A 15
de novembro, na Conferência de Segurança
de Munique, o presidente do Conselho Europeu, António Costa, afirmou que a
Europa não desiste do apoio à Ucrânia. “Continuaremos a apoiar a Ucrânia nas negociações,
como parte integrante do nosso projeto de paz, dando garantias de segurança, na
reconstrução e como futuro membro da União Europeia [UE], garantiu o dirigente
europeu e antigo primeiro-ministro português.
Vincando a importância de incluir a Ucrânia
nas negociações e que só esta pode definir quando há condições para negociar
com a Rússia, António Costa declarou. “Assumir concessões, antes de qualquer
negociação é um grande erro.”
Estas declarações condizem com as do
chanceler alemão, Olaf Scholz, que também interveio na conferência, frisando
que nada deve ser decidido sobre a Ucrânia sem o seu envolvimento. Kiev não se
pode manter sozinha e necessita do apoio da UE e dos Estados Unidos da América
(EUA).
O presidente do Conselho Europeu
advertiu que um acordo futuro não deve incluir apenas “um simples cessar-fogo”,
mas garantir que a Rússia deixa de ser ameaça à segurança internacional, não
pondo “recompensar o agressor”.
A declaração surge um dia antes de o
vice-presidente dos EUA, James David Vance, ter criticado a abordagem dos governos
europeus à democracia, pois, na sua ótica, a maior ameaça à segurança da Europa
não é a Rússia ou a China, mas uma ameaça interna, devido ao recuo da Europa,
face a alguns dos seus valores mais fundamentais, valores partilhados com os
EUA.
Também no dia 15, o presidente da
Ucrânia, Volodymyr Zelensky, avisou a Europa de que “os velhos tempos em
que a América apoiava a Europa só porque sempre o fez” acabaram e disse ter
chegado o momento de criar “forças armadas da Europa”. “Há
alguns dias, o presidente Trump falou-me da sua conversa com Putin. Nem
uma vez mencionou que a América precisa da Europa à mesa. Isso diz
muito”, vincou Zelensky, discorrendo: “Sejamos claros: não podemos excluir a
possibilidade de os Estados Unidos da América se recusarem a cooperar com a Europa
em questões que a ameaçam.”
Segundo o ministro polaco dos
Negócios Estrangeiros, Radosław Sikorski, poderia ter lugar em Paris, no dia
17, uma reunião europeia de defesa, mas não se avançaram detalhes.
Entretanto, de
acordo com um relatório da Associated
Press (AP), desde há cerca de um
ano, um grupo de países europeus vem trabalhando, discretamente, num plano para
enviar tropas para a Ucrânia, a fim de ajudar a impor um futuro acordo de paz
com a Rússia. E quem está na vanguarda desse esforço são o Reino Unido e a
França.
Os países
envolvidos nas discussões estão relutantes em dar uma dica, para o presidente
russo, Vladimir Putin, não ter vantagem, caso concorde em negociar o fim da guerra.
“Não vou entrar em pormenores sobre as capacidades específicas, mas aceito que,
se houver paz, terá de haver algum tipo de garantia de segurança para a Ucrânia.
E o Reino Unido desempenhará o seu papel nesse sentido”, disse o
primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, no dia 13.
Os líderes
europeus vêm a explorar o tipo de força necessária, mas a urgência aumentou com
a preocupação de que o presidente dos EUA possa passar por cima deles e da
Ucrânia, para fechar um acordo com Putin. E, na Conferência de Segurança de
Munique, Volodymyr Zelenskyy afirmou, repetidamente, que, se a Ucrânia não for
aceite na organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), terá de se construir
outra NATO na Ucrânia.
Em dezembro,
após a eleição de Trump, um grupo de líderes e ministros reuniu-se com
Zelenskyy na residência do secretário-geral da NATO, Mark Rutte, em Bruxelas.
Os participantes, entre os quais altos funcionários da EU, vieram da
Grã-Bretanha, da Dinamarca, da França, da Alemanha, da Itália, dos Países
Baixos e da Polónia. As conversações tiveram por base uma ideia do presidente
francês, Emmanuel Macron, no início de 2024.
Na altura, a
recusa em excluir a possibilidade de colocar tropas na Ucrânia suscitou
protestos, nomeadamente, dos líderes da Alemanha e da Polónia. E Macron ficou
isolado na UE, mas o plano ganhou força. Porém, o modo como a força pode ser
constituída e quem participará dependerá dos termos do eventual acordo de paz,
e não só.
A Itália tem
limites constitucionais para a utilização das suas forças. Os Países Baixos
precisam de luz verde do seu parlamento, tal como a Alemanha, cuja posição
poderá evoluir depois das eleições de 23 de fevereiro, de que resultará novo
governo. A Polónia é cautelosa, dadas as animosidades persistentes com a
Ucrânia desde a II Guerra Mundial.
“Estamos
numa fase muito inicial”, disse Hanno Pevkur, ministro da Defesa da Estónia, à
margem da Conferência de Segurança de Munique, considerando que, embora haja discussões
e rumores em curso, é “fundamental” que os aliados europeus compreendam como
será a linha de contacto na Ucrânia, antes de apresentarem um plano. Com efeito,
se a Rússia e a Ucrânia reduzirem as suas forças ao longo da linha da frente
para alguns milhares de ambos os lados, não será problema a presença da Europa,
mas seria muito mais difícil, se ainda existisse “conflito em ebulição”.
A composição
e o papel da força serão ditados pelo tipo de acordo de paz que for obtido,
pela dimensão e pela localização do contingente europeu. Zelenskyy insistiu num
contingente mínimo de 100 mil a 150 mil soldados e os meios de comunicação
social adiantaram 30 mil a 40 mil. Porém, diplomatas e funcionários não
confirmaram tais números.
