quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Fazer de Gaza a “Riviera do Médio Oriente” suscita dupla reação

 
Depois de se encontrar com Steve Witkoff, enviado de Donald Trump para o Médio Oriente, o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, reuniu-se com o presidente dos Estados Unidos da América (EUA), a 4 de fevereiro, numa sala fechada, na Casa Branca, em Washington DC, para discutir o futuro do Médio-Oriente. E, no dia 5, visitou o Pentágono e sentou-se com os líderes do Congresso. Foi o primeiro líder estrangeiro a avistar-se como Trump como presidente.
Foi a primeira viagem de Netanyahu para fora de Israel desde que, em novembro, o Tribunal Penal Internacional (TPI) emitiu mandados de captura contra o próprio, contra o antigo ministro da Defesa e contra o chefe militar do Hamas, acusando-os de crimes contra a Humanidade durante a guerra em Gaza. Os EUA não reconhecem a autoridade do TPI.
Antes de deixar Washington, Benjamin Netanyahu vangloriando-se dos resultados das suas guerras, disse que as operações militares israelitas em Gaza, no Irão, no Líbano, na Síria e no Iémen “redesenharam o mapa”, mas “espera” que a colaboração com Trump possa “redesenhá-lo mais e melhor”, sugerindo que a sua visita trará mais benefícios para Telavive.
Esperava-se que o primeiro-ministro israelita, na visita pressionasse Trump a tomar medidas em relação ao Irão. Teerão vem enfrentando uma série de reveses militares, incluindo a significativa redução, pelas forças israelitas, do poderio do Hamas, em Gaza, e dos militantes do Hezbollah, no Líbano, bem como a operação que dizimou as defesas aéreas do Irão. Netanyahu crê que este momento criou o ensejo para equacionar, de forma decisiva, o programa nuclear de Teerão. De facto, antes do encontro com Netanyahu, Trump assinou uma ordem executiva que aumenta a pressão económica sobre o Irão.
Benjamin Netanyahu é pressionado pela extrema-direita para continuar a guerra, mas quer satisfazer as famílias dos prisioneiros fazem pressão para concluir o acordo de troca. Assim, terá de chegar a uma fórmula equilibrada com Trump para salvar o seu governo, que o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, ameaça fazer cair, e para levantar o moral do seu povo, 96% do qual sustenta que Telavive não atingiu os objetivos na guerra contra o Hamas.
Em entrevista aos jornalistas, as declarações do presidente dos EUA levantaram questões sobre a sua posição face à guerra em Gaza. Trump, que prometeu acabar com as guerras no Médio Oriente, não especificou uma estratégia clara para a paz, apenas reiterou o apoio à expansão do Estado hebreu, dizendo, em resposta à pergunta de um repórter sobre o apoio à anexação da Cisjordânia a Israel: “Não vou falar sobre isso, mas Israel é muito pequeno.” Depois, vincando que não tem “garantias de continuidade da paz, na região”, ironizou, segurando a caneta: “Israel é um país pequeno, e o meu gabinete parece o Médio Oriente. Estão a ver esta caneta? É muito bonita. Israel é como a ponta da caneta, e isso não é bom, pois não?”
As posições de Trump sobre a expansão de Israel surgem no momento em que a operação “Muro de Ferro”, na Cisjordânia ocupada, aumenta, deslocando centenas de Palestinianos, diariamente, com o apelo à deslocação dos habitantes de Gaza para o Egito e para a Jordânia e com a afirmação de que Amã e o Cairo responderão às exigências de Israel, apesar das suas declarações de condenação. “Nós damos-lhes muito e eles deviam fazer o mesmo por nós”, disse.
Se Trump puser em marcha o seu plano, Netanyahu concretizará as esperanças do ministro das Finanças, face aos colonatos, na Cisjordânia e em Gaza, e ruirá a ameaça ao governo. O Times of Israel citou um ministro israelita que, sob anonimato, disse que as declarações de Trump sobre a deportação de Palestinianos e sobre a “limpeza de Gaza” foram coordenadas com Netanyahu, há algum tempo, e foram bem recebidas pelos círculos israelitas de direita.
No início, o primeiro-ministro falou de migração voluntária, mas as declarações provocaram oposição global, pelo que parou com o programa, apesar de saber que “esta é a única solução”.
Segundo o Jerusalem Post, tentam persuadir Trump a desistir da ideia, que prejudicará os esforços de normalização na região, já que o presidente de 78 anos está ciente de que a sua rota para a Arábia Saudita passa por Gaza. E o embaixador de Israel nos EUA, Yechiel Leiter, pensa que Israel está “mais perto do que nunca” da normalização com a Arábia Saudita.
Os meios de comunicação social hebraicos seguiram de perto o encontro dos dois líderes e o que poderá resultar dele. Uma reportagem do jornal hebraico Maariv sustenta que quem pensa que Netanyahu e Trump têm um plano claro em relação à região está “iludido”, mas tentarão chegar a uma fórmula unificada da qual possam sair com os maiores ganhos, o que explica a ambiguidade das declarações do líder republicano sobre a retomada da guerra em Gaza e sobre a expansão do território de Israel. Por outro lado, esperava-se Trump dissuadisse Netanyahu de travar uma guerra que pode dificultar a normalização com a Arábia Saudita, em troca de um objetivo mais valioso, que é uma guerra com o Irão, mas não necessariamente no sentido militar.
