A votação de resoluções da Organização das Nações Unidas (ONU) que exigem o fim da guerra de três anos da Rússia contra a Ucrânia, no dia 24, viu os Estados Unidos da América (EUA) separarem-se dos seus aliados europeus, recusando-se a responsabilizar Moscovo pela invasão do território ucraniano, o que vem confirmar a grande mudança nas relações transatlânticas com o regresso de Donald Trump à Casa Branca.
O voto surpresa dos EUA, dito surpresa (que não o é), surge depois de o presidente norte-americano ter decidido iniciar conversações diretas com a Rússia para pôr fim à guerra, chocando a Ucrânia e os seus aliados, na Europa, ao não os incluir nas discussões iniciais, na Arábia Saudita.
Na Assembleia Geral da ONU (constituída pelos representantes de 193 países), em Nova Iorque, os EUA juntaram-se à Rússia na votação contra uma resolução ucraniana apoiada pela Europa, que denunciava a agressão de Moscovo e exigia a retirada imediata das tropas russas.
Já numa outra resolução, os EUA abstiveram-se, depois de a União Europeia (UE), liderada pela França, ter conseguido alterá-la, para tornar claro que a Rússia era o agressor. Essa votação teve lugar no momento em que Trump recebia o presidente francês, Emmanuel Macron, em Washington, no terceiro aniversário da invasão da Ucrânia pela Rússia.
O ministro dos Negócios Estrangeiros do Chipre, Constantinos Kombos, referiu que os acontecimentos do dia 24, na ONU, tiveram o seu significado nas relações transatlânticas. “Ontem foi um dia muito difícil, dado que foi o aniversário de três anos da invasão ilegal da Ucrânia pela Rússia”, disse Kombos à Euronews, no dia 25, explicitando: “O resultado é que, ontem, a União Europeia conseguiu manter um elemento importante, em termos de posição de princípio, de declaração, mas também em termos de redação, no atinente à situação na Ucrânia.”
Na verdade, houve uma mobilização muito séria por parte dos estados-membros, com um número significativo de líderes europeus a deslocarem-se a Nova Iorque para gerir este assunto, e o resultado foi avaliado pela UE como positivo.
O voto dos EUA na Assembleia Geral da ONU, cujas decisões não são legalmente vinculativas, mas consideradas como um indicador do sentimento global, provocou reações na Internet, com alguns comentadores a tê-lo como infeliz, mesmo no seio do partido republicano de Trump.
O presidente dos EUA acusou, falsamente, Kiev de ter iniciado a guerra e avisou o presidente ucraniano, Volodymr Zelenskyy (o qual afirmou que Trump está a viver num “espaço de desinformação” criado pela Rússia) de que poderia perder o seu país, se não “agisse, rapidamente”, para negociar um acordo.
A Assembleia Geral da ONU aprovou a resolução ucraniana por 93 votos a favor, 18 contra e 65 abstenções. Apesar de positivo, o resultado mostrou diminuição do apoio à Ucrânia, sobretudo, porque, nas anteriores votações da assembleia, mais de 140 nações condenaram a agressão russa e exigiram a retirada imediata das tropas de Moscovo da Ucrânia. De acordo com a vice-ministra dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia, Mariana Betsa, o país estava a exercer o “direito inerente à autodefesa”, na sequência da invasão russa, que viola o requisito da Carta das Nações Unidas, a qual determina que os países respeitem a soberania e a integridade territorial de outras nações.
Na grande rutura com a administração Biden, Donal Trump restabeleceu a comunicação com a Rússia, enviando altos funcionários para manter conversações na Arábia Saudita com uma delegação russa e falando, diretamente, ao telefone com o líder do Kremlin, Vladimir Putin.
O presidente dos EUA e outros elementos da sua administração recusaram, claramente, culpar a Rússia pelo início do conflito. Contudo, Donald Trump, disse aos jornalistas, na Casa Branca, durante a visita do presidente francês, Emmanuel Macron, que a guerra poderia terminar dentro de semanas, se se registassem progressos nas conversações que encetou com responsáveis russos.
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Na verdade,
após um encontro com o presidente dos EUA, o líder francês disse que um
cessar-fogo com a Rússia é possível, mas que deve ter garantias de segurança
para a Ucrânia.Em declarações à Fox News, em Washington, após conversações com o presidente norte-americano, Emmanuel Macron afirmou que é “viável” sugerir que uma trégua entre a Rússia e a Ucrânia possa ser acordada, nas próximas semanas, mas frisou que os líderes – incluindo Trump – devem ser “cuidadosos” nas negociações com a Rússia.
“Em 2014, tivemos um cessar-fogo com a Rússia, que foi sempre violado”, disse Macron, sustentando que qualquer acordo de tréguas deve ser apoiado por garantias de segurança.
