terça-feira, 1 de abril de 2014

As lições das eleições francesas

No domingo passado, 30 de março, a segunda volta das eleições municipais francesas consignaram uma considerável subida da extrema-direita, uma vitória clara da direita, uma clara diminuição da esquerda e um duro revés no partido socialista. O município de Paris foi ganho com resultado confortável pelo partido socialista francês na pessoa duma franco-catalã, mas o partido de Le Pen ganhou algumas importantes cidades.
Após renhida disputa, Anne Hidalgo, do Partido Socialista (PS), foi eleita presidente da câmara de Paris com 54,4% dos votos, derrotando a candidata pelo partido de direita UMP, Nathalie Koschiusko-Morizet. Por seu turno, o mais votado dos partidos da direita, a UMP proclamou e comemorou a “grande vitória” nas eleições municipais, tendo Jean-François Copé, presidente do partido, acabado por convidar François Hollande a “mudar de imediato a sua política”. E a extrema-direita saiu vitoriosa em pelo menos seis cidades – duas delas, Béziers (sudoeste) e Fréjus (sul), de médio porte. A Frente Nacional (FN), principal partido da extrema-direita francesa, comemorou o “melhor resultado de toda sua história” nas eleições municipais (5%), segundo o vice-presidente da FN, Florian Philippot, vindo, depois, Marine Le Pen, presidente e filha do criador da FN, Jean-Marie Le Pen, a explicitar que, além das municipalidades, o partido a que preside elegeu “cerca de 1.200 vereadores municipais”. 
O P S, além da perda de votos que sofreu, sente-se derrotado pela UMP ao perder as cidades de Roubaix (norte), Reims (leste), Saint-Etienne, Limoges e Angers (centro) e Quimper (oeste).
As causas do revés do partido do governo têm a ver com o desemprego, o estado da economia, o desencanto com a linha política europeia, que François Hollande, apesar da propaganda e das promessas que enformaram a sua campanha eleitoral, não conseguiu inverter nem sequer alterar significativamente frente à colossal posição da chancelerina alemã. Se, antes, a Europa era dirigida pela dupla Merkel-Sarkozy, no período de Hollande, o governo europeu estaria entregue à dupla Merkel-Merkel, como comentam alguns.
Há quem diga que a situação extradoméstica do Presidente não será estranha ao ambiente político de França e ao clima que por lá se respira: se é certo que a libérrima e republicaníssima França entende que a vida pessoal do governante nada terá a ver com o exercício profissional e/ou político, também é verdade que o picaresco anedótico que envolveu os seus excursus noturnos, bem como as declarações daquela que destronou da ribalta a primeira-dama, não fez nada bem à figura do político que se queria de referência nacional e dotado de estabilidade emocional e de garra governativa.
Porém, o dado que mais contribuiu para a alteração da situação política, segundo alguns comentadores, terá sido o desmedido volume da abstenção. Em França, como em outros países ditos livres e democráticos, os eleitores, castigam ficando em casa. E a primeira lição a tirar do ato eleitoral francês é justamente o combate sem tréguas à abstenção, ao voto branco, ao voto nulo. O voto nulo, se resulta de propósito deliberado, é abjeto, por isso, condenável (se provém de situação de distração, há que pedir cuidado e atenção a quem preza o cumprimento de um dever e o exercício cívico de um direito). O voto em branco, tão legítimo como outros, deveria ser evitado com a receção e a busca de informação sobre o objeto e os objetivos das forças que concorrem a eleições, bem como com uma atitude crítica à atuação dos partidos, ou dos grupos ditos de independentes que a eles se assemelham para disputar eleições, designadamente na escolha e elaboração das listas de candidatos. A abstenção, constituindo uma atitude legítima do eleitor que se sinta impedido por razões de força maior e sendo também um modo legítimo do exercício de liberdade, deveria ser totalmente evitada pelo esforço de consciencialização, pela aceitação e procura de informação e pela remoção, se possível, dos elementos circunstanciais que levem à omissão do ato de votar.
Por isso, em vez de andarmos a calcular como ficaria um parlamento se as abstenções, votos nulos e votos brancos contassem para diminuir o número de deputados (que em muitos casos deixaria as assembleias legislativas e/ou deliberativas com o painel de deputados maioritariamente deserto) e a fazer a propaganda da abstenção, do voto em branco ou do voto nulo – deviam todos quantos têm responsabilidades educativas e na formação da opinião pública (nomeadamente os partidos) pugnar pela ida às urnas e pela votação massiva e consciente em todos os atos eleitorais e referendários. É o superior interesse da comunidade que o postula e a consciência do dever e do direito, ou seja, a cidadania.
Mas as eleições francesas mostram mais duas coisas. Por um lado, a possibilidade do avanço no terreno das forças partidárias que albergam os antieuropeístas e os eurocéticos – o que pode colocar em risco o projeto europeu, projeto de paz, baseado nos princípios da subsidiariedade e da solidariedade, no dinamismo da comunidade de cidadãos e no prestígio das instituições. Por outro lado, as eleições têm consequências: o presidente não perdeu tempo em reformular o governo (em dois dias), para renovar o diálogo com os franceses (segundo as palavras da porta-voz do governo, Najat Vallaud-Belkacem) e alguns autarcas recém-eleitos já tomaram posse. Veja-se quanto tempo demora um titular de cargo público em Portugal para tomar posse, quanto tempo um primeiro-ministro demora a constituir governo entre nós, a seguir a eleições, ou quanto tempo demora uma remodelação governamental.
E Anne Hidalgo, recém-eleita presidente da câmara de Paris, promete levar por diante o trabalho iniciado pelo prefeito socialista, Bertrand Delanoë, que agora cessa funções. Promete ainda a criação de 10.000 novas moradias, 5.000 vagas a mais nas creches e acesso mais fácil aos serviços de saúde, além do compromisso do não aumento dos impostos e da luta por uma política de segurança melhor.
Finalmente, quero relevar as consequências que umas eleições locais determinaram na composição e dinamismo do poder central. É certo que, das eleições, cada uma tem o seu escopo e o seu objeto, pelo que entendo que as questões não devem misturar-se, sobretudo não devem ser utilizadas como arma de arremesso contra alvos que não os seus. No entanto, as questões das comunidades não são tão estanques como seria de crer. Sendo assim, até gostei das palavras de Durão Barroso, quando em junho de 2004, perante a derrota do seu partido nas eleições europeias, declarou que o governo percebeu os sinais que o eleitorado lhe quis mostrar, pelo que iria fazer a leitura em conformidade com esses sinais. Só que a leitura que Barroso fez deu em fuga para a Europa (pela primeira vez, que não a última, se pôde cantar: “O Zé fugiu, o Zé fugiu”!) e não em reorientação da política nacional.

Imaginem que François Hollande agora também fugia: convidado já para presidente da Comissão Europeia, Presidente do Conselho Europeu, Diretor-Geral do FMI, Secretário-geral da ONU. Ele merece, não?!

Sem comentários:

Enviar um comentário