O Papa Francisco reuniu na
manhã de hoje, 12 de abril, com 25 membros do Comité Pontifício das Ciências
Históricas na Sala dos Papas no
Vaticano, no âmbito da sinalização do 60.º aniversário da instituição, criada
pelo Papa Pio XII.
O Pontífice agradeceu o trabalho que os historiadores
membros deste comité desempenham, “com competência e profissionalismo, ao
serviço da Igreja e da Santa Sé”, dado que “o estudo da História representa um
dos meios de pesquisa e de procura da verdade”.
Este dicastério pontifício foi criado em 7
de abril de 1954 por explícita decisão de Pio XII, mas tem antecedentes históricos,
que remontam ao século XIX, século em que definitivamente se passa da
História-crónica à História-ciência. Num tempo marcado pelo positivismo dominante,
a Hierarquia Católica sentiu a necessidade de oferecer uma reposta, hoje reconhecida
como inadequada, mas compreensível à época.
Assim, o dicastério em causa herdou a
tradição da Comissão Cardinalícia para os estudos históricos, criada pela Carta
Apostólica Saepenumero Considerantes,
de 18 de agosto de 1883, “para imprimir um impulso efetivo no espírito católico
à renovação da investigação histórica, sobretudo depois da abertura do Arquivo Secreto do Vaticano aos estudiosos
entre o ano de 1879 e o de 1880”.
Depois, em 1937, Michel Lhéritier propôs ao Cardeal Eugénio Tisserant, então Secretário da Sagrada Congregação Para a
Igreja Oriental (que, no ano seguinte, passa a Presidente da Comissão Bíblica e,
em 1958, a arquivista dos Arquivos Secretos do Vaticano e bibliotecário da Biblioteca
Vaticana), a adesão
da Cidade do Vaticano ao Comité Internacional das Ciências Históricas (CISH), o
qual obteve de Pio XI a representação da Santa Sé no Congresso Internacional
das Ciências Históricas de Zurique, em 1938, e a subsequente adesão ao CISH.
O intercâmbio no quadro daquela agremiação
internacional esfriou-se um pouco durante os anos da Segunda Guerra Mundial,
mas ganhou novo incremento com retoma sistemática das suas atividades e, já não
a comissão cardinalícia, mas um comité devidamente estruturado participou nos trabalhos
do Congresso Internacional de Roma do CISH, no ano de 1955, e como tal aderiu àquela
estrutura internacional.
E é a partir deste congresso que se
dá uma viragem na perspetiva do entendimento das ciências históricas por parte
da hierarquia católica: o abandono da perspetiva da polémica e da apologética
oitocentista; e a aceitação sem reservas da crítica histórica na apresentação
da História Eclesiástica.
Pio XII, no seu discurso de 7 de
setembro, exprimia-se com estas palavras:
Embora a História seja uma ciência antiga, é
necessário contemplar nos últimos séculos o desenvolvimento da crítica
histórica para o alcance da perfeição a que chegou nos dias de hoje. Graças à
rigorosa exigência do seu método e ao zelo infatigável dos seus especialistas podeis
orgulhar-vos de conhecer o passado com mais detalhes e de o julgar com maior exatidão
que qualquer um dos vossos antecessores.
Mas o Papa Eugénio Pacelli não
descura, na sua exigência de pensamento, o lugar específico da Igreja na
História quando afirma:
A Igreja Católica é ela própria um facto histórico;
como poderosa cordilheira atravessa a História dos dois últimos milénios; qualquer
que seja a atitude que se adote a seu respeito, é impossível não a encontrar no
caminho. Os juízos sobre ela são muito diversificados: vão da aceitação total
ao repúdio mais decisivo. Mas, qualquer que seja o veredicto final do
historiador, cuja tarefa de ver e de expor – na medida em que for possível, tal
como aconteceram – os factos, os acontecimentos e as circunstâncias, a Igreja
crê poder esperar dele que se informe da consciência histórica que ela tem de
si mesma, isto é, do modo como ela se considera como facto histórico e da forma
como encara a sua relação com a história humana.
De 1955 para cá a
colaboração da Santa Sé com a atividade e as iniciativas do CISH não sofreu qualquer
solução de continuidade e, pelo comum reconhecimento, essa colaboração sempre
se revelou profícua e eficaz com vista à consecução dos seus fins institucionais.
