O governo decidiu, a 13 de fevereiro,
alterar a orgânica do Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC), que passa a ter
um conselho de administração com três elementos, nomeados através de Resolução do
Conselho de Ministros, e um quadro de pessoal próprio.
A este respeito, a ministra da
Justiça, Rita Alarcão Júdice, na conferência de imprensa subsequente à sessão do
Conselho de Ministros, disse que o objetivo da reestruturação é “dar uma nova vida à
instituição de luta contra a corrupção em Portugal”, com uma nova lei orgânica
que altera “a gestão assente num órgão unipessoal”.
Os três membros do Conselho de Administração serão nomeados
por Resolução do Conselho de Ministros, para mandatos de quatro anos,
renováveis.
“A
lei vem dotar o MENAC de um quadro de pessoal próprio, não restringindo os seus
trabalhadores aos oriundos da carreira de inspetor. Queremos um MENAC atuante,
um MENAC visível e dissuasor. Mas também lhe exigimos mais, aumentando a
capacidade de fiscalização da Assembleia da República [AR] sobre a sua
atividade”, considerou a governante.
A alteração da estrutura do MENAC é um dos quatro diplomas aprovados,
agora, pelo governo, num dia que, segundo a ministra é “bom para a Justiça” e “para
a luta contra a corrupção”.
Em dezembro, à margem de uma conferência sobre corrupção, Rita
Alarcão Júdice já tinha justificado a anunciada reestruturação do MENAC,
sustentando que o organismo instituído, há cerca de três anos, ficara “aquém da
sua função”. Agora, em breve balanço da implementação das 32 medidas da Agenda
Anticorrupção, vincou: “De todas elas temos resultados para apresentar. Mais de
metade está em execução, algumas já foram totalmente concretizadas e estão a
dar bons resultados – como a tramitação eletrónica do inquérito no processo
penal. Quem disse que a Agenda Anticorrupção era apenas um ‘PowerPoint’
enganou-se.”
Sobre uma das medidas mais
emblemáticas, o diploma da perda alargada de bens obtidos por via de corrupção,
cujo anteprojeto o Ministério da Justiça (MJ) tinha prometido para o final de
janeiro, a ministra da Justiça revelou que “está na reta final”, para ser
aprovado pelo governo e, depois, remetido à AR. E, o grupo de trabalho,
entretanto criado, para a “promoção da celeridade processual e de combate aos
expedientes dilatórios, disse que vai começar a trabalhar em breve”.
Rita Alarcão Júdice rejeitou qualquer
problema de independência do MENAC por passar a ser o governo a nomear o Conselho
de Administração.
Com a reestruturação da orgânica e funcionamento do MENAC, anunciada
pelo governo, deixa de competir ao presidente do Tribunal de Contas (TdC) e ao
procurador-geral da República (PGR) a proposta de nomeação para a liderança desta
agência de combate à corrupção, embora sejam ouvidos, e passa a ser competência
do governo, através de Resolução do Conselho de Ministros. “Não acho que
devamos lançar essa mancha sobre qualquer processo decisório”, disse a
governante, frisando que há outros cargos de fiscalização que são de nomeação
política, sem que isso represente impedimento para o desempenho das suas
funções, e garantindo que governo não tem receio de tomar decisões e de responder
pelas decisões que toma.
O governo aprovou ainda a contratação,
até 2027, de mais 50 inspetores especializados em corrupção nas autarquias,
onde tem origem quase metade (48%) das queixas de corrupção recebidas pelo MENAC.
O objetivo é, segundo a ministra, “disponibilizar os meios necessários para
revigorar a atuação das entidades que herdaram” as competências de combate à
corrupção – Inspeção-Geral das Finanças (IGF) e Inspeção-Geral da Agricultura e
Mar, Ambiente e Ordenamento do Território (IGAMAOT). Na verdade, o governo
pretende que as competências de ajuda técnica e especializada na prevenção da
corrupção continuem na IGF e na IGAMAOT, mas com mais meios. Dos referidos 50 inspetores,
são recrutados 30, já neste ano: 20 inspetores para a IGF e 10 para a IGAMAOT. Era reivindicação de muitos autarcas este
reforço inspetivo.
O Conselho de Ministros aprovou também
uma proposta de lei para que a distribuição dos processos nos tribunais seja
feita apenas com a presença de um oficial de justiça.
A regulamentação atual prevista no Código do Processo Civil (CPC)
exige que, na distribuição dos processos, além do funcionário judicial, tenha de
estar presente um magistrado judicial e um magistrado do Ministério Público (MP).
Agora, o governo propõe, em forma de proposta de lei, que a distribuição seja realizada
pelos meios eletrónicos sem a necessidade de assistência por qualquer
interveniente que não seja o oficial de justiça. E, para que as regras possam
ser alteradas, o governo quer recuperar a figura de juiz de turno na
distribuição, que terá como função decidir “as dúvidas do funcionário relativas
à operação eletrónica da distribuição”.
