sábado, 8 de fevereiro de 2025

O Tratado de Maastricht transformou a Europa

 

Passou, a 7 de fevereiro, o 33.º aniversário do Tratado de Maastricht, que estabeleceu a União Europeia (UE), abriu caminho para o euro e criou a cidadania da UE.

Antes, falava-se na Comunidade Económica Europeia (CEE) e, depois, na Comunidade Europeia (CE). Porém, um tratado assinado numa cidade holandesa, nas margens do Meuse, criou a UE, como unidade política abrangente, a quem os estados-membros confiaram parte relevante da sua soberania, em prol de um bloco forte, coeso e solidário. Assim, a União assumiu nova natureza e cresceu em tamanho, em escopo e em capacidade. E a UE tem-se como voz poderosa, em apoio à paz e à justiça no Mundo. É a casa da segunda moeda mais negociada e o maior bloco comercial do Mundo, garantindo os direitos de quase 450 milhões de cidadãos da UE.

Para tanto, em 1991, foi dado o passo decisivo, quando os então 12 estados-membros se reuniram para uma cimeira europeia na cidade de Maastricht, que era, ao tempo, mais conhecida pelas suas cerâmicas. Por isso, Maastricht é o berço da UE.

Os líderes europeus levavam as suas preocupações nacionais, mas cientes da necessidade de um resultado bem-sucedido, que equipasse a Europa com as ferramentas para nova agenda.

O movimento em direção à cooperação europeia e a maior integração começou na década de 1950, mas desacelerou na de 1970, com a inflação e desemprego a atingirem as economias da Europa. Todavia, em meados da década de 1980, eclodiu novo senso de ambição e determinação para levar por diante o projeto europeu. Para isso contribuiu a criação do mercado único europeu, que proporcionou “prosperidade e crescimento”. Uma integração económica mais próxima abriu a perspetiva de criar uma união monetária com uma moeda compartilhada.

Para Niels Ersbøll, secretário-geral do Conselho da UE, na década de 1980 e no início da de 1990, as discussões sobre a união monetária e sobre a integração política mais estreita, que ocorreram em cenário de acontecimentos dramáticos na Europa, tiveram clara vantagem.

Mikhail Gorbachev, chegado ao poder na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), lançou duas palavras no quotidiano: “perestroika” (reestruturação) e “glasnost” (abertura). E, na Cortina de Ferro, movimentos dissidentes e de protesto, como o Solidariedade, na Polónia, e a manifestação da Vela, na Tchecoslováquia, atraíam cada vez mais apoio público. A mudança em Moscovo mostrou que a estrutura de poder estava a mudar, os cidadãos da Alemanha Oriental exigiam irrestrito acesso à Alemanha Ocidental e, em novembro de 1989, caiu o Muro de Berlim, divisão física na cidade de Berlim, no coração da Europa.

Em apenas alguns meses, a Alemanha foi reunificada e criavam-se ouros elos, à medida que era concluído o Túnel do Canal da Mancha e o Reino Unido se tornava fisicamente unido ao continente. Com o pano de fundo dessas mudanças e convulsões mais amplas em todo o Mundo, os líderes dos 12 países da CE reuniram-se em Maastricht, para discutirem o futuro papel da Europa, neste Mundo em mudança. Assim, Maastricht foi, no dizer de Jim Cloos, ex-diretor-geral do Conselho da UE, “um momento-chave na integração europeia”, porque representou a conquista máxima da integração económica, com a criação da moeda única, e o movimento em direção à verdadeira UE. De facto, em Maastricht, os estados-membros acordaram em mudanças importantes na estrutura e nos poderes da UE que eles criaram, que assentavam em três “pilares”, assim definidos então: Comunidades Europeias; Justiça e Assuntos Internos; e Política Externa e de Segurança Comum.

Essas mudanças transformariam a integração europeia, permitindo que a UE desenvolvesse políticas importantes, para melhor servir e proteger os seus cidadãos e para se tornar mais eficaz, inclusiva, transparente e responsável. E, em 2018, pelo impacto do Tratado de Maastricht na vida quotidiana dos Europeus, a Comissão Europeia deu ao Tratado o título de património europeu.

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Atualmente, os três pilares da UE são definidos de outro modo: estabilidade económica e o euro; uma Europa de Justiça; e uma Europa a uma só voz.

No atinente à “estabilidade económica e o euro”, é de recordar que o Tratado de Maastricht estabeleceu as bases para uma união económica e monetária, definindo o objetivo de promover o progresso económico e social pelo “fortalecimento da coesão económica e social” e pelo “estabelecimento da união económica e monetária”, incluindo a “moeda única”. E em 2002, as notas e moedas de euro começaram a circular em 12 países da UE.

O economista francês Jean Claude Trichet disse que a “criação de uma moeda comum foi uma decisão multinacional e multiconsensual […] uma convergência de grandes sensibilidades políticas”. Helmut Kohl, chanceler alemão, e François Mitterrand, presidente francês, escreveram aos líderes dos outros 10 estados-membros, a dizer que era hora de transformar as relações como um todo entre os estados-membros numa UE. Agora, o euro é a segunda moeda mais negociada do Mundo. Para os mais de 340 milhões de pessoas que vivem na Zona Euro, isso significa mais escolha e preços estáveis, maior segurança e oportunidades para as empresas, estabilidade e crescimento melhorados e mercados financeiros mais estreitamente integrados.

