Um painel de
antigos governadores e administradores do Banco de Portugal (BdP), bem como a
senhora Cardoso, que acha que os funcionários públicos, aposentados, jubilados
e reformados ganham demais, aliás como a generalidade dos cidadãos, assinaram
um documento de solidariedade em prol de Vítor Constâncio. Além disso, não se
cansam de proferir declarações abonatórias em torno do ex-governador do BdP e
um dos atuais vice-presidentes do Banco Central Europeu (BCE).
Todos os acima
referidos têm razão. A senhora das contas, uma das pessoas que se furtaram aos
cortes de vencimento e subsídios (mais propriamente, aos ajustamentos), como os
restantes trabalhadores públicos, porque o BdP, enquanto Banco Central, tem um
estatuto de autonomia e isenção, quer que poupemos (até quer que sejamos
obrigados a poupar, colocando os nossos altos rendimentos numa pobre conta-poupança
cujos movimentos de levantamento seriam taxáveis). Estamos de tanga e parece
que de tanga continuaremos (Oxalá que não no-la tirem!). Por isso, não faz mal
que o cinto se aperte mais, porque se for apertado na zona da tanga, até nem
doerá assim muito. Os outros têm parte de responsabilidade no caso português,
ou como governantes que foram, ou como altos gestores do BdP que têm a honra de
terem sido. Quiseram intoxicar a opinião pública para que aceitasse os cortes,
vindo, mais tarde, a clamar que eram demasiados (quando lhes bateram ao
ferrolho!), e agora vêm em socorro do ilustre ofendido. É que – dizem – é fácil
ajuizar com a informação que se tem agora. Ele fez tudo o que era possível. Com
testemunhos destes, para quê advogados?
É verdade:
Oliveira e Costa fez o que fez e pode ver o seu processo prescrever. E os
outros, os que com ele e como ele defraudaram gravemente o sistema, por onde
andam? Neste ponto têm razão os reclamantes, mas não em declararem inocente e
zeloso o santo dono do BdP. Também o xadrez pode apodrecer de espera, que eles,
os acompanhantes de Oliveira e Costa, não o ultrapassarão. É o despautério do
sistema, que tem muita dificuldade em funcionar como polícia e como justiça!
Mas a “polícia” do
sistema financeiro português, liderada por Constâncio não pode lavar as mãos à
moda de Pilatos. Houve quem, em tempos, dissesse com a boca bem aberta que o BdP
fora avisado por mais que uma vez por quadros dirigentes do BPN (Mas o caso não
foi só do BPN. E o BPP? E o BCP? E alguns negócios da CGD?). É certo que o
polícia não pode sair mais penalizado que o infrator, mas não pode deixar de
ser fortemente penalizado, mesmo que o seu erro seja somente de omissão. Mas parece
que aqui não terá havido apenas omissão, quiçá negligência no zelo pela coisa com
alcance público.
E o BdP não foi
um exemplo tão distinto de imparcialidade como era de esperar. Quem não se
lembra de como secundava a situação financeira no tempo de Barroso, quando Primeiro-Ministro,
e mesmo no de Santana? Porém, passados uns dias da tomada de posse do governo
de José Sócrates, o défice do ano anterior estaria, nas contas do BdP, em
6,83%!
Parece que já me
estava a esquecer de que o documento (uma carta aberta) do quinteto dos ora
apoiantes de Constâncio foi motivado pelas recentes declarações de Durão Barroso
– aquele que, por força da foto dos Açores, que serviu de cartaz para a guerra
do Iraque, saltou do governo da República para o da União Europeia. O ainda
presidente da Comissão Europeia, quase doze anos decorridos sobre os factos em
génese e desenvolvimento, vem agora declarar que em 2003 terá avisado o BdP (e
chamado o seu governador a São Bento), pelo menos por três vezes, sobre o que
se estaria a desenhar no âmbito do BPN. Onde esteve Sua Excelência o ex-cherne
durante este tempo todo? Será que na União Europeia funcionará algo parecido com
a censura ou exame prévio, PIDE ou DGS, UN ou ANP, com a singularidade de
deixar de vigiar os líderes quanto estão de saída?
E Constâncio, aos
costumes, responde que não se lembra lá muito bem dessas coisas… Genial, um
homem tão responsável profissionalmente, tão aplaudido como líder partidário
não se lembra de coisas tão importantes! Será que passou de responsável a
ex-responsável? Poderá, apesar disso, continuar no BCE? É a zona Euro, pode.
No entanto,
recordemos que o hábito de “falar” depois de sair ou quando se está de saída
vai-se entranhado na República. Um ex-Diretor-Geral, em tempos, falou do que
viu, mas não soube remediar no Ministério da Saúde; um ex-conselheiro do
Tribunal de Contas até escreveu um livro a ensinar como o Estado gasta mal os nossos
dinheiros; uns indefetíveis adoradores de Sócrates, quando o sentiram em Paris,
falaram à vontade sobre os factos com narrativas a que ele veio contrapor as
suas. Há, no meio de tudo isto, alguém que falou antes de sair de cena: Cavaco
Silva. Este acusou Sócrates de deslealdade democrática antes de sair. Só que o
Zé já não tinha condições para o desmentir. Este já tinha saído. E, quando
voltou, apelidou-o de ser a mãozinha da crise escondida por trás do arbusto.
E é assim a
idiossincrasia de alguns portugueses da nossa praça!
Perante isto, não
desanimemos: façamos, antes, por sermos nós cada vez mais sérios, leais e
honestos, a ver se criamos a irreversível pandemia das boas práticas.
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