terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

Portugal tem o pior resultado de sempre na perceção da corrupção

 

O Índice da Transparência Internacional (CPI, na sigla inglesa), criado em 1995 e cuja metodologia foi revista em 2012, coloca, em 2024, Portugal na 43.ª posição entre os 180 países avaliados, nove lugares abaixo da 34.ª posição de 2023, com 57 pontos numa escala de zero a 100, em que zero significa Estado altamente corrupto e 100 significa elevada integridade do Estado, no combate à corrupção. O país tem, assim, o pior resultado de sempre e um dos piores resultados da Europa Ocidental, num contexto de declínio desde 2015.

CPI é uma referência na análise do fenómeno da corrupção, a partir da perceção de especialistas e executivos de negócios sobre os níveis de corrupção no setor público. É um índice anual composto, isto é, resulta da combinação de várias fontes de análise de corrupção desenvolvidas por outras organizações independentes, e classifica de zero (percecionado como muito corrupto) a 100 (muito transparente) 180 países e outros níveis de território.

Em 2012, a Transparência Internacional (TI) reviu a metodologia usada para construir o índice, de forma a permitir a comparação das pontuações de um ano para o seguinte.

No CPI 2024, Portugal, que é avaliado no conjunto dos países da Europa Ocidental e da União Europeia (UE), obteve 57 pontos, fixando-se na 43.ª posição em 180 países, posição que partilha com o Botswana e com o Ruanda, mas ficando mais bem colocado do que alguns parceiros europeus, como a Espanha e a Itália.

Portugal obteve 64 pontos, em 2015 e em 2018; 61, em 2020 e em 2023; 62, em 2013, em 2016, em 2019, em 2021 e em 2022; 63, em 2012, em 2014 e em 2017.

O seu desempenho regista uma queda de quatro pontos, em relação a 2023, e a perda de nove posições no ranking global. Este é o pior resultado desde 2012 e reflete um declínio contínuo desde 2015, um declínio impulsionado pela deterioração das avaliações de várias fontes utilizadas no cálculo do CPI e, particularmente, pela perceção de abuso de cargos públicos para benefícios privados e por fragilidades nos mecanismos de integridade pública, para evitar esse abuso.

Portugal ficou ainda abaixo da média da UE, no atinente à perceção da integridade no setor público. Escândalos recentes, como a “Operação Influencer”, são apontados como um dos fatores que contribuíram para o aumento da perceção de corrupção, na ligação entre política e negócios.

Entre os principais fatores identificados para o declínio no país, sobressaem: a avaliação negativa da eficácia do combate à corrupção e do funcionamento das instituições públicas, configurando problemas de aplicação da lei; as fragilidades na implementação de política anticorrupção e na supervisão do setor público, incluindo lacunas na prevenção de conflitos de interesse e na declaração de bens por políticos; e a avaliação negativa, devido a nepotismo, a favoritismo político e a financiamento partidário pouco transparente.

A queda de Portugal no CPI reflete fragilidades persistentes na luta contra a corrupção e na transparência das instituições públicas. Apesar da criação de novos mecanismos legais, a perceção internacional aponta que a implementação e a fiscalização continuam aquém do necessário. Há falhas reconhecidas na implementação da estratégia anticorrupção pelo governo, bem como falta de recursos para o monitorizar. Portugal tem, pois, o desafio de mostrar progressos concretos na implementação de reformas, para evitar que a sua posição continue a deteriorar-se nos próximos anos e para recuperar a confiança internacional na integridade do setor público.

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A Transparência Internacional Portugal (Transparência e Integridade, Associação Cívica) é a representante portuguesa da TI, coligação global anticorrupção presente em mais de 100 países, que se dedica à investigação, à advocacia e à sensibilização sobre as causas e sobre as consequências da corrupção e da má governação.

Segundo a Transparência Internacional Portugal (TI Portugal), entre os fatores que contribuíram para a degradação da posição de Portugal conta-se a avaliação negativa da eficácia do país no combate à corrupção, no funcionamento de instituições públicas e na aplicação da lei. Outros fatores são a frágil aplicação da lei anticorrupção, a frágil supervisão do setor público, “incluindo lacunas na prevenção de conflitos de interesse e na declaração de bens por políticos”, e situações de nepotismo, de favoritismo político e de falta de transparência no financiamento partidário.

