Morreu hoje, 27 de abril, Vasco da
Graça Moura, um dos melhores vultos de dedicação à Língua Portuguesa no dealbar
do terceiro milénio. Segundo a
Universidade do Porto, que o distinguiu com um doutoramento honoris causa, enquanto reconhecimento
pela sua obra e pelo seu contributo para a promoção da cultura portuguesa, o escritor portuense Vasco Graça Moura “é um dos mais
produtivos escritores portugueses, com mais de 100 títulos publicados”.
Mas porque escondem alguns o seu lado
profissional e político? Aliás, a maior parte dos comentários em torno do seu
passamento cingem-se ao cidadão e ao homem da cultura e da Língua Portuguesa.
Efetivamente, este cidadão, nascido
no Porto em 3 de março de 1942, licenciou-se em Direito e exerceu a advocacia
durante 20 anos, o que, sem ser extraordinário, convenhamos não é pouco, sobretudo
num homem que se sentiu realizado naquilo que fazia.
Mas ele foi um político, não de
trazer por casa, mas militante partidário (goste-se ou não do seu partido, o de
Passos Coelho daquele tempo!), um dos atores moderados contra a onda de
radicalização de Portugal à esquerda, a par de Mário Soares e Dom Manuel de Almeida
Trindade, e foi Secretário de Estado em dois governos provisórios, em tempos
agitadamente engraçados, além de ter sido eleito deputado para a Assembleia
constituinte. E fez dois mandatos como deputado europeu, no âmbito do PPE (Partido
Popular Europeu), antes da ascensão de Barroso a Presidente da Comissão. Como
ficou pobre o Parlamento Europeu sem este político culto e combativo!
Além da atividade política, desempenhou
outros cargos de interesse e notoriedade pública. Neste âmbito, foi diretor da
RTP2, administrador da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, a que deu importante
impulso, presidente da Comissão para as Comemorações dos Descobrimentos
Portugueses e, a partir de 2012, presidente do Centro Cultural de Belém. Exercera, ainda, os cargos de diretor do
Serviço de Bibliotecas e Apoio à Leitura da Fundação Calouste Gulbenkian e de diretor
da Fundação Casa de Mateus.
Mas, não sendo aí o início, na década
de oitenta enveredou definitivamente pela
carreira literária, que o havia de confirmar como um nome central da literatura
portuguesa da segunda metade do século XX e nos alvores do século XXI.
E a sua produção literária
é vasta e multifacetada: poesia, ensaio, romance, diário e crónica, tradução e
resumo. Dá-se conta, a seguir, de muita da sua obra, sem incluir aquela em que
participou em regime de coautoria. Assinale-se que, lançando mão do direito que
lhe assistia um persistente lutador contra a nova ortografia da Língua Portuguesa,
esgrimindo denodadamente os melhores argumentos a favor das suas teses, embora,
como é natural, não tenham sido aceites nem suficiente para travar essa reforma
de política da Língua.
Assim, na obra
poética, conta-se: Modo Mudando (1963); O Mês de Dezembro e Outros Poemas (1976);
A Sombra das Figuras (1985); Sonetos Familiares (1994); Uma Carta no Inverno (1997); Testamento de VGM (2001); Antologia dos Sessenta Anos (2002);
Natal… Natais – Oito séculos de Poesia sobre
o Natal (Antologia de Vasco da Graça Moura /2005); Os nossos tristes assuntos (2006); O Caderno da Casa das Nuvens (2010); e
Os Lusíadas para Gente Nova (Uma nova
versão d’ Os Lusíadas de Luís de Camões /2012)
Para ele, a poesia “é
uma questão de técnica e de melancolia”, crescendo d’ A Furiosa Paixão
pelo Tangível através
de uma densa rede metafórica que combina a intertextualidade, relacionada
especialmente com Camões, Jorge de Sena, Dante, Shakespeare e Rilke, objetos
privilegiados de estudo deste autor, e uma tendência ironicamente discursivista
assente na agilidade sintática.
Por seu turno, no atinente ao ensaio, publicou Luís de Camões: Alguns Desafios (1980); Camões
e a Divina Proporção (1985); Sobre Camões, Gândavo e Outras Personagens (2000);
Lusitana Praia
(2005); Anotações Europeias (2008); Acordo Ortográfico: A
Perspectiva do Desastre (2008); O Binómio de Newton & A
Vénus de Milo – Poesia e Ciência na Literatura Portuguesa – Uma Antologia (2011); e A Identidade Cultural Europeia (2013).
No respeitante ao romance e novela, registam-se os seguintes títulos: Quatro Últimas Canções (1987); Partida
de Sofonisba às seis e doze da manhã (1993); A Morte de Ninguém (1998); Meu Amor, Era de Noite
(2001); Enigma de Zulmira (2002);
Morte no Retrovisor (2008); a trilogia O vermelho e as sombras
(constante das novelas: O Pequeno-Almoço do
Sargento Beauchamp, 2008; O Mestre de Música, 2010; e Os Desmandos de
Violante, 2011); e Naufrágio de Sepúlveda (2009).
Em termos de diário e crónica, referem-se: Circunstâncias Vividas (1995); Contra Bernardo Soares e
Outras Observações (1999). Isto sem contar as crónicas regulares no
Diário de Notícias e as eventuais em vários jornais e revistas.
No quadro da tradução e resumo, temos: Fedra, Andromaca e Berenice, as três obras de Racine; O Cid, de Corneille; A Divina Comédia, de Dante Alighieri; Cyrano de Bergerac, de Edmond de Rostand;
O misantropo, de Moliére; Sonetos, de Shakespeare; Rimas, de Petrarca; e O Poema sobre o Desastre de Lisboa, de Voltaire (edição
bilingue); Laocoonte,
Rimas Várias, Andamentos Graves; Os Triunfos, de Petrarca; Alguns Amores, de Ronsard; e A Vita Nuova, de Dante Alighieri.
Foi galardoado com vários
prémios, de que se destacam: o Struga
Poetry Evenings; O Prémio Pessoa; o Prémio Vergílio Ferreira; o Prémio David Mourão-Ferreira, os prémios de Poesia do PEN Clube Português e
da Associação Portuguesa de Escritores, que também lhe atribuiu o Grande Prémio de Romance e Novela; sem
esquecer o premio que Itália lhe atribuiu como o melhor tradutor de italiano do
mundo.
O Estado
Português reconheceu-lhe o mérito ao atribuir-lhe a Grã-Cruz da Ordem de
Santiago de Espada, ao mesmo tempo que a comunidade literária o homenageou ao
perfazer 50 anos de carreira.
Concorde-se
ou não com toda a sua panóplia de opções, a Madre Língua sente-se reconhecida pelo
tributo que este homem do saber e da ação lhe prestou, quer em termos de criatividade
quer em termos de recriação e divulgação. Venham muitos com este para a ribalta
do conhecimento e da atividade pela nossa pátria, que é a Língua Portuguesa!
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