A 27 de março
passado, a Cáritas Europa apresentou,
na Grécia, o seu segundo relatório de acompanhamento da crise sob o título “A
crise europeia e o seu custo humano”.
O documento
reafirma afirmações produzidas já no anterior, de que ressalta a injustiça da
situação atual. Tal injustiça reside no facto de a crise por que passa a Europa,
designadamente Grécia, Portugal e Espanha (e também a Irlanda), ter “a sua raiz
no setor financeiro” e serem “os contribuintes, a maioria deles já em condições
de fragilidade económica”, a pagá-la.
Desta
situação de crise resultam como as principais vítimas os mais pobres, mesmo
aqueles a quem os governos aumentam em dois cêntimos as pensões de reforma, mas
não lhes travam o custo de vida galopante para todos. Por outro lado, os que
têm alguma coisa, além do alto custo de vida, arcam com o desmedido aumento de impostos,
com o agravamento das obrigações contributivas para a segurança social, para a
saúde, para a educação, para os desempregados e sem abrigo, bem como com os
cortes brutais nos salários. Pagam-se os créditos mal parados, os efeitos das
prescrições das dívidas e das coimas, a evasão fiscal, os desfalques bancários,
etc. Paga, não quem pode ou quem deve, mas quem tem à mão por onde se lhe possa
ir “à carteira”.
Outro dos pontos
assinalados no relatório é a opção política pela austeridade, que não pode ser encarada
“como única solução” (muito menos se a austeridade se somar cada vez mais austeridade),
uma vez que, ao “não resolver as causas estruturais da crise nem os problemas
imediatos dela resultantes”, faz entrar os povos atingidos numa espiral
recessiva que torna mais pobres os pobres e destrói, por esgotamento, as
classes médias, aniquilando o cerne da sociedade.
Em relação a
Portugal, o relatório reitera preocupações já veiculadas no primeiro documento
e analisa a situação existente até final do ano transato:
É óbvio que
algumas das preocupações evidenciadas poderão já ter sofrido ligeiras
alterações (a cada passo, os políticos enaltecem os sinais de retoma da
economia, sem anotarem o caráter falível de alguns dos sintomas e determinando
medidas políticas que podem fazer recrudescer a crise nalguns setores),
contudo, destaca-se: o aumento galopante da dívida pública, que, em 2012, foi o
maior da União a Europeia a 27 e que não se consegue estancar; o apoio à
recapitalização do setor bancário, que não se refletiu na economia real
(persiste a falta de acesso ao crédito por parte das PME/pequenas e médias
empresas); a atividade económica, que só começou a dar sinais positivos nos
finais de 2013, ao contrário do que se anunciava alto e bom som.
Mas são ainda
recordadas, como questões preocupantes quando se analisa o crescimento
económico do país, “a instabilidade política vivida no verão do último ano que
gerou reações menos positivas nos mercados e a forma como se tem procurado
alcançar as metas do programa da troika, em particular, o forte aumento
tributário e os cortes salariais e nas pensões de reforma, entre outros”.
O citado
instrumento de análise deixa algumas recomendações às instâncias europeias, das
quais é de sublinhar a necessidade de: “trabalhar com os Estados Membros para
que eles introduzam iguais indicadores a nível nacional; garantir a introdução
de um rendimento mínimo em toda a União Europeia; disponibilizar fundos
específicos para contrariar o elevado desemprego jovem, combatendo também os
desafios com a mobilidade deste grupo etário; incentivar a economia social; e
apoiar o crescimento económico e garantir uma maior participação da sociedade
civil nos processos de conceção, incremento e avaliação das políticas a vários
níveis”.
Aos governos
e autoridades locais a Cáritas Europa dirige também alguns conselhos, como: fortalecimento
dos sistemas de proteção social; investimento em serviços básicos de qualidade
e introdução de uma avaliação de impacto social; criação de um quadro máximo de
impostos para aqueles que não têm possibilidades de pagar mais; e combate
à evasão fiscal e à economia paralela”.
E aos
cristãos católicos europeus apela a que assumam o desafio de aplicar na
sua vida e na esfera das suas influências os princípios da Doutrina Social da
Igreja, para cujo compêndio o Papa remete como documento muito completo, não
excluindo outras opiniões, dialogando com outras confissões religiosas e
partilhando os mesmos ideais com todas as pessoas de boa vontade.
– cf http://www.caritas.eu/sites/default/files/caritascrisisreport_2014_en.pdf, acedido em abril de 2014.
Por seu turno, segundo a agência Ecclesia, em informação de hoje, o
presidente da Cáritas Portuguesa, perspetivando os desafios do pós-troika, disse
aos membros do Conselho Geral daquele organismo católico, reunido em Beja desde
ontem até domingo, que é urgente “restaurar a confiança das pessoas no futuro”,
acentuando que “é esta a hora, mais do que nenhuma outra, de levar para a
frente o desafio do combate às causas da pobreza em Portugal”.
