segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

Festa da Apresentação do Senhor ou Festa do Encontro e da Luz

 

Celebrou-se a festa da Apresentação do Senhor, a 2 de fevereiro, ou seja, 40 dias após o Natal. O acontecimento que lhe deu origem é narrado no capítulo 2 do Evangelho de Lucas. No Oriente, a celebração remonta ao século IV e, desde o ano 450, é denominada “Festa do Encontro”, porque Jesus “encontra” os sacerdotes do Templo, bem como Simeão e Ana, que representam o povo de Deus que esperava a salvação de Deus. Esse encontro é também connosco, pois encontramos Jesus, a luz que ilumina o Mundo e as vidas.

Por volta de meados do século V, esta festa era celebrada também em Roma. Com o tempo, foi-lhe acrescentada a “bênção das velas”, a recordar que Jesus é a “Luz das Nações”.

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Na primeira leitura (Ml 3,1-4), o profeta anuncia a proximidade do “Dia do Senhor”, em que Deus entrará no seu Templo para purificar o povo, para lhe renovar o coração e para o capacitar a viver num dinamismo novo. Começará o tempo novo da nova Aliança entre Deus e os homens.

“Malaquias” não é nome próprio, mas é palavra que significa “o meu enviado”. Assim, é o título tomado por um profeta anónimo, de quem pouco sabemos, mas que é o enviado de Javé.

Exerceu a sua missão em Jerusalém, no período pós-exílico. O Templo já tinha sido reconstruído e o culto já funcionava, embora mal. Porém, o entusiasmo pela reconstrução estava apagado. Desiludido, ao ver que as promessas de Deus não se tinham cumprido, o Povo caíra na apatia e na falta de confiança em Deus. Por isso, o “mensageiro de Javé” reage contra a situação em que o Povo de Judá vem caindo: aponta o dedo a sacerdotes, a levitas e a outros responsáveis pelo culto, denunciando o seu desleixo e venalidade; anuncia a vinda do tempo em que se oferecerá a Deus culto puro e santo; posiciona cada pessoa ante as suas responsabilidades para com Javé e para com o próximo; exige a conversão do Povo e o afastamento da idolatria; e condena os casamentos mistos (entre judeus e não judeus), que fazem perigar a fidelidade a Javé.

Assume a lógica deuteronomista: se o Povo se obstinar em trilhar caminhos de infidelidade à Aliança, voltará a conhecer a morte e a infelicidade; mas, se se voltar para Javé e se cumprir os mandamentos, voltará a gozar da vida e da felicidade que Deus oferece aos que O seguem.

O trecho em apreço integra a perícope que avisa os habitantes de Jerusalém da inevitabilidade do juízo de Deus: chegará o Dia do Senhor, em que Deus porá cada um ante as suas responsabilidades e retribuirá a cada um conforme os seus merecimentos.

O povo, desanimado, extravasa a desilusão, comentando, com amargura, que quem faz o mal parece bem visto pelo Senhor. Ora, como diz Malaquias, Deus está cansado desse queixume. Ao invés do que insinuam, não é conivente com o mal e virá ao encontro do seu povo para o julgar.

A vinda de Deus será precedida da de um mensageiro, que terá por missão preparar o caminho para o Senhor. Não se explica, no texto em referência, quem é esse mensageiro, porém, mais à frente, identifica-se a figura do profeta Elias, que surgirá a preparar o Dia do Senhor. Após a vinda do mensageiro, chegará o Senhor para exercer o seu juízo sobre os pecadores. Não se clarifica se o Senhor que vem é o próprio Deus ou se é o seu “Ungido” (“messias”). Em todo o caso, é possível que haja aqui uma referência messiânica, já que o mensageiro que antecede o Senhor se identifica com a figura de Elias (nos círculos religiosos de Judá, o profeta que viria antes do “Messias”).

O Senhor que vem é denominado “o mensageiro da Aliança”. Esta será a nova Aliança anunciada por Jeremias e por Ezequiel, da qual nascerá um povo de coração renovado, que vive em comunhão com Deus e que cumpre os preceitos de Javé. A função do Senhor é, pois, possibilitar o aparecimento da “Nova Aliança” que comprometa Judá com Deus.