O Executivo aprovou ainda um diploma
que muda as regras de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ), para
permitir o acesso de juízes mais novos. O objetivo é poderem concorrer os
juízes desembargadores que se encontrem no terço superior (em vez do quarto) da
lista de antiguidade à data da abertura do concurso e não renunciem à promoção.
Além disso, pretende-se que, no âmbito da especialização, os juízes
conselheiros possam escolher, face às vagas disponíveis e entre as diferentes
secções do STJ, a secção em que pretendem exercer funções.
Outra proposta do governo é que o
curso de formação específico dos juízes presidentes e dos magistrados do MP
coordenadores deixe de ser feito antes de começarem a exercer funções e passe a
ser frequentado após as respetivas nomeações.
***
O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP)
elogiou as propostas apresentadas pelo governo e aprovadas no Conselho de
Ministros, no âmbito do combate à corrupção. “Nunca é de mais recordar que a
melhoria da celeridade e eficácia da resposta à corrupção é essencial para a
credibilidade do próprio sistema de Justiça e, por essa via, para a afirmação
de um verdadeiro Estado de Direito”, referiu o SMMP, em comunicado, acrescentando
que se congratula com a proposta de alteração das regras de distribuição dos
processos judiciais, deixando de ser necessária a presença de magistrados judiciais
e do MP e sendo apenas obrigatória a presença de um funcionário judicial, tal
como sublinhou a importância da aposta na prevenção da corrupção nas autarquias
locais e da alteração das regras de acesso ao STJ.
No entanto, apontou que “é igualmente
necessário lembrar que o combate eficaz à corrupção depende, em primeiro lugar,
de uma genuína vontade política para dotar o Ministério Público e as forças
policiais dos recursos materiais, humanos e tecnológicos necessários”. “As
lacunas nos recursos humanos para combater este tipo de criminalidade têm sido
apontadas tanto interna como externamente”, acrescentou o sindicato.
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Na
apresentação destas medidas, o governo sublinhou que, face a esta situação
havia três cenários em “cima da mesa”: a criação de uma entidade nova, a
transferência dessas competências para outra entidade pública ou o reforço de meios das entidades que tinham essas
competências – a IGF e a IGAMAOT –, optando pela última opção. “Vamos ter um núcleo na IGF dedicado à
realização de auditorias regulares vocacionadas para a prevenção da corrupção,
em áreas como a contratação pública, o urbanismo e a própria gestão e
administração dos órgãos autárquicos. A IGAMAOT terá essa
competência na área do ordenamento do território. Pretende o governo relançar o
modelo de controlo interno do Estado já existente, promovendo, também a
pedagogia para o cumprimento”, explica o governo.
Os
autarcas pedem ajuda técnica e especializada na
prevenção da corrupção na atividade das autarquias e das empresas municipais. Essas
funções, que pertenciam à IGAL, foram herdadas pela IGF e pela IGAMAOT. E o governo
optou por manter essa repartição de competências.
Sobre
o insucesso da transferência da maior parte das competências para o IGF,
considera-se que a missão essencial da IGF é o controlo estratégico da
administração financeira do Estado e que o principal problema é não ter sido
dotada dos recursos suficientes para desempenhar tais funções.
Uma
das principais mudanças é a orgânica do MENAC, que será dotado de um conselho
de administração composto por três elementos, sendo um deles o presidente. Os
mandatos dos administradores terão a duração de quatro anos e serão renováveis
por igual período. Assim sendo, os mandatos em curso findam automaticamente.
Este
órgão, cujos membros só podem ser destituídos por resolução do Conselho de
Ministros, após audição do presidente do TdC e do PGR, recebe também as
competências relativas à gestão interna, administrativa e de recursos humanos,
financeira e patrimonial.
Por
outro lado, alarga-se a intervenção do Conselho Consultivo, cuja composição
inclui todos os órgãos de controlo setorial e regional, um representante do
presidente do TdC e outro das organizações não-governamentais da área da
investigação, estudo e combate aos fenómenos da corrupção e criminalidade
conexa. E elimina-se o recurso
necessário a trabalhadores das carreiras de inspeção, recrutados enquanto
titulares de órgãos do MENAC, e a trabalhadores das carreiras gerais, em regime
de mobilidade insuscetível de consolidação.
Segundo
a titular da pasta da Justiça, o Executivo quer um MENAC “atuante”, “visível” e
“dissuasor”, mas também se lhe exige mais, aumentando a capacidade de
fiscalização da AR sobre a sua atividade. Estas alterações têm como principal
escopo dotar a atuação do MENAC de eficácia,
através da redefinição da estrutura interna e do modelo de governação, e
eliminar constrangimentos no recrutamento para o mapa de pessoal.
Para
que o MENAC tenha atividade plena, consagra-se a obrigatoriedade de comunicação
ao MENAC das decisões de arquivamento, de acusação, de pronúncia ou de não
pronúncia e das sentenças absolutórias ou condenatórias, respeitantes a crimes
de corrupção ou infrações conexas, conforme anteriormente previsto, em relação
ao Conselho de Prevenção da Corrupção (CPC), assim como se prevê o envio do
relatório anual do MENAC à AR.
