justiça em qualquer uma
das suas vertentes – comutativa, distributiva e social ou até como valor
supremo do direito.
Às vezes, a desclassificação é por
via direta: somos devedores, temos de pagar. E não interessa saber quem é
responsável pela dívida ou qual o montante imputável ao erário público ou ao
erário do setor privado; quanto do serviço da dívida se deve a necessidades ou
ao desgoverno, à gestão danosa ou à fraude; e se não haverá outros meios e
condições de satisfação dos compromissos. Alegando a inevitabilidade, corta-se
no rendimento da maior parte, abatendo brutalmente os salários e
subsídios/suplementos percebidos com o salário, aumentando assustadoramente impostos
e contribuições, inventando taxas disto e daquilo e sobretaxas, deixando subir desproporcionadamente
os bens de consumo e até fazendo vista grossa a algumas cartelizações em
setores vocacionados a facilitar a vida das pessoas. Ao mesmo tempo, criam-se
condições para o desemprego sem contrapartidas sérias, barrando o acesso à
atividade, facilitando ou impondo o despedimento por via direta e indireta,
impondo o clima de silêncio ou de anuência perante a prepotência ou o caos
empresarial e/ou administrativo.
Ultimamente, a desclassificação das pessoas
faz-se tratando-as por ignorantes ou desatentas com recurso à mentira, ao
eufemismo ou à subtileza de linguagens técnicas, a par da não punição dos prevaricadores,
mercê da falta de fiscalização, da não apresentação à justiça, da fácil
absolvição ou da prescrição.
Quando o primeiro-ministro de Portugal
e seus acólitos garantem que não há cortes ou que a contenção não atinge os impostos,
os salários e pensões, estão a mentir ou a fazer reserva mental. E, mesmo quando
o anunciado e reescrito DEO (documento de estratégia orçamental), nestes anos denominável
como DEE (documento de estratégia eleitoral), prevê aumento de 0,25% do IVA
para os produtos até agora abrangidos pela taxa máxima, das duas, uma: ou
mentem ou desclassificaram o estatuto do IVA. Terá deixado de ser um imposto
pelo facto de ser indireto? Mas sai do bolso dos consumidores! Não estaremos em
presença do complexo de Plutão? E quando se aumenta em 0,2% a TSU dos trabalhadores,
não se atingem os salários? Mas o trabalhador deixa de receber dinheiro! E se transformam
uma CES (contribuição extraordinária de solidariedade) transitória em definitiva
TS (taxa de sustentabilidade) sobre pensões, embora com taxas ligeiramente
menores, não se atingem pensões? Aqui há mesmo negação da verdade!
Concluindo e considerando…
É necessário que os nossos
representantes (deputados e Presidente da República) e os membros do governo
estejam com atenção ao sofrimento dos portugueses, explorem todas e cada uma
das hipóteses de solução dos problemas nacionais, dividam o ónus dos sacrifícios
por todos, a começar por onerar os que mais têm (e não por aqueles a quem é
mais fácil tirar) e saibam reivindicar os legítimos interesses da nação junto
das instâncias internacionais e dos lóbis económico-financeiros nacionais e
multinacionais.
Ou será que para ter o estatuto de
ser humano é preciso ter dinheiro, poder ou prestígio? Será que a dignidade
humana e a plenitude dos direitos civis e políticos caberão apenas a quem tem o
“poder” em Belém (PR), em São Bento (AR e Governo), no Ratton (Tribunal
Constitucional), na Praça do Comércio (STJ), em São Pedro de Alcântara (STA) ou mo Edifício Portugal
e na Rua do Ouro (BdP)? E os outros seres humanos só o serão em maré de
eleições?
Acaso o
que leva os homens ao poder não será o serviço até às últimas consequências,
embora com a justa compensação? Ou será que o exercício do poder é almejado unicamente
como trampolim para outros voos e até lá se cultiva o apego à cátedra como a
lapa à rocha?
Quanta
falta faz uma escola superior de verdadeira formação política! Não vamos lá com
as universidades de verão dos partidos…
E porque
não aproveitar as marés eleitorais para mandar para casa tantos que querem só
viver à custa do povo sereno, pacífico, trabalhador e habilidoso?
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