sábado, 22 de fevereiro de 2025

Em contexto pré-crise, NATO reforça o flanco oriental

 
No período que antecede o terceiro aniversário da invasão da Ucrânia pela Rússia, estão em curso, durante seis semanas, na Roménia, país que faz fronteira com a Ucrânia (mas também na Bulgária e na Grécia), o exercício Steadfast Dart 2025, com cerca de 10 mil militares de nove países como parte da nova Força de Reação Aliada da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO).
Esta nova Força de Reação, criada em julho de 2024, foi concebida para ser destacada à escala, num prazo de 10 dias, e combina forças convencionais com tecnologias cibernéticas e espaciais.
Do exercício Steadfast Dart 2025, o site da NATO explicita que “testará e treinará o destacamento operacional da Força de Reação Aliada (ARF) para a Área de Vigilância da NATO Sudeste, centrando-se no planeamento e [na] execução de uma atividade multidomínio pré-crise que visa reforçar as forças Aliadas localizadas na Roménia e na Bulgária”.
Estes são os maiores exercícios de combate de 2025, para testar a capacidade de mobilizar, rapidamente, forças em grande escala, na fronteira oriental da aliança de 32 nações, à medida que crescem as preocupações com o seu membro mais poderoso, os Estados Unidos da América (EUA). Com efeito, esta grande operação de treino militar, na Roménia, surge num momento em que a Europa, abalada, se confronta com o novo rumo dos EUA sob a batuta de Donald Trump.
A Grã-Bretanha lidera a operação com 2600 militares e 730 veículos. Porém, os exercícios incluem a Roménia, a Bulgária, a França, a Grécia, a Itália, a Eslovénia, a Espanha e a Turquia e envolvem 1500 veículos militares, mais de 20 aviões e mais de uma dúzia de meios navais.
Os exercícios de combate, na Roménia, na semana que terminou a 22 de fevereiro, incluíram treinos de fogo real e exercícios de guerra de trincheiras, enquanto os fuzileiros navais gregos e espanhóis conduziram exercícios na Grécia, incluindo um assalto anfíbio simulado.
O secretário da Defesa, Pete Hegseth, exigiu que os aliados aumentassem, drasticamente, as despesas militares e afirmou que as prioridades de segurança dos EUA são outras, lançando dúvidas sobre as garantias de segurança de longa data dadas por Washington à Europa.
Embora a Casa Branca ou o Pentágono não tenham anunciado planos para retirar as forças norte-americanas da região, a observação de Hegseth de que “os aliados europeus devem liderar a partir da frente” deixou os parceiros da NATO a contemplar uma potencial nova realidade em que os EUA não são o poderoso apoio com armas nucleares para a segurança do continente.
Segundo Radu Tudor, analista de defesa em Bucareste, um recuo dos EUA na sua presença militar na Roménia seria “um presente” para o presidente russo, Vladimir Putin. “Todo o flanco oriental da NATO [ficaria] mais fraco perante o comportamento agressivo da Rússia”, disse, vincando que isso levaria a Roménia a pedir aos aliados da NATO que contribuíssem com tropas e com armas para colmatar a lacuna deixada por vários milhares de soldados americanos.
A este respeito, o almirante Stuart Benjamin Munsch, comandante do Comando das Forças Conjuntas Aliadas, afirmou que, na última década, as ameaças à NATO “se tornaram cada vez mais complexas e imprevisíveis”. “Para fazer face a este complexo ambiente de segurança, a NATO sofreu uma transformação significativa no combate à guerra. Passámos os nossos planos defensivos do conceito à realidade”, declarou aos jornalistas, na base de treino, a 19 de fevereiro.
Por seu turno, o secretário-geral da NATO, Mark Rutte considerou: “Sem uma defesa forte, não há segurança duradoura. Sem segurança, não há liberdade. E, sem liberdade, não podemos viver as nossas vidas da maneira que queremos. […] Este exercício representa o culminar dos nossos esforços e o início da nossa nova força que defenderá cada centímetro do território da aliança.”
Além do exercício Steadfast Dart 2025, há outros a referir.
Por exemplo, a 6 de fevereiro, o site do Estado-Maior General das Forças Armadas informava: “Entre os dias 26 de janeiro e 1 de fevereiro, a 6.ª Força Nacional Destacada participou no exercício ‘Eagle Stael’, na Roménia. Este exercício contou com a participação da Força portuguesa e das suas congéneres da França e da Bélgica, num ambiente de operações ofensivas. Através da execução de uma marcha para o contacto e [de] um assalto a um objetivo de nível companhia, foram desenvolvidas as técnicas, táticas e procedimentos, bem como a interoperabilidade entre os diferentes sistemas de armas e equipamentos entre as várias Forças, fortalecendo a coesão entre membros da NATO.​”
A 12 de fevereiro, o portal do Exército Português referia: “O 2.º Batalhão de Infantaria Mecanizado de Rodas do Regimento de Infantaria N.º 14, sediado em Viseu, participou no planeamento do Exercício DACIAN SPRING 25 da NATO, através da projeção de três militares para o Comando da Multinational Brigade South-East, em Craiova, Roménia, no período de 27 de janeiro a 7 de fevereiro.”
