O relatório preliminar da Inspeção Geral das Atividades em Saúde (IGAS), conhecido a 26 de fevereiro, concluiu que o Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) não teve acesso à informação, que devia, da existência da greve geral da Função Pública, para definir serviços mínimos no dia 4 de novembro.
“O INEM, I.P., não recebeu, atempadamente, a comunicação de pré-avisos das greves gerais convocadas para os dias 31 de outubro e 4 de novembro, pelo que, não tendo conhecimento dos detalhes neles constantes, quanto ao tipo e duração das greves, bem como dos serviços mínimos propostos, ficou inviabilizada a possibilidade de eventual contestação dos serviços mínimos tendente à sua negociação, o que apenas poderia ter sido feito nas primeiras 24 horas seguintes à respetiva emissão de cada pré-aviso”, lê-se no relatório da IGAS.
Esta é a grande conclusão da IGAS, sobre o processo de inspeção que instaurou, a 11 de novembro à atividade do INEM, na greve dos técnicos às horas extras, depois de se ter conhecido que tinham sido registadas 10 mortes de doentes, por suspeita de falta de socorro pré-hospitalar, nos dias 31 de outubro e 4 de novembro. Assim, a IGAS sustenta que não se pode responsabilizar o INEM pela não definição de serviços mínimos, nos dois dias em que a decorria, em simultâneo, a greve dos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar (TEPH) e a greve geral da função pública, apontando o dedo aos serviços do Ministério da Saúde, nomeadamente, à Secretaria-Geral, que não cumpriu o procedimento legal de informar a estrutura do INEM.
Ou seja, nem a SGMS, nem os gabinetes da ministra da Saúde, nem os das duas secretárias de Estado, nomeadamente a da Gestão da Saúde, Cristina André, que tutelava o INEM, informaram o INEM desta greve, não acautelando a sua atividade.
O relatório refere também que, “além das carências operacionais existentes e da procura extraordinariamente elevada registada no dia 4 de novembro de 2024, a mitigação do impacto da sobreposição da greve dos TEPH ao trabalho suplementar com as greves gerais da administração pública, em especial no dia referido, a capacidade operacional dos CODU não foi acautelada, por não terem sido acionados os mecanismos e formalidades legalmente previstos para contestar e negociar os serviços mínimos, nem para fixar o cumprimento dos serviços mínimos previstos no acordo coletivo de trabalho vigente”, lê-se na nota para a Comunicação Social.
Não obstante, segundo a IGAS, “durante a greve de 4 novembro foram implementadas medidas adequadas para, dentro das limitações existentes, minimizar o seu impacto”.
Das três greves convocadas, entre outubro e novembro, a IGAS salienta que apenas a greve ao trabalho suplementar/horas extraordinárias, decretada pelo STEPH, com início às 0h00 horas de 30 de outubro de 2024, por tempo indeterminado, foi comunicada ao INEM, através do pré-aviso de greve, remetido pela respetiva entidade sindical que a convocou.
Segundo a IGAS, o INEM “apenas teve conhecimento da greve de dia 31 de outubro, no próprio dia, constatando-se terem sido atingidos 80% dos trabalhadores escalados”. “No atinente à greve de 4 de novembro, “ainda que tivessem tomado conhecimento antecipado da sua realização, não foi seguido nenhum procedimento para a convocação dos trabalhadores escalados para a prestação dos serviços mínimos em períodos de greve, dado que esse procedimento não foi desenvolvimento pelas entidades sindicais até 24 horas antes do início da greve”, lê-se no relatório, de acordo com o qual só se “verificou incumprimento dos serviços mínimos no turno da tarde, entre as 16h e as 24 horas”, tendo sido, a 4 de novembro, “desencadeadas medidas de contingência que se revelaram, dentro do possível, adequadas”.
Após a greve do dia 4, no dia 6 de novembro, por deliberação do Conselho Diretivo, “foram então desencadeadas ações que estabilizaram o funcionamento dos CODU e permitiram debelar as fragilidades procedimentais no planeamento e preparação da greve geral da administração pública ocorrida no dia 6 de dezembro, garantindo, nesse dia, uma resposta mais adequada”.
Por conseguinte, a IGAS emitiu cinco recomendações, quatro dirigidas ao INEM e uma à SGMS.
Ao INEM, a IGAS recomenda que desenvolva “um procedimento formal para a revisão periódica dos rácios de pessoal, de acordo com a evolução da procura pelos CODU e com a evolução da sua performance, face às alterações organizacionais com impacto operacional”.
