“Só em
janeiro [deste ano], cinco mulheres foram mortas por homens, quatro em contexto
de violência doméstica”. Foi o que escreveu Joana Mourão Carvalho, a 3 de fevereiro, em artigo
publicado pela Euronews, sob o título
“Em média,
foi assassinada uma mulher por semana no mês de janeiro em Portugal”, com base em notícias e comunicados da Polícia Judiciária (PJ),
tendo as vítimas “idades compreendidas entre os 17 e os 72 anos”.
Neste ano, o
primeiro homicídio de mulher (feminicídio – de “femina”, em Latim; “homicídio”,
assassinato de homem refere-se a ser humano – “homo”, em Latim), ocorreu em
contexto de violência doméstica, quando um homem de 80 anos matou a esposa
(uxoricídio), de 72 anos, a 7 de
janeiro, em Lisboa. De acordo com a PJ, que, “através da Diretoria de Lisboa e
Vale do Tejo, procedeu à detenção de um homem de 80 anos, por fortes indícios
da prática de um crime de homicídio qualificado, que vitimou a sua mulher de 72
anos, no passado dia 7 de janeiro, em Lisboa, os factos ocorreram no interior
da residência do casal, em contexto de disfuncionalidade familiar e o detido
foi presente às autoridades judiciárias para primeiro interrogatório, tendo-lhe
sido aplicada a medida de coação de prisão preventiva”.
Dois dias
depois, na madrugada de 9 de
janeiro, uma mulher, de 46 anos, foi assassinada pelo marido, na
presença dos filhos menores, de seis e de 14 anos, no Barreiro. Em comunicado,
a PJ indicou que um dos filhos terá tentado “impedir a agressão”.
Refere o comunicado, a nível substancial: “A Polícia
Judiciária (PJ), através do Departamento de Investigação Criminal de Setúbal
[DICS], deteve o presumível autor de um crime de homicídio qualificado, em
contexto de violência doméstica, ocorrido no Barreiro, que vitimou, esta
madrugada, uma mulher. O homem, marido da vítima, tê-la-á agredido com recurso
a uma tesoura, desconhecendo-se, para já, se existem antecedentes de violência
doméstica. O casal tem dois filhos menores, um dos quais, com 14 anos, que terá
mesmo tentado impedir a agressão. As crianças foram entregues ao cuidado de
familiares.”
E, a nível da tramitação, revela: “A PJ foi informada dos
factos pela Polícia de Segurança Pública (PSP), por volta da 00H30, tendo, de
imediato, se deslocado ao local para realização da inspeção judiciária. Nesse
momento, o suspeito encontrava-se, ainda, em parte incerta, tendo vindo a
entregar-se na esquadra da PSP, cerca de duas horas depois. O agressor
encontra-se à guarda do Departamento de Investigação Criminal de Setúbal, que
continua a realizar diligências no local […], e foi presente a primeiro
interrogatório judicial, tendo ficado em prisão preventiva”.
Na última
semana de janeiro, verificou-se que o número conhecido de mulheres mortas por
homens subiu, neste ano, após o duplo homicídio de uma mãe e da filha, em
Almoinha, no concelho de Sesimbra, também em contexto de violência doméstica.
Com efeito, 30 de janeiro,
um homem, de 43 anos, esfaqueou a mulher, de 45 anos, e a enteada, de 17
anos, até à morte. O homem suicidou-se, após cometer o crime,
deixando como única sobrevivente a filha do casal, uma bebé de 16 meses. E,
no mesmo dia, uma doente oncológica de 65 anos morreu no Hospital de
Braga, dias depois de ter sido agredida por um outro utente. O caso foi
participado ao Ministério Público (MP) e o hospital abriu um inquérito com
caráter de urgência.
E, no dia 31 de janeiro, uma mulher, com
idade entre os 30 e os 40 anos, foi encontrada morta no Bairro de Francos,
em Ramalde, no Porto. O corpo apresentava marcas de violência e as autoridades
suspeitam de homicídio, apesar de não haver ainda confirmação.
Além dos
feminicídios consumados, regista-se também uma tentativa de feminicídio.
