Foram precisos oito anos para que o processo da
Operação “Tutti Frutti” tenha dado frutos. Efetivamente, a 4 de fevereiro,
segundo avançou a CNN Portugal e confirmou o ECO, o Ministério Público (MP) acusou 60
pessoas, entre as quais autarcas das mais importantes juntas de freguesia de
Lisboa, funcionários e empresários. Em causa estão, segundo a acusação, crimes
de branqueamento de capitais, de corrupção, de prevaricação, de
abuso de poder, de tráfico de influência e de participação económica em negócio.
Na operação “Tutti Frutti”, foram investigados, desde 2016, alegados
favorecimentos a militantes do Partido Socialista (PS) e do Partido Social
Democrata (PSD) – sendo a maioria do PSD –, através de avenças e de contratos
públicos.
O MP acusou, formalmente, Luís Newton e Ângelo Pereira,
respetivamente, líderes comissão da concelhia e comissão distrital de Lisboa do
PSD, tendo deixado de fora o ex-presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML) e ex-ministro
das Finanças, Fernando Medina (suspeito de corrupção passiva), e o seu vice-presidente e ex-ministro do Ambiente e Ação
Climática, Duarte Cordeiro (indiciado de prevaricação), cujas suspeitas,
enquanto responsáveis da Câmara Municipal de Lisboa, foram arquivadas.
“Da prova recolhida nos autos, não é possível extrair
que Fernando Medina, acedendo às insistências de Sérgio Azevedo e acabando por
resolver a situação de encontro aos [aliás, devia estar escrito: “…ao encontro
dos…”] interesses da XV – Associação Amigos do Rugby de Belém que lhe chegaram
representados por este, o tivesse feito com o propósito inequívoco de os
beneficiar por via de uma atuação conscientemente contrária ao direito”, diz a
acusação. “A factualidade descrita revela comportamentos, incluindo de
Fernando Medina, que se desviam e atropelam as normas que enquadram o
exercício das funções públicas, e, por isso, ilícitos, reveladora de um modo de
gestão e funcionamento da res publica merecedor de um juízo de
censura. Porém, não sendo o crime em causa punido a título de
negligência, mas de dolo, in casu até
específico, sendo evidente que existia uma vontade de todos de que o resultado
ocorresse, como ocorreu, não existe, contudo, a prova de
uma intenção de desvirtuar as normas jurídicas e afastá-las para benefício dos
mesmos”, acrescenta o despacho, de 1325 páginas, do MP.
Fernando Medina prestou declarações, dizendo “que não teve intervenção no procedimento conducente à atribuição do
apoio financeiro, o qual competia aos serviços da Câmara Municipal de Lisboa,
ao vereador responsável pelo pelouro do desporto e ao executivo camarário,
não tendo sequer estado presente na reunião de executivo na qual foi deliberada
a respetiva atribuição”, dizem os magistrados. “Referiu, ainda, que agendou a reunião
a pedido de Sérgio Azevedo, desconhecendo os interesses que o mesmo pudesse ter
na atividade da XV, e que, nessa reunião ouviu os interessados, na presença do
vereador do Desporto, e que o que daí saiu foi que a Câmara Municipal de Lisboa
apoiaria a construção do campo, o que o próprio, intimamente, apenas admitiria
na circunstância de estarem reunidos os pressupostos legais para o
efeito. Negou ter comprometido o município com a sua atuação e ter
interferido no procedimento, acrescentando que o município apoia
financeiramente outros clubes na cidade e que, inclusivamente, Lisboa
preparava-se para ser Cidade Europeia do Desporto, considerando que o apoio
concedido era, também por isso, de interesse para a cidade”, explicita o despacho
do MP.
Entre os arguidos acusados, estão o presidente da
Junta de Freguesia da Estrela, Luís Newton, o deputado
do PSD Carlos Eduardo Reis, e o ex-deputado
social-democrata Sérgio Azevedo. Em autoria estão em
causa três crimes de corrupção passiva (um agravado), dois de corrupção ativa,
sete de branqueamento, dois de tráfico de influência. Além dos crimes imputados
aos arguidos, o MP pediu a perda de mandato para os que
foram eleitos para cargos autárquicos.
