Ontem, dia 29 de abril, dirigi-me ao quiosque
onde compro jornais quase todos os dias. Como era terça-feira, afiz-me ao Público, como é usual, e pedi também O Diabo, um semanário que leio com
regularidade, não porque goste ou porque me identifique com o seu estatuto editorial,
mas porque tem colunistas que sabem o que outros não sabem ou fingem não saber
e sobretudo dizem o que outros não ousam dizer.
Ao olhar para a esquerda de quem se
abeira do balcão e materiais expostos, deparei como o livrinho, formato de livro
de bolso, subordinado ao título O livro
de orações de São João Paulo II. Tão perto do ato de canonização, a edição
despertou-me a curiosidade, até porque no canto inferior direito da capa se lê,
em carateres relativamente diminutos, a referência “Santificado a 27 de abril
de 2014”. Abri, folheei e perguntei ritualmente “quanto custa?”. Perante resposta
elucidativa, decidi-me pela compra. E tenho a dizer que gostei.
Nunca escondi quanto aprecio o papa
polaco pela lucidez doutrinal, pela coragem e determinação, pela cruzada em
prol dos direitos humanos e da paz, pela liberdade política, pela entrega às causas
sociais, pela intervenção geoestratégica, pela peregrinação quase constante pelo
mundo dos homens, pelo apelo galvanizador à juventude, pela espiritualidade
vivida entre duas colunas-modelo, Maria de Nazaré e são Luís de Monfort. Também
não escondi algum desencanto por algum retrocesso doutrinal, pela indução a que
se tenham confundido algumas questões predominantemente disciplinares com o
âmago do depositum fidei, pela ostracização
a que foram votadas algumas opções teológicas. Refiro, a título de exemplo,
Hans Kung, Bernard Haring e, sobretudo, os corifeus da Teologia da Libertação –
os das periferias gravosas da América Latina – num contexto de uma investigação
e de um ensino demasiado “policiados” pela Congregação da Doutrina da Fé. Também
me parece que a dinâmica da colegialidade terá sofrido alguma contenção desnecessária,
sem falar da alegada incúria pela Cúria Romana.
Mas as pessoas são o que são; e os santos,
para serem luzeiros relativamente aos seus irmãos na fé, não têm
necessariamente de lhes iluminar o caminho todo: basta que o iluminem de modo
que os caminhantes não percam de vista a meta e se sintam sempre atraídos por
ela. E, quando rezam, não se enganam nem enganam. E a lex orandi desde há muito tempo foi assumida como lex credendi, ou seja, pela forma como
se reza em Igreja se vê como se crê em Igreja. Não sei mesmo se um dos motivos
por que O Credo do Povo de Deus, de Paulo
VI, não é rezado e pronunciado mais vezes nas comunidades cristãs não será o
facto de, de vez em quando, seguir por formulações pessoais, embora
pertinentes, e consignar aspetos em discussão ao tempo. É certo que o texto é
extenso e não foi elaborado consensualmente pelo episcopado depois de
perscrutado o sensus fidelium. Porém,
se a peça de fórmula de fé se integrasse totalmente na lex orandi lex credendi, ela seria rezada por muitos em determinadas
ocasiões consideradas mais significativas para a Igreja.
Porém, voltando ao livrinho, aí a
rezar João Paulo II é inquestionável. É a fé de um homem que não vacila. É a oração
de ação de graças e a de petição; é a oração de substância ou a de circunstância;
é a oração dos grandes momentos ou a do dia que passa; é a oração que toca a
todos ou a oração que perpassa específicos momentos da vida, profissões e estados
de vida; é a oração universal ou a oração localizada numa comunidade, num país,
num continente.
O livro resulta do trabalho de organização
e fixação do texto por Joaquim Soares. A edição é da Glaciar e da Cofina Media
sob a égide da PAULUS Editora. Num conjunto
de cerca de duas centenas e meia de páginas, as orações, originariamente pronunciadas
pelo Papa João Paulo II em diversos lugares que foram palco das suas intervenções
pastorais, vêm agrupadas em quatro blocos, a saber: Pela Humanidade; Orações a
Deus que é misericórdia e amor; Orações
a Maria, terna Mãe de Deus e da Igreja; e Orações para diversas ocasiões.
Sem querer abrir o livro de par em par,
destaco quatro títulos de orações em cada um dos quatro blocos. Assim, em Pela Humanidade, temos orações pela dignidade da pessoa, pelo progresso técnico-científico, contra a escravidão, pelo trabalho e dignidade da mulher…; em
Orações a Deus que é misericórdia e amor,
as orações, entre outras intenções, contemplam os jovens do mundo, Deus de
ternura e compaixão, a Igreja, um compromisso generoso…; em Orações a Maria, terna Mãe de Deus e da
Igreja, temos orações à Mãe dos homens
e dos povos, à Protetora dos
cristãos, à Amorosa consoladora, o
Ato de confiança a Nossa Senhora de
Fátima…; e em Orações para diversas
ocasiões, podemos rezar Pelas
vocações do terceiro milénio, Pelos
direitos do homem, Pela investigação
científica, Por uma cultura não
violenta….
E gosto de respigar alguns segmentos:
“A informática e a automação potenciam a
ação humana, reduzindo drasticamente o cansaço em muitos setores. Não podemos
escutar os ‘profetas da desgraça’ que só veem catástrofes em tudo.” (1.º
bloco, pg 21); “Ó Cristo, que o poder da
Tua Cruz se mostre maior que o autor do pecado, a que chamam ‘o príncipe deste
mundo’” (2.º bloco, pg 102); “Ó Mãe
da unidade, ensina-nos sempre os caminhos que a ela conduzem!” (3.º bloco, pg
169); “Ajuda-nos, São Francisco de Assis,
a aproximar Cristo da Igreja e do mundo atual” (4.º bloco, pg 253).
Os segmentos respigados constituem uma
amostra muito diminuta da riqueza temática do florilégio oracional que preenche
o livrinho e testemunham a diversidade de preocupações do ilustre orante, que
as passou de viva voz à memória da Igreja viva em desvelo pelo mundo. E as
orações, mesmo que algumas possam e devam ser descontextuadas, poderão alimentar
o espírito na autorreflexão, na relação ativa com Deus em Si mesmo considerado
e/ou enquanto recetor atento das nossas preocupações com o mundo e aprendizes
da vida quotidiana e da vida dos grandes momentos.
Apetece-me a terminar com algumas
afirmações do editor,
Sobre a oração:
(…) a oração restabelece o espaço da autenticidade,
ilumina as vicissitudes da existência, torna segura a nossa caminhada na história
comum da Humanidade inteira.
E sobre São João Paulo II:
Também nós, como discípulos de Jesus, dizemos: ‘Senhor,
ensina-nos a orar. Mas, quando nos faltam as palavras, unimo-nos a João Paulo
II e rezamos com ele; usando as suas palavras, podemos voltar-nos para Deus,
para Jesus, para o Espírito Santo e para Maria.
Sim, que São João Paulo II faça
voltar para Deus todos os homens e mulheres deste mundo, que desejamos mais
fraterno, mais justo e mais humano, segundo o coração de Deus e como os homens anseiam.
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