O INEM deve ainda “definir e monitorizar um objetivo para o indicador relacionado com o tempo até ao atendimento das chamadas de emergência”; “apresentar nos documentos de gestão informação sobre o volume e o peso do trabalho suplementar na atividade dos CODU; e definir um procedimento de atuação para o planeamento e organização do trabalho em caso de greve, que contemple a pronta avaliação tendente à eventual contestação e à negociação dos serviços mínimos propostos, bem como a fixação dos serviços mínimos e a convocatória formal dos trabalhadores escalados para o seu cumprimento, quando não definido pelas entidades sindicais, até 24 horas antes do início de cada período de greve”.
À SGMA, a IGAS recomenda a adoção de “um procedimento para o reencaminhamento imediato de todos os pré-avisos de greve recebidos de entidades sindicais ou dos gabinetes ministeriais às entidades tuteladas pelo Ministério da Saúde”.
Por fim, é de referir que a IGAS já enviou o documento às autoridades envolvidas para procederem ao contraditório.
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O
secretário-geral do Partido Socialista (PS) defendeu, logo no mesmo dia, que o relatório
preliminar da IGAS reforça a suspeita de “responsabilidades políticas” do Ministério
da Saúde nas falhas de informação ao INEM, pois o INEM “não recebeu,
atempadamente, a comunicação de pré-avisos das greves gerais convocadas para os
dias 31 de outubro e 4 de novembro”.Pedro Nuno Santos diz que, “a confirmar-se” este impedimento do INEM em definir serviços mínimos, por não ter recebido, atempadamente, do Ministério da Saúde os pré-avisos, “é algo que se reveste da maior gravidade”. Nesse sentido, “não tendo conhecimento dos detalhes neles constantes, quanto ao tipo e duração das greves, bem como dos serviços mínimos propostos, ficou inviabilizada a possibilidade de eventual contestação dos serviços mínimos tendente à sua negociação”. O pedido de negociação por parte do INEM “apenas poderia ter sido feito nas primeiras 24 horas seguintes à respetiva emissão de cada pré-aviso”, de acordo com a IGAS.
Ao INEM só chegou o pré-aviso da greve às horas extraordinárias convocada pelo STEPH.
Porém, no dia 27, o líder do PS acusou o primeiro-ministro de “assobiar para o lado”, na sequência da divulgação do relatório sobre o caso INEM, e aponta “responsabilidades políticas”.
Pedro Nuno Santos disse que o relatório reforça a suspeita de “responsabilidades políticas” do Ministério da Saúde, afirmando que as “consequências desta incompetência e desta negligência foram graves”, referindo-se às mortes reportadas.
Segundo o secretário-geral do PS, o primeiro-ministro tem de parar de “assobiar para o lado” e é “incompreensível” o “silêncio” da ministra da Saúde. A “saída da ministra não pode estar dependente do timing do ministro dos Assuntos Parlamentares”, disse o líder socialista, aludindo às eleições autárquicas e à possibilidade de Pedro Duarte assumir a candidatura à Câmara do Porto, e porfiando que espera ouvir a posição do Presidente da República (PR) sobre este caso, tendo recordado que ele “foi sempre muito exigente, e bem, com os governos socialistas”.
Perante a divulgação do relatório da IGAS, o presidente da Iniciativa Liberal (IL) defendeu que é o tempo de a ministra da Saúde tirar “consequências políticas” e considerou que Ana Paula Martins tem cada vez menos condições para continuar no cargo. “A ministra da Saúde, relativamente às conclusões ainda preliminares do relatório da IGAS, coloca-se na situação em que ela própria se colocou, porque, quando a questão se colocou, a senhora ministra disse que, quando houvesse um relatório, quando houvesse conclusões, teria de tirar responsabilidades políticas e consequências políticas. Agora já temos o relatório, é o momento de retirar consequências políticas”, afirmou o líder da IL, apontando como “muito provável que tenha havido mortes de portugueses, porque não houve uma resposta” do INEM, e “isso é uma situação absolutamente intolerável”.
Contudo, frisou que não é o caso de a governante ter responsabilidade pessoal, mas política. “Se isso aconteceu em função de um mau funcionamento do seu Ministério, eu creio que há consequências políticas a tirar”, defendeu Rui Rocha, acrescentando que a própria ministra “deve pôr em causa a sua própria continuidade”.