Efetivamente, a 10 de janeiro, a PJ deteve, por tentativa de homicídio
qualificado e por crime de violência doméstica agravado, um homem de 39 anos, residente
no concelho de Santo Tirso. O suspeito teria uma relação de namoro recente com
a mulher de 27 anos e, no calor da discussão, provocou ferimentos nos braços e
pescoço dela com uma navalha.
Diz a PJ, em comunicado que, “através do Departamento de
Investigação Criminal de Braga (DIPB) de Braga, deteve, fora de flagrante
delito, um homem, de 39 anos, residente no concelho de Santo Tirso, fortemente
indiciado pela prática do crime de homicídio qualificado, na forma tentada, e
de um crime de violência doméstica, agravado”, factos que ocorreram a “8 de
janeiro, no interior da habitação da vítima, situada no concelho de Guimarães”.
“O suspeito – cominua o comunicado – mantinha uma relação
recente de namoro com a vítima, uma mulher de 27 anos, e, esporadicamente,
pernoitava na habitação desta. Nesse contexto, no decorrer de uma discussão,
por motivos fúteis, fazendo uso de uma navalha, provocou-lhe ferimentos nos
membros superiores e no pescoço, pondo em risco a vida da mulher. A agressão
apenas cessou pela intervenção de um familiar que acorreu em seu auxílio e
conseguiu imobilizar o suspeito, impedindo-o de continuar a agressão.”
As diligências realizadas, de imediato, pela PJ permitiram a
recolha e a consolidação de elementos de prova, levando à detenção do agressor,
que foi presente às autoridades judiciárias competentes, no Tribunal de
Guimarães, para interrogatório judicial e para aplicação de medidas de coação.
***
Também o
jornal Público, em artigo de Leonor
Alhinho, publicado a 31 de janeiro, sob o título “Pelo menos, cinco mulheres
foram mortas, desde o início de 2025”, dava conta de um balanço do próprio
jornal, nos termos do qual, “desde o início do ano, a PJ comunicou a detenção
de quatro homens, por violaç[ões] de mulheres ocorridas em janeiro”, e
contabiliza “quatro violações e dois abusos
sexuais de menores”. Mais refere que, nos primeiros
nove meses de 2024, foram “registadas 555 violações”.
Já quanto a
homicídios e em relação a 2024, o Público
revela que a PJ registou 112 homicídios, o número mais alto na última
década.
Depois
do duplo homicídio ocorrido em Sesimbra, a 30 de janeiro, o número conhecido de
mulheres mortas por homens, neste ano, subiu para cinco. O balanço do Público é muito semelhante ao da Euronews. Refere o feminicídio e o
subsequente suicídio de Sesimbra, tendo o casal deixado órfã uma bebé de 16
meses.
Em
relação à paciente, internada em oncologia, que foi agredida no seu quarto,
dias antes de morrer, por outro utente, acrescenta que este era “também doente
oncológico”.
Do
homem que, a 9 de janeiro, matou a mulher, no Barreiro, com recurso a uma
tesoura, o Público especifica a idade dois filhos menores que presenciaram o
feminicídio: um de seis e outro de 14 anos. E do octogenário que, a 7 de
janeiro, em Lisboa, matou a sua companheira, de 72 anos, o jornal diz que o
homem só terá sido detido no dia 13.
A
PJ deteve um homem de 39 anos, a 10 de janeiro. O residente no concelho de
Santo Tirso foi detido por tentativa de homicídio qualificado e por crime de
violência doméstica agravado. Com efeito, estaria uma relação de namoro recente
com a mulher de 27 anos e, no decurso de uma discussão, provocou-lhe ferimentos
nos braços e pescoço com uma navalha.
No
respeitante a violações e a abusos de menores, o Público dá conta de que, desde o início do ano, foram comunicadas
pela PJ as detenções de quatro homens, por violações de mulheres ocorridas já
este ano. Porém, como escreveu Leonor Alhinho, “o número deverá ser bastante
superior, já que se trata de um crime que, tradicionalmente, demora a ser
denunciado”.
Segundo
dados da PJ, nos primeiros nove meses de 2024, foram registadas 555 violações.