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O presidente Donald Trump disse querer que os Estados Unidos (EUA) assumam o controlo da Faixa de Gaza e a reconstruam, depois de reinstalar a população palestiniana noutros países, mas não forneceu pormenores sobre como os EUA administrariam o local e o que fariam no território.
“Os Estados Unidos vão assumir o controlo da Faixa de Gaza. E vamos desenvolver trabalho no local. Seremos os seus donos e também responsáveis pelo desmantelamento de todas as bombas perigosas não detonadas e de outras armas existentes no local”, afirmou ante os jornalistas, numa conferência de imprensa conjunta com o primeiro-ministro israelita, na sequência da reunião na Casa Branca, onde discutiram o cessar-fogo e o acordo de troca de reféns no conflito.
“Não acho que as pessoas devam regressar. Não se pode viver em Gaza, neste momento. Acho que precisamos de outro local. Penso que deve ser um local que faça as pessoas felizes”, referiu o líder dos EUA, cujos comentários surgiram numa altura em que ele e os seus conselheiros defenderam que não é viável um cronograma de três a cinco anos para a reconstrução do território devastado pela guerra, conforme estabelecido no acordo de trégua temporário. “Se olharmos para as últimas décadas, só existem mortes em Gaza. Isto está a acontecer há anos. É tudo morte. Se conseguirmos uma área bonita para reinstalar as pessoas, permanentemente, em casas bonitas onde possam ser felizes e não sejam alvejadas e não sejam mortas e não sejam esfaqueadas até à morte como está a acontecer em Gaza”, acrescentou.
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O Egito e a Jordânia, bem como outras nações árabes, rejeitaram categoricamente os apelos de Trump para realojarem os 2,3 milhões de Palestinianos do território, durante a reconstrução do território no pós-guerra. Porém, os altos funcionários da administração norte-americana insistem na relocalização dos Palestinianos por razões humanitárias. O enfoque da Casa Branca na reconstrução surge no momento em que, após uma guerra de 15 meses, a trégua inicial entre Israel e o Hamas está em risco. Entretanto, Donald Trump está cauteloso, quanto à perspetiva, a longo prazo de uma trégua, mesmo ao assumir o mérito de ter pressionado o Hamas e Israel para o acordo de reféns e de cessar-fogo, que entrou em vigor na véspera do seu regresso ao cargo.
Desde que regressou ao cargo, Trump apelou à relocalização dos palestinianos de Gaza para os países vizinhos, o Egito e a Jordânia, apesar de o presidente egípcio, Abdel Fattah el-Sissi e o rei jordano Abdullah II terem rejeitado a ideia.
A Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos, o Catar, a Autoridade Palestiniana e a Liga Árabe juntaram-se ao Egito e à Jordânia na rejeição dos planos de retirada dos Palestinianos dos seus territórios em Gaza e na Cisjordânia ocupada. Porém, Trump diz que pode persuadir o Egito e a Jordânia a aceitarem os Palestinianos deslocados, devido à ajuda dos EUA ao Cairo e a Amã.
O apoio popular ao primeiro-ministro israelita tem vindo a diminuir. Com efeito, além do cansaço generalizado da guerra, Netanyahu tem vindo, ao longo das últimas semanas, a testemunhar num processo de corrupção em curso, centrado em alegações da sua troca de favores com magnatas dos media e associados ricos. Porém, ser visto com Trump, que é popular em Israel, pode ajudar a distrair o público do julgamento e aumentar a popularidade do chefe do governo.
O anúncio de que os EUA poderiam “tomar conta” da Faixa de Gaza depois de a população ser deslocada para outros países, foi condenado em todo o Médio Oriente e não só, mas celebrado por membros do gabinete de Israel. Porém, Trump afirmou que a decisão não foi “tomada de ânimo leve” e que tinha o apoio de alto nível de líderes não identificados com quem a discutiu.
Riyad Mansour, líder da delegação palestiniana da Organização das Nações Unidas (ONU), sustentou que os Palestinianos em Gaza deveriam ser autorizados a regressar às suas “casas originais”, em Israel, em vez de serem transferidos para outros países.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros da Arábia Saudita declarou, em comunicado, que rejeita qualquer tentativa de deslocar os Palestinianos da sua terra natal e que não estabeleceria relações com Israel sem um Estado palestiniano. “A Arábia Saudita continuará a envidar esforços para criar um Estado palestiniano independente, com Jerusalém Oriental como capital, e não estabelecerá relações diplomáticas com Israel sem esse Estado”, refere o comunicado, vincando que a posição da Arábia Saudita é “inegociável”.
A 1 de fevereiro, um grupo de nações árabes, incluindo o Egito, a Jordânia e a Arábia Saudita, já tinha rejeitado a sugestão anterior de Trump para que os habitantes de Gaza fossem transferidos para países vizinhos, escrevendo, em declaração conjunta, que qualquer plano que encoraje a transferência ou o “desenraizamento” dos Palestinianos ameaçaria a estabilidade na região.
