terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

A União Europeia está pronta para “negociações duras” com os EUA

 

A presidente da Comissão Europeia disse, a 4 de fevereiro – um dia depois de o Canadá e o México terem fechado acordos de última hora com a Casa Branca, evitando, temporariamente, a dolorosa imposição de tarifas de 25% –, que a União Europeia (UE) está disposta a encetar “negociações duras” com o presidente dos Estados Unidos da América (EUA), Donald Trump, para evitar uma guerra comercial entre os dois lados do Atlântico.

“Protegeremos, sempre, os nossos próprios interesses, como e quando for necessário”, afirmou Ursula von der Leyen, depois de Donald Trump ter avisado que as tarifas contra a UE iriam acontecer “muito em breve”.

Efetivamente, Donald Trump, depois de ter decretado tarifas de 25% sobre os produtos importados do Canadá e do México, avisou, a 2 de fevereiro, que as tarifas contra o bloco iriam “definitivamente acontecer” e ser introduzidas “muito em breve”, o que pôs funcionários e diplomatas, em Bruxelas, em alerta máximo. “A União Europeia tratou-nos de forma terrível”, disse a repórteres, criticando o superavit comercial europeu com os EUA.

Em resposta, o porta-voz da UE disse que o bloco “responderá, com firmeza, a qualquer parceiro comercial que impuser tarifas injustas ou arbitrárias aos produtos da União Europeia”. “As tarifas criam perturbações económicas desnecessárias e aumentam a inflação. São prejudiciais para todos os lados”, justificou, considerando que a UE, que havia indicado que esperava evitar um conflito comercial com Trump, continua comprometida com a política de tarifas baixas como forma de “impulsionar o crescimento e a estabilidade económica dentro de um sistema comercial forte e baseado em regras”.

“Estaremos prontos para negociações difíceis, sempre que necessário, e para encontrar soluções, sempre que possível, para resolver quaisquer queixas e estabelecer as bases para uma parceria mais forte. Seremos abertos e pragmáticos na forma de o conseguir”, disse, por sua vez, a presidente da Comissão Europeia, na reunião anual dos embaixadores da UE, em Bruxelas, vincando: “Mas deixaremos, igualmente, claro que protegeremos sempre os nossos próprios interesses, como e quando for necessário. Esta será sempre a forma de atuar da Europa.”

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Os governos do Canada e do México, primeiro, anunciaram retaliar, impondo reciprocamente tarifas aduaneiras aos produtos importados dos EUA, mas, depois, conseguiram acordos com Donald Trump, no sentido de os EUA protelarem a imposição de tarifas e os outros dois países se comprometerem a fiscalizar as fronteiras com os EUA, a fim de evitarem o negócio do fentanil, o móbil que serviu de pretexto à imposição de tarifas por parte do presidente norte-americano.    

Os acordos com o Canadá e com o México, anunciados pouco depois de o primeiro-ministro Justin Trudeau e a presidente Claudia Sheinbaum terem mantido telefonemas separados com Donald Trump, sugerem que o republicano vê as tarifas como ferramenta de política externa para extrair concessões de outras nações, incluindo aliados próximos, em vez de reequilibrar as relações comerciais, como alegou na sua campanha presidencial bem-sucedida.

Os acordos com o Canadá e com o México envolvem compromissos de reforço dos controlos fronteiriços e de repressão do comércio de fentanil, do tráfico de armas e do crime organizado. Em troca, Donald Trump adiará os direitos aduaneiros de 25% por um período inicial de 30 dias e o Canadá e o México abster-se-ão de impor os direitos compensatórios que projetaram. Em contrapartida, as tarifas de 10% aplicadas à China já entraram em vigor, o que levou Pequim a retaliar e a anunciou que recorrerá à Organização Mundial do Comércio (OMC), por violação das regras do comércio internacional.

Enquanto os mercados tentam digerir o vaivém comercial, as atenções viram-se para a UE, a próxima na lista do presidente norte-americano, que disse aos jornalistas que a UE “tem abusado” dos EUA, durante anos, e não pode fazer isso”.

