Há dias, Isabel
Jonet, Presidente do Banco Alimentar contra a Fome (BACF), fez algumas declarações
sobre as redes sociais e o desemprego, que têm sido comentadas de forma
bastante crítica por muitos, inclusive pessoas que trabalham com ela na
sustentação e desenvolvimento do mesmo projeto de solidariedade.
Não sendo a
primeira vez que suas declarações geram polémica nos comentadores e, como tudo
na vida tem as duas faces da moeda, pretendo dar-me ao cuidado de tentar saber
das suas boas razões e mesmo das que surgem como nefastas, ao menos junto dos
guias da opinião pública. Sem especial preocupação de me situar rigorosamente
no tempo cronológico, procurarei situar-me no contexto em que algumas das
asserções foram produzidas, é claro, a título de mero exemplo.
Jonet, no auge
da crise que está a afetar os portugueses, em momento em que não era
descortinável qualquer ponto de luz ao fundo do túnel, afirmou que nós não
podemos comer bifes todos os dias. Do meu ponto de vista, tal enunciado é
totalmente acertado na substância. Nem se pode comer bife todos os dias nem
isso geraria pessoas saudáveis, como não se pode comer caviar com frequência.
Porém, o momento em que prestou tal declaração enervou grandemente os
destinatários, já que parecia estar a alinhar com o discurso da troika, do
governo e respetivos sequazes – que nos bombardeavam com atoardas do género:
estivéramos a viver acima das nossas possibilidades, gastáramos o que não
tínhamos, contraíramos crédito fácil e assim por diante. Por exagero, quis
escalpelizar um erro que afinal não se cometia generalizadamente, embora
houvesse quem abusasse, como ainda hoje acontece, da vida, das condições de
vida, das facilidades político-financeiro-económicas e das vantagens oferecidas
com tanto custo a quem vive abaixo do limiar da pobreza ou mesmo na miséria. As
pessoas sabem que há gente que beneficia do subsídio de reinserção social sem dele
precisar e sem o merecer, tal como da ação social escolar, de bolsas de estudo
no ensino superior, de benefícios fiscais, de taxas moderadoras na saúde e das
ações de beneficência. Ora, nem por isso tais mecanismos podem ser abolidos ou
mitigados. Mas há que denunciar, fiscalizar e penalizar, sem dó nem piedade, os
casos irregulares, imorais e parasitários; e não generalizar. No caso vertente,
ainda não havia uma onda suficientemente significativa de contraponto à
política de austeridade em cima de austeridade e a meritória responsável do
BACF criou, provavelmente sem o querer, na opinião pública a ideia de que
chegáramos ao ponto a que chegámos exclusivamente por culpa nossa, sobretudo quando
afirma que “esse empobrecimento é porque comemos bifes todos os dias e achávamos
que podíamos comer bifes todos os dias” – o que, de todo, não pode ser tido por verdadeiro. Então, os
responsáveis pela crise não davam o braço a torcer, garantindo que estávamos no
bom caminho, que, pelos vistos, era o do bom aluno.
Mais: A Senhora
Presidente pareceu dar a entender que o problema era de má orientação, educação
errada, aquisição de maus hábitos ou más práticas – o que reforçou com o
contraste entre a educação que recebeu, refletida, por exemplo, na sua lavagem
dos dentes com a água do copo, ao passo que as suas filhas os lavavam com a
água da torneira a correr. Também aqui é efetivamente de censurar e tentar
inverter a orientação desviante de muitos portugueses, a má educação, a
aquisição de maus hábitos e de más práticas e, mesmo, a generalização da
mentalidade e da atitude de excessivo consumismo e descarte. Todos sabemos da
política de marketing consumista, da força da publicidade e da dureza da
propaganda. Mas foram somente os portugueses? E é isso que justifica a crise?
Não serão pretextos aproveitáveis para que os verdadeiros responsáveis da crise
sejam ilibados dela ou, ao menos, eclipsados?
Entretanto, as
últimas declarações revelam-se mais ambíguas, pelo que se torna necessário
apostar numa atitude de equilíbrio entre o uso moderado das redes sociais e dos
meios informáticos em geral por parte de cada utilizador.
É verdade que
diversos locais da Internet, os portais eletrónicos, designadamente o Linkedin, oferecem as mais importantes
ferramentas para detetar oportunidades de emprego, constituindo verdadeiras
redes de contactos sociais e profissionais. Por isso, se o desempregado tem,
segundo o que advoga Jonet, de proceder à procura ativa do emprego, o
desempregado tem de ter acesso aos meios informáticos e utilizá-los. Porém, não
pode cingir-se à sua utilização, dispensando-se de procurar emprego por outros
meios. Muito menos pode tornar-se dependente deles, passando entretido neles
por tempo indefinido e dando a impressão, tantas vezes mais real do que apenas
aparente, de que não tem dinheiro para o que interessa, mas o tem para jogos e
outros entretenimentos. E aqui o erro educativo, a que há que obstar, já vem da
família permissiva e da escola impotente. Quanta dependência, em regime
permanente, não há por aí do telemóvel, do televisor, do computador, do i-pod e similares, do tablet, do auscultador, da playstation, etc.?
E, já que
falamos de desemprego, há que condenar com toda a veemência tantas falsas justas
causas de despedimento: Porque encerram tantas empresas e serviços? Porque
pululam as necessidades de reestruturação de serviços e empresas do domínio
público e do privado? Porque se declaram falências de empresas e os mesmos
empresários, por si ou em nome de outrem, criam nova empresa, por vezes com
objeto similar, ou mesmo igual, alhures? Ninguém inquire ou fiscaliza…
Mas também quem
não cumpre os deveres de trabalho denodado na empresa ou no serviço que garante
o sustento acaba por não merecer o emprego que tem ou o que eventualmente
perdeu. E o desempregado que não se importe de ficar no desemprego porque faz
contas – recebe quase tanto dinheiro no fim do mês sem trabalhar como se
estivesse ao serviço, ou ainda faz uns trabalhos remunerados sem documentação
que leve a desconto ou a imposto – e aquele que pede emprego e não trabalho, a
esses eu, se fosse empresário ou gestor, não daria emprego. Não merecem e não
garantem esforço de otimização da empresa ou do serviço, ficando em causa a sua
dimensão económica e o seu alcance social.
Por isso, Isabel
Jonet, apesar de nem ser hábil na escolha da oportunidade para prestar
declarações nem o registo em que as produz ser dos mais felizes (segue muito a
via do raciocínio contrastivo, que nem sempre é bom conselheiro), não deixa de
ter razão, pelo que os seus alertas devem ser ponderados por quem os recebe.
Pena é que o governo e os empresários também oportunisticamente beneficiem das
ações de solidariedade (nas campanhas de beneficência, supermercados não
renunciam à margem de lucro e fisco não abdica do imposto sobre os produtos que
são objeto de dádiva)! Mesmo assim, o povo reconhece a ação meritória do BACF e
voluntários que mobiliza.
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