O resultado da intervenção do Senhor será a purificação do Povo. Para descrever essa purificação, o profeta utiliza elementos e imagens tradicionais: o fogo do fundidor e a lixívia dos lavandeiros, a fundição e a purificação do ouro e da prata. Dessa purificação resultará o novo sacerdócio (“os filhos de Levi serão, para o Senhor, os que apresentam a oblação segundo a justiça”), que fará “a oblação de Judá e de Jerusalém” voltar a ser “agradável ao Senhor como nos dias antigos”.

A purificação do sacerdócio e do culto, operada pelo Senhor, será claro sinal da chegada de um novo tempo, em que Deus estará com o seu Povo e em que um Povo de coração renovado prestará culto sincero, verdadeiro, agradável a Deus.

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Evangelho (Lc 2,22-40) mostra Jesus, 40 dias após o seu nascimento, a entrar no Templo de Jerusalém, para concretizar a promessa feita por Deus pelo profeta Malaquias. Recebido por Simeão e Ana, representantes do Israel fiel que esperava o Messias de Deus, Jesus é apresentado como “luz para as nações” e “glória de Israel”, pois traz ao Mundo a salvação.

O interesse dos primeiros cristãos não se centrou na infância de Jesus, mas na sua mensagem. Por isso, as primeiras catequeses interessaram-se por conservar as memórias da vida pública e da paixão do Senhor. Só mais tarde, houve curiosidade acerca dos primeiros anos da vida de Jesus. Coligiram-se informações sobre a infância de Jesus; e esse material foi trabalhado, de forma a completar o que a catequese primitiva ensinava sobre Jesus e o seu mistério. O “Evangelho da Infância” (de que faz parte o texto desta liturgia) assenta nessa base; parte de indicações históricas e desenvolve a reflexão teológica para explicar quem é Jesus. Nesta secção, Lucas está mais focado em dizer quem é Jesus, do que em contar-nos factos memoráveis da infância.

Lucas propõe-nos, no Evangelho o quadro da apresentação de Jesus no Templo. Segundo a Lei de Moisés, todos os primogénitos (dos homens e dos animais) pertenciam a Javé e deviam ser-Lhe oferecidos. Porém, apesar de o primogénito do sexo masculino ser propriedade do Senhor e destinado ao serviço do Templo, mais tarde, quando os descendentes de Levi (os levitas) assumiram o serviço do Templo, esta prescrição caiu, mas o primogénito devia ser resgatado com uma oferta em dinheiro, para a manutenção do sacerdote.

Oferecer aos deuses os primogénitos é um costume cananeu que Israel transformou, no atinente aos primogénitos humanos, que não deviam ser sacrificados, mas resgatados por um animal a imolar ao Senhor. Assim, de acordo com Lv 12,6-8, passados 40 dias após o nascimento do primogénito, esta devia ser apresentado no Templo, onde a mãe oferecia um ritual de purificação, ou seja, um cordeiro de um ano (os ricos) ou duas pombas ou duas rolas (os pobres).

Malaquias profetizara que o Senhor viria ao encontro do seu povo e entraria no Templo, cheio de glória e de esplendor, para purificar o seu Povo, “como o fogo do fundidor e como a lixívia dos lavandeiros. Lucas entende que chegou o tempo da concretização dessa profecia. Mas, contra todas expetativas, Deus apresenta-se na figura de menino nascido, há poucos dias, débil e indefeso, nos braços da mãe.  

Aquela família pobre da Galileia que vem a Jerusalém, para cumprir a Lei do Senhor, encontra, no Templo, Simeão, homem “justo e piedoso”, que “esperava a consolação de Israel” e em quem “o Espírito Santo estava”. Simeão é a figura do Israel que esperava ansiosamente o cumprimento das promessas de Deus. Lucas explica que o Espírito Santo lhe revelara que não morreria, sem ver o Messias do Senhor, e que tinha vindo, naquele dia, ao Templo movido pelo Espírito. Simeão viu, no filho dos pobres camponeses da Galileia, a concretização das promessas de Deus. Tomou-o nos braços – como que a apresentá-Lo a Israel e ao Mundo – e proferiu o belo oráculo que a liturgia conhece pelas palavras latinas que o iniciam: “Nunc Dimittis”.