Donald Trump afirmou que a guerra entre a Rússia e a Ucrânia pode terminar, “dentro de semanas”, e insistiu que a Europa deve assumir o ónus de um acordo de manutenção da paz. A pressão de Trump para a realização de conversações de paz com a Rússia e as críticas ao presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskyy, a quem chamou “ditador”, ciaram, nos líderes europeus, o receio de que os EUA mediassem um acordo de cessar-fogo desfavorável à Ucrânia, dando a Moscovo tempo para se reagrupar.
Com o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, Macron posicionou-se na vanguarda dos esforços para garantir resposta europeia unida a uma mudança de tom da nova administração dos EUA. Ambos sugeriram que estariam abertos ao envio de tropas de manutenção da paz para a região, sugestão que Macron reiterou no dia 24. “Não para ir para a linha da frente, não para ir em confronto, mas para estar em alguns locais, sendo definido pelo tratado, como uma presença para manter esta paz e a nossa credibilidade coletiva com o apoio dos EUA”, vincou Macron.
Durante uma conferência de imprensa conjunta com Macron, Donald Trump afirmou que Putin tinha concordado com a presença de forças de paz europeias na Ucrânia, apesar de o embaixador da Rússia no Reino Unido, Andrei Andrei Vladmirovich Kelin, ter rejeitado, liminarmente, a ideia alguns dias antes.
O presidente norte-americano não mencionou as garantias de segurança, após a reunião com Macron, mas disse que o custo de assegurar a paz na Ucrânia deve ser coberto pela Europa e pelos EUA. Por sua vez, Macron declarou que a Europa compreende a necessidade de “partilhar, de forma mais justa, o fardo da segurança”, concluiu que a presença de Trump era uma “mudança de jogo” e concordou que este tinha “boas razões” para envolver Putin em conversações.
Trump afirmou que irá encontrar-se com o presidente russo, mas não sabendo quando. Por outro lado, convidou o presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskyy, para a Casa Branca, a fim de finalizar um acordo de 500 mil milhões de dólares (477 mil milhões de euros) sobre minerais de terras raras, que a administração Trump enquadrou como o reembolso, por parte de Kiev de milhares de milhões de dólares de ajuda que Washington enviou ao país, devastado pela guerra.
Zelenskyy disse, inicialmente, que a Ucrânia não assinaria um acordo deste tipo, uma vez que os EUA não tinham oferecido quaisquer garantias de segurança específicas em troca. Porém, no dia 23, o presidente do parlamento ucraniano disse que o governo iria começar a trabalhar, seriamente, para chegar a um acordo com a administração Trump, para dar aos EUA acesso aos recursos minerais da Ucrânia, mas sustentando que qualquer acordo deveria incluir garantias de segurança para a Ucrânia, por parte de Washington.
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Há poucos
dias, o embaixador da Rússia no Reino Unido disse que Moscovo rejeitava,
liminarmente, o envio de forças britânicas para solo ucraniano no pós-guerra,
ao passo que o presidente dos EUA afirmava que o líder russo aceitaria o envio
de forças de manutenção da paz europeias para a Ucrânia, como parte de um
potencial acordo para acabar com a guerra. “Sim, ele vai aceitar”, disse Trump.
“Já lhe fiz essa pergunta. Se fizermos este acordo, ele não está à procura de
uma guerra mundial”.No entanto, não é claro por que Putin teve esta aparente mudança de opinião sobre as forças internacionais de manutenção da paz na Ucrânia. Com efeito, como foi dito, há apenas três dias, o embaixador da Rússia no Reino Unido, Andrey Vladmirovich Kelin, disse que Moscovo rejeitava a ideia do envio de forças britânicas para a Ucrânia num cenário pós-cessar-fogo.
Trump disse ter esperança de que os EUA e a Ucrânia cheguem, rapidamente, a um acordo sobre os minerais de terras raras, depois de se ter reunido com os líderes do G7 numa sessão virtual.
Washington está a pedir uma redução de 50% de todas as receitas geradas pelos recursos minerais e naturais da Ucrânia, algo que as autoridades norte-americanas chamam de pagamento pelo apoio militar anterior. Este acesso americano aos minerais de terras raras da Ucrânia foi apresentado, pela primeira vez, a Zelenskyy pelo Secretário do Tesouro Scott Bessent, no início de fevereiro.
Zelenskyy rejeitou a proposta original, aduzindo que não podia “vender a Ucrânia e que os EUA não tinham fornecido, nem de perto nem de longe, essa soma em ajuda militar ou financeira, nem oferecido quaisquer garantias de segurança específicas.
Em declarações antes das conversações com Macron, Donald Trump não disse se o acordo emergente incluiria garantias de segurança americanas, mas afirmou que “a Europa vai certificar-se de que nada acontece”.
A decisão de Trump de enviar os seus principais assessores para conversações preliminares com funcionários russos, na Arábia Saudita, sem a presença de alguém da Ucrânia, nem do bloco dos 27, causou consternação generalizada, em toda a Europa. Porém, o presidente dos EUA rejeitou as queixas de Zelenskyy sobre a Ucrânia e a Europa não terem sido incluídas nas conversações.
