sexta-feira, 25 de abril de 2014

O que significa ser santo para a Igreja?

Nótula prévia
Relativamente à questão colhida na blogosfera, antes de mais, é oportuno distinguir santidade do homem e santidade de Deus e, consequentemente, santidade de Cristo. Depois, quanto à santidade do ser humano, convém diferenciar a santidade a que todos somos chamados e, por assim dizer, obrigados e a santidade reconhecida pela “autoridade eclesiástica” e/ou pela vox populi como se de vox Dei se tratasse – o tal santo subito!, bradado na Praça de S. Pedro em abril de 2005.
Voz do povo, voz de Deus, minha senhora mãe (A. Garrett, Frei Luís de Sousa, I,3). É de ter em conta a voz do povo. Porém, às vezes, é tão injusta: Hossana ao Filho de David! vs Crucifica-O! Solta Barrabás! Não era mesma multidão?

A santidade de Deus, a santidade de Cristo
A proclamação triságica do santo, santo, santo encontra-se duas vezes na Bíblia, uma no AT/Antigo Testamento (Is 6,3) e outra no NT/Novo Testamento (Ap 4,8). Nos dois casos, a proclamação é feita por criaturas celestiais invisíveis tornadas visíveis na visão de um homem que foi transportado para o trono de Deus. Esse homem é, no AT, o profeta Isaías e, no NT, o apóstolo João.
A santidade de Deus é o atributo de Deus de mais difícil explicação. Deus tem atributos compartilhados, embora em menor grau, pelos seres humanos, como o amor, a misericórdia, a lealdade, a fidelidade, etc.. Outros não serão em caso algum compartilhados pelas criaturas, como, por exemplo, omnipresença, omnisciência, omnipotência. A santidade é compartilhável, mas apenas por graça divina. A santidade de Deus é o atributo que o separa e distingue de todos os outros seres; é mais do que Sua perfeição ou pureza sem pecado (ágnos, no grego); é a essência de Sua “alteridade”, a Sua transcendência. Ela encarna o mistério da Sua grandiosidade e faz-nos olhar para Ele com assombro quando começamos a entender um pouquito da Sua majestade.
O profeta foi uma testemunha da santidade divina (cf Is 6,5). A sua reação face à visão da santidade de Deus foi estar consciente dos seus próprios pecados. Os próprios anjos na presença de Deus, a proclamar a santidade do Senhor Todo-Poderoso, cobriram rostos e pés com quatro das suas seis asas (cf Is 6,2). A visão de João do trono de Deus é semelhante à de Isaías: havia também criaturas viventes a circundar o trono e a clamar: “Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus Todo-Poderoso, Aquele que é, que era e que há de vir” (Ap 4,8), em reverência e temor ao Santo (hágios, no grego). Não há indicação de que João tenha caindo em terror pelo seu eventual estado pecaminoso. O apóstolo já tinha encontrado o Ressuscitado no começo da sua visão (cf Ap 1,17). Cristo tinha colocado a Sua mão sobre ele e ordenado que não tivesse medo.  
A tríplice enunciação, muito comum entre os judeus, aqui a da santidade divina significa a convicção confiante, a sinceridade e a intensidade do ato de adoração (a plenitude latrêutica). Por outro lado, o triságio expressa a natureza trina de Deus, as três Pessoas da Divindade, distintas, mas cada uma igual em santidade e majestade (vd Prefácio da Missa da SS.ma Trindade); e a identidade da proclamação triságica nos dois blocos da Escritura pressupõe a certeza de que o Deus de Jesus e dos apóstolos é o mesmo que o dos profetas. Jesus, orando ao Pai, chama-lhe Pai Santo (cf Jo, 17,11).
Por seu turno, Jesus Cristo é o Santo que não sofreu “decadência” ou degradação no túmulo, mas foi ressuscitado para ser exaltado à direita de Deus (cf At 2,25.33-34; 13,33-35). Jesus é “o Santo e o Justo” (At 3,14) cuja morte na cruz nos garante o acesso ao trono do nosso Deus santo, sem qualquer tipo de vergonha. E que Ele, enquanto imagem visível do Pai, é o único “Santo” na Terra. Nos o proclamamos no Gloria in excelsis, “Tu solus sanctus”.
Tal como no AT Deus quer que os homens sejam santos (“Sede santos porque Eu sou santo” – Lv 11, 44; 19,2), também, no NT, Jesus o determina (“Sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai que está nos Céus” – Mt 5,48) e Pedro, citando o AT (1Pe 1,16 – “Sede santos porque Eu sou santo”), com que argumenta, manda que sejamos “santos em toda a maneira de proceder” (1Pe 1,15). Ora, sendo o homem criado à imagem e semelhança de Deus e redimido por Cristo para recuperar tal estatuto perdido por causa do pecado, este “homem novo” pode e deve aproximar-se do trono da graça, se tiver a mão de Cristo sobre si na forma da justiça de Deus, a qual nos foi outorgada na cruz em troca do nosso pecado (cf 2 Cor 5,21; Hbr 4,16).
E todos somos chamados à santidade. O Vaticano II, na Constituição Dogmática sobre a Igreja, exprime claramente a chamada universal à santidade, assegurando que ninguém é dela excluído: “Nos vários géneros de vida e nas várias formas profissionais é praticada uma única santidade por todos os que são movidos pelo Espírito de Deus e (...) seguem Cristo pobre, humilde e carregando a cruz, para merecerem ser partícipes da sua glória (cf LG 41; GS 48).