Simeão diz a Deus que já pode morrer em paz, pois viu a salvação de Deus na figura do menino que tem nos braços. Enfim, Simeão declara, solenemente, que a fase da espera terminou e que o Messias chegou e vem como “salvação de Deus”, isto é, traz os bens que Deus oferece aos seus filhos para que tenham vida em abundância. A salvação que o Messias traz brilhará como “luz”, não apenas para Israel, mas para todos os povos. O tema da “luz” leva-nos até aos cânticos do Servo de Javé, do Deuteroisaías, onde se profetiza a chegada de um “Servo” designado por Deus como “luz das nações”, para “abrir os olhos aos cegos”, para “tirar do cárcere os prisioneiros” e “da prisão os que vivem nas travas”, para fazer chegar a salvação de Deus “até aos confins da terra”. Simeão está seguro de que essa luz chegou na figura daquele menino.

Lucas refere, ainda, um tema que lhe é muito caro: o da universalidade da salvação. Deus não tem já um Povo eleito, mas a sua salvação é para todos os povos, independentemente da raça, da cultura, das fronteiras, das representações religiosas.

O evangelista anota que Maria e José “estavam admirados” com que Simeão lhes disse sobre o menino. Simeão não explica como chegou às conclusões que formulou. Todavia, dirige-se a Maria e proclama um segundo oráculo. Profetiza que o menino será causa de divisões em Israel e que a sua proposta não será aceite pacificamente (mais adiante, mostrará, ao contar a História de Jesus, a verdade destas palavras). Depois, Simeão avisa Maria de que “uma espada trespassará a sua alma. A expressão pode evocar o sofrimento de Maria ao ver o filho condenado à morte e crucificado e/ou a divisão de Israel, face à proposta de Jesus (Maria, figura do Povo fiel, terá de optar por Jesus, afastando-se do Israel infiel que não quer acolher a proposta de Jesus traz.

Da figura de Simeão, o foco passa para outra figura: uma mulher de idade, chamada Ana, que “não se afastava do templo, servindo a Deus noite e dia, com jejuns e orações”. A sua figura apresenta traços de outras mulheres bíblicas, como Judite (que permaneceu viúva, após a morte do marido, e que libertou Israel das mãos de Holofernes, general assírio) ou como outra Ana, a mãe do profeta Samuel. É apresentada como “profetiza”, o que lhe confere autoridade e verdade. Naquela circunstância, “começou também a louvar a Deus e a falar acerca do Menino a todos os que esperavam a libertação de Jerusalém”. E, enquanto “profetiza”, confirmou que tudo o que os profetas de Israel do Messias se confirma no menino apresentado no Templo.

Simeão e Ana reconhecem no menino, o cumprimento das promessas de Deus. Veem nele a luz que se acende na noite do Mundo e que ilumina o caminho e a vida dos homens. Acolhem-No como “a salvação” prometida por Deus e esperada pelo Israel fiel. Creem que essa salvação ultrapassará as fronteiras estreitas de Israel e será oferecida a todos os homens e mulheres.

Terminada a apresentação de Jesus, a família volta para casa. Do espaço do Templo, o plano salvador de Deus passa a desenrolar-se na casa daquela família pobre de uma aldeia da Galileia. Longe das luzes da ribalta, o menino crescia, “enchia-Se de sabedoria, e a graça de Deus estava com Ele”. O plano de Deus, oculto durante algum tempo, voltará a manifestar-se, a seu tempo.

Há pormenores a evidenciar, no encontro com Simeão: foi inspirado pelo Espírito Santo, que o levou ao “reconhecimento” de Jesus, como o Esperado, a Luz dos Gentios. Ora, devemos colocar-nos diante desta Luz: “A verdadeira luz veio ao Mundo; a luz que ilumina cada homem, mas o Mundo não O reconheceu” (Jo 1,9-10). Simeão abençoou os pais, mas as palavras são dirigidas à mãe: o Filho será sinal de contradição. Jesus é a Luz do Mundo, mas será admirado e amado, mas também rejeitado, derrotado, crucificado; morrerá e ressurgirá – um caminho repleto de contradições, que ficou impresso no coração da mãe.