A TI Portugal aponta ainda a classificação “abaixo da média europeia”, no respeitante à perceção de corrupção no setor público, e refere “escândalos recentes”, para justificar “o aumento da perceção de corrupção nas ligações entre política e negócios”. Além disso, assinala “fragilidades persistentes na luta contra a corrupção” e adverte que, apesar de novos mecanismos legais, “a perceção internacional indica que a implementação e fiscalização continuam aquém do necessário”. “Há falhas reconhecidas na implementação da estratégia anticorrupção do governo, bem como falta de recursos para monitorizar o executivo. Portugal tem agora o desafio de demonstrar progressos concretos na implementação de reformas, para evitar que a sua posição continue a deteriorar-se nos próximos anos e para recuperar a confiança internacional na integridade do seu setor público”, lê-se no comunicado da TI Portugal.

Para Margarida Mano, presidente da representação portuguesa da TI, os resultados do CPI 2024 “servem de alerta para o dano reputacional que Portugal está a sofrer, por não ter uma ação eficaz na luta contra a corrupção”; o resultado em causa “deve-se, em primeiro lugar, a uma componente cumulativa”, ou seja, Portugal tem “problemas estruturais que não vêm a ser corrigidos, com impacto e com desgaste, ao longo do tempo, revelando falta de compromisso político e baixa eficácia nas ações desenvolvidas”; e há circunstâncias conjunturais, como a “Operação Influencer”, com impacto na perceção da integridade no setor público. Assim, “o caminho para melhorar a reputação de Portugal no combate à corrupção é só um: assumir o compromisso efetivo e agir. A TI Portugal esteve, está e estará ao lado dos que querem efetivamente assumir esse compromisso, sustenta Margarida Mano.

A TI Portugal, sustentando que “falta clareza e compromisso político” na estratégia anticorrupção, que “carece de metas concretas, convicção e empenho político”, e que falta celeridade na justiça, apela à aceleração processual, à simplificação de megaprocessos e ao combate a expedientes dilatórios e à prescrição por atrasos processuais. Considerando que falta fiscalização, pede ferramentas para maior transparência e escrutínio no setor público. Entende que falta regulamentar o “lobbying”, uma medida que está prevista no âmbito da agenda anticorrupção do atual executivo. E defende que organismos, como a Entidade para a Transparência e o Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC), devem ter um reforço financeiro e autonomia orçamental que garanta uma atuação “eficaz e independente”.

“Por fim, o controlo de património e rendimentos dos políticos deve ser mais rigoroso. Para evitar conflitos de interesse e garantir uma administração pública íntegra, é essencial fortalecer o regime de impedimentos, aumentar a transparência nos critérios de seleção para cargos públicos e combater o fenómeno das ‘portas giratórias’ entre setores políticos e privados”, lê-se no comunicado da TI Portugal.

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A nível global, o CPI 2024 revelou uma tendência preocupante de estagnação e de retrocesso, no combate à corrupção. A média global dos 180 países em causa manteve-se baixa (43), com mais de dois terços dos países a registarem pontuações abaixo de 50 (numa escala de zero a 100, onde zero representa um nível extremamente elevado de corrupção percebida e 100 indica um setor público altamente íntegro). O ranking é liderado pela Dinamarca, que atingiu a pontuação de 90 pontos, seguida da Finlândia (88) e de Singapura (84) e da Nova Zelândia (83).

Países com democracias frágeis ou com regimes autoritários continuam a apresentar as piores classificações, mostrando a forte correlação entre corrupção, falta de transparência e ausência de instituições democráticas robustas. Alguns países do Golfo Pérsico, como o Bahrein, Omã e a Arábia Saudita, registaram melhorias significativas, nomeadamente, devido à implementação de reformas de governança e à digitalização de processos públicos.

