sexta-feira, 2 de maio de 2014

O complexo de Plutão

Começando por uma informação científica
Até ao ano de 2006, Plutão foi considerado o nono planeta do Sistema Solar. Entretanto, no final da década de 70 do século passado, com a descoberta de 2060 Chiron e o  reconhecimento da pequena massa daquele corpo celeste, começou a ser questionada a sua classificação como planeta. No início deste século, foram descobertos no Sistema Solar externo vários outros objetos similares a Plutão, incluindo Éris, que é 27% mais massivo do que ele. Assim, em 24 de agosto de 2006, a UAI (União Astronómica Internacional) criou uma definição formal de planeta, que fez Plutão deixar de ser planeta e ganhar a nova classificação de planeta anão, juntamente com Éris e Ceres. Depois deste procedimento reclassificativo, Plutão foi adicionado à lista de corpos menores do Sistema Solar e recebeu a identificação 134340. O deus do submundo dos mortos – Hades, grego, ou Plutão, romano – há de andar a revolver-se de raiva lá no seu habitat… Porém, há cientistas que afirmam que Plutão não deveria ser considerado planeta anão.
Sem me armar com a presunção de qualquer competência científica, real ou factícia, perante uma decisão de quem sabe, já na ocasião estranhei a fundamentação da reclassificação: o tamanho. E comentava para um amigo o que seria dos homens demasiado pequenos, ou mesmo anões, se por causa do tamanho tivessem de ser desconsiderados como homens e passassem a homens anões a incluir noutra tabela classificativa, compatível com o estatuto de “menoridade”.

A questão preocupante
Porém, o que é preocupante não é a taxonomia científica, até porque há outras razões de substância que aconselharam a desclassificação do até há pouco dito planeta. O problema é que os nossos políticos teimam em desclassificar as pessoas. 90% das pessoas não serão bem seres humanos, já que não há problema se a sorte da economia ou a relação de forças os levar a viver com um salário de 485 euros mensais, a que há que subtrair os descontos obrigatórios e os impostos diretos e indiretos, que a vida em sociedade exige de forma cega à maioria, deixando cirurgicamente no limbo da intangibilidade uns poucos. Isto, porque uns 10% dos habitantes terráqueos são homens sem hipótese de desclassificação, a menos que surja o golpe da roda da fortuna ou revolução político-económica. Os direitos deste pequeno grupo são irrenunciáveis, inegociáveis, inalienáveis e intransmissíveis – ou porque fazem parte integrante dos compromissos assumidos pelos outros ou porque integram o contrato social de que estes privilegiados se consideram donos únicos ou, ainda, porque souberam trabalhar e gerir, quando a maioria é pobre porque quer ou porque não sabe orientar-se, dizem. É certo que, de vez em quando, mimoseiam o próximo com uns generosos presentes de filantropia, a que, se crentes, inscrevem nas obras de misericórdia ou de caridade, fazendo gato-sapato da justiça em qualquer uma das suas vertentes – comutativa, distributiva e social ou até como valor supremo do direito.
Às vezes, a desclassificação é por via direta: somos devedores, temos de pagar. E não interessa saber quem é responsável pela dívida ou qual o montante imputável ao erário público ou ao erário do setor privado; quanto do serviço da dívida se deve a necessidades ou ao desgoverno, à gestão danosa ou à fraude; e se não haverá outros meios e condições de satisfação dos compromissos. Alegando a inevitabilidade, corta-se no rendimento da maior parte, abatendo brutalmente os salários e subsídios/suplementos percebidos com o salário, aumentando assustadoramente impostos e contribuições, inventando taxas disto e daquilo e sobretaxas, deixando subir desproporcionadamente os bens de consumo e até fazendo vista grossa a algumas cartelizações em setores vocacionados a facilitar a vida das pessoas. Ao mesmo tempo, criam-se condições para o desemprego sem contrapartidas sérias, barrando o acesso à atividade, facilitando ou impondo o despedimento por via direta e indireta, impondo o clima de silêncio ou de anuência perante a prepotência ou o caos empresarial e/ou administrativo.
Ultimamente, a desclassificação das pessoas faz-se tratando-as por ignorantes ou desatentas com recurso à mentira, ao eufemismo ou à subtileza de linguagens técnicas, a par da não punição dos prevaricadores, mercê da falta de fiscalização, da não apresentação à justiça, da fácil absolvição ou da prescrição.
Quando o primeiro-ministro de Portugal e seus acólitos garantem que não há cortes ou que a contenção não atinge os impostos, os salários e pensões, estão a mentir ou a fazer reserva mental. E, mesmo quando o anunciado e reescrito DEO (documento de estratégia orçamental), nestes anos denominável como DEE (documento de estratégia eleitoral), prevê aumento de 0,25% do IVA para os produtos até agora abrangidos pela taxa máxima, das duas, uma: ou mentem ou desclassificaram o estatuto do IVA. Terá deixado de ser um imposto pelo facto de ser indireto? Mas sai do bolso dos consumidores! Não estaremos em presença do complexo de Plutão? E quando se aumenta em 0,2% a TSU dos trabalhadores, não se atingem os salários? Mas o trabalhador deixa de receber dinheiro! E se transformam uma CES (contribuição extraordinária de solidariedade) transitória em definitiva TS (taxa de sustentabilidade) sobre pensões, embora com taxas ligeiramente menores, não se atingem pensões? Aqui há mesmo negação da verdade!

Concluindo e considerando…
É necessário que os nossos representantes (deputados e Presidente da República) e os membros do governo estejam com atenção ao sofrimento dos portugueses, explorem todas e cada uma das hipóteses de solução dos problemas nacionais, dividam o ónus dos sacrifícios por todos, a começar por onerar os que mais têm (e não por aqueles a quem é mais fácil tirar) e saibam reivindicar os legítimos interesses da nação junto das instâncias internacionais e dos lóbis económico-financeiros nacionais e multinacionais.
Ou será que para ter o estatuto de ser humano é preciso ter dinheiro, poder ou prestígio? Será que a dignidade humana e a plenitude dos direitos civis e políticos caberão apenas a quem tem o “poder” em Belém (PR), em São Bento (AR e Governo), no Ratton (Tribunal Constitucional), na Praça do Comércio (STJ), em São Pedro de Alcântara (STA) ou mo Edifício Portugal e na Rua do Ouro (BdP)? E os outros seres humanos só o serão em maré de eleições?
Acaso o que leva os homens ao poder não será o serviço até às últimas consequências, embora com a justa compensação? Ou será que o exercício do poder é almejado unicamente como trampolim para outros voos e até lá se cultiva o apego à cátedra como a lapa à rocha?
Quanta falta faz uma escola superior de verdadeira formação política! Não vamos lá com as universidades de verão dos partidos…

E porque não aproveitar as marés eleitorais para mandar para casa tantos que querem só viver à custa do povo sereno, pacífico, trabalhador e habilidoso?

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