E em que consiste a santidade humana? Ou: resposta a questão da epígrafe
Os termos hebraicos Qadosh, para santo, e Qodesh, para santidade, terão partido do primitivo conceito de separação ou remoção do sagrado do profano (hôl). Os hagiógrafos tomaram as palavras, que usaram para descrever muitas coisas e atividades separadas para adoração. Estes termos empregam-se predominantemente em sentido religioso e habitualmente contêm o significado fundamental de “separado”, ou “fora do uso comum”. O seu uso ficou normalmente adstrito a regras cerimoniais ou limitado a certo povo (Israel, sacerdotes), lugares (tabernáculo), coisas (altares), ou tempos (sábado). O termo oposto a santo é “impuro”, “profano” (vd Lv 10,10).
O termo no AT é usado no AT, por si e variantes, mais de 600 vezes multimodamente: para nomear alguma coisa a ser separada, por exemplo, o santo lugar (Ex 28,43; 29,30) era separado dos lugares comuns para adoração; para descrever uma caraterística, por exemplo, o nome de Deus é, por vezes, expresso por “meu santo nome” (Lv 20,3; 22,2) e Sião é, às vezes, chamado o “santo monte” (Sl 2,6). Por seu turno, o verbo “santificar” significa “consagrar ou separar a pessoa ou objeto do comum (no grego témnos, de témnein, cortar; no latim, sanctus, de sancire, cortar). Assim, Deus “santificou” vítimas, pessoas e altar (Ex 29,25-37), o Templo (cf 1Rs 8,64), pessoas (cf Ex 19,10.14) e lugares (cf Ex 19,23). Raramente a santidade é transmissível a outros objetos (cf Ex 29,37; 30,29; Lv 6,27), mas na maioria dos casos a impureza (como o vício, a idolatria) é transmissível e poluente para o que é santo (cf Ag 2:12-13). Os objetos santos são muito numerosos. No entanto, destacam-se a arca da aliança, o tabernáculo (ou mais tarde o Templo) e todos os artigos envolvidos na adoração, as pessoas que executavam a adoração, a terra em volta do tabernáculo e a nação inteira de Israel.
O termo skinner descreve o significado de santidade, querendo dizer que santidade exprime uma relação que consiste, pela negativa, na separação do uso comum, e pela positiva, na pureza (tãhôr) e dedicação ao serviço de Javé. É, porém, duma santidade marcadamente ritual que se trata.
Para designar a palavra “santo”, o hebraico tem a palavra Qadesh, que também designa, por vezes, o nome do Deus dos judeus e também aparece no NT. Significa também pessoa ou coisa consagrada perante outras pessoas e coisas. Existem variantes de Qadesh. Assim: Qadosh significa sagrado (hiereus, no grego; sacer, no latim); Qidush significa santificação, ou consagração; Yom Qadosh significa dia Santo; Qadish significa santificação ou uma oração litúrgica de origem aramaica feita durante 11 meses, para exaltar e louvar o nome de Deus e rogar pela vinda do reino messiânico. 
Bento XVI, na sua catequese de 13 de abril de 2011, tendo em conta as Escrituras e a doutrina conciliar, explica que, contra o que frequentemente se pensa, “que a santidade é uma meta reservada a poucos eleitos”, Paulo prega o grande desígnio de Deus: “N'Ele, Cristo, (Deus) escolheu-nos antes da criação do mundo para sermos santos e imaculados diante d'Ele na caridade” (Ef 1,4). E o Papa esclarece:
“Fala de todos nós. No centro do desígnio divino está Cristo, no qual Deus nos mostra o seu rosto: o mistério escondido nos séculos revelou-se em plenitude no Verbo que se fez homem. E Paulo depois diz: De facto, aprouve a Deus que nele habite toda a plenitude (Cl 1,19). Em Cristo o Deus vivente tornou-se próximo, visível, audível, palpável para que todos possam beneficiar da sua plenitude de graça e de verdade (cf. Jo 1,14-16)”.