Nesse mesmo ano, entre 1 de janeiro e 15 de novembro, foram assassinadas, pelo
menos, 25 mulheres, 20 das quais vítimas de feminicídio (mortes relacionadas
com a violência de género), de acordo com as contas do Observatório de Mulheres
Assassinadas da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), a partir dos
casos reportados pela comunicação social.
Já a 20 de novembro de 2024 – na
conferência de imprensa realizada, na Universidade do Porto, para a
apresentação dos dados preliminares recolhidos entre 1 de janeiro e 15 de
novembro daquele ano –, Sandra Ribeiro, presidente da Comissão para a Cidadania
e a Igualdade de Género (CIG), enfatizava o elevado número de homicídios
ocorridos em contexto de violência doméstica, já anteriormente reportado às
autoridades. “É um problema nacional gravíssimo e precisamos de uma mudança de
narrativa coletiva para conseguirmos condenar de forma total e aberta este
fenómeno que nos assola”, declarou então.
Segundo a
UMAR, destes 20 feminicídios, “16 foram cometidos em relações de intimidade,
três em contexto familiar não íntimo, e um, em contexto de violência sexual dos
feminicídios em relações de intimidade.”
Por isso, a
presidente da CIG relevou a importância de denunciar os casos de violência
doméstica e lembrou que nada justifica a utilização de violência sobre alguém.
No tocante a este de janeiro, no dia
20 foi detido um homem de 56 anos, suspeito de violação praticada contra uma
idosa, de 76 anos, em estado inicial de demência. O homem residia no mesmo
prédio que a vítima e aproveitava-se do seu estado de vulnerabilidade e de confusão
mental para simular ajudá-la e, assim, constrangê-la a práticas sexuais.
Também por se aproveitar da situação
de uma vítima cognitivamente fragilizada, um homem de 61 anos foi detido no dia
27 de janeiro. O cidadão estrangeiro é suspeito de ter violado uma mulher, de
24 anos, com défice cognitivo e que se encontrava fora da instituição de
acolhimento onde está internada.
No dia anterior, foi identificado e
detido um homem de 36 anos, suspeito de violação na forma agravada contra uma
cidadã estrangeira. A vítima, que exerce prostituição, terá sido agredida e
coagida a práticas sexuais depois de um desentendimento com o homem sobre o
tempo contratado e respetivo pagamento do serviço.
E, no dia 30 de janeiro, em Vila Real
de Santo António, foi detido um homem de 39 anos suspeito do mesmo crime. A
vítima, de 34 anos, tendo mostrado o desejo de terminar a descomprometida relação
com o homem, terá sido, depois, atraída para uma habitação controlada pelo
agressor, onde foi sujeita a agressões e violência sexual durante várias horas.
No entanto, como aponta Leonor
Alhinho, “os crimes não são somente cometidos contra mulheres adultas. A 18 de
janeiro, foi detido um homem de 57 anos por fortes indícios de ter praticado
crimes de abuso sexual contra uma criança de 12 anos; e, no dia 20, um suspeito
de ter abusado sexualmente da própria filha, de 14 anos, teve o mesmo destino.
***
Não
restam dúvidas de que homicídios, violações sexuais, abusos de menores e violência
doméstica são parentes muito próximos no desrespeito pela dignidade humana, no
atentado contra a vida ou contra a sua integridade. Com efeito, violação e
abuso de menor facilmente geram agressão (sobretudo, se houver resistência),
que pode tornar-se violenta e desembocar na morte.
Ao
mesmo tempo, o feminicídio praticado por homens (também existe praticado por
mulheres), seja qual for o motivo (ciúme, inveja, desilusão, vingança, etc.), além
de atentar contra a dignidade da pessoa humana e contra a vida humana,
representa uma exacerbada expressão de machismo, no sentido de que o varão é
mais poderoso do que a mulher e de que tem direitos específicos sobre ela,
sobre o seu corpo e sobre a sua vida. Nada mais errado e contrário ao progresso
civilizacional, pois ninguém é propriedade de ninguém!
2025.02.03 – Louro de Carvalho
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