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Em 2022, os EUA foram o terceiro maior exportador do Mundo (1960 biliões de euros, 10,1%), precedidos pela China (3413 biliões de euros, 17,6%) e pela UE (2572 biliões de euros, 13,2%) e seguidos pelo Japão (709 biliões de euros, 3,6%) e pela Coreia do Sul (649 biliões de euros, 3,3%).

Porém, os EUA foram o maior importador do Mundo (3206 biliões de euros, 15,8%), seguidos pela UE (3007 biliões de euros, 14,8%), pela China (2579 biliões de euros, 12,7%), pelo Japão (852 biliões de euros, 4,2%) e pelo Reino Unido (782 biliões de euros, 3,9%).

De acordo com o Eurostat, a UE tem um excedente de bens de longa data com os EUA, no valor de 155,8 mil milhões de euros, em 2023. Os produtos farmacêuticos e os veículos foram as exportações mais valiosas. Porém, nos serviços, os fluxos são o oposto: a UE tem um défice recorrente e considerável com os EUA, no valor de 104 mil milhões de euros, no mesmo ano.

Em 2023, os EUA foram o maior parceiro para as exportações de bens da UE (19,7%) e o segundo maior parceiro para as importações de bens da UE (13,7%). E, entre os estados-membros da UE, os Países Baixos foram o maior importador de bens dos EUA e a Alemanha foi o maior exportador de bens para os EUA, no mesmo ano.

Tanto as exportações como as importações dos EUA aumentaram, consideravelmente, entre janeiro de 2022 e dezembro de 2023. As exportações cresceram de 39,6 biliões de euros, em janeiro de 2022, para 43,3 biliões de euros, em dezembro de 2022. As importações dos EUA foram de 24,2 biliões, em janeiro de 2022, crescendo para 31,1 biliões de euros, em dezembro de 2023. Em janeiro de 2022, o superavit comercial foi de 15,4 biliões de euros. É certo que atingiu a baixa de 8,8 biliões de euros, em julho de 2022, mas ficou em 12,2 biliões de euros, em dezembro do mesmo ano.

Comparando o comércio da UE com os EUA com o comércio da UE com outros países não pertencentes à UE, verifica-se que, entre janeiro de 2022 e dezembro de 2023, as importações da UE dos EUA aumentaram 28,3%, enquanto as importações de outros países não pertencentes à UE diminuíram 13,4%. As exportações da UE para os EUA aumentaram 9,3%, enquanto as exportações para outros países não pertencentes à UE aumentaram 3,8%.

No atinente ao comércio com os EUA, por estado-membro da UE, em 2023, a nível das importações, os três maiores importadores dos EUA, na UE, foram os Países Baixos (75240 milhões de euros), a Alemanha (71932 milhões de euros) e a França (43656 milhões de euros). Luxemburgo (29,2%) teve a maior participação dos EUA, nas suas importações extra UE. E Portugal fez importações dos EUA no valor de 2053 milhões de euros, em 2023, o que significa 8,4%, nas suas importações extra UE.

A nível das exportações, os três maiores exportadores para os EUA, na UE, foram a Alemanha (157732 milhões de euros), a Itália (67266 milhões de euros) e a Irlanda (51621 milhões de euros). A Irlanda (45,8%) teve a maior participação dos EUA, nas suas exportações extra UE. E Portugal fez exportações para os EUA no valor de 5235 milhões de euros, em 2023, o que significa 22,7%, nas suas exportações extra UE.

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Ora, o inquilino da Casa Branca, segundo a Comissão Europeia, concentrou as queixas nos bens, sem ter em conta os serviços. “Eles não levam os nossos carros, não levam os nossos produtos agrícolas, não levam quase nada e nós levamos tudo deles. Milhões de carros, quantidades enormes de alimentos e produtos agrícolas”, afirmou.

Se o Presidente americano levar a cabo a sua ameaça, a tarefa recairá sobre a Comissão Europeia, que tem competência exclusiva para definir a política comercial da UE.

No discurso acima referido, Ursula von der Leyen insistiu em que a “primeira prioridade” da Comissão será estabelecer contactos com a nova administração para encontrar um terreno comum.

Não deu exemplos de concessões que Bruxelas pode oferecer para aplacar a fúria de Trump, antes falou em cooperar nas “muitas áreas em que os nossos interesses convergem”, como as cadeias de abastecimento críticas e as tecnologias emergentes.