Sobre o Regime Geral de
Prevenção da Corrupção (RGPC), o governo decidiu substituir a assinatura
da declaração de inexistência de conflitos de interesses, para cada
procedimento, por declarações genéricas, enviadas com periodicidade anual. Também
é dispensada a subscrição de declaração de inexistência de conflitos de
interesses, quando se trata de intervenções que, da perspetiva do objeto do procedimento,
são de mero expediente ou puramente executivas.
***
A IGF
detetou, numa auditoria, insuficiências em algumas entidades que, em 2024,
integravam o Ministério das Finanças (MF), no cumprimento de obrigações
previstas no RGPC. Assim, de acordo com a nota que divulgou, a 13 de fevereiro,
a dar conta da síntese de resultados de uma auditoria a 12 entidades, todas “possuem
um plano de prevenção de riscos de corrupção e infrações conexas (PPR)”, embora
uma “não identifique riscos transversais, funcionais e/ou riscos relativos às
suas atividades”, outra não enuncie, nem classifique “os riscos associados ao
exercício de funções de administração/direção superior”, e duas não indiquem “a
execução das medidas classificadas de risco elevado”.
Todas
essas entidades dispõem de Código de Conduta, mas uma não contempla alguns
tipos de sanções, em caso de incumprimento, tendo informado que fará tal menção
na revisão do Código que está em curso. E todas têm canal de denúncia interna
ativo e um canal de denúncia externa, apesar de, neste último caso, apenas oito
estarem a tal obrigadas.
Segundo a
IGF, todas as entidades designaram o responsável pelo cumprimento normativo,
ainda que, em cinco delas, o mesmo não seja membro da direção superior/topo,
como previsto na lei e na Orientação n.º 1/2024, do MENAC. Estas entidades
alegaram, “quanto à designação, a sua especificidade estatutária, por serem
entidades reguladoras e do setor empresarial do Estado”.
Das entidades
analisadas, oito “possuem plano de formação que integra ações no âmbito do
RGPC, duas têm referências dispersas a este tipo de formação nos PPR/relatórios
de avaliação e instrumentos de gestão e duas ainda não concretizaram estas
ações, apesar de terem informado que o irão fazer em breve”. Até à data da
conclusão da ação, cinco entidades não tinham elaborado o relatório de
avaliação intercalar de 2022 e três não o fizeram, quanto ao ano de 2023”. Quatro
não elaboraram relatórios de avaliação anual, em 2022, e três, em 2023, sem
justificação plausível.
Todas as
entidades publicitaram e comunicaram o PPR e o Código de Conduta à IGF (exceto a
que está a rever este último documento) e publicitam a designação do
responsável pelo cumprimento normativo. Apenas uma não publicita o Plano de
Formação ou informação sobre as ações RGPC e uma, que elaborou o relatório de
avaliação intercalar de 2022, ainda não o publicitou. Ainda assim, “em geral,
as entidades dispõem de um conjunto alargado de informação que é objeto de divulgação
nos respetivos websites”.
No entanto, verificou-se
a não publicitação, nalguns casos, de alguma informação obrigatória, como sobre
recrutamento de dirigentes e trabalhadores/as (uma entidade), sobre avisos dos
procedimentos pré-contratuais mais relevantes (três entidades, que indicam
estar a regularizar a situação) e sobre informações, documentos e conteúdos
que, pela sua natureza, devam ser públicos, no Portal de Dados Abertos da
Administração Pública, no caso de duas entidades, que se encontram já em
processo de atualização dos dados.
A IGF, no âmbito do sistema de
controlo interno, detetou que “duas entidades têm em curso processos de revisão
do sistema”, seis “não têm implementados mecanismos de rotação de
trabalhadores/as, alegando a insuficiência de recursos humanos e/ou pela
incapacidade de retenção de trabalhadores/as e/ou pela sua dimensão”, uma “não
tem aplicações informáticas que permitam o cruzamento da informação, com
garantia da sua fiabilidade, oportunidade e utilidade”, e uma não promove, nem
acompanha a implementação do sistema de controlo interno.
A IGF propôs que seja clarificado “quem
pode ser responsável pelo Programa de Cumprimento Normativo [PCN] nas entidades
reguladoras e do setor empresarial do Estado” e que seja revisto ou
finalizado o PPR e demais instrumentos que integram o PCN. E recomendou que
sejam publicitados os documentos obrigatórios e remetidos às entidades
competentes e robustecido “o sistema de controlo interno, designadamente,
concluindo os respetivos processos de revisão e de atualização de sistemas de informação”.
***
Não será
justo dizer que mais de metade dos casos de corrupção surge em autarquias. A
amostra em causa sobre 12 entidades pertencentes ao MF revela que há muitas
falhas. Estas falhas podem constituir espaço para comportamentos incorretos.
Tudo depende do que se inspeciona ou não. Não é por acaso que Portugal caiu a
pique no ranking sobre a perceção da corrupção.
Assim tudo o que se faça pela anticorrupção será sempre pouco.
2025.02.13 – Louro de Carvalho
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