terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

Futuro da Ucrânia discute-se na França e na Arábia Saudita

 

Uma cimeira informal, no Palácio do Eliseu, em Paris, a 17 de fevereiro, entre os líderes europeus, terminou sem qualquer anúncio concreto, visto que a ideia do envio de tropas de manutenção da paz para a Ucrânia suscita grandes divisões. Assim, a Europa diz apoiar, em conjunto, a Ucrânia, face à invasão russa, mas não dá garantias de segurança que façam a diferença no contexto do impulso de Donald Trump para lançar negociações com a Rússia.

A declaração do presidente dos Estados Unidos da América (EUA) de chegar a um acordo para resolver, a curto prazo, a guerra de três anos abalou a Europa – bem como a aliança transatlântica, outrora sólida – e alimentou o receio de levar a concessões dolorosas para Kiev, deixando o continente vulnerável ao expansionismo de Moscovo.

A reunião – marcada por uma divergência com alguns países da UE, como a Polónia, que disseram não querer a sua marca militar em solo ucraniano – foi organizada pelo presidente francês, Emmanuel Macron, na sequência da conversa telefónica entre Donald Trump e Vladimir Putin, e contou com a presença dos líderes da Alemanha, do Reino Unido, da Itália, da Polónia, da Espanha, dos Países Baixos e da Dinamarca (a chefe do governo da Dinamarca representou os países nórdicos e os bálticos). A eles juntaram-se o secretário-geral da Organizaçáo do Tratado do Atlântico Norte (NATO), Mark Rutte, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e o presidente do Conselho da União Europeia (UE), António Costa.

“Hoje, em Paris, reafirmámos que a Ucrânia merece a paz, através da força. Uma paz que respeite a sua independência, soberania e integridade territorial, com fortes garantias de segurança”, afirmaram Ursula von der Leyen e António Costa, numa mensagem coordenada, vincando: “A Europa assume a sua quota-parte na assistência militar à Ucrânia. Ao mesmo tempo, precisamos de um aumento da defesa na Europa.”

A administração norte-americana enviou um questionário aos aliados europeus, a perguntar, entre outras coisas, se estariam dispostos a enviar soldados de manutenção da paz para a Ucrânia.

O presidente francês já tinha mostrado abertura a este cenário, mas não se comprometeu, agora. E esclareceu que defende, há muito, uma defesa europeia mais forte e que as suas repreensões e ameaças de não cooperação, face ao perigo militar, foram um choque para o sistema.

Pouco antes da reunião, tal como depois, Macron falou, ao telefone, com Trump, mas o gabinete de Macron não revelou pormenores sobre tais conversas.

O primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, deixou claro, na cimeira, que estava pronto para fazer o mesmo, desde que os EUA fornecessem apoio. “Estou preparado para considerar a possibilidade de colocar forças britânicas no terreno, juntamente com outras, se houver um acordo de paz duradouro. Mas tem de haver apoio por parte dos EUA, porque uma garantia de segurança dos EUA é a única forma de dissuadir, eficazmente, a Rússia de voltar a atacar a Ucrânia”, disse Keir Starmer, no final da cimeira, sublinhando: “Temos de reconhecer a nova era em que nos encontramos e não nos agarrarmos, irremediavelmente, aos confortos do passado. É altura de assumirmos a responsabilidade pela nossa segurança, pelo nosso continente.”

A primeira-ministra dinamarquesa, Mette Frederiksen, disse que o seu país estava aberto à ideia da manutenção da paz, mas alertou para muitas questões que postulam resposta. “Uma coisa muito importante é saber como é que os norte-americanos vão encarar estas questões”, afirmou, para interrogar: “Apoiarão os europeus, no caso de haver botas no terreno?”

Mette Friedriksen, frisando que “um cessar-fogo não é automaticamente paz” e, sobretudo, “paz duradoura”, apelou aos países europeus para que “intensifiquem” a sua ajuda à Ucrânia, de forma a colocar o país na “melhor posição possível” para futuras negociações.

O chanceler alemão, Olaf Scholz, foi muito mais crítico, sustentando que qualquer discussão sobre as forças de manutenção da paz era “completamente prematura” e “altamente inadequada”, no atual momento, pois a guerra continua com toda a sua brutalidade. “Estou até um pouco irritado com estes debates”, disse Scholz, depois de abandonar a reunião.

Scholz saudou a perspetiva de conversações de paz, mas advertiu contra a imposição de uma “paz ditada” à Ucrânia, tal como vincou a necessidade de manter uma frente ocidental unida contra o Kremlin. Os aliados têm sido abalados pelas recentes sugestões da Casa Branca de que poderá, em breve, começar a retirar as tropas americanas de solo europeu. “Não deve haver divisão de segurança e de responsabilidades entre a Europa e os EUA, o que significa que a NATO se baseia no facto de agirmos sempre em conjunto, de corrermos riscos em conjunto e de garantirmos assim a nossa segurança”, disse Scholz aos jornalistas, acrescentando: “Isso não deve ser posto em causa. Temos de ter isso em mente.”