“A santidade, a plenitude da vida cristã” – adverte o Pontífice – não consiste em realizar empreendimentos extraordinários, mas em unir-se a Cristo, em viver os seus mistérios, em fazer nossas as suas atitudes, pensamentos e comportamentos.”
Por outro lado, “a medida da santidade” – garante Bento XVI, citando Paulo e Agostinho – é dada pela estatura que Cristo alcança em nós, desde quando, com a força do Espírito Santo, modelamos toda a nossa vida sobre a sua. Consiste na nossa conformação com Jesus, “Aqueles que ele conheceu desde sempre, predestinou-os para serem conformes com a imagem do seu Filho” (Rm 8,29) e em deixarmo-nos preencher totalmente pela vida de Cristo, “Será viva a minha vida toda repleta de Ti” (Confissões, 10,28). É santidade em espírito e verdade (cf Jo 4,24), em contraste com a ritual do AT.
Por sua vez, o Papa Francisco, no dia 1 de novembro de 2013, à recitação do Angelus na Praça de S. Pedro, garante que “ser santo não é um privilégio de poucos, mas uma vocação para todos”. Por isso, a Igreja tem a solenidade anual de todos os santos em que honra “os amigos de Deus, os que no rosto dos mais pequenos e desprezados viram a face do Senhor”.
Acrescentando que
“Os santos não são super-homens nem nasceram perfeitos, antes da glória viveram uma vida normal com alegrias e dores, fadigas e esperanças”, mas depois que “conheceram o amor de Deus, seguiram-no com todo o coração, sem condições ou hipocrisias, passaram a sua vida ao serviço dos outros, suportaram sofrimentos e adversidades sem odiar e respondendo ao mal com o bem, espalhando a alegria e a paz”.

Assim, os santos são homens e mulheres que têm a alegria no coração e a transmitem aos outros” – reforçou.

Condições para atingir a santidade
Assumindo a excelência e a acessibilidade da santidade, há que reunir um complexo de condições pessoais consentâneas com ela, como:
O desejo habitual de dar graças a Deus e expressar o amor por Ele (cf Jo 14,15); o anseio por andar o mais possível em união com Deus (cf Mt 5,8);  a solicitação da graça santificante atual de Deus para nossa vida e serviço ao próximo e seu incremento através da oração e da vida sacramental; a disponibilidade para ser um instrumento de Deus para Sua honra e glória (cf 2Tm 2,20-21); a ânsia de ver os incrédulos aproximarem-se de Cristo por terem observado o nosso viver (cf 1Pe 3,1-2); o esforço constante de evitar o mal e assumir a disciplina de Deus sobre nós; a procura da vontade de Deus, só porque em Seus mandamentos brilha a justiça e traz alegria à alma; e a relação sadia com a comunidade. –