“Os arguidos Sérgio Azevedo, Rodrigo
Gonçalves, Vasco Morgado, Nuno Firmo, Luís Newton, Ângelo Pereira, Fernando
Braamcamp, Ameetkumar Subhaschandra, Patrícia Brito Leitão, Rodolfo de Castro
Pimenta, Ana Sofia Oliveira Dias, Inês de Drummond e José Guilherme Aguiar
praticaram, alegadamente, os factos de que vêm acusados no exercício de mandato
autárquico, valendo-se dos respetivos cargos, para satisfazerem interesses de
natureza privada, em prejuízo do interesse público, em grave violação dos
deveres inerentes às suas funções de autarcas”, escreve o MP, nas 1325 páginas do seu despacho.
O Ministério Público (MP) pede, ainda, que seja
declarada, em caso de condenação, a perda de mandato e a futura inelegibilidade,
para cargos políticos de natureza eletiva, de 13 autarcas, entre
presidentes, ex-presidentes e membros de executivos de juntas de freguesia e de
câmaras municipais. “Os arguidos […] praticaram os factos de que vêm acusados
no exercício de mandato autárquico, valendo-se dos respetivos cargos, para
satisfazer interesses de natureza privada, em prejuízo do interesse público, em
grave violação dos deveres inerentes às suas funções de autarcas”, lê-se na
acusação.
Ao mesmo tempo, o MP quer recuperar para o Estado mais
de 580 mil euros, resultantes da prática dos crimes
imputados a 29 dos acusados. “Os arguidos obtiveram vantagens patrimoniais
indevidas, para si e para terceiros, à custa do erário público, diretamente resultantes
da prática dos crimes […]. Tais quantias deverão reverter a favor do Estado”,
defende o MP, na acusação, no ponto sobre perda das vantagens do crime, no
âmbito do qual quer ver restituídos aos cofres do Estado 588135,10 euros, exigidos a 29 arguidos particulares e empresas”.
Além disso, o MP quer também ver declarados perdidas a
favor do Estado as quantias apreendidas a três arguidos: dois mil euros
apreendidos a Nuno Firmo, 1640 euros a Pedro Rodrigues, jurista, militante do
PSD e ex-presidente da JSD, e 6680 euros a Paulo Quadrado, militante do PSD,
ex-membro do seu Conselho Nacional, ex-presidente da Junta de Freguesia da
Graça e assessor da vereação PSD na CML e do grupo municipal do partido na
Assembleia Municipal de Lisboa.
***
Fernando Medina anunciou, a 29 de julho de 2024, em comunicado, que o MP solicitou
a sua audição na qualidade de arguido no processo “Tutti Frutti”,
acrescentando, na altura, ter solicitado à Assembleia da República (AR) o
levantamento da imunidade parlamentar, “com a maior brevidade possível”, para
ter, “pela primeira vez, em tantos anos, a oportunidade de esclarecer, em sede
própria, as dúvidas que o MP tem”. No mesmo comunicado, esclareceu ser suspeito
da “prática de um alegado crime de prevaricação”.
Em causa está a atribuição alegadamente
indevida, “por mim, enquanto Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, em 23
de março de 2017, de um apoio financeiro no valor de duzentos mil euros – a
realizar em dois anos – à XV – Associação Amigos do Rugby de Belém, no
âmbito do apoio ao associativismo desportivo”, explicou então Fernando Medina.
O deputado disse ter visto, “com perplexidade, que a fundamentação do MP
assenta num erro grosseiro e inexplicável”, recusando qualquer ilegalidade. E
salientou que já decorreram mais de sete anos, desde o início do inquérito, e
que se manifestara, há muito tempo, disponível para prestar declarações.
Entretanto, o secretário-geral
do PS, Pedro Nuno Santos, lamenta demora “preocupante”. Assim, questionado pelo facto de as imputações
relativas a Fernando Medina terem sido arquivadas, salientou que é “boa notícia”,
e criticou que “as pessoas que tiveram o seu nome na praça pública envolvido
neste caso tivessem de esperar oito a nove anos pelo arquivamento do processo”. “Isso, sim, é preocupante e deve-nos
fazer pensar a todos. Porque estes processos têm impacto na
vida das pessoas e, por isso, os processos têm de ser mais céleres, para
protegermos a nossa democracia e o Estado de direito. Portanto, a
notícia boa é a do arquivamento, [ao passo que] a notícia má é [a] do tempo que
demorou até ao arquivamento”, concretizou o líder socialista, em declarações
aos jornalistas, transmitidas pela RTP3.
Já Duarte Cordeiro, igualmente
ilibado neste processo, recorreu às redes sociais, para assinalar que fica
“finalmente livre”, após “anos a lidar com especulação e suspeita”. “Ficou
clarificado o que sempre disse. Não há nada que surpreenda, no que me diz
respeito, e só lamento o tempo que demoram estes processos a concluírem as suas
investigações. Relembro que nunca fui sequer ouvido”, escreveu no Instagram.
