Uma cimeira
informal, no Palácio do Eliseu, em Paris, a 17 de fevereiro, entre os líderes
europeus, terminou sem qualquer anúncio concreto, visto que a ideia do envio de
tropas de manutenção da paz para a Ucrânia suscita grandes divisões. Assim, a
Europa diz apoiar, em conjunto, a Ucrânia, face
à invasão russa, mas não dá garantias de segurança que façam a diferença no
contexto do impulso de Donald
Trump para lançar negociações com a Rússia.
A declaração
do presidente dos Estados Unidos da América (EUA) de chegar a um acordo para
resolver, a curto prazo, a guerra de três anos abalou a Europa – bem como a aliança
transatlântica, outrora sólida – e alimentou o receio de levar a concessões
dolorosas para Kiev, deixando o continente vulnerável ao expansionismo de
Moscovo.
A reunião – marcada
por uma divergência com alguns países da UE, como a Polónia, que disseram não
querer a sua marca militar em solo ucraniano – foi organizada pelo presidente
francês, Emmanuel Macron, na sequência da conversa telefónica entre Donald
Trump e Vladimir Putin, e contou com a presença dos líderes da Alemanha, do Reino
Unido, da Itália, da Polónia, da Espanha, dos Países Baixos e da Dinamarca (a
chefe do governo da Dinamarca representou os países nórdicos e os bálticos). A
eles juntaram-se o secretário-geral da Organizaçáo do Tratado do Atlântico Norte
(NATO), Mark Rutte, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e
o presidente do Conselho da União Europeia (UE), António Costa.
“Hoje, em
Paris, reafirmámos que a Ucrânia merece a paz, através da força. Uma paz que
respeite a sua independência, soberania e integridade territorial, com fortes
garantias de segurança”, afirmaram Ursula von der Leyen e António Costa, numa
mensagem coordenada, vincando: “A Europa assume a sua quota-parte na
assistência militar à Ucrânia. Ao mesmo tempo, precisamos de um aumento da
defesa na Europa.”
A administração
norte-americana enviou um questionário aos aliados europeus, a perguntar, entre
outras coisas, se estariam dispostos a enviar soldados de manutenção da paz
para a Ucrânia.
O presidente
francês já tinha mostrado abertura a este cenário, mas não se comprometeu, agora.
E esclareceu que defende, há muito, uma defesa europeia mais forte e que as
suas repreensões e ameaças de não cooperação, face ao perigo militar, foram um
choque para o sistema.
Pouco antes
da reunião, tal como depois, Macron falou, ao telefone, com Trump, mas o
gabinete de Macron não revelou pormenores sobre tais conversas.
O
primeiro-ministro britânico, Keir
Starmer, deixou claro, na cimeira, que estava pronto para
fazer o mesmo, desde que os EUA fornecessem
apoio. “Estou preparado para considerar a possibilidade de colocar forças
britânicas no terreno, juntamente com outras, se houver um acordo de paz
duradouro. Mas tem de haver apoio por parte dos EUA, porque uma garantia de
segurança dos EUA é a única forma de dissuadir, eficazmente, a Rússia de voltar
a atacar a Ucrânia”, disse Keir Starmer,
no final da cimeira, sublinhando: “Temos de reconhecer a nova era em que nos
encontramos e não nos agarrarmos, irremediavelmente, aos confortos do passado.
É altura de assumirmos a responsabilidade pela nossa segurança, pelo nosso
continente.”
A
primeira-ministra dinamarquesa, Mette
Frederiksen, disse que o seu país estava aberto à ideia da manutenção da
paz, mas alertou para muitas questões que postulam resposta. “Uma coisa muito
importante é saber como é que os norte-americanos vão encarar estas questões”,
afirmou, para interrogar: “Apoiarão os europeus, no caso de haver botas no
terreno?”