A jornada de reflexão e debate tem
como pano de fundo o duplo mote “uma só família humana, alimento para todos”, da
campanha internacional contra a fome, promovida pela “Caritas Internationalis”.
Pelo que o primeiro dia contou com uma conferência aberta ao público, no Seminário
Diocesano de Beja, subordinada ao tema corporizado naquele mesmo mote.
“Entre as causas da pobreza
destaca-se atualmente o desemprego” – referiu o responsável pela instituição
portuguesa. Por isso, define como uma das altas prioridades: “ajudar as pessoas
a recuperarem os seus postos de trabalho ou mesmo a criarem o seu próprio
emprego tem de ser para nós, que lutamos pela erradicação da pobreza, uma das
mais altas prioridades”.
Depois de ter elogiado o papel que
tem sido desempenhado pelas Cáritas Diocesanas na resposta ao elevado número de
pedidos de ajuda que se têm agravado nos últimos cinco anos – em 2013, foram
139 mil – enunciou o grande escopo da Cáritas: “A nossa missão será tão digna
quanto maior for a nossa capacidade de viver em ambiente de cooperação, união e
partilha de recursos e informações”.
Também D. António Vitalino, bispo de
Beja e vogal da Comissão Episcopal da Pastoral Social e Mobilidade Humana, que
acompanha os trabalhos, desejou ao Conselho Geral um trabalho frutífero capaz
de dar “sinais claros de esperança, sendo pobre com os pobres e testemunho de
mudança no ambiente eclesial, social e até mesmo político”.
Em cima da mesa está a avaliação de
projetos como a “operação 10 milhões de estrelas”, lançada no Natal de 2013, a
“semana nacional Cáritas”, que decorreu no passado mês de março.
Os participantes vão ainda dedicar especial
atenção ao “acompanhamento do Plano Estratégico Cáritas”, especificamente
dedicado à ação social, e à preparação do “Dia da Caridade”, com o debate de
propostas.
Como conclusão deste acervo de
informações, há que destacar alguns pontos, que reputo pertinentes:
1.
Quando
os poderes políticos não são capazes de chegar a um consenso plausível de saída
da crise (segundo resgate, programa cautelar, saída limpa, saída aparentemente
limpa?), alguém trabalha a sério pela saída da crise, se não para os políticos,
ao menos para as pessoas, que são quem mais sofre.
2.
Não
basta pensar nas pessoas e nas medidas de política económica e social somente
durante a vigência do programa de ajustamento, mas cuidar do período pós-troika.
E os poderes têm de se entender em favor dos povos que solenemente juraram
servir.
3.
É
necessário implantar uma cultura da responsabilidade que implique quem prevarica,
quem deve fiscalizar e/ou punir e quem não toma as medidas que deve tomar em termos
de equidade. Não se podem transferir os erros do descalabro económico,
financeiro e social para cima de quem ganha o magro pão com o suor do seu rosto,
seja no setor público, seja no setor privado, seja ainda no período do merecido
tempo de repouso após uma vida inteira de trabalho e de uma notável carreira
contributiva – de acordo com os legítimos direitos adquiridos e das justas expectativas.
4.
A
saída da crise não pode ser equacionada somente por um Estado, mas, no quadro
dos mutualismos a que se vincularam os Estados, contribuintes regulares para os
diversos regimes (FMI, BCE, CE), ela deve ser problema de todos. A própria Cáritas Europa e a Caritas Internationalis dão o exemplo do trabalho em rede.
5.
Não
basta atacar a situação de pobreza, de crise ou de calamidade – a que é necessário
acorrer com dinheiro, com géneros, com todos os meios necessários em tempos de crise
aguda. Mas é preciso prevenir novas situações, dar meios permanentes de
caminhada em dignidade às pessoas, debelar as causas da pobreza e alimentar um
cenário contínuo e estrutural de solidariedade e de partilha de projetos, bens,
serviços, atividades, saberes e reflexão.
6.
A
Cáritas Portuguesa, em rede com as instituições similares internacionais, bem
como com todas as instituições de solidariedade social, assume esta dimensão sociocaritativa
da Igreja, em prol da justiça económica, cultural e social a que todos têm
direito e para a qual é de mobilizar todas as pessoas de boa vontade.
7.
A
aquisição de emprego ou a sua recuperação é tarefa de todos: governos,
empresários, gestores e trabalhadores. Mas o emprego não pode consistir somente
no sistema de trabalho por conta de outrem.
Finalmente, é necessária a criação de
um estável clima de confiança no futuro. Merecem-no as pessoas. Ele é possível.
É preciso que os poderes tenham a honradez de merecerem ser os promotores desse
clima no quadro do serviço a que dizem votar-se.
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