Já em novembro, a presidente da Comissão Europeia lançou a ideia de comprar mais gás natural líquido (GNL) americano, para ajudar o bloco a eliminar, gradualmente, os combustíveis russos). De igual modo, não indicou os setores que Bruxelas pode atingir na sua potencial retaliação. O Canadá, por exemplo, tinha anunciado contratarifas sobre produtos americanos importantes provenientes de estados com votos republicanos, antes de as suspender.

“Juntos, a UE e os EUA representam quase 30% do comércio mundial de bens e serviços e mais de 40% do PIB [produto interno bruto] mundial. As empresas europeias, nos EUA, empregam 3,5 milhões de americanos. E mais um milhão de empregos americanos dependem diretamente do comércio com a Europa”, afirmou Ursula von der Leyen, para defender o diálogo, acrescentando que “a questão é que há muita coisa em jogo, para ambas as partes”.

“Há empregos, empresas, indústrias, aqui e nos Estados Unidos, que dependem da parceria transatlântica. Por isso, queremos que ela funcione, e não apenas por causa dos nossos laços históricos, mas porque é, simplesmente, um negócio inteligente, disse a presidente da Comissão Europeia, vincando a importância das relações entre a UE e os EUA, mas instando os embaixadores a serem “corajosos e ágeis” no desenvolvimento de parcerias com outras nações, incluindo as que “não partilham os mesmos interesses”. E mencionou a China como um país com o qual o bloco poderia “expandir” os laços comerciais e de investimento, ao mesmo tempo que abordou os pontos de fricção.

Segundo Ursula von der Leyen, a UE deve abandonar o apego nostálgico ao Mundo que surgiu após a II Guerra Mundial e adaptar a sua política externa à era da “geopolítica hipercompetitiva e hipertransacional” que molda o século XXI. “Guerras, invasões, aumento do autoritarismo, tarifas, sanções, tecnologias disruptivas, alterações climáticas e migração irregular são um testemunho dessa nova realidade, afirmou, numa alusão ao facto de o presidente norte-americano ter ameaçado apoderar-se da Gronelândia pela força, se necessário.

“A Europa tem de lidar com o Mundo, tal como o encontramos. E estou convicta de que, neste Mundo de cabeça quente, a melhor abordagem da Europa é manter a cabeça fria”, sustentou, frisando: “A Europa deve tomar decisões, não com base na emoção ou na nostalgia de um Mundo que já foi, mas com base num juízo calculado sobre o que é do nosso próprio interesse no Mundo atual. Porque a política externa e a diplomacia não são um fim em si mesmas. São uma forma de proporcionar estabilidade, segurança e prosperidade aos nossos cidadãos e aos nossos parceiros.”

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Também o chanceler federal alemão, Olaf Scholz, alertou para os efeitos das tarifas punitivas dos EUA sobre o comércio mundial – as decretadas e as prometidas a 2 de fevereiro. “A troca global de mercadorias e commodities provou ser uma grande história de sucesso que possibilitou a prosperidade para todos nós”, disse a jornalistas, após uma reunião com o primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer, na Inglaterra, acrescentando: “É por isso que é importante que não dividamos o Mundo com muitas barreiras alfandegárias, mas que tornemos esse intercâmbio de bens e serviços possível também no futuro.”

E, questionado sobre possíveis contramedidas europeias, Olaf  Scholz disse que “a UE é um bloco económico forte, com as suas próprias opções de ação”.

Friedrich Merz, líder da oposição e principal candidato a chanceler, também se manifestou. “As tarifas nunca foram boa ideia para resolver conflitos de política comercial”, disse na convenção da União Democrata-Cristã (CDU), sustentando que o custo das tarifas acabará por sobrecarregar os consumidores americanos, que resistirão, pelo que, em contrapartida, a UE deve, agora, entrar unida nas negociações com os EUA.

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Enfim, as tarifas em causa terão impacto nos consumidores e nos países, como as sanções aplicadas à Rússia: inflação, crises económico-financeiras, míngua de bens e de serviços, crises sociais (com aumento das desigualdades), sendo os pobres quem mais sofrerá.     

2025.02.04 – Louro de Carvalho

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