De governo assim não gosto, tanto
vale tê-lo como não o ter, pronto! Para isto tanto vale ter como chefe do
governo Durão Barroso, Santana Lopes, Pinto de Sousa, Passos Coelho, Oliveira
Guterres (ressuscitado) ou Cavaco Silva (seco pelo tempo) ou qualquer ator que
venha a sair dos bastidores como se de coelho da cartola se tratasse.
Vem este acervo de considerandos a
talho de foice (estes governantes cortam ou segam sem foice, sem faca, sem
tesouras e sem x-ato) ao facto de o primeiro-ministro ter afirmado, esta quarta-feira, dia
23 de abril (em vésperas da data da revolução das liberdades), que o Governo
poupou aos portugueses o equivalente a “muitos submarinos” com a redução de
despesa pública. Pudera! A arrecadar subsídios de natal e de férias, a aumentar
brutalmente os impostos, a impor sobretaxas em sede de IRS, a impor a esmola
mensal de pensionistas ao Estado (CES, coleta para estado seco), a cortar cerce
nos vencimentos e suplementos dos trabalhadores da Administração Pública, a
fomentar a rescisão amigável e a aposentação antecipada, a cancelar contratos,
a “mega-agrupar” escolas e serviços de saúde, com os subsequentes encerramentos
– assim, também eu sabia poupar!
E diz Sua Excelência que, através do
cancelamento de contratos, conseguiu uma “evolução significativa” dos consumos
intermédios. Lindíssimo eufemismo arranjou o governante mor! Não sei se estaria
a referir-se às famigeradas gorduras do Estado cuja minoração ou anulação seria
suficiente para nos fazer sair da crise. Mas isso não é verdade: ainda há dias
foi dito por quem sabe que a despesa pública tem aumentado e sobretudo que não
foi a redução das despesas que levou ao quase equilíbrio das contas públicas.
Não deve estar a referir-se aos cortes em despesas com pessoal, porque
efetivamente os chefes de gabinete, adjuntos, secretários e assessores e outros
boys continuam a ser convenientemente
nomeados, pagos e dotados das respetivas mordomias. E as notas curriculares dos
recrutados e selecionados pelo concurso do dedo rápido (o governo
transformou-se no glorioso espaço do concurso “quem pode ser milionário”)
espelham o “alto nível” da graduação académica, experiência profissional e
capacidade técnica dos concorrentes felizmente selecionados.
Quanto ao mais, os trabalhadores da função
pública têm levado cortes até ao osso. É claro que isto não é cortar nas
gorduras. Isto é outra coisa.
Ora, eu não sabia que o submarino tinha
sido promovido a unidade de medida, de peso ou de moeda. Será que terei de me
incluir no rol dos portugueses desatentos ou ignorantes em matéria económica?
Porque não se concedeu essa promoção ao TGV ou ao novo aeroporto internacional
de Lisboa? Não, Sr Dr Passos, a medida de moeda da redução de despesas públicas
é a pessoa, a vida das pessoas (vida física, saúde, educação, segurança,
segurança social, dignidade). Deste modo pouco importa que a nossa Constituição
tenha 55 artigos que são “evangelho puro”, na interessante expressão do Bispo
Emérito de Setúbal (que vai ser homenageado em Sernancelhe), o qual também
entende que os governantes não têm pedagogia política nem têm conhecimento
político.
Porém, as afirmações mais substanciosas
foram proferidas face às questões levantadas pelo líder parlamentar do PSD,
durante o debate quinzenal no parlamento, em que Pedro Passos Coelho assegurou
que o país se está a abeirar “cada vez mais depressa de um caminho de
equilíbrio orçamental de médio e longo prazo” e que “não há razão para ser
austeridade-dependente”. Sim, quem vislumbra os sinais positivos da evolução da
economia, que alguns políticos e economistas dizem não nos permitirem
“embandeirar em arco”, pois a bolsa dos portugueses tem conseguido, nos últimos
três anos, uma “evolução significativa” do empobrecimento galopante?
Haverá uma maneira política de fazer
contas no Estado a sobrepor-se à maneira técnico-contabilística que todos nós
aprendemos ou será a lógica da matemática uma batata?