Com 64 pontos de pontuação média, a Região da Europa Ocidental e da UE continua a ser a mais bem pontuada no ranking. Todavia, em 2024, esta região apresenta cerca de um terço dos seus 31 países com reduções de pontuação iguais ou superiores a três, refletindo generalizada degradação das pontuações nos países europeus, pelo segundo ano consecutivo, e onde apenas a Islândia, a Eslovénia, o Luxemburgo e Chipre se destacam pela positiva. Malta e a Eslováquia, com menos cinco pontos, foram os países da região com maior degradação na sua pontuação. Portugal é um dos cinco países com quedas de quatro pontos.

Aponta-se o retrocesso em grandes economias europeias, como a França (-4 pontos), a Alemanha (-3 pontos), a Espanha (-4 pontos) e a Itália (-2 pontos), que evidenciam falhas nos mecanismos de integridade e aplicação da lei. Salienta-se a existência de desafios na transparência dos contratos públicos, onde continuam a surgir casos de favoritismo e de corrupção, em grandes projetos de infraestrutura. A queda de vários países europeus é também atribuída a desafios na implementação de medidas anticorrupção e na fiscalização de crimes financeiros e empresariais.

Em face da forte sensibilidade do ranking relativo à pontuação, pela existência de muitos países com pontuações semelhantes, a queda de quatro pontos na pontuação de países, como Portugal e a Espanha, traduziram-se em downgrade de nove e 10 posições no ranking, respetivamente. É de realçar o caso italiano, onde uma perda de dois pontos deu lugar a um downgrade de 10 posições. A Espanha e a Itália, com 56 e 54 pontos, respetivamente, continuam a ocupar, no ranking, uma posição pior que Portugal, 46.ª e 52.ª, respetivamente.

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Face a estes resultados, a TI Portugal salienta as seguintes áreas de ação prioritária para reforçar a transparência e para recuperar a posição e credibilidade do país, no contexto internacional da luta contra a corrupção:

1. Fortalecimento da implementação da estratégia nacional anticorrupção, garantindo com vista à identificação e à correção das falhas que persistem, bem como à definição de metas objetivas e de métricas claras que permitam avaliar progressos anuais, até 2030, alinhadas com recomendações internacionais;

2. Reforço das entidades responsáveis pelo combate à corrupção, como a Entidade para a Transparência e o MENAC, com recursos financeiros e autonomia orçamental adequados, permitindo-lhes atuar, de forma eficaz e independente, no cumprimento da sua missão;

3. Aprovação de legislação para o lobbying, segundo as melhores práticas internacionais, criação de um Registo de Transparência da Representação de Interesses e obrigatoriedade de publicação de pedidos de escusa por parte de membros do governo, devido a conflitos de interesse;

4. Reforço urgente, no setor judicial, da eficácia da aplicação da lei no combate, à corrupção, pela adoção de novo quadro legal e operacional que permita acelerar investigações e julgamentos de crimes económico-financeiros, eliminando a complexidade dos megaprocessos, combatendo expedientes dilatórios e reduzindo o risco de prescrição por atrasos processuais;

5. Consecução de melhorias significativas em transparência na administração pública, pelo desenvolvimento de ferramentas digitais acessíveis à sociedade civil, permitindo um escrutínio independente e informado do funcionamento das instituições públicas e promovendo uma cultura de responsabilização; e

6. Maior rigor no controlo de património e de rendimentos dos políticos, para evitar conflitos de interesse e para garantir uma administração pública íntegra, o que implica fortalecer o regime de impedimentos, aumentar a transparência nos critérios de seleção para cargos públicos e combater o fenómeno das portas giratórias entre setores políticos e privados.

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A corrupção é flagelo que eiva a política e a administração pública, com a cumplicidade generosa ou interesseira dos setores privado e social. Impressiona a corrida a cargos públicos, nem sempre bem pagos. Porém, se falássemos do setor privado e do social, o compadrio e a endogamia não seriam em menor escala. Enfim, a cultura da corrupção é factual e o pior é que não é preocupação habitual das pessoas, como referiu António Costa, quando chefiava o governo.

2025.02.11 – Louro de Carvalho

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