Tanto assim é que o Pontifício
Comité das Ciências Históricas assume acima de tudo as funções e o papel de
Subcomissão da Santa Sé na Comissão Internacional de História Eclesiástica
Comparada (CIHEC). A atividade do Comité é, no entanto, multíplice e
diversificada, quer na relação com os arquivos do Vaticano e outros
departamentos da Santa Sé, os diversos institutos eclesiásticos, as instituições
internacionais e os eventos de interesse histórico. E tem desempenhado papel
relevante na revisão e conservação dos principais documentos históricos que
suportam o magistério eclesiástico ordinário e extraordinário do Romano
Pontífice, bem como dos dicastérios que o secundam na condução da Igreja
Católica.
Na sequência do pensamento de Pio XII,
Francisco acentua o valor merónimo e holístico da investigação histórica, como
valioso contributo para o desempenho cabal da missão espiritual da Igreja e de
seu serviço em prol da comunidade humana, quando assegura que “as vossas pesquisas, marcadas por uma
autêntica paixão eclesial e por um amor sincero pela verdade, podem servir de
grande ajuda aos que têm a tarefa de discernir o que o Espírito Santo quer
dizer à Igreja de hoje”. E entende que, nos seus estudos e ensinamentos os
membros do Comité Pontifício das Ciências Históricas confrontam os
acontecimentos da Igreja, “que caminha no tempo”, com a sua história de “evangelização,
de esperança, de luta diária, de dedicação ao serviço, de constância no árduo
trabalho, como também de infidelidade, renegação e pecados”, constituindo-se
numa importante vertente de consciência crítica da marcha da própria Igreja.
Quanto ao papel internacional deste
dicastério da Cúria Romana, o Papa recorda que ele se insere desde sempre “no
diálogo e na cooperação com as instituições culturais e os centros académicos
de numerosas nações” sendo sempre acolhido “com respeito, pelo contexto mundial
dos estudos históricos”.
Dirigindo-se em especial aos membros desta
estrutura da santa Sé, afirma: “No encontro e na colaboração com os
pesquisadores de todas as culturas e religiões, vocês podem oferecer uma
contribuição específica para o diálogo entre a Igreja e o mundo contemporâneo”.
Circunstancialmente, mais do que a
efeméride atinente a este Comité, Francisco evoca o centenário de um facto
histórico que abalou o mundo inteiro, pela utilização massiva dos meios bélicos,
pelo grande número de vítimas e pela crise transcontinental a que deu origem, a
Primeira Guerra Mundial. Neste sentido, salientou a importância da sua participação
no encontro internacional pelo centenário da I Guerra Mundial, durante o qual
os seus membros vão refletir sobre “as recentes descobertas de pesquisa, com
especial destaque para as iniciativas diplomáticas e humanitárias da Santa Sé,
durante aquele trágico conflito”.
O Papa terminou o seu discurso aos
membros do Pontifício Comité das Ciências Históricas, do qual também faz parte a
vice-reitora da Universidade do Porto, Maria de Lurdes Correia Fernandes, desejando-lhes
um “profícuo aprofundamento dos seus estudos” e encorajando-os a continuar,
“com entusiasmo na procura e no serviço da verdade”.
Em suma, a História, em razão do seu
trabalho de investigação e crítica, assume-se como servidora da Humanidade e,
consequentemente, a Igreja, em face da verdade histórica posta a nu, pode e
deve “reperspetivar” a sua caminhada perante os seus membros e perante o mundo.
A formulação da História, assente na objetividade, quanto possível, que espelhe
a verdade, exercerá o papel de consciência crítica ratificando as opções
positivas e censurando as opções negativas e fornecendo pistas sadias de
melhoria. Isto vale para a Igreja como para os Estados e para as diversas organizações.
Por outro lado, se os historiadores souberem apresentar de forma correta as
diversas tendências da marcha da humanidade aqui e agora, a Igreja ficará mais
capacitada para ler os sinais dos tempos; e, a partir dessa leitura, pode
construir a estratégia do seu esforço por servir melhor a Deus e ao homem.
Sem comentários:
Enviar um comentário