Entretanto, os EUA não conseguiram que a Assembleia Geral da ONU aprovasse a sua resolução que apela para o fim da guerra, sem mencionar a agressão de Moscovo. Os aliados europeus uniram-se, recentemente, em redor de Zelenskyy, nervosos com a aproximação de Trump a Moscovo e receosos de que as negociações de paz se realizem sem o envolvimento direto da Ucrânia e favoreçam a Rússia. Macron afirmou que a Europa está disposta a assumir-se como “um parceiro forte” e a fazer mais para garantir a defesa do continente, num momento em que se teme que as prioridades de segurança de Trump estejam noutro lado. “Tenho um grande respeito pela coragem e resistência do povo ucraniano. E partilhamos o objetivo da paz. Mas estamos muito conscientes da necessidade de ter garantias e uma paz sólida para estabilizar a situação”, discorreu Emmanuel Macron, acrescentando: “Penso que os EUA e a França estão sempre do mesmo lado, o lado correto, diria eu, da História.”
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Perante a relutância
da administração Trump em trazer a Ucrânia e a Europa para a mesa das
negociações sobre a paz com a Rússia, os líderes europeus reafirmaram o apoio
ao presidente Zelenskyy e o empenho em objetivos de segurança comuns. E, após discussões
sobre as prioridades de segurança, no contexto da guerra de três anos, na
Ucrânia, vários funcionários europeus planearam visitas aos EUA para discutir o
fim da guerra e promover um papel europeu na via para um potencial acordo de
paz.O presidente polaco, Andrzej Duda, reuniu-se com Donald Trump no dia 22, o presidente francês, Emmanuel Macron, esteve em Washington DC, no dia 24, enquanto o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, esteve com o presidente dos EUA no dia 20.
O presidente polaco, que fez a sua primeira visita a Trump, desde que este regressou à Casa Branca, em janeiro, mantém, desde há muito, uma relação positiva com o homólogo americano.
Desde o início da invasão russa, a Polónia tem sido um firme aliado da Ucrânia e um centro de transporte de ajuda humanitária e de equipamento militar proveniente do Ocidente. E membros superiores da administração Trump, incluindo o secretário da Defesa dos EUA, Pete Hegseth, elogiaram as despesas de defesa e o empenho da Polónia na segurança.
Antes da sua chegada aos EUA, Duda disse, numa declaração, no X, que tinha falado com Zelenskyy, ao telefone, para discutir o processo de paz e as conversações dos EUA com Moscovo.
O anúncio desta enxurrada de visitas diplomáticas surge depois de uma delegação dos EUA se ter reunido com diplomatas russos na capital saudita, Riade, para conversações sobre o fim da guerra.
Não foram convidados representantes da Ucrânia ou da Europa. Por isso, o presidente francês recebeu os líderes europeus numa cimeira de emergência, em Paris, no dia 17, para alinhar a sua posição conjunta sobre a Ucrânia.
Antes do seu encontro com Trump, Macron disse que tencionava dizer ao presidente dos EUA para não “ser fraco”, face ao presidente russo. “O que lhe vou dizer é que não se pode ser fraco, perante o presidente Putin. Não é o seu caso, não é a sua imagem de marca, não é do seu interesse”, disse Macron, ao responder a perguntas na sua página nas redes sociais, no dia 20, acrescentando: “Como é que se pode ser credível perante a China se se é fraco perante Putin? Se deixarem a Rússia tomar conta da Ucrânia, será imparável para os europeus, para toda a gente.”
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Entretanto,
a Ucrânia, tal como a Rússia (que já acha imprescindível a Europa nas
negociações), chegou a acordo com os EUA para a exploração de minerais e terras
raras no seu território, negociada em troca da proteção norte-americana,
avançou o Financial Times, na tarde de 25 de fevereiro. O acordo foi também
noticiado pela Reuters que, citando
duas fontes próximas das negociações, refere que o presidente ucraniano planeia
deslocar-se a Washington, no dia 28, para se encontrar com Donald Trump. Kiev
terá concordado com a exploração dos seus recursos, incluindo o petróleo e o
gás, depois de Washington ter deixado cair a exigência relativa ao direito a
500 mil milhões de dólares (cerca de 475 mil milhões de euros) em futuras
receitas provenientes dessa exploração, o que o governo ucraniano considerara
inaceitável. Os EUA, em contrapartida, apoiam o desenvolvimento da economia
ucraniana no pós-guerra, mas não há referência às garantias de segurança
exigidas por Kiev, nem se esclarecem os termos do acordo de propriedade
conjunta com os EUA, que deverão ser negociados a seguir.Porém, a Rússia quer atrair investidores estrangeiros para os territórios que acabou de “readquirir” (?) – as regiões de Kherson, Zaporijjia, Donetsk e Lugansk que foram ilegalmente anexadas por Moscovo, em 2022, na sequência de pretensos referendos, não reconhecidos pela Ucrânia, pela UE ou pelos EUA.
Estará, apesar de tudo, próxima a consecução da paz? A que preço e por quanto tempo?
2025.02.25 – Louro de Carvalho
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