terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

Feminicídios, violência doméstica, violações e abusos de menores

 

“Só em janeiro [deste ano], cinco mulheres foram mortas por homens, quatro em contexto de violência doméstica”. Foi o que escreveu Joana Mourão Carvalho, a 3 de fevereiro, em artigo publicado pela Euronews, sob o título “Em média, foi assassinada uma mulher por semana no mês de janeiro em Portugal”, com base em notícias e comunicados da Polícia Judiciária (PJ), tendo as vítimas “idades compreendidas entre os 17 e os 72 anos”. 

Neste ano, o primeiro homicídio de mulher (feminicídio – de “femina”, em Latim; “homicídio”, assassinato de homem refere-se a ser humano – “homo”, em Latim), ocorreu em contexto de violência doméstica, quando um homem de 80 anos matou a esposa (uxoricídio), de 72 anos, a 7 de janeiro, em Lisboa. De acordo com a PJ, que, “através da Diretoria de Lisboa e Vale do Tejo, procedeu à detenção de um homem de 80 anos, por fortes indícios da prática de um crime de homicídio qualificado, que vitimou a sua mulher de 72 anos, no passado dia 7 de janeiro, em Lisboa, os factos ocorreram no interior da residência do casal, em contexto de disfuncionalidade familiar e o detido foi presente às autoridades judiciárias para primeiro interrogatório, tendo-lhe sido aplicada a medida de coação de prisão preventiva”.

Dois dias depois, na madrugada de 9 de janeiro, uma mulher, de 46 anos, foi assassinada pelo marido, na presença dos filhos menores, de seis e de 14 anos, no Barreiro. Em comunicado, a PJ indicou que um dos filhos terá tentado “impedir a agressão”. 

Refere o comunicado, a nível substancial: “A Polícia Judiciária (PJ), através do Departamento de Investigação Criminal de Setúbal [DICS], deteve o presumível autor de um crime de homicídio qualificado, em contexto de violência doméstica, ocorrido no Barreiro, que vitimou, esta madrugada, uma mulher. O homem, marido da vítima, tê-la-á agredido com recurso a uma tesoura, desconhecendo-se, para já, se existem antecedentes de violência doméstica. O casal tem dois filhos menores, um dos quais, com 14 anos, que terá mesmo tentado impedir a agressão. As crianças foram entregues ao cuidado de familiares.”

E, a nível da tramitação, revela: “A PJ foi informada dos factos pela Polícia de Segurança Pública (PSP), por volta da 00H30, tendo, de imediato, se deslocado ao local para realização da inspeção judiciária. Nesse momento, o suspeito encontrava-se, ainda, em parte incerta, tendo vindo a entregar-se na esquadra da PSP, cerca de duas horas depois. O agressor encontra-se à guarda do Departamento de Investigação Criminal de Setúbal, que continua a realizar diligências no local […], e foi presente a primeiro interrogatório judicial, tendo ficado em prisão preventiva”.

Na última semana de janeiro, verificou-se que o número conhecido de mulheres mortas por homens subiu, neste ano, após o duplo homicídio de uma mãe e da filha, em Almoinha, no concelho de Sesimbra, também em contexto de violência doméstica. Com efeito, 30 de janeiro, um homem, de 43 anos, esfaqueou a mulher, de 45 anos, e a enteada, de 17 anos, até à morte. O homem suicidou-se, após cometer o crime, deixando como única sobrevivente a filha do casal, uma bebé de 16 meses. E, no mesmo dia, uma doente oncológica de 65 anos morreu no Hospital de Braga, dias depois de ter sido agredida por um outro utente. O caso foi participado ao Ministério Público (MP) e o hospital abriu um inquérito com caráter de urgência. 

E, no dia 31 de janeiro, uma mulher, com idade entre os 30 e os 40 anos, foi encontrada morta no Bairro de Francos, em Ramalde, no Porto. O corpo apresentava marcas de violência e as autoridades suspeitam de homicídio, apesar de não haver ainda confirmação. 