Mette Friedriksen,
frisando que “um cessar-fogo não é automaticamente paz” e, sobretudo, “paz
duradoura”, apelou aos países europeus para que “intensifiquem” a sua ajuda à
Ucrânia, de forma a colocar o país na “melhor posição possível” para futuras
negociações.
O chanceler
alemão, Olaf Scholz, foi
muito mais crítico, sustentando que qualquer discussão sobre as forças de
manutenção da paz era “completamente prematura” e “altamente inadequada”, no atual
momento, pois a guerra continua com toda a sua brutalidade. “Estou até um pouco
irritado com estes debates”, disse Scholz, depois de abandonar a reunião.
Scholz
saudou a perspetiva de conversações de paz, mas advertiu contra a imposição de
uma “paz ditada” à Ucrânia, tal como vincou a necessidade de manter uma frente
ocidental unida contra o Kremlin. Os aliados têm sido abalados pelas recentes
sugestões da Casa Branca de que poderá, em breve, começar a retirar as tropas
americanas de solo europeu. “Não deve haver divisão de segurança e de
responsabilidades entre a Europa e os EUA, o que significa que a NATO se baseia
no facto de agirmos sempre em conjunto, de corrermos riscos em conjunto e de
garantirmos assim a nossa segurança”, disse Scholz aos jornalistas,
acrescentando: “Isso não deve ser posto em causa. Temos de ter isso em mente.”
O
primeiro-ministro neerlandês, Dick Schoof, reconheceu que os europeus precisam
de chegar a uma conclusão comum sobre com o que podem contribuir para conseguirem
“um lugar à mesa”, pois sentarem-se à mesa, sem contribuir, “é inútil”. “Se as
garantias de segurança implicarem a necessidade de tropas europeias, penso que
os Países Baixos deveriam, pelo menos, entrar em conversações”, defendeu.
O
primeiro-ministro espanhol, Pedro
Sánchez, insistiu que qualquer acordo entre a Ucrânia e a Rússia
não deve “cometer os mesmos erros do passado” e permitir que Vladimir Putin
volte a anexar território estrangeiro, no futuro. E afirmou que os esforços
para restaurar a paz “devem reforçar o projeto europeu e a ordem multilateral”.
“Ainda não temos as condições de paz para começar a pensar neste modelo”, disse
Sánchez, questionado sobre se Espanha se comprometeria a colocar botas no
terreno, e acrescentou: “Qualquer garantia de segurança tem de ser uma responsabilidade
partilhada por todos os aliados.”
Antes da
reunião, o chefe do governo da Polónia, Donald Tusk, tinha excluído a possibilidade de enviar soldados
polacos para a Ucrânia, no âmbito de uma missão de manutenção da paz. A Polónia
é o líder da NATO, em termos de fatia do produto interno bruto (PIB) consagrada
à defesa (4% – mais do que qualquer outro membro da NATO), o que tem sido
elogiado pela administração Trump. “Não tencionamos enviar soldados polacos
para o território da Ucrânia, mas apoiaremos, também em termos logísticos e de
apoio político, os países que, eventualmente, queiram dar essas garantias, no
futuro”, afirmou Tusk, antes de partir para Paris. Porém, depois, considerou: “Chegou
o momento de a Europa ter uma capacidade muito maior para se defender. […] Há
unanimidade, aqui, sobre a questão do aumento da despesa com a defesa. Trata-se
de uma necessidade absoluta.”
O ritmo
acelerado das negociações colocou a Europa no limite e provocou uma onda de
atividade diplomática para mostrar unidade política e renovada determinação. A
administração Trump espera que a Europa assuma a maior parte do futuro apoio militar
e financeiro à Ucrânia. O continente manifestou a disponibilidade para um papel
mais importante, mantendo a frente ocidental que foi erguida nas primeiras
horas da invasão. Porém, as últimas ações de Trump e os comentários do
secretário da Defesa, Pete Hegseth, de
que qualquer missão de manutenção da paz enviada para a Ucrânia seria privada
do artigo 5.º da NATO, relativo à defesa coletiva, indicam que os EUA não veem
a Europa como prioridade e poderão, em breve, começar a retirar pessoal militar
do continente, para se concentrarem na China e na fronteira com o México.
