quarta-feira, 23 de abril de 2014

Poupança do equivalente a “muitos submarinos”

De governo assim não gosto, tanto vale tê-lo como não o ter, pronto! Para isto tanto vale ter como chefe do governo Durão Barroso, Santana Lopes, Pinto de Sousa, Passos Coelho, Oliveira Guterres (ressuscitado) ou Cavaco Silva (seco pelo tempo) ou qualquer ator que venha a sair dos bastidores como se de coelho da cartola se tratasse.
Vem este acervo de considerandos a talho de foice (estes governantes cortam ou segam sem foice, sem faca, sem tesouras e sem x-ato) ao facto de o primeiro-ministro ter afirmado, esta quarta-feira, dia 23 de abril (em vésperas da data da revolução das liberdades), que o Governo poupou aos portugueses o equivalente a “muitos submarinos” com a redução de despesa pública. Pudera! A arrecadar subsídios de natal e de férias, a aumentar brutalmente os impostos, a impor sobretaxas em sede de IRS, a impor a esmola mensal de pensionistas ao Estado (CES, coleta para estado seco), a cortar cerce nos vencimentos e suplementos dos trabalhadores da Administração Pública, a fomentar a rescisão amigável e a aposentação antecipada, a cancelar contratos, a “mega-agrupar” escolas e serviços de saúde, com os subsequentes encerramentos – assim, também eu sabia poupar!
E diz Sua Excelência que, através do cancelamento de contratos, conseguiu uma “evolução significativa” dos consumos intermédios. Lindíssimo eufemismo arranjou o governante mor! Não sei se estaria a referir-se às famigeradas gorduras do Estado cuja minoração ou anulação seria suficiente para nos fazer sair da crise. Mas isso não é verdade: ainda há dias foi dito por quem sabe que a despesa pública tem aumentado e sobretudo que não foi a redução das despesas que levou ao quase equilíbrio das contas públicas. Não deve estar a referir-se aos cortes em despesas com pessoal, porque efetivamente os chefes de gabinete, adjuntos, secretários e assessores e outros boys continuam a ser convenientemente nomeados, pagos e dotados das respetivas mordomias. E as notas curriculares dos recrutados e selecionados pelo concurso do dedo rápido (o governo transformou-se no glorioso espaço do concurso “quem pode ser milionário”) espelham o “alto nível” da graduação académica, experiência profissional e capacidade técnica dos concorrentes felizmente selecionados.
Quanto ao mais, os trabalhadores da função pública têm levado cortes até ao osso. É claro que isto não é cortar nas gorduras. Isto é outra coisa.
Ora, eu não sabia que o submarino tinha sido promovido a unidade de medida, de peso ou de moeda. Será que terei de me incluir no rol dos portugueses desatentos ou ignorantes em matéria económica? Porque não se concedeu essa promoção ao TGV ou ao novo aeroporto internacional de Lisboa? Não, Sr Dr Passos, a medida de moeda da redução de despesas públicas é a pessoa, a vida das pessoas (vida física, saúde, educação, segurança, segurança social, dignidade). Deste modo pouco importa que a nossa Constituição tenha 55 artigos que são “evangelho puro”, na interessante expressão do Bispo Emérito de Setúbal (que vai ser homenageado em Sernancelhe), o qual também entende que os governantes não têm pedagogia política nem têm conhecimento político.
Porém, as afirmações mais substanciosas foram proferidas face às questões levantadas pelo líder parlamentar do PSD, durante o debate quinzenal no parlamento, em que Pedro Passos Coelho assegurou que o país se está a abeirar “cada vez mais depressa de um caminho de equilíbrio orçamental de médio e longo prazo” e que “não há razão para ser austeridade-dependente”. Sim, quem vislumbra os sinais positivos da evolução da economia, que alguns políticos e economistas dizem não nos permitirem “embandeirar em arco”, pois a bolsa dos portugueses tem conseguido, nos últimos três anos, uma “evolução significativa” do empobrecimento galopante?
Haverá uma maneira política de fazer contas no Estado a sobrepor-se à maneira técnico-contabilística que todos nós aprendemos ou será a lógica da matemática uma batata?