Se bem escutei, quem começou por utilizar
a expressão “austeridade-dependente” foi o deputado do PSD, Luís Montenegro, líder
do respetivo grupo parlamentar, numa crítica à oposição, a quem apontou o dedo
por amedrontar os portugueses com a informação de que vêm aí novos cortes, que
alegou ser falsa e especulativa.
Por mim, só acredito nas palavras de
Coelho e de Montenegro por acreditar que vai haver eleições em 2014, 2015 e
2016. Por isso, é capaz de haver um pedacinho de milagre, embora, face às
declarações atribuídas à troika, não divise qualquer via milagrosa.
Luís Montenegro afastou a necessidade de
“mais austeridade de emergência” sobre famílias e empresas (tem razão: se a
austeridade for anunciada com tempo e feita de forma emoldurada pelas boas
palavras, não será de emergência, mas programada) e declarou que o PSD (só que
o PSD não é o governo e o governo é que tem as tesouras) quer “que os
portugueses recuperem rendimento e possam ter menos impostos para pagar”, mas
de forma sustentável, duradoira e não efémera, defendendo que isso implica “criar
condições da parte do Estado e da economia”. Isto vai contra a versão de quem
manda, Angela Merkel, através de Maria Luís Albuquerque, que encarnou o perfil
de Gaspar.
Depois, Passos Coelho indicou números da
evolução da despesa corrente primária nos últimos três anos, tentando mostrar
que o esforço de consolidação das contas públicas neste lapso temporal “não foi
simplesmente ancorado em medidas que são extremamente dolorosas como as da
redução de rendimentos” de funcionários públicos e pensionistas.
“Pelo contrário, o essencial dessas
medidas – disse – foi feito à custa da despesa corrente primária, que foi
reduzida, fora esses montantes, e em particular com os muitos submarinos que
nós poupámos a Portugal e aos portugueses durante muitos anos com os contratos
que cancelámos”. Apesar de lamentar que o submarino se tenha tornado unidade de
moeda, há que afirmar que é uma estranha maneira de negociar: negociar o não
negócio. Ou foram tributadas as altas fortunas, as mais-valias financeiras e as
PPP, por acaso?
E o governante mor persiste na tecla do negócio
do não negócio: o executivo PSD/CDS-PP cancelou “futuros contratos ou futuras
obras que acrescentariam despesa pública por via das parcerias público-privadas
nos anos subsequentes”, esclareceu.
Questionado
pelo comparsa de partido se teria sido viável o aumento do salário mínimo nacional
antes da conclusão do programa de resgate de Portugal, o primeiro-ministro
retorquiu que sim, que era, se a Troika aceitasse, mas a troika não aceita
porque o governo anterior – o que teve azar – incluiu a norma do não aumento do
SMN no memorando de entendimento.
Rica forma de governar! O governo, o
da sorte, afinal, combina com a troika o quê? Se é para cumprir literalmente um
programa de ajustamento, para que são necessários os gestores do programa (os
gestores técnicos e os gestores políticos!)? Depois, um chefe de governo acha
que a troika não deixa, quando o vice-primeiro-ministro afirma que, se for
preciso explicar mais uma vez à troika tal e tal assunto, o governo tornará a
explicar as vezes que forem necessárias.
Que governo! Que linhas governativas!
Mas vamos ter uma saída da troika,
limpa e cautelar. Formalmente limpa, porque a Europa, ou melhor, a Alemanha,
prefere tapar o sol com a peneira e o governo tem eleições fora e dentro, mas
sobretudo, porque ficamos com a carteira limpa por dentro e futuro de incerteza
hipotecado. A saída é informalmente cautelar, porque a Troika continua, de lá,
a controlar os de cá. Isto deixou de ser o reino dos que estão por detrás do
Marão.
Se o Moisés veterotestamentário foi
reconhecido como prestigiado condutor do seu povo por ter sido capaz de
interceder junto de Deus e até de se zangar com Ele em favor do povo, o Papa
Francisco reconhece que o clérigo que não saiba negociar e zangar-se com Deus
por causa do seu povo não merece ser bispo. Ora, a pari, concluo que governo que não saiba negociar com as
autoridades externas e com elas se zangar em favor do seu país, se preciso for,
não merece ser governo. E só há um caminho: abram-se-lhe as portas de casa.
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