Além dos feminicídios consumados, regista-se também uma tentativa de feminicídio. Efetivamente, a 10 de janeiro, a PJ deteve, por tentativa de homicídio qualificado e por crime de violência doméstica agravado, um homem de 39 anos, residente no concelho de Santo Tirso. O suspeito teria uma relação de namoro recente com a mulher de 27 anos e, no calor da discussão, provocou ferimentos nos braços e pescoço dela com uma navalha. 

Diz a PJ, em comunicado que, “através do Departamento de Investigação Criminal de Braga (DIPB) de Braga, deteve, fora de flagrante delito, um homem, de 39 anos, residente no concelho de Santo Tirso, fortemente indiciado pela prática do crime de homicídio qualificado, na forma tentada, e de um crime de violência doméstica, agravado”, factos que ocorreram a “8 de janeiro, no interior da habitação da vítima, situada no concelho de Guimarães”.

“O suspeito – cominua o comunicado – mantinha uma relação recente de namoro com a vítima, uma mulher de 27 anos, e, esporadicamente, pernoitava na habitação desta. Nesse contexto, no decorrer de uma discussão, por motivos fúteis, fazendo uso de uma navalha, provocou-lhe ferimentos nos membros superiores e no pescoço, pondo em risco a vida da mulher. A agressão apenas cessou pela intervenção de um familiar que acorreu em seu auxílio e conseguiu imobilizar o suspeito, impedindo-o de continuar a agressão.”

As diligências realizadas, de imediato, pela PJ permitiram a recolha e a consolidação de elementos de prova, levando à detenção do agressor, que foi presente às autoridades judiciárias competentes, no Tribunal de Guimarães, para interrogatório judicial e para aplicação de medidas de coação.

***

Também o jornal Público, em artigo de Leonor Alhinho, publicado a 31 de janeiro, sob o título “Pelo menos, cinco mulheres foram mortas, desde o início de 2025”, dava conta de um balanço do próprio jornal, nos termos do qual, “desde o início do ano, a PJ comunicou a detenção de quatro homens, por violaç[ões] de mulheres ocorridas em janeiro”, e contabiliza  “quatro violações e dois abusos sexuais de menores”. Mais refere que, nos primeiros nove meses de 2024, foram “registadas 555 violações”.

Já quanto a homicídios e em relação a 2024, o Público revela que a PJ registou 112 homicídios, o número mais alto na última década.

Depois do duplo homicídio ocorrido em Sesimbra, a 30 de janeiro, o número conhecido de mulheres mortas por homens, neste ano, subiu para cinco. O balanço do Público é muito semelhante ao da Euronews. Refere o feminicídio e o subsequente suicídio de Sesimbra, tendo o casal deixado órfã uma bebé de 16 meses.

Em relação à paciente, internada em oncologia, que foi agredida no seu quarto, dias antes de morrer, por outro utente, acrescenta que este era “também doente oncológico”.

Do homem que, a 9 de janeiro, matou a mulher, no Barreiro, com recurso a uma tesoura, o Público especifica a idade dois filhos menores que presenciaram o feminicídio: um de seis e outro de 14 anos. E do octogenário que, a 7 de janeiro, em Lisboa, matou a sua companheira, de 72 anos, o jornal diz que o homem só terá sido detido no dia 13.

A PJ deteve um homem de 39 anos, a 10 de janeiro. O residente no concelho de Santo Tirso foi detido por tentativa de homicídio qualificado e por crime de violência doméstica agravado. Com efeito, estaria uma relação de namoro recente com a mulher de 27 anos e, no decurso de uma discussão, provocou-lhe ferimentos nos braços e pescoço com uma navalha.

No respeitante a violações e a abusos de menores, o Público dá conta de que, desde o início do ano, foram comunicadas pela PJ as detenções de quatro homens, por violações de mulheres ocorridas já este ano. Porém, como escreveu Leonor Alhinho, “o número deverá ser bastante superior, já que se trata de um crime que, tradicionalmente, demora a ser denunciado”.