Pete Hegseth
e vice-presidente dos EUA, James David Vance, questionaram os compromissos de
segurança da Europa e os seus princípios democráticos. Ora, a Europa está
empenhada em reforçar as suas forças armadas onde investirá, após anos de
queixas dos EUA, e a maioria aumentou as despesas com a defesa para 2% do PIB,
mas a via para chegar aos 3% não é clara.
***
Keith Kellogg, enviado
especial dos EUA para a Ucrânia e Rússia, confirmou, mais tarde, que a Europa
seria consultada, mas que não teria lugar à mesa. Disse que estava a trabalhar
no “tempo de Trump”, o qual esperava ter um projeto de acordo, numa questão de
dias e ou de semanas.
O ministro
dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, que está sob sanções da UE,
reuniu-se com o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, no dia 18, em Riade, na Arábia Saudita, sendo a primeira vez que altos funcionários dos
EUA e da Rússia se encontraram, pessoalmente, desde a invasão russa. Rubio é
acompanhado por Mike Waltz,
conselheiro de segurança nacional, e por Steve Witkoff, enviado para o Médio Oriente. As duas partes
concordaram em nomear equipas específicas para prosseguir as negociações.
Contudo, ainda não está marcada uma data para o encontro entre Trump e Putin.
O presidente
ucraniano, Volodymyr Zelenskyy, em
visita aos Emirados Árabes Unidos, para chegar à Arábia Saudita, no dia 19,
disse não que aceitará acordos sem a Ucrânia e que apoia a inclusão da
Europa nas conversações. Porém, a Rússia prefere manter os europeus fora da
sala. “Não sei o que é que eles vão fazer à mesa das negociações. Se tentam
impor ideias manhosas sobre o congelamento do conflito, enquanto eles próprios
têm em mente a continuação da guerra, então porquê convidá-los?”, disse Lavrov.
Entretanto, Ursula
von der Leyen e António Costa reuniram-se, em separado, com Keith Kellogg,
tendo este deixado claro que a Europa seria excluída da mesa das negociações.
Dito de outro modo, nenhum dos dois dirigentes da UE obteve garantias da
reserva de um lugar para a Europa.
No entanto, o
secretário de Estado dos EUA, falando da Arábia Saudita, após a primeira ronda de conversações com o
homólogo russo, disse que a UE seria convidada a juntar-se à mesa, mas só para
conceder uma redução das sanções ao Kremlin. “Há outras partes que têm sanções,
a União Europeia vai ter de se sentar à mesa a dada altura, porque também impôs
sanções”, disse Rubio, insistindo que terão de ser feitas concessões a “todas
as partes”.
A sugestão
de Rubio de aliviar as sanções vai contra o objetivo da UE de fazer a Rússia
pagar pela agressão à Ucrânia. Bruxelas concedeu um empréstimo a Kiev,
utilizando os ativos congelados da Rússia como garantia. Se o dinheiro for
libertado, como pretende o Kremlin, o empréstimo cai e deixa as capitais europeias
responsáveis pelos reembolsos.
Na reunião
com Kellogg, Ursula von der Leyen insistiu que a UE estava disposta a “trabalhar
ao lado dos EUA para pôr fim ao derramamento de sangue e [para] ajudar a
garantir a paz justa e duradoura que a Ucrânia e o seu povo merecem por direito”.
E reiterou que “qualquer resolução deve respeitar a independência, a soberania
e a integridade territorial da Ucrânia, apoiada por fortes garantias de
segurança”. Além disso, garantiu a Kellogg que o bloco estava pronto para
intensificar o apoio financeiro e militar à Ucrânia, uma exigência da
administração Trump.