Também numa conferência de imprensa, a 5 de fevereiro, um porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China disse que Pequim se opõe à “transferência forçada” de Palestinianos da Faixa de Gaza, frisando que “sempre defendeu que o governo palestiniano sobre os Palestinianos é o princípio básico da governação de Gaza, no pós-guerra”.
O primeiro-ministro australiano, Anthony Albanese, afirmou que o seu governo continua a apoiar uma solução de dois Estados, no Médio Oriente, “onde Israelitas e Palestinianos possam viver em paz e segurança”. “A posição da Austrália é a mesma que tinha esta manhã e que tinha no ano passado”, disse Albanese, numa conferência de imprensa.
Trump disse que não é contra a solução de dois Estados, que tem sido a abordagem oficial da política externa dos EUA, há décadas. Apenas quer dar às pessoas “uma oportunidade de vida”, porque a Faixa de Gaza tem sido um “inferno para as pessoas que lá vivem” (Que rico!).
Por seu lado, Netanyahu denominou Trump como o “maior amigo que Israel já teve na Casa Branca” e elogiou-o por “pensar fora da caixa com ideias novas”.
Também alguns países europeus reiteraram o apoio à solução de dois Estados, depois de Donald Trump ter sugerido que os EUA “tomassem conta” da Faixa de Gaza, transformando o enclave devastado na “Riviera do Médio Oriente”, o que foi recebido com fortes críticas e com ceticismo pelos países europeus, que advertiram que a ideia atropelaria a solução de dois Estados.
“A expulsão da população civil palestiniana de Gaza não seria apenas inaceitável e contrária ao direito internacional. Também conduziria a novo sofrimento e a novo ódio”, declarou Annalena Baerbock, ministra dos Negócios Estrangeiros da Alemanha, em comunicado.
A França rejeitou, sem ambiguidade, o plano de Trump, afirmando que a transferência forçada da população palestiniana para permitir a supervisão americana constituiria grave violação do direito internacional, ataque às legítimas aspirações dos Palestinianos e grande obstáculo à solução de dois Estados. “O futuro de Gaza não deve estar na perspetiva de um controlo por um terceiro Estado, mas no quadro de um futuro Estado palestiniano, sob a égide da Autoridade Palestiniana”, declarou o Ministério dos Negócios Estrangeiros francês.
A Espanha e a Irlanda, que reconheceram, em 2024, o Estado da Palestina, manifestaram a sua oposição à proposta de Trump, que põe em causa décadas de política externa dos EUA.
Numa sessão de perguntas e respostas na Câmara dos Comuns, o primeiro-ministro britânico Keir Starmer expressou reservas na sua primeira grande rutura pública com a administração Trump. “Os habitantes de Gaza devem ser autorizados a regressar a casa. Devem ser autorizados a reconstruir, e devemos estar com eles nessa reconstrução no caminho para uma solução de dois estados”, disse Starmer.
O ministro dos Negócios Estrangeiros italiano, Antonio Tajani, admitiu que Roma iria analisar o plano de Trump, mas que o país continua a favor de uma solução de dois Estados.
O rei Abdullah da Jordânia rejeitou “quaisquer tentativas de anexar terras e deslocar os Palestinianos” e o ministro dos Negócios Estrangeiros do Egito, Badr Abdelatty, em reunião com o primeiro-ministro palestiniano, Mohammad Mustafa, apelou à comunidade internacional para reconstruir Gaza, sem transferir os residentes palestinianos para outro local.
A Comissão Europeia não respondeu a um pedido de comentário à proposta de Trump. Ao invés, nos Países Baixos, Geert Wilders, o líder do Partido da Liberdade (PVV), de extrema-direita, concordou com Trump.
Wilders não tem assento no governo, mas o seu partido é a maior força na coligação de quatro partidos. “Jordânia é igual a Palestina”, disse Wilders, nas redes sociais. “Que os Palestinianos se mudem para a Jordânia. O problema de Gaza está resolvido!”, concluiu
Segundo os meios de comunicação social neerlandeses, a Jordânia denunciou os comentários de Wilders como “posição racista” e o ministro dos Negócios Estrangeiros, Caspar Veldkamp, foi forçado a esclarecer que não representavam a política do governo, frisando: Para os Países Baixos, não há dúvidas: Gaza pertence aos Palestinianos. […] A nossa posição é e permanece inalterada: os Países Baixos apoiam uma solução de dois Estados. Isso significa um Estado palestiniano independente e viável ao lado de um Israel seguro.”
Esta não é a primeira vez que os Europeus criticam a agenda expansionista de Trump, bem como a tentativa de se apoderar da Gronelândia, a ilha semiautónoma que faz parte do Reino da Dinamarca. Todavia, é de questionar porque é que a União Europeia não assume uma posição unívoca. Por onde andam Roberta Metsola, Kaja Kallas, Ursula von der Leyen e António Costa?

2025.02.05 – Louro de Carvalho


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