Na sua entrada solene na diocese, o
novo Bispo do Porto saudou a assembleia com a fórmula ritual tradicionalmente
reservada ao celebrante detentor do caráter episcopal “A Paz esteja convosco!”.
Tal forma de saudação remeteu-me para
a instrução do Papa Francisco que insiste em clamar que o Bispo é “quem seguiu Jesus desde o início e é
constituído com os Apóstolos testemunha da sua Ressurreição”. “Também para nós”
– diz o Papa – é este o critério unificador: o Bispo é aquele que sabe tornar atual
tudo o que aconteceu a Jesus e sobretudo sabe, juntamente com a Igreja, fazer-se testemunha da sua
Ressurreição” (discurso à Congregação para os Bispos, 27-02-2014). Ora,
se o bispo é sobretudo uma testemunha do Ressuscitado, é natural que saúde os
irmãos com as palavras do Ressuscitado “A Paz esteja convosco” (cf Lc 24,36; Jo
20,21.26). E a paz, a paz de Cristo, é o maior dom de Deus às consciências, à
sociedade e ao mundo – dom pelo qual os homens hão de ansiar e procurar merecer,
na oração e no trabalho, como pretende a mística beneditina (Pax Christi através do ora et labora).
Mas Dom
António Francisco dos Santos afirma-se desejoso de testemunhar com a diocese portuense
as Bem-aventuranças. E estas giram em torno do Reino da Paz, que, se formos
dela construtores, nos torna filhos de Deus, e em prol da justiça, que nos fará
arrebatar o Reino de Deus, mesmo sofrendo perseguições. Elas assumem a pobreza
em espírito para que a pobreza material seja erradicada da Terra, por meio da mansidão
dos determinados pela pureza de coração (com o olhar de Deus) e pelo conforto
dos que choram. Na justiça se forja a paz.
E Dom António
afirma não entrar no Porto com um programa pré-determinado. E isso é
extraordinário: vai construir o projeto de condução da diocese, em termos
humanos, segundo uma das metodologias mais recomendadas – a da abordagem
sistémica. Ele o refere por suas palavras: “As linhas do projeto pastoral e os
campos de ação têm de ser refletidos e decididos em comum. Todos os diocesanos
são necessários e todos são imprescindíveis neste trabalho conjunto da Igreja”
(in entrevista a VP, 2 de abril). E na homilia da Eucaristia a que presidiu no
momento de sua entrada solene afirmou contar com todas as estruturas diocesanas
pastorais – centrais e vicariais – os bispos, os vigários gerais, os sacerdotes,
os diáconos, todos os consagrados e consagradas, todos os servidores da Igreja
e da Sociedade (cf entrevista citada), os crentes e os não crentes.
Mas o
Bispo do Porto entende dever seguir ao mesmo tempo ao pé de uma outra
perspetiva – a do Espírito. Por isso, os planos e programas de ação “[…] surgirão
à medida do sonho de Deus para a Igreja do Porto. Desejo estar atento ao espírito
de Deus”. E tentará conciliar as duas vertentes de projeto – a espiritual e a sistémica:
Tanto assim que promete: “Procurarei ler com lucidez evangélica e espírito conciliar
os sinais dos tempos. Tudo devo delinear, programar, decidir, realizar e
avaliar em comunhão e corresponsabilidade com as pessoas e as estruturas
diocesanas, vicariais ou paroquiais” (id et ib). Confessa a consciência de não
dever replicar experiências vividas noutros contextos, mas querer “assumir a história
e a memória da Igreja do Porto”, tanto do passado remoto como do mais recente, o
que referiu de algum modo na referida homilia. Por outro lado, na citada
entrevista, o prelado diocesano assegura desejar “viver, sentir e trabalhar com
todos e com cada um para que à volta da mesa de todos e habitando a casa comum,
que é a Igreja, saibamos ser casa de comunhão e escola de todos e para todos”.
É óbvio
que um bispo que insiste tanto na participação e na comunhão, na casa e na escola
será seguramente o arauto da paz, o filho de Deus entre os filhos de Deus. E então
é de clamar com o profeta: "Como são belos sobre as montanhas os
pés do mensageiro que anuncia a paz". (Is. 52,7).
Há,
entretanto, um ponto que não quero deixar passar ao olvido por o considerar
demasiado importante. Aquele acento no “sonho de Deus”, na “lucidez evangélica”
e no “espírito conciliar” de atenção aos “sinais dos tempos” levou-me a Dom José
Policarpo, ao concílio, a João XXIII ou ao Evangelho (Lc 12, 54-56). Porém,
fez-me pensar sobretudo se o bispo desta diocese quer seguir os modos de
deliberação do concílio de Jerusalém referido no livro dos Atos dos Apóstolos (cf
Act 15,1-40): “ resolvemos de comum acordo”; “o Espírito Santo e nós resolvemos…”.
A institucionalização desta boa prática dará uma boa forma de atuação, que não somente
de estilo, mas de vertebração de ação pastoral com fundamento no antigo conceito
de dogma, “aquilo que parece mais acertado” (do grego dogma, dógmatos: opinião, decisão, decreto, sentença; cognato do
verbo dokéo: parecer, ter boa
aparência, julgar, parecer bem, haver por bem; cognato de dóxa: parecer, opinião, crença, conjetura, juízo, fama – de que
derivou o verbo doxázo: opinar, crer,
pensar, julgar, supor, imaginar). Deste decidir em comunhão com os
colaboradores e com o Espírito Santo é tão inimiga a indecisão como a decisão autocrática.
Bem
creio que, pelo perfil que apresenta ao Povo de Deus, recheado de experiência pastoral
e educacional, de “sabedoria” (enquanto gosto da ciência e capacidade de
reflexão), humildade firme e determinação dialogante, Dom António Francisco dos
Santos, forjado nos rigores do Montemuro, de mãos dadas com os pobres – que
efetivamente não podem esperar – temperado com a maresia de Aveiro, será o pastor
que a cada momento saberá discernir se deve marchar à frente do “rebanho”/povo,
para lhe indicar o caminho, se
ao meio, para o manter unido e neutralizar debandadas, se na retaguarda,
para evitar que alguém se atrase ou desgarre, mas, fundamentalmente, porque o próprio
rebanho é dotado de olfato para encontrar novos caminhos: o sentido da fé
(cf Francisco aos Bispos de Timor Leste, 17 de março).
Resta-me,
daqui, do canto da discrição, saudar o nosso Bispo, novo no Porto, mas velho
amigo de outras andanças pastorais e pedagógicas.
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