Os últimos
números do Instituto Kiel para a Economia Mundial confirmam que o apoio
coletivo da Europa (132 mil milhões de euros) ultrapassou o dos EUA (114 mil milhões
de euros).
Questionado
sobre se a presidente da Comissão Europeia tinha assegurado alguma promessa de
que a Europa teria um lugar e a sua voz seria ouvida, um porta-voz da Comissão
absteve-se de partilhar mais pormenores e disse que nenhuma solução para a Ucrânia deveria ser “trabalhada”
sem o envolvimento de Kiev e da UE, até porque Ucrânia é candidata ao
bloco. “As diferentes reuniões que estão a ter lugar têm de ser vistas como o
início de um processo”, disse o porta-voz, sustentando: “Em última análise,
estas reuniões têm de ser realizadas em conjunto, para ver como podemos fazer
avançar as coisas com todas as partes envolvidas.”
A reunião
Costa-Kellogg teve teor semelhante. “A Ucrânia pode contar com a Europa.
Estamos prontos para continuar a trabalhar, de forma construtiva, com os EUA,
para garantir a paz e a segurança”, afirmou o presidente do Conselho Europeu,
nas redes sociais, advertindo que “a paz não pode ser um simples cessar-fogo” –
avaliação partilhada por outros líderes europeus que receiam que um acordo
apressado para pôr fim aos combates permita à Rússia reagrupar as suas forças e
lançar um novo conflito no futuro.
O gabinete
de Kellogg não forneceu qualquer informação. Na sua conta, no X, o enviado dos EUA descreveu a reunião
com Costa como “grandes discussões”.
Os líderes europeus
concordaram em aumentar o apoio financeiro e militar à Ucrânia, mas não
chegaram a consenso sobre novas garantias de segurança, como potencial
missão de manutenção da paz. O presidente francês, que falou com Trump, antes e
depois da cimeira, também falou com Zelenskyy,
que avisou, repetidamente, que o seu país não aceitaria um acordo feito nas
suas costas. “As garantias de segurança têm de ser sólidas e fiáveis”, afirmou
Zelenskyy, depois de falar com Macron, no dia 17, à noite, acrescentando: “Qualquer
outra decisão sem essas garantias – como um cessar-fogo frágil – serviria
apenas como mais um engano da Rússia e um prelúdio para uma nova guerra russa
contra a Ucrânia ou outras nações europeias.”
O telefonema
Trump-Putin, sem prévia consulta aos aliados ocidentais, quebrou o esforço de
três anos para isolar, diplomaticamente, o líder russo e deixou as capitais
europeias abaladas. E Kellogg agravou o sentimento de pânico, ao afirmar que a
Europa seria consultada, ao longo de todo o processo, mas que seria excluída da mesa de negociações. “O
que não queremos é entrar numa discussão em grande grupo”, disse o general na
reserva, na Conferência de Segurança de Munique, explicando que o processo de
paz seguirá uma abordagem “dupla”: por um lado, os EUA falarão com a Rússia e,
por outro lado, falarão com a Ucrânia e com os aliados democráticos que apoiam
a nação devastada pela guerra.
O Kremlin
afirmou que o encontro do dia 18 tinha sido uma “conversa séria sobre todas as
questões”, mas que era difícil avaliar se as posições estavam a convergir. E o
chefe da diplomacia dos EUA classificou o encontro como “o primeiro passo de
uma longa e difícil jornada”, com mais reuniões a seguir, tendo por objetivo “pôr
fim a este conflito, de uma forma justa, duradoura, sustentável e aceitável
para todas as partes envolvidas”.
***
Entretanto,
o presidente francês convocou nova cimeira para o dia 18, mais uma vez sem
Portugal. E, embora a Europa seja, em certa medida, parte nas negociações de paz,
a NATO está excluída, por a Rússia a ter como ameaça direta ao seu território.
Oxalá que não se esteja a construir a quadratura do círculo.
2024.02.17 – Louro de Carvalho
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