O primeiro-ministro neerlandês, Dick Schoof, reconheceu que os europeus precisam de chegar a uma conclusão comum sobre com o que podem contribuir para conseguirem “um lugar à mesa”, pois sentarem-se à mesa, sem contribuir, “é inútil”. “Se as garantias de segurança implicarem a necessidade de tropas europeias, penso que os Países Baixos deveriam, pelo menos, entrar em conversações”, defendeu.

O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, insistiu que qualquer acordo entre a Ucrânia e a Rússia não deve “cometer os mesmos erros do passado” e permitir que Vladimir Putin volte a anexar território estrangeiro, no futuro. E afirmou que os esforços para restaurar a paz “devem reforçar o projeto europeu e a ordem multilateral”. “Ainda não temos as condições de paz para começar a pensar neste modelo”, disse Sánchez, questionado sobre se Espanha se comprometeria a colocar botas no terreno, e acrescentou: “Qualquer garantia de segurança tem de ser uma responsabilidade partilhada por todos os aliados.”

Antes da reunião, o chefe do governo da Polónia, Donald Tusk, tinha excluído a possibilidade de enviar soldados polacos para a Ucrânia, no âmbito de uma missão de manutenção da paz. A Polónia é o líder da NATO, em termos de fatia do produto interno bruto (PIB) consagrada à defesa (4% – mais do que qualquer outro membro da NATO), o que tem sido elogiado pela administração Trump. “Não tencionamos enviar soldados polacos para o território da Ucrânia, mas apoiaremos, também em termos logísticos e de apoio político, os países que, eventualmente, queiram dar essas garantias, no futuro”, afirmou Tusk, antes de partir para Paris. Porém, depois, considerou: “Chegou o momento de a Europa ter uma capacidade muito maior para se defender. […] Há unanimidade, aqui, sobre a questão do aumento da despesa com a defesa. Trata-se de uma necessidade absoluta.”  

O ritmo acelerado das negociações colocou a Europa no limite e provocou uma onda de atividade diplomática para mostrar unidade política e renovada determinação. A administração Trump espera que a Europa assuma a maior parte do futuro apoio militar e financeiro à Ucrânia. O continente manifestou a disponibilidade para um papel mais importante, mantendo a frente ocidental que foi erguida nas primeiras horas da invasão. Porém, as últimas ações de Trump e os comentários do secretário da Defesa, Pete Hegseth, de que qualquer missão de manutenção da paz enviada para a Ucrânia seria privada do artigo 5.º da NATO, relativo à defesa coletiva, indicam que os EUA não veem a Europa como prioridade e poderão, em breve, começar a retirar pessoal militar do continente, para se concentrarem na China e na fronteira com o México.

Pete Hegseth e vice-presidente dos EUA, James David Vance, questionaram os compromissos de segurança da Europa e os seus princípios democráticos. Ora, a Europa está empenhada em reforçar as suas forças armadas onde investirá, após anos de queixas dos EUA, e a maioria aumentou as despesas com a defesa para 2% do PIB, mas a via para chegar aos 3% não é clara.

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Keith Kellogg, enviado especial dos EUA para a Ucrânia e Rússia, confirmou, mais tarde, que a Europa seria consultada, mas que não teria lugar à mesa. Disse que estava a trabalhar no “tempo de Trump”, o qual esperava ter um projeto de acordo, numa questão de dias e ou de semanas.

O ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, que está sob sanções da UE, reuniu-se com o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, no dia 18, em Riade, na Arábia Saudita, sendo a primeira vez que altos funcionários dos EUA e da Rússia se encontraram, pessoalmente, desde a invasão russa. Rubio é acompanhado por Mike Waltz, conselheiro de segurança nacional, e por Steve Witkoff, enviado para o Médio Oriente. As duas partes concordaram em nomear equipas específicas para prosseguir as negociações. Contudo, ainda não está marcada uma data para o encontro entre Trump e Putin.

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskyy, em visita aos Emirados Árabes Unidos, para chegar à Arábia Saudita, no dia 19, disse não que aceitará acordos sem a Ucrânia e que apoia a inclusão da Europa nas conversações. Porém, a Rússia prefere manter os europeus fora da sala. “Não sei o que é que eles vão fazer à mesa das negociações. Se tentam impor ideias manhosas sobre o congelamento do conflito, enquanto eles próprios têm em mente a continuação da guerra, então porquê convidá-los?”, disse  Lavrov.

Entretanto, Ursula von der Leyen e António Costa reuniram-se, em separado, com Keith Kellogg, tendo este deixado claro que a Europa seria excluída da mesa das negociações. Dito de outro modo, nenhum dos dois dirigentes da UE obteve garantias da reserva de um lugar para a Europa.

No entanto, o secretário de Estado dos EUA, falando da Arábia Saudita, após a primeira ronda de conversações com o homólogo russo, disse que a UE seria convidada a juntar-se à mesa, mas só para conceder uma redução das sanções ao Kremlin. “Há outras partes que têm sanções, a União Europeia vai ter de se sentar à mesa a dada altura, porque também impôs sanções”, disse Rubio, insistindo que terão de ser feitas concessões a “todas as partes”.