Se bem escutei, quem começou por utilizar a expressão “austeridade-dependente” foi o deputado do PSD, Luís Montenegro, líder do respetivo grupo parlamentar, numa crítica à oposição, a quem apontou o dedo por amedrontar os portugueses com a informação de que vêm aí novos cortes, que alegou ser falsa e especulativa.
Por mim, só acredito nas palavras de Coelho e de Montenegro por acreditar que vai haver eleições em 2014, 2015 e 2016. Por isso, é capaz de haver um pedacinho de milagre, embora, face às declarações atribuídas à troika, não divise qualquer via milagrosa.
Luís Montenegro afastou a necessidade de “mais austeridade de emergência” sobre famílias e empresas (tem razão: se a austeridade for anunciada com tempo e feita de forma emoldurada pelas boas palavras, não será de emergência, mas programada) e declarou que o PSD (só que o PSD não é o governo e o governo é que tem as tesouras) quer “que os portugueses recuperem rendimento e possam ter menos impostos para pagar”, mas de forma sustentável, duradoira e não efémera, defendendo que isso implica “criar condições da parte do Estado e da economia”. Isto vai contra a versão de quem manda, Angela Merkel, através de Maria Luís Albuquerque, que encarnou o perfil de Gaspar.
Depois, Passos Coelho indicou números da evolução da despesa corrente primária nos últimos três anos, tentando mostrar que o esforço de consolidação das contas públicas neste lapso temporal “não foi simplesmente ancorado em medidas que são extremamente dolorosas como as da redução de rendimentos” de funcionários públicos e pensionistas.
“Pelo contrário, o essencial dessas medidas – disse – foi feito à custa da despesa corrente primária, que foi reduzida, fora esses montantes, e em particular com os muitos submarinos que nós poupámos a Portugal e aos portugueses durante muitos anos com os contratos que cancelámos”. Apesar de lamentar que o submarino se tenha tornado unidade de moeda, há que afirmar que é uma estranha maneira de negociar: negociar o não negócio. Ou foram tributadas as altas fortunas, as mais-valias financeiras e as PPP, por acaso?
E o governante mor persiste na tecla do negócio do não negócio: o executivo PSD/CDS-PP cancelou “futuros contratos ou futuras obras que acrescentariam despesa pública por via das parcerias público-privadas nos anos subsequentes”, esclareceu.
Questionado pelo comparsa de partido se teria sido viável o aumento do salário mínimo nacional antes da conclusão do programa de resgate de Portugal, o primeiro-ministro retorquiu que sim, que era, se a Troika aceitasse, mas a troika não aceita porque o governo anterior – o que teve azar – incluiu a norma do não aumento do SMN no memorando de entendimento.
Rica forma de governar! O governo, o da sorte, afinal, combina com a troika o quê? Se é para cumprir literalmente um programa de ajustamento, para que são necessários os gestores do programa (os gestores técnicos e os gestores políticos!)? Depois, um chefe de governo acha que a troika não deixa, quando o vice-primeiro-ministro afirma que, se for preciso explicar mais uma vez à troika tal e tal assunto, o governo tornará a explicar as vezes que forem necessárias.
Que governo! Que linhas governativas!
Mas vamos ter uma saída da troika, limpa e cautelar. Formalmente limpa, porque a Europa, ou melhor, a Alemanha, prefere tapar o sol com a peneira e o governo tem eleições fora e dentro, mas sobretudo, porque ficamos com a carteira limpa por dentro e futuro de incerteza hipotecado. A saída é informalmente cautelar, porque a Troika continua, de lá, a controlar os de cá. Isto deixou de ser o reino dos que estão por detrás do Marão.

Se o Moisés veterotestamentário foi reconhecido como prestigiado condutor do seu povo por ter sido capaz de interceder junto de Deus e até de se zangar com Ele em favor do povo, o Papa Francisco reconhece que o clérigo que não saiba negociar e zangar-se com Deus por causa do seu povo não merece ser bispo. Ora, a pari, concluo que governo que não saiba negociar com as autoridades externas e com elas se zangar em favor do seu país, se preciso for, não merece ser governo. E só há um caminho: abram-se-lhe as portas de casa.

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