Quanto ao pilar “Uma Europa de justiça”, considerando que, para os criminosos não há fronteiras, sustenta-se que, só trabalhando juntos, os países da UE podem combater o crime e o terrorismo. Para tanto, substituiu-se a manta de retalhos imperfeita de cooperação direta entre governos, pôs-se a cooperação sob o manto da UE e abriu-se a rota para “uma ação muito mais eficaz e inclusiva entre os estados-membros”.

Da Justiça e dos Assuntos Internos resultou o desenvolvimento de agências, como a Europol, e a criação de ferramentas, como o mandado de prisão europeu, facilitando a transferência de suspeitos de crimes entre os países da UE e tornou-se a UE mais eficaz na proteção dos cidadãos em áreas, como a fraude internacional, o tráfico de drogas, o crime organizado e o terrorismo.

No concernente ao pilar “Uma Europa a uma só voz”, verifica-se uma importante mudança na política externa. Em vez da frouxa cooperação anterior entre os estados-membros, a UE tem, agora, a possibilidade de agir e de falar no cenário mundial a uma só voz.

O desenvolvimento da política externa e de segurança comum visa preservar a paz, fortalecer a segurança internacional, promover a cooperação, desenvolver e consolidar a democracia e o Estado de direito, bem como o respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais

Apesar do aumento do número de estados-membros, desenvolveu-se crescente coesão na capacidade de agir em conjunto e de influenciar desenvolvimentos globais. Em 2012, a UE foi galardoada com o Prémio Nobel da Paz, em parte, pelas suas ações para promover e proteger a democracia em vários estados-membros e, em parte, pelo sucesso em superar a divisão Leste-Oeste e em fortalecer o processo de reconciliação nos Balcãs.

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As inovações de Maastricht sintetizam-se em vários itens, como segue:

1. Cidadãos da Europa. Foram formalizados os direitos dos cidadãos da UE de viver, de trabalhar e de estudar em outros países da UE, desfrutando de uma série de direitos, mesmo quando vivem noutro estado-membro, que incluem o direito de se candidatar e de votar em eleições locais, regionais e da UE, e direitos referentes à proteção consular, ao viajar. Há 17 milhões de cidadãos da UE que exercem o seu direito de viver e de trabalhar em outros países da UE, e inúmeros outros que viajam, livremente, entre os estados-membros, nas suas vidas diárias.

2. Uma Europa educada. Consolidou-se uma série de esquemas bem-sucedidos, como o programa Erasmus, criado, inicialmente, como projeto de intercâmbio estudantil, com aceitação limitada.

Nas três décadas seguintes, mais de 13 milhões de pessoas participaram no Erasmus+ e nos seus predecessores, criados para encorajar e promover a mobilidade, a experiência internacional e a cooperação. Assim, aprimorou-se o foco no papel da educação e do treinamento na Europa.

O orçamento do programa Erasmus Plus duplicou para o período de 2021-2027, em comparação com os sete anos anteriores, atingindo quase 26 biliões de euros. E, apesar da pandemia global de covid-19, em 2021, o Erasmus Plus (+) financiou cerca de 19 mil projetos e 71 mil organizações de mais de 150 países, apoiando quase 649 mil experiências de aprendizagem.

3. Uma Europa interligada. Foi consolidada a política de coesão, que visa o desenvolvimento harmonioso geral da UE. Parte desta mudança envolve o desenvolvimento de redes de transporte e de ligações por toda a Europa, pois mercado único e comunidade integrada precisam de pessoas e de bens para poderem viajar, de forma rápida e segura. Assim, o objetivo da política da Rede Transeuropeia de Transportes (RTE-T ou TEN-T) é a rede de transporte eficaz na UE, para fortalecer a coesão económica, social e territorial, criando sistemas de transporte integrados entre fronteiras, sem elos perdidos nem gargalos, mas com linhas ferroviárias, hidrovias interiores, rotas de transporte marítimo de curta distância e estradas. A rede abrange 90 mil quilómetros e liga 424 grandes cidades com portos, aeroportos e terminais ferroviários. Todavia, além da construção de mais infraestruturas, a política TEN-T visa reduzir o impacto ambiental do transporte, inclusive mudando um terço do frete rodoviário de longa distância para o transporte ferroviário e aquaviário, até 2030. E, quando a revisão da RTE-T estiver concluída, reduzirá, radicalmente, o tempo de viagem entre as principais cidades europeias: uma viagem de comboio entre Copenhaga e Hamburgo levará 2,5 horas, em vez das 4,5 atuais.