Fernando Medina, a 4 de fevereiro, considerou natural
a decisão do MP de arquivar as suspeitas que lhe foram imputadas, mas lamentou
oito anos de processo com “calúnias”. “Recebi, hoje, a notícia de que
o processo que me envolvia no caso Tutti Frutti foi arquivado, na sua
totalidade, na parte que me diz respeito. Recebi esta notícia com satisfação,
mas também com naturalidade”, declarou o ex-ministro das Finanças e atual
deputado do PS, mas completando: “Foram passadas nas televisões
48 horas ininterruptas de notícias que envolveram o meu nome, com calúnias, [com]
insinuações, com acusações, com maldade muitas vezes.”
Segundo o ex-ministro e ex-autarca, “procurou criar-se,
na opinião pública, durante todos estes anos, uma imagem de mim muito diferente
da realidade”. “Lamento que oito anos foi o tempo que a justiça demorou. Apenas
há três meses, fui constituído arguido e, pela primeira vez, fui ouvido neste
processo. Três meses depois de ser ouvido, o processo foi arquivado
pelo próprio Ministério Público”, assinalou.
É de recordar que a Procuradora-Geral da República (PGR),
em junho de 2023, criou a
superequipa de cinco magistrados do MP e de cinco inspetores da Polícia
Judiciária (PJ), para
concluir a investigação da
Operação Tutti-Frutti, tendo ficado todos em regime de
exclusividade.
Só em novembro de 2024, oito anos depois da
investigação ter começado (em 2016), o socialista Fernando Medina foi
constituído arguido por suspeitas de prevaricação.
Em declarações à SIC,
o advogado Paulo de Sá e Cunha adiantou, então, que não foram
apresentadas provas e que as declarações em sede de inquérito foram feitas por
Medina, a pedido do próprio. “Quando há suspeitas sobre determinada
pessoa, necessariamente tem de ser constituída como arguido. E pode também
remeter-se ao silêncio, se assim o entender. O estatuto de arguido é também
para exercer os direitos de defesa”, disse o advogado, adiantando que este
processo é de 2016 e que “tem uma duração algo inusitada”.
O facto de ter sido constituído arguido só então, é
“porque a investigação entende quando deve ser constituído arguido”.
Relativizando o facto de ter sido sujeito à medida de coação de termo de
identidade e residência (TIR), disse que é “a mais leve de todas, é um mero
formalismo”. Porém, esperando que o inquérito terminasse com o despacho de arquivamento, deixou
o recado: “Este processo investiga vários factos e vários agentes políticos da
órbita das autarquias. […] Desde setembro, nada de novo se passou.”
Segundo o advogado, “o que está em causa é um ato do
executivo camarário e não do Dr. Fernando Medina, que nem tomou parte nessa
deliberação porque nem estava em Portugal”.
***
É mais um caso de justiça-espetáculo, a contento da
ambição ribaltista de elementos do MP. De facto, num processo em que foram investigadas
tantas pessoas e empresas, o que veio para as pantalhas foram as suspeitas de
dois governantes e ex-autarcas. Mais: a partir do momento em que recaem
suspeitas de ilícito criminal sobre um cidadão, deve ser constituído arguido,
para se poder defender ou remeter-se ao silêncio, e ser ouvido, logo que
possível. Ora, um destes cidadãos foi constituído arguido, depois de ter sido
julgado na praça pública, e ouvido tarde e a instâncias suas; o outro nem sequer
foi constituído arguido, muito menos ouvido.
Depois, o MP não é promotor nem juiz da moralidade,
pelo que é de questionar porque, tendo deixado cair a indiciação de crimes de
Fernando Medina, mantém, no despacho de acusação, o segmento discursivo que
atribui ao ex-presidente da CML comportamentos que “atropelam as normas que
enquadram o exercício das funções públicas”. Ora, não havendo provas de ilícito
criminal, de ilícito administrativo (cujo escrutínio cabe à justiça administrativa)
ou de dano civil (cujo escrutínio cabe ao juízo cível), imputa-se ao cidadão o
quê? É caso para dizer que o MP tem mau perder e tem dificuldade em renunciar à
conduta persecutória, sacrificando o bom nome e o sucesso profissional e social
de alguns cidadãos. E, por fim, estala a castanha na boca!
2025.02.05 – Louro de
Carvalho
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