O presidente
ucraniano sustenta que os europeus podem ganhar muito com a experiência do seu
país: “Só o nosso exército, na Europa, tem experiência de guerra real e moderna.
[…] Quando falamos de contingentes, tenho um mapa que mostra 110 mil tropas
estrangeiras. É preferível que os nossos parceiros especializados em operações
navais, como o Reino Unido e os países nórdicos, sejam destacados para o mar”,
afirmou, na Conferência de Segurança de Munique.
No entanto, admitiu
que o exército ucraniano não dispõe de armas e de equipamento suficientes. E à pergunta
sobre se a Ucrânia estaria aberta a um contingente europeu, disse que estava
pronta para um contingente composto inteiramente por ucranianos, pois o
problema é o equipamento. E exemplificou, dizendo que, se temos 150 a 160 caças
F-16 e mais de 25 sistemas Patriot, não são necessárias tropas americanas ou
europeias. A questão da nacionalidade é irrelevante.
Porém,
sustenta que, se a Rússia atacar os países europeus da NATO, a UE não é capaz
de lidar com a situação sozinha e apontou a Bielorrússia como possível
rampa de lançamento para um ataque da Rússia, no próximo ano ou até já neste. “Sem
o exército ucraniano, os exércitos europeus não serão suficientes para travar a
Rússia. Esta é a realidade”, frisou.
***
Intervindo na Conferência de Segurança
de Munique, no dia 14, o líder ucraniano apontou a Bielorrússia como plataforma
de lançamento para eventual ataque futuro, dizendo compreender o que os russos
farão com a Bielorrússia. “A Rússia está a preparar 15 divisões e cerca de 100
a 150 mil tropas estão a ser treinadas para agravar a situação na direção da
Bielorrússia”, disse Zelenskyy, mas sem ter a certeza se atacarão a Ucrânia,
mas vincando que vão atacar talvez a Ucrânia, a Polónia, os países bálticos.
O presidente da Ucrânia afirmou que
os políticos da UE continuam “muito preocupados” com a reação dos EUA e com o
possível apoio (ou não), em caso de ataque. “O que já estamos a ver é que a
Europa vai reforçar, ainda mais, esta unidade em torno da Ucrânia, porque esta
é a sua proteção. Compreendem cada vez mais que são os próximos, não num futuro
distante, mas a seguir”, sublinhou Zelensky, porfiando que não retirará a
adesão da Ucrânia à NATO e alertando que, “neste momento, o membro mais
influente da NATO parece ser Putin, porque parece ser capaz de bloquear as
decisões da NATO”.
No início da semana em causa, o
Serviço de Informações de Defesa dinamarquês emitiu um aviso similar,
sustentando que a Rússia pode encontrar o ensejo para lançar uma guerra em
grande escala na Europa, dentro de cinco anos, se “perceber que a NATO
está militarmente enfraquecida ou politicamente dividida”.
Na verdade, no início de 2022, a
Rússia utilizou a Bielorrússia como plataforma de lançamento para a invasão em
grande escala da Ucrânia. Minsk permitiu que as forças armadas russas
realizassem exercícios militares de semanas, que eram uma fachada para a
invasão planeada. E, a 24 de fevereiro, as tropas russas entraram na Ucrânia,
vindas da Bielorrússia, tomaram, rapidamente, o Norte das regiões de Kiev e de
Chernihiv e entraram nas cidades satélites de Kiev, Bucha, Irpin e Hostomel,
ocupando a área até finais de março. Segundo as estimativas da NATO, a força
que entrou na Ucrânia a partir da Bielorrússia tinha até 30 mil soldados.
Em dezembro de 2024, Alexander
Lukashenko, aliado de Putin, afirmou que o país estava a acolher dezenas de
armas nucleares russas e que prepararia instalações para acolher o mais recente
míssil balístico hipersónico de Moscovo. Tais asserções surgiram após Alexander
Lukashenko e Vladimir Putin, terem assinado um tratado que dá garantias de segurança
à Bielorrússia, incluindo a utilização de armas nucleares para ajudar a repelir
qualquer agressão. O pacto seguiu-se à revisão da doutrina nuclear de Moscovo,
que, pela primeira vez, pôs a Bielorrússia sob o guarda-chuva atómico russo,
face às tensões com o Ocidente, devido à invasão russa da Ucrânia.
Desde o início da guerra e da crítica
dos EUA às despesas de defesa dos aliados, só a Polónia, a Estónia, a Lituânia
e a Letónia anunciaram aumentos significativos nas despesas de defesa. Ora,
Zelenskyy disse que as despesas com a defesa são importantes, mas que é impossível
defender os Estados só com estas despesas. “Não é mais complicado do que
mantermo-nos firmes contra os ataques russos, como já fizemos. Mas não se trata
apenas de aumentar as despesas com a defesa em percentagem do PIB [produto
interno bruto]. É claro que precisamos de dinheiro, mas o dinheiro por si só
não consegue parar o avanço do inimigo, vincou.
***
Não sei se os especialistas não estarão a
prejudicar o objetivo, denunciando as intenções de Putin.
Donald Trump, comentando
os telefonemas com líderes russo e ucraniano,
falou de “uma boa possibilidade de acabar com esta guerra horrível e muito
sangrenta”. Ora, o diretor de Segurança Internacional do Royal United Services
Institute, Neil Melvin, sustenta
que a Ucrânia, e não a Rússia, está a ser pressionada a baixar as
expetativas, sendo a situação favorável para o Kremlin, pois “está a entrar
nesta potencial negociação com uma mão bastante forte”, ao conseguir que os EUA
garantam que “a Ucrânia não se tornará membro da NATO”. Porém, a questão não
fica encerrada por