4. Uma Europa verde. Em Maastricht, à frente do seu tempo, no atinente às mudanças climáticas, os líderes dos países da UE assumiram o compromisso com a proteção do ambiente, reconhecendo a importância dos dados científicos, os benefícios e custos potenciais da ação em prol do ambiente, o princípio do poluidor-pagador e a determinação de que o crescimento económico não deve ocorrer às custas do ambiente. E a UE superou a sua meta de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE) para 2020. Nesse ano, teve 32% menos emissões em comparação com 1990, muito acima da sua meta de cortar emissões em 20%.

5. Emissões de GEE na UE-27. A UE é uma defensora vocal e firme do acordo de Paris sobre mudanças climáticas, o plano global para limitar o aumento da temperatura a 1,5°C. Em 2019, os líderes da UE comprometeram-se a atingir a neutralidade carbónica, até 2050, sendo a UE o primeiro grupo de países no Mundo a fazer promessa tão ambiciosa. E o pacote “Fit for 55” ajudará a atingir a meta, ao introduzir medidas políticas de longo alcance, para tornar a economia e a sociedade mais favoráveis ​​ao clima.

6. Uma Europa centrada no consumidor. Enquanto o mercado único abriu caminho para enormes novas oportunidades a empresas e a empreendedores, Maastricht reconheceu a necessidade de leis e de reguladores para proteger os interesses dos consumidores. Assim, por exemplo, os produtores de alimentos declaram os ingredientes dos alimentos processados, incluindo quaisquer alérgenos, como nanomateriais e os tipos de óleos e de gorduras que usam. E há regras para alimentos embalados e não embalados, de modo que quem compre alimentos online espere os mesmos padrões e rotulagem de quando os compram em loja.

7. Uma Europa social e orientada para os cuidados. Desde o início, tem sido prioritária a redução dos efeitos negativos da reestruturação económica nos trabalhadores. Com tal objetivo, o papel e o impacto do Fundo Social Europeu (FSE) aumentaram, para obviar ao ritmo da transformação económica. Maastricht expandiu e formalizou o escopo do FSE, para incluir os afetados pela adaptação às mudanças industriais e às mudanças nos sistemas de produção. Por outro lado, abriu caminho para a UE apoiar os estados-membros, na melhoria dos sistemas de saúde, em áreas como acesso a serviços de saúde, modernização da infraestrutura de saúde e melhoria da eficiência dos sistemas de saúde. E o novo Fundo Social Europeu+ (FSE+) contribui para uma Europa social e é essencial para a implementação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais (PEDS). Com o orçamento de 142,7 mil milhões de euros, o FSE+ centra-se nas áreas da inclusão social, do acesso igual à educação e à formação de qualidade e do acesso a educação de qualidade para todos, incluindo o emprego dos jovens.

8. Uma união mais estreita. As mudanças postas em marcha por Maastricht continuam a influenciar o desenvolvimento da UE, contribuindo para o desenvolvimento dinâmico da UE que trabalha para os seus cidadãos, perante os quais é responsável. De acordo com o ex-presidente francês, Valéry Giscard d’Estaing, face aos desafios atuais, a UE e os estados-membros “trabalharam em estreita colaboração com um claro senso de propósito, em linha com os valores cimentados no Tratado de Maastricht”. Assim, após a agressão militar da Rússia, a UE uniu-se na solidariedade inabalável com a Ucrânia e tomou medidas sem precedentes em seu apoio, incluindo assistência económica, ajuda humanitária e apoio militar. Simultaneamente, tentou mitigar o impacto da crise energética, exacerbada pela guerra da Rússia contra a Ucrânia.

Numa entrevista, Niels Ersbøll advertiu: “A comunidade tem a ver com compromisso, nunca é perfeita, é um empreendimento humano. O Tratado de Maastricht não é perfeito, mas foi um grande passo para uma união mais estreita e ainda estamos a dar passos para uma união mais estreita e continuaremos a fazê-lo enquanto alguém puder prever o futuro.”

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Acresce referir que, a 3 de fevereiro, os dirigentes da UE, a convite de António Costa, presidente do Conselho Europeu, para uma jornada informal de reflexão, examinaram aspetos fundamentais da Defesa, como o reforço das capacidades coletivas, e a melhor forma de utilizar o orçamento da UE e de mobilizar financiamento privado, assim como de fortalecer as parcerias estratégicas. E concluíram que, face aos desafios, em matéria de segurança, como a guerra da Rússia contra a Ucrânia, as ameaças nucleares, os ciberataques e os ataques híbridos, bem como a instabilidade no Médio Oriente, a UE deve reforçar a capacidade de defesa e a autonomia estratégica.

Assim, baseados no trabalho da Agência Europeia de Defesa, dedicaram trataram das lacunas críticas e dos setores onde se verifica um claro valor acrescentado da UE, nomeadamente, a defesa aérea e antimísseis, os mísseis e munições, a mobilidade militar e os facilitadores estratégicos.

Voltarão ao tema da Defesa, em futuras reuniões, inclusive na reunião do Conselho Europeu de junho, pois a de março será dedicada à economia e ao modo como a competitividade e a prosperidade contribuirão para a força e para a autonomia da Europa.

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Espera-se que a UE, preocupada com a Defesa, não descure a cidadania.

2025.02.08 – Louro de Carvalho

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