O essencial do ensino eclesial na era apostólica visa a santidade de vida, para o que exige, antes de mais, o arrependimento e a conversão (cf At 3,19). Daí advém a mudança de atitudes, de pensar, de agir, de sentir, gerando uma vida diferente, que busca a santificação no dia a dia. É a Palavra que limpa, purifica e guarda (cf Jo 15,3; Sl 119,11); que é santa e santificadora, porque verdadeira (cf Jo 17,17); poderosa para santificar, purificar e tornar a Igreja imaculada, sem ruga, santa e irrepreensível (cf Ef 5,26-27). Ora é precisamente o estado pecaminoso o que separa o homem de Deus. O Senhor ama o pecador, mas aborrece o pecado (cf Rm 3,23-24) e exige que o Seu povo seja santo, tal como Ele é (Lv 11,44; 19,2; 20.7,26 – já citados). Ser santo significa, pois, ser irrepreensível (cf l Ts 3,13); viver segundo a vontade divina, não se deixando contaminar pelo pecado (cf Ef 1,4); e não se confor­mar com o mundo (cf Rm 12,2), renunciando às obras da carne, mas produzindo os frutos do Espírito (Gl 5,22). 
Porém, é o Espírito Santo que opera na vida do crente para o santificar, tornan­do-o puro para Deus. É Ele quem dá as condições para se ter uma vida espiritual equilibrada. E Jesus é o modelo de santidade do cristão, como escreveu Pedro (1Pe 1,15), o mesmo apóstolo que repetiu o que o próprio Deus havia determinado desde os tempos antigos: “Sede santos porque eu sou santo” (Lv 11,44 – já citado). Na oração feita por Jesus ao Pai, Ele intercedeu pela santificação dos discípulos (Jo 17,6-19). É óbvio que a Igreja ficou abrangida por aquela oração. Quem deixou a mundanidade e passou a pertencer a Jesus já é santificado por Ele.
O apóstolo Paulo escreveu que “as más conversações corrompem os bons costumes” (cf 1Cor 15,33). Porém, acontece o contrário com quem escolheu o próprio Jesus para seu amigo, seu companheiro, seu Senhor e Mestre (cf 1Cor 1,30). Foi lá no Calvário que Jesus deu o passo decisivo de redenção da humanidade. Derramou o Seu preciosíssimo sangue para redimir o pecador. Resgatou o homem das trevas para a luz, da mentira para a verdade, da impureza para a santificação (cf Hbr 13,12). 
Mas sendo a santidade um estado de vida que se adquire gradativa e continuamente, é necessária a busca constante dessa qualidade, com a ajuda do Espírito Santo. É necessária a constância da perfeita santidade (cf Ef 4,12-13). O primeiro passo dado em direção a uma vida pura é a conversão (cf 2Cor 5,17). Depois, o crescer na graça e no conhecimento de Jesus (cf 2Pe 3,18) vai dando ao crente a condição de se ir purificando em todas as dimensões (cf 1Jo 3,3) em todos os sentidos: no olhar (cf Mt 6,22; 18,9); no falar (cf Mt 5,37; Ef 4,25); no andar (cf Gl 5,16); no porte diante dos descrentes (cf Rm 14,15.18); em todo o viver (cf Fl 1,21; Gl 2,20).
 A vontade de Jesus é que o crente seja totalmente santo: espírito, alma e corpo (lTs 5,23). 
É verdade que, enquanto o crente estiver aqui neste mundo em sua peregrinação, ele não será perfeito em santidade. A perfeição, porém, é o alvo maior a que se propõe (cf Ef 4,13). Mas a santidade deve ser buscada e exercitada em todas as situações de vida. Porém, as grandes coisas iniciam-se como pequenas coisas. Se o crente se acostumar a não dar importância a elas, a sua mente ficará cauterizada e a expressão “não faz mal” pas­sará a ser recorrente no seu vocabulário. Paulo, na 1.ª carta aos Coríntios, releva a necessidade de especial preparação para aqueles que vão participar da Ceia do Senhor. Advertiu que quem nela participa indignamente torna-se culpado. E denuncia a existência, na igreja, de muitos fracos, doentes e até mortos espirituais porque não se preparam de modo adequado, que agrade ao Senhor. (cf 1Cor 11,27-30).
A bem-aventurança típica dos santos, os puros de coração, foi proclamada pelo próprio Jesus: “eles verão a Deus” (Mt 5.8b). No livro dos Atos, descrevem-se os primórdios da Igreja na terra, sendo a sua inauguração e os seus primeiros tempos corroborados com uma série de abençoados acontecimentos da parte de Deus. Todos os crentes participavam unânimes, num mesmo espírito de cooperação. Viviam em igreja-comunidade. Era comum venderem suas propriedades ou parte delas para ajuda aos mais necessitados (cf At 2,44-46; 4,32-37).