A sugestão de Rubio de aliviar as sanções vai contra o objetivo da UE de fazer a Rússia pagar pela agressão à Ucrânia. Bruxelas concedeu um empréstimo a Kiev, utilizando os ativos congelados da Rússia como garantia. Se o dinheiro for libertado, como pretende o Kremlin, o empréstimo cai e deixa as capitais europeias responsáveis pelos reembolsos.

Na reunião com Kellogg, Ursula von der Leyen insistiu que a UE estava disposta a “trabalhar ao lado dos EUA para pôr fim ao derramamento de sangue e [para] ajudar a garantir a paz justa e duradoura que a Ucrânia e o seu povo merecem por direito”. E reiterou que “qualquer resolução deve respeitar a independência, a soberania e a integridade territorial da Ucrânia, apoiada por fortes garantias de segurança”. Além disso, garantiu a Kellogg que o bloco estava pronto para intensificar o apoio financeiro e militar à Ucrânia, uma exigência da administração Trump.

Os últimos números do Instituto Kiel para a Economia Mundial confirmam que o apoio coletivo da Europa (132 mil milhões de euros) ultrapassou o dos EUA (114 mil milhões de euros).

Questionado sobre se a presidente da Comissão Europeia tinha assegurado alguma promessa de que a Europa teria um lugar e a sua voz seria ouvida, um porta-voz da Comissão absteve-se de partilhar mais pormenores e disse que nenhuma solução para a Ucrânia deveria ser “trabalhada” sem o envolvimento de Kiev e da UE, até porque Ucrânia é candidata ao bloco. “As diferentes reuniões que estão a ter lugar têm de ser vistas como o início de um processo”, disse o porta-voz, sustentando: “Em última análise, estas reuniões têm de ser realizadas em conjunto, para ver como podemos fazer avançar as coisas com todas as partes envolvidas.”

A reunião Costa-Kellogg teve teor semelhante. “A Ucrânia pode contar com a Europa. Estamos prontos para continuar a trabalhar, de forma construtiva, com os EUA, para garantir a paz e a segurança”, afirmou o presidente do Conselho Europeu, nas redes sociais, advertindo que “a paz não pode ser um simples cessar-fogo” – avaliação partilhada por outros líderes europeus que receiam que um acordo apressado para pôr fim aos combates permita à Rússia reagrupar as suas forças e lançar um novo conflito no futuro.

O gabinete de Kellogg não forneceu qualquer informação. Na sua conta, no X, o enviado dos EUA descreveu a reunião com Costa como “grandes discussões”.

Os líderes europeus concordaram em aumentar o apoio financeiro e militar à Ucrânia, mas não chegaram a consenso sobre novas garantias de segurança, como potencial missão de manutenção da paz. O presidente francês, que falou com Trump, antes e depois da cimeira, também falou com Zelenskyy, que avisou, repetidamente, que o seu país não aceitaria um acordo feito nas suas costas. “As garantias de segurança têm de ser sólidas e fiáveis”, afirmou Zelenskyy, depois de falar com Macron, no dia 17, à noite, acrescentando: “Qualquer outra decisão sem essas garantias – como um cessar-fogo frágil – serviria apenas como mais um engano da Rússia e um prelúdio para uma nova guerra russa contra a Ucrânia ou outras nações europeias.”

O telefonema Trump-Putin, sem prévia consulta aos aliados ocidentais, quebrou o esforço de três anos para isolar, diplomaticamente, o líder russo e deixou as capitais europeias abaladas. E Kellogg agravou o sentimento de pânico, ao afirmar que a Europa seria consultada, ao longo de todo o processo, mas que seria excluída da mesa de negociações. “O que não queremos é entrar numa discussão em grande grupo”, disse o general na reserva, na Conferência de Segurança de Munique, explicando que o processo de paz seguirá uma abordagem “dupla”: por um lado, os EUA falarão com a Rússia e, por outro lado, falarão com a Ucrânia e com os aliados democráticos que apoiam a nação devastada pela guerra.

O Kremlin afirmou que o encontro do dia 18 tinha sido uma “conversa séria sobre todas as questões”, mas que era difícil avaliar se as posições estavam a convergir. E o chefe da diplomacia dos EUA classificou o encontro como “o primeiro passo de uma longa e difícil jornada”, com mais reuniões a seguir, tendo por objetivo “pôr fim a este conflito, de uma forma justa, duradoura, sustentável e aceitável para todas as partes envolvidas”.

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Entretanto, o presidente francês convocou nova cimeira para o dia 18, mais uma vez sem Portugal. E, embora a Europa seja, em certa medida, parte nas negociações de paz, a NATO está excluída, por a Rússia a ter como ameaça direta ao seu território. Oxalá que não se esteja a construir a quadratura do círculo.

2024.02.17 – Louro de Carvalho

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