A profetisa Ana também foi ao Templo. Era mulher de Deus, muito idosa, viúva. Como profetisa, entendeu o que os outros tanto queriam ver: a presença de Deus. Soube ir além das aparências e viu que o Menino era o “Esperado pelos Gentios”.

Na época de Jesus, a idade média de vida era de aproximadamente 40 anos. Contudo, o evangelista diz que Simeão e Ana eram “idosos".  Os idosos vivem de recordações, de saudades dos tempos idos, enquanto os jovens vivem de esperança, olham para frente. Aqui, estamos diante de dois idosos que, ao verem o Menino, olham para frente, aguardam, se surpreendem, cantam de alegria e esperança. Eram jovens de coração, cheios de Deus e das suas promessas: Deus não dececiona!

Todos somos envolvidos por esta visão, pois quem aceita viver o Evangelho torna-se sinal de contradição. Pôr-se diante do Senhor Jesus, Luz dos Gentios, requer muita coragem, mas, antes de tudo, ser de Deus”, como Simeão e Ana, e postula a consciência de nem sempre se ver tudo claramente, como José e Maria, que ficaram “admirados” com o que diziam do Filho. Porém, Maria “guardava e meditava” tudo em seu coração.

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Na segunda leitura (Heb 2,14-18), um catequista, escrevendo aos Hebreus, apresenta Jesus como o irmão dos homens, que veio ao Mundo, para promover os “descendentes de Abraão” à categoria de Filhos amados de Deus. Oferecendo a sua vida por amor, introduziu na nossa débil e pecadora natureza humana, dinamismos de superação dos limites, dinamismos de vida nova.

O plano salvador de Deus para os homens visa fazer aparecer o Homem Novo, isto é, o homem que superou a sua condição limitada e pecadora, que se despiu do egoísmo, do orgulho e da autossuficiência e que chegou à total realização do seu ser, à situação definitiva do homem libertado, à vida verdadeira e eterna, à condição de “filho de Deus”.

Para concretizar este desígnio, Deus enviou o Filho ao encontro dos homens. Cristo nasceu no meio de nós, vestiu a nossa carne mortal, solidarizou-se com a nossa humanidade, conheceu as nossas limitações e fragilidades. Assemelhou-se aos homens e partilhou a condição dos homens. Tornando-se homem, fez-Se nosso irmão e, assim, inseriu-nos na família divina e promoveu-nos à categoria de “filhos de Deus”. Todavia, a condição de “filhos de Deus” postula a superação de tudo o que em nós é frágil, débil, corruptível. Cristo, cumprindo o plano do Pai, mostrou-nos como superar a fragilidade, a finitude, a debilidade da natureza humana e revelou-nos que o segredo da vida eterna passa pela vida feita dom e amor radical a Deus e aos irmãos. O último passo que Ele deu para derrotar a finitude e a debilidade foi vencer a morte, pois a morte é a manifestação extrema da debilidade, da corruptibilidade, da finitude.

Enquanto gera medo, dor, escravidão, a morte perpetua a debilidade e fragilidade, impedindo-nos de chegar à vida plena do homem libertado. Por isso, para nos tornar “filhos de Deus”, Jesus tinha de vencer a morte. É neste contexto que a Carta aos Hebreus situa a morte de Jesus. Enfrentando a morte, Cristo assemelhou-Se aos seus irmãos; vencendo a morte, libertou-os do medo e da escravidão. Cristo aceitou morrer na cruz, para derrotar o maior inimigo da vida e da liberdade.

Ao fazer-se homem, Jesus tornou-se “um sumo-sacerdote misericordioso e fiel”. A função do sumo-sacerdote é servir de ponte entre os homens e Deus; e, ao vir ao nosso encontro, ao fazer-se nosso irmão, ao vencer a morte, ao associar-nos à família de Deus, Jesus refez a comunhão entre os homens e Deus e realizou a expiação dos pecados do povo, isto é, introduziu na débil, frágil e pecadora natureza humana, dinamismos de superação dos limites e falhas e, sobretudo, dinamismos de vida nova, verdadeira, eterna, divina.

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Enfim, Jesus é a Luz a revelar-Se às nações e a glória do novo Israel, a Igreja.

2025.02.02 – Louro de Carvalho

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