Falando aos jornalistas na Assembleia da República (AR), Rui Rocha afirmou que, “dia a dia essas condições [para continuar no cargo] estão a degradar-se”, estando em causa a situação da governante, por causa desta situação e de “muitas outras coisas”. “Se somarmos a situação do INEM a toda a incapacidade política que a ministra tem revelad relativamente às questões mais diversas […], eu diria que a secretária de Estado da Gestão da Saúde já devia ter saído e tenho muitas dúvidas de que seja ainda a ministra em funções que vá tomar essa decisão, se não será já outra pessoa que tem que tomar essa decisão”, atirou, sustentando que as conclusões da IGAS confirmam que a secretária de Estado Cristina Vaz Tomé “não tem condições para continuar em funções”.
O líder da IL assinalou que a última audição da Ministra da Saúde, na AR, foi “perturbadora”, pois “não sabia o que fazer no Hospital Amadora-Sintra, não tinha dados, não conseguia dar respostas”. “Nós temos de ter uma ministra da Saúde que tem respostas, que tem soluções, e nada disso tem acontecido”, criticou.
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Por sua vez,
a ministra da Saúde, recusou, a 27 de abril, recusou tirar ilações políticas,
após a divulgação do relatório da IGAS, que responsabiliza a tutela pelas
dificuldades sentidas no INEM, em 2024, devido às greves dos técnicos da
instituição. “Não me parece que possamos tirar ilações políticas.
Há um relatório que não é final, mas traz alguma luz sobre o que falhou. Não
consigo encontrar correlação entre as mortes e as falhas de socorro. Há mais
dois processos, um de inspeção da IGAS e um de inquérito do Ministério Público”,
disse, em declarações no seu Ministério, admitindo que a oposição está “no seu
direito” em pedir a demissão da ministra.Além disso, lembrou que foi a própria a solicitar o relatório e frisou que o INEM “já estava a trabalhar com muita falta de recursos humanos”, quando tomou posse. “Este relatório não é sobre os casos fatais, sobre se estão relacionados com o socorro, mas, sim, com o cumprimento de serviços mínimos. O relatório diz que há dois níveis de preocupação: os procedimentos na comunicação ao Ministério da Saúde, que têm de ser corrigidos, e a necessidade de melhorar os processos de convocação de serviços mínimos do INEM”, adiantou, admitindo que há “falhas” nos procedimentos do Ministério, “em relação à convocação de pré-avisos de greve” e que “tem de haver canal privilegiado para a circulação de informação, apesar do envio de e-mails”.
“A IGAS é clara nessa matéria: houve falha na comunicação da greve. Temos de encontrar, com a Secretaria-Geral do Ministério da Saúde e [com] os vários gabinetes, um modelo que não permita falhas de comunicação”, vincou, salientando que “é um desígnio nacional perceber o que aconteceu naqueles dias” e que a demissão de toda a equipa de cirurgiões que se demitiu do Hospital Amadora-Sintra, em 2024, e o seu eventual regresso ao serviço “é um tema” que a “tem preocupado muitíssimo” e lamentou a “degradação de um dos melhores serviços de saúde do país, com equipas extraordinárias”.
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Antes de
mais, é preciso que a SGMS e o INEM curam as recomendações das IGAS. Depois,
nem a Ministra da Saúde, nem o PS têm de atirar “piropos” de acusação mútua. O
PS esteve oito anos no governo e nem tudo lhe correu bem, também nesta área; e
este governo foi assertivo – e nisso enganou a opinião pública (a que se deixou
enganar) – em prometer que resolveria, em tempo recorde, os grandes problemas do
país, nomeadamente, os atinentes à Saúde. Porém, cada cavadela, minhocas, na
área da Saúde, aliás como em quase todas.Uma ministra demitiu-se, devido à morte de uma grávida transferida de um hospital para outro; desta vez, terão morrido 10 pessoas, mas a responsável política não tira consequências políticas.
No entanto, salvo raras exceções, a opinião pública publicada ou se remete ao silêncio ou acha normal, ético, legal e inócuo tudo o que de irregular acontece com este governo, quando, em seu entender, todos os anteriores casos e casinhos prenunciavam o Fim do Mundo e o Juízo Final. O próprio PR, que teve relevante papel no célere desgaste, no impiedoso cansaço e no frio requentamento da anterior maioria parlamentar, agora, mantém-se silente, se não complacente, a não ser em algum momento de “antologia”.
2025.02.27 – Louro de Carvalho
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