No domingo passado, 30 de março, a
segunda volta das eleições municipais francesas consignaram uma considerável
subida da extrema-direita, uma vitória clara da direita, uma clara diminuição
da esquerda e um duro revés no partido socialista. O município de Paris foi
ganho com resultado confortável pelo partido socialista francês na pessoa duma
franco-catalã, mas o partido de Le Pen ganhou algumas importantes cidades.
Após renhida disputa,
Anne Hidalgo, do Partido Socialista (PS), foi eleita presidente da câmara de
Paris com 54,4% dos votos, derrotando a candidata pelo partido de direita UMP,
Nathalie Koschiusko-Morizet. Por seu turno, o mais
votado dos partidos da direita, a UMP proclamou e comemorou a “grande vitória”
nas eleições municipais, tendo Jean-François Copé, presidente do partido, acabado
por convidar François Hollande a “mudar de imediato a sua política”. E a extrema-direita saiu vitoriosa em
pelo menos seis cidades – duas delas, Béziers (sudoeste) e Fréjus (sul), de
médio porte. A Frente Nacional (FN), principal partido da extrema-direita
francesa, comemorou o “melhor resultado de toda sua história” nas eleições
municipais (5%), segundo o vice-presidente da FN, Florian Philippot, vindo,
depois, Marine Le Pen, presidente e filha do criador da FN, Jean-Marie Le Pen, a
explicitar que, além das municipalidades, o partido a que preside elegeu “cerca
de 1.200 vereadores municipais”.
O P S, além da perda
de votos que sofreu, sente-se derrotado pela UMP ao perder as cidades de
Roubaix (norte), Reims (leste), Saint-Etienne, Limoges e Angers (centro) e
Quimper (oeste).
As causas do revés do partido do
governo têm a ver com o desemprego, o estado da economia, o desencanto com a
linha política europeia, que François Hollande, apesar da propaganda e das
promessas que enformaram a sua campanha eleitoral, não conseguiu inverter nem sequer
alterar significativamente frente à colossal posição da chancelerina alemã. Se,
antes, a Europa era dirigida pela dupla Merkel-Sarkozy, no período de Hollande,
o governo europeu estaria entregue à dupla Merkel-Merkel, como comentam alguns.
Há quem diga que a situação extradoméstica
do Presidente não será estranha ao ambiente político de França e ao clima que
por lá se respira: se é certo que a libérrima e republicaníssima França entende
que a vida pessoal do governante nada terá a ver com o exercício profissional e/ou
político, também é verdade que o picaresco anedótico que envolveu os seus excursus noturnos, bem como as
declarações daquela que destronou da ribalta a primeira-dama, não fez nada bem
à figura do político que se queria de referência nacional e dotado de
estabilidade emocional e de garra governativa.
Porém, o dado que mais contribuiu
para a alteração da situação política, segundo alguns comentadores, terá sido o
desmedido volume da abstenção. Em França, como em outros países ditos livres e
democráticos, os eleitores, castigam ficando em casa. E a primeira lição a
tirar do ato eleitoral francês é justamente o combate sem tréguas à abstenção,
ao voto branco, ao voto nulo. O voto nulo, se resulta de propósito deliberado,
é abjeto, por isso, condenável (se provém de situação de distração, há que
pedir cuidado e atenção a quem preza o cumprimento de um dever e o exercício cívico
de um direito). O voto em branco, tão legítimo como outros, deveria ser evitado
com a receção e a busca de informação sobre o objeto e os objetivos das forças
que concorrem a eleições, bem como com uma atitude crítica à atuação dos
partidos, ou dos grupos ditos de independentes que a eles se assemelham para
disputar eleições, designadamente na escolha e elaboração das listas de candidatos.
A abstenção, constituindo uma atitude legítima do eleitor que se sinta impedido
por razões de força maior e sendo também um modo legítimo do exercício de
liberdade, deveria ser totalmente evitada pelo esforço de consciencialização,
pela aceitação e procura de informação e pela remoção, se possível, dos elementos
circunstanciais que levem à omissão do ato de votar.
Por isso, em vez de andarmos a
calcular como ficaria um parlamento se as abstenções, votos nulos e votos
brancos contassem para diminuir o número de deputados (que em muitos casos
deixaria as assembleias legislativas e/ou deliberativas com o painel de deputados
maioritariamente deserto) e a fazer a propaganda da abstenção, do voto em
branco ou do voto nulo – deviam todos quantos têm responsabilidades educativas
e na formação da opinião pública (nomeadamente os partidos) pugnar pela ida às urnas
e pela votação massiva e consciente em todos os atos eleitorais e referendários.
É o superior interesse da comunidade que o postula e a consciência do dever e
do direito, ou seja, a cidadania.
Mas as eleições francesas mostram
mais duas coisas. Por um lado, a possibilidade do avanço no terreno das forças
partidárias que albergam os antieuropeístas e os eurocéticos – o que pode colocar
em risco o projeto europeu, projeto de paz, baseado nos princípios da subsidiariedade
e da solidariedade, no dinamismo da comunidade de cidadãos e no prestígio das
instituições. Por outro lado, as eleições têm consequências: o presidente não perdeu
tempo em reformular o governo (em dois dias), para renovar o diálogo com os
franceses (segundo as palavras da porta-voz do governo, Najat Vallaud-Belkacem) e alguns autarcas recém-eleitos
já tomaram posse. Veja-se quanto tempo demora um titular de cargo público em
Portugal para tomar posse, quanto tempo um primeiro-ministro demora a constituir
governo entre nós, a seguir a eleições, ou quanto tempo demora uma remodelação
governamental.
E Anne Hidalgo,
recém-eleita presidente da câmara de Paris, promete levar por diante o trabalho
iniciado pelo prefeito socialista, Bertrand Delanoë, que agora cessa funções. Promete
ainda a criação de 10.000 novas moradias, 5.000 vagas a mais nas creches e
acesso mais fácil aos serviços de saúde, além do compromisso do não aumento dos
impostos e da luta por uma política de segurança melhor.
Finalmente, quero relevar as
consequências que umas eleições locais determinaram na composição e dinamismo
do poder central. É certo que, das eleições, cada uma tem o seu escopo e o seu
objeto, pelo que entendo que as questões não devem misturar-se, sobretudo não
devem ser utilizadas como arma de arremesso contra alvos que não os seus. No entanto,
as questões das comunidades não são tão estanques como seria de crer. Sendo assim,
até gostei das palavras de Durão Barroso, quando em junho de 2004, perante a
derrota do seu partido nas eleições europeias, declarou que o governo percebeu
os sinais que o eleitorado lhe quis mostrar, pelo que iria fazer a leitura em
conformidade com esses sinais. Só que a leitura que Barroso fez deu em fuga
para a Europa (pela primeira vez, que não a última, se pôde cantar: “O Zé fugiu,
o Zé fugiu”!) e não em reorientação da política nacional.
Imaginem que François Hollande agora
também fugia: convidado já para presidente da Comissão Europeia, Presidente do
Conselho Europeu, Diretor-Geral do FMI, Secretário-geral da ONU. Ele merece,
não?!
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