Sobre o exercício em causa, explicitava: “O Exercício DACIAN SPRING 25 terá como objetivo fortalecer a cooperação e interoperabilidade entre as Forças Armadas dos países da Aliança Atlântica, simulando cenários de combate exigentes e ajustados à realidade, a fim de testar a capacidade de resposta a situações de crise, em contexto multinacional.​”
Também a 17 de fevereiro, o Jornal do Centro informava que “três militares do Regimento de Infantaria (RI) n.º 14, em Viseu, integraram a equipa de planeamento do exercício da NATO Dacian Spring 25, que vai reunir na Roménia milhares de soldados de vários países.”
Mais referia que “os militares fazem parte do 2.º Batalhão de Infantaria Mecanizado de Rodas, do RI14, e foram integrados no comando da Brigada Multinacional South-East, em Craiova, na Roménia, de 27 de janeiro a 7 de fevereiro”. E prosseguia: “Além de soldados portugueses, a preparação do exercício contou com a presença de militares da Roménia, Itália, Hungria, Polónia, Bulgária e Espanha. Segundo o Exército, o exercício pretende simular ‘cenários de combate exigentes e ajustados à realidade, a fim de testar a capacidade de resposta a situações de crise, em contexto multinacional’. O Dacian Spring 25 tem ainda como objetivo ‘fortalecer a cooperação e interoperabilidade entre as Forças Armadas dos países da Aliança Atlântica’.”
Por fim, indicava: “Já em Viseu, está a ser aprontada a  7.ª Força Nacional, que será projetada para a Roménia, no final do primeiro semestre deste ano. Em treinos estão 200 militares das várias unidades do Exército e de outros ramos das Forças Armadas. A missão desta força é ‘reforçar a presença militar no flanco leste da Aliança Atlântica, contribuindo para a defesa territorial desta organização’. São já várias as forças que têm saído de Viseu rumo à Roménia, nomeadamente, a 1.ª Força, projetada em abril de 2022, a 3.ª Força, que saiu em abril de 2023, acompanhada da 4.ª Força Nacional e a 5.ª Força Nacional, a mais recente, que foi projetada em fevereiro do ano passado.”
Os aliados europeus manifestaram a sua preocupação por terem sido afastados das conversações entre diplomatas norte-americanos e russos, no dia 18, na Arábia Saudita, sobre o fim da guerra na Ucrânia. A evolução rápida dos acontecimentos levou o presidente francês, Emmanuel Macron, a convocar alguns países da União Europeia (UE) e o Reino Unido para conversações de emergência, em Paris, nos dias 17 e 18.
Depois de a Rússia ter lançado a invasão total da Ucrânia, a 24 de fevereiro de 2022, a NATO reforçou a sua presença no flanco oriental da Europa, enviando grupos de combate multinacionais adicionais para a Roménia, para Hungria, para a Bulgária e para Eslováquia, doou um sistema de mísseis Patriot à Ucrânia e abriu um centro de formação internacional para pilotos de jatos F-16 de países aliados, incluindo a Ucrânia. Desde então, a Roménia tem desempenhado um papel cada vez mais importante na aliança.
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Porém, não é só a Roménia um grande aliado. O secretário da Defesa dos EUA, Pete Hegseth, elogiou a Polónia como um “aliado modelo da NATO”, durante a sua primeira visita a Varsóvia, a 14 de fevereiro, em que se reuniu com o presidente, Andrzej Duda, e com o vice-primeiro-ministro e ministro da Defesa Nacional, Władysław Kosiniak-Kamysz. “É muito oportuno que a nossa primeira [visita] bilateral europeia tenha lugar, aqui, na Polónia” – disse Hegseth, após as conversações, acrescentando: “Vemos a Polónia como um aliado exemplar no continente, disposto a investir não só na nossa própria defesa, mas também na nossa defesa comum.”
A Polónia é o país da NATO com as despesas mais elevadas em matéria de defesa, tendo afetado, em 2024, para este efeito, 4,2%do seu produto interno bruto (PIB) e prevendo que, neste ano, esta despesa aumente para 4,7%.
Kosiniak-Kamysz afirmara, no passado, que a Polónia poderia ser “o elo transatlântico neste desafio, lançado pelo presidente Trump, e a sua implementação na Europa”, tal como apoiara a proposta de Trump de que todos os países membros da NATO devem gastar 5% do seu PIB na defesa. “Precisamos de um roteiro claro”, declarara, acrescentando que “o objetivo deve ser um aumento anual radical das despesas com a defesa para atingir 5% do PIB”.
No entanto, reconheceu, que nem todos os países serão capazes de atingir o objetivo, neste momento, em especial, os que gastam, atualmente, 2% do seu PIB na defesa.