Segundo dados da PJ, nos primeiros nove meses de 2024, foram registadas 555 violações. Nesse mesmo ano, entre 1 de janeiro e 15 de novembro, foram assassinadas, pelo menos, 25 mulheres, 20 das quais vítimas de feminicídio (mortes relacionadas com a violência de género), de acordo com as contas do Observatório de Mulheres Assassinadas da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), a partir dos casos reportados pela comunicação social.

Já a 20 de novembro de 2024 – na conferência de imprensa realizada, na Universidade do Porto, para a apresentação dos dados preliminares recolhidos entre 1 de janeiro e 15 de novembro daquele ano –, Sandra Ribeiro, presidente da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG), enfatizava o elevado número de homicídios ocorridos em contexto de violência doméstica, já anteriormente reportado às autoridades. “É um problema nacional gravíssimo e precisamos de uma mudança de narrativa coletiva para conseguirmos condenar de forma total e aberta este fenómeno que nos assola”, declarou então.

Segundo a UMAR, destes 20 feminicídios, “16 foram cometidos em relações de intimidade, três em contexto familiar não íntimo, e um, em contexto de violência sexual dos feminicídios em relações de intimidade.”

Por isso, a presidente da CIG relevou a importância de denunciar os casos de violência doméstica e lembrou que nada justifica a utilização de violência sobre alguém.

No tocante a este de janeiro, no dia 20 foi detido um homem de 56 anos, suspeito de violação praticada contra uma idosa, de 76 anos, em estado inicial de demência. O homem residia no mesmo prédio que a vítima e aproveitava-se do seu estado de vulnerabilidade e de confusão mental para simular ajudá-la e, assim, constrangê-la a práticas sexuais.

Também por se aproveitar da situação de uma vítima cognitivamente fragilizada, um homem de 61 anos foi detido no dia 27 de janeiro. O cidadão estrangeiro é suspeito de ter violado uma mulher, de 24 anos, com défice cognitivo e que se encontrava fora da instituição de acolhimento onde está internada.

No dia anterior, foi identificado e detido um homem de 36 anos, suspeito de violação na forma agravada contra uma cidadã estrangeira. A vítima, que exerce prostituição, terá sido agredida e coagida a práticas sexuais depois de um desentendimento com o homem sobre o tempo contratado e respetivo pagamento do serviço.

E, no dia 30 de janeiro, em Vila Real de Santo António, foi detido um homem de 39 anos suspeito do mesmo crime. A vítima, de 34 anos, tendo mostrado o desejo de terminar a descomprometida relação com o homem, terá sido, depois, atraída para uma habitação controlada pelo agressor, onde foi sujeita a agressões e violência sexual durante várias horas.

No entanto, como aponta Leonor Alhinho, “os crimes não são somente cometidos contra mulheres adultas. A 18 de janeiro, foi detido um homem de 57 anos por fortes indícios de ter praticado crimes de abuso sexual contra uma criança de 12 anos; e, no dia 20, um suspeito de ter abusado sexualmente da própria filha, de 14 anos, teve o mesmo destino.

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Não restam dúvidas de que homicídios, violações sexuais, abusos de menores e violência doméstica são parentes muito próximos no desrespeito pela dignidade humana, no atentado contra a vida ou contra a sua integridade. Com efeito, violação e abuso de menor facilmente geram agressão (sobretudo, se houver resistência), que pode tornar-se violenta e desembocar na morte.

Ao mesmo tempo, o feminicídio praticado por homens (também existe praticado por mulheres), seja qual for o motivo (ciúme, inveja, desilusão, vingança, etc.), além de atentar contra a dignidade da pessoa humana e contra a vida humana, representa uma exacerbada expressão de machismo, no sentido de que o varão é mais poderoso do que a mulher e de que tem direitos específicos sobre ela, sobre o seu corpo e sobre a sua vida. Nada mais errado e contrário ao progresso civilizacional, pois ninguém é propriedade de ninguém!

2025.02.03 – Louro de Carvalho

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