O reconhecimento público da santidade, a sua apresentação modelar e a prestação de culto
Em muitos casos, a autoridade eclesiástica, sem se pronunciar sobre o mérito de outros, decide distinguir de forma especial alguns cristãos que viveram as virtudes teologais e humanas em termos de heroicidade. Por isso, declara solenemente que eles vivem já na companhia definitiva de Deus e possuem a visão beatífica e, além disso, podem e devem ser apresentados como modelos a seguir em vertentes fundamentais da vida cristã. Não pode é declarar que quem quer que seja não esteja no céu.
Os primeiros santos, neste sentido técnico-eclesiástico, foram “feitos” santos pela piedade do povo cristão e reconhecidos pela competente autoridade eclesial. Tal sucedeu com os apóstolos, os outros mártires e com homens ou mulheres que morreram em inquestionável odor de santidade. Entretanto, para que não restassem dúvidas de que algum ou alguma tivesse sido honrado com os altares sem que esse reconhecimento fosse plausível, começou a exigir-se o conveniente processo e criou-se em Roma um dicastério específico para o efeito – a Congregação para as Causas dos Santos.
 E temos dois tipos de situação: a beatificação e a canonização.
– Beatificação (do latim beatificatio de beatus, feliz, a partir do grego  μακαριος, makários) é o ato de declarar beato ou beata uma pessoa, ou seja, o reconhecimento feito pela autoridade da Igreja  de que a pessoa a quem se confere esse estatuto se encontra no Paraíso, em estado de beatitude, e pode interceder por quem se lhe dirija em oração.
Difere da canonização, sobretudo no seguinte: a beatificação comporta uma permissão local para o culto de dulia ou veneração, ao passo que a canonização, ultrapassando os limites da comunidade territorial ou humana implicada, ganha dimensão universal. Por outro lado, alguns teólogos não consideram a beatificação como uma declaração infalível da Igreja, sendo, no entanto, um passo rumo à canonização. Em termos processuais, as diocese têm autoridade para abrir o processo. A causa de beatificação possui um bispo postulador, que atua como uma espécie de advogado, que investiga a vida do candidato para verificar o seu testemunho de santidade. Aberto o processo, o candidato recebe o título de Servo de Deus. Na fase inicial, investigam-se as virtudes ou o martírio. Neste último caso, investigam-se as circunstâncias e os detalhes da morte. Concluído o processo de investigação com parecer positivo, a pessoa é declarada Venerável. Depois, há que aguardar que surja pelo menos um milagre cuja realização se comprove que resultou da intercessão do(a) Servo(a) de Deus. Não é necessária a verificação desta condição em caso de martírio. Finalizado o processo, é promulgado o decreto de beatificação e costuma proceder-se a celebração solene, preferencialmente com a comunidade implicada no processo, presidida pelo Papa ou por dignitário que o represente.
– Canonização  (de cânone, regra, catálogo) é o termo utilizado pela Igreja para denominar ato de atribuir o estatuto de Santo a alguém que já foi declarado Beato. Trata-se um ato altamente ponderado, resultante de um processo complexo dentro da Igreja, a ponto de só poder ser tratado pela Santa Sé em si, por uma comissão de altos membros e com a aprovação final do Papa.
O Código de Direito Canónico (CDC) estabelece: 
Para fomentar a santificação do povo de Deus, a Igreja recomenda à veneração peculiar e filial dos fiéis a Bem-aventurada sempre Virgem Maria, Mãe de Deus, que Jesus Cristo constituiu Mãe de todos os homens, e promove o verdadeiro e autêntico culto dos outros santos, com cujo exemplo os fiéis se edificam e de cuja intercessão se valem. (CDC, cânone 1186).
E
Só é lícito venerar com culto público os Servos de Deus, que foram incluídos pela autoridade da Igreja no álbum dos Santos ou dos Beatos (CDC, cânone 1187).