As despesas da Polónia com a defesa aumentaram, acentuadamente, desde o início da invasão russa da Ucrânia, em 2022, passando de 1,88% do PIB, em 2014, para 2,23%, em 2023, e para 4,2%, em 2024, prevendo-se novos aumentos.
Os EUA e a Polónia são aliados militares próximos, com cerca de oito mil soldados americanos atualmente estacionados na Polónia. Em 2019, Andrzej Duda e Donald Trump, que estava, então, a cumprir o seu primeiro mandato, assinaram um acordo de defesa para estacionar mil tropas na Polónia, numa base rotativa. A partir de 2023, os EUA têm uma base militar estabelecida na Polónia. E, agora, os líderes dos dois países esperam continuar a cooperação no domínio da defesa. A Polónia compreende que a existência de exércitos fortes é um fator importante para o desenvolvimento económico e social do país.
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Um relatório dos serviços secretos dinamarqueses indicia que a Rússia poderá lançar uma guerra em grande escala contra os aliados europeus da NATO, antes do final da década. E Mark Rutte, questionado sobre essa hipótese, sobretudo, sem o apoio dos EUA, respondeu que, se Moscovo atacar, “a reação será devastadora”. “Ele [o presidente russo] vai perder. Por isso, que não o tente. E ele sabe disso. A dissuasão e a defesa são muito fortes”, declarou Mark Rutte, reforçando o apelo a aumentar o investimento em defesa, por parte dos aliados, e frisando que a Rússia está a gastar mais e a ultrapassar os aliados europeus, mas que a situação pode ser diferente, em 2030.
Os gastos com defesa do Canadá e dos aliados europeus da NATO aumentaram 20%, em 2024, face a 2023, mas é necessário gastar bastante mais dinheiro, antes do final da década, para impedir um ataque russo. “Em 2024, os aliados da NATO na Europa e no Canadá investiram 485 mil milhões de dólares (467,5 mil milhões de euros) em defesa, um aumento de quase 20% em comparação com 2023”, disse o secretário-geral da organização aos repórteres, acrescentando:
“Com dois terços dos aliados a gastar, pelo menos, 2% do seu PIB em defesa, espero que ainda mais aliados atinjam e, em muitos casos, excedam a meta em 2025”.
Os ministros da Defesa dos 32 membros da organização reuniram-se, em Bruxelas, a 13 de fevereiro, para o seu primeiro encontro desde a tomada de posse da nova administração de Donald Trump, com o apoio à Ucrânia e as despesas com a defesa no topo da agenda. E espera-se que cheguem a acordo sobre um novo objetivo de despesa, na cimeira do final de junho, altura em que serão também delineados novos objetivos de capacidade militar.
Mark Rutte sublinhou, no dia 12, que as novas capacidades vão exigir “que muitos aliados – especialmente, na Europa e no Canadá – invistam consideravelmente mais”.
Trump tinha pedido que o objetivo de despesa da NATO fosse aumentado para 5%, patamar que nenhum aliado cumpre, atualmente. O Reino Unido já indicou que pretende atingir o objetivo de 3%, enquanto Rutte já afirmou, no passado, que pode ser exigido 4% aos aliados. “Se nos mantivermos nos 2%, não conseguiremos defender-nos, em quatro ou cinco anos”, declarou o líder da NATO aos jornalistas, no dia 12, aduzindo que as lacunas de capacidade são “demasiado grandes” para o objetivo atual, estabelecido em 2014, e que o número final ficará acima dos 3%”.
Além do aumento do investimento, Mark Rutte explicou que os países-membros devem continuar a apoiar a Ucrânia e aumentar a produção militar. “Temos de tomar estas decisões, este ano”, afirmou.
Os líderes da UE dos 27 países estão atualmente a debater a forma de aumentar as despesas e a produção, com várias opções em cima da mesa, uma vez que as estimativas apontam para um défice financeiro de 500 mil milhões de euros na próxima década. A principal opção para libertar dinheiro rapidamente, que emergiu de um retiro informal, no início do mês, é que a UE altere as regras fiscais do bloco, para excluir as despesas com a defesa das despesas nacionais.
Alguns estados-membros estão também a insistir na emissão das euro-obrigações – ou dívida comum – para financiar projetos comuns. Mas a medida, lançada para ajuda a economia da UE afetada pela covid-19, tem a forte oposição de vários países com balanços mais sólidos.
A 19 de março, a UE publicará um Livro Branco sobre a defesa, que descreve em pormenor as capacidades militares de que o bloco necessita e as várias opções para as financiar, devendo as decisões ser tomadas na cimeira de junho, um dia depois da reunião da NATO.
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Enfim, a NATO e a UE mergulharam numa bruma de incerteza, de que devem sair quanto antes. Os exercícios militares estão no terreno e as despesas com a defesa aumentam. Contudo, pouco importa que Moscovo perca a guerra, se tudo ficar destruído. Olhe-se para a Ucrânia e para a Faixa de Gaza e não digam que ali se poderão fazer novas “Rivieras”…, sem as pessoas!

2025.02.22 – Louro de Carvalho


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