O processo é regulamentado por dois documentos em vigor: a Constituição Apostólica Divinus Perfectionis Magister (1983), de João Paulo II, que estabelece as normas para a instrução das causas de canonização e para o trabalho da Congregação para as Causas dos Santos; a instrução Sanctorum Mater, de 17 de maio de 2007, da respetiva Congregação, sobre as normas que regulam as causas de beatificação e canonização; e o “Index ac status causarum” (1999), do mesmo dicastério.
Segundo os preditos documentos, é ao bispo diocesano ou autoridade equivalente que, por iniciativa própria ou a pedido dos fiéis, compete investigar a vida, virtudes ou martírio, fama de santidade e milagres atribuídos; e, se considerar necessário, a antiguidade do culto da pessoa cuja canonização é pedida. Para tanto, designará um postulador que recolherá informações pormenorizadas sobre a vida do Servo de Deus e se informará sobre as razões que pareçam favorecer a promoção da causa da canonização. Depois do exame dos escritos, que tenham sido publicados, por teólogos  censores e nada havendo neles contra a fé e costumes, passa-se ao exame dos escritos inéditos e de todos os documentos que de alguma forma se refiram à causa. Se ainda assim o bispo considerar que se pode ir em frente, providenciará ao interrogatório das testemunhas apresentadas pelo postulador e de outras que achar necessário.
O exame do eventual martírio e o das virtudes, que o servo de Deus terá praticado em grau heroico, e o exame dos milagres a ele atribuídos devem ser feitos em separado. Concluídos os trabalhos, o processo é enviado à Congregação das Causas dos Santos, onde consultores procedentes de diversas nações e peritos em várias áreas científicas farão os necessários estudos. Depois, o decreto papal reconhecerá a prática das virtudes em grau heroico e declarará “Venerável” aquele Servo de Deus.
Havendo apresentação de milagre, este é examinado em reunião de peritos (e se se trata de cura, pelo Conselho de Médicos), sendo depois submetido a um congresso especial de teólogos; e, por fim, à Congregação dos cardeais e bispos. O parecer final desta é comunicado ao Papa, a quem compete decretar o culto público eclesiástico que se há de tributar ao Servo de Deus. Portanto, a beatificação só pode ocorrer após o decreto das virtudes heroicas e da verificação de um milagre atribuído à intercessão do Venerável. O milagre deve configurar uma cura inexplicável à luz da ciência e da medicina, sendo consultados inclusive médicos ou cientistas de outras religiões e ateus. Deve ser uma cura perfeita, duradoura e que ocorra rapidamente, em geral de um a dois dias. Comprovado o milagre, é expedido o decreto, a partir do qual pode ser marcada a cerimónia de beatificação, presidida pelo Papa ou por um cardeal ou bispo, seu delegado para o efeito.
Caso a pessoa já tenha o estatuto de beato e seja comprovado mais um milagre (de que o Papa pode dispensar, bem como de alguns prazos, por motivos relevantes) pela Igreja, o Papa ou um Cardeal, seu delegado para o efeito, em missa solene, declará-la-á “santa”, digna da honra dos altares e de receber a mesma veneração em todo o mundo, concluindo-se assim o processo de canonização.
Em casos excecionais, há o recurso à denominada canonização equipolente, já que equivale (tem valor igual) ao processo normal, para declarar que determinada pessoa falecida se encontra junto de Deus, no céu, intercedendo pelos que ainda vivem na terra. São, porém, necessários três requisitos: prova do culto antigo ao candidato a santo, atestado histórico incontestável da fé católica e das virtudes eminentes do candidato e a fama ininterrupta de milagres intermediados pelo candidato. É um processo instituído no século XVIII por Bento XIV, através do qual o Papa “vincula a Igreja como um todo para que acate a veneração de Servo de Deus ainda não canonizado pela inserção de sua festividade no calendário litúrgico da Igreja universal, com Missa e Ofício Divino”.
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Porque os santos nem sempre foram exemplo em tudo (gostei de ler em tempos um livro sobre os defeitos dos santos), é que se exige a cura do tempo e se criticam com razão certas “santificações”, na vigência da memória de lacunas e controversas atitudes pouco explicadas e pouco sanadas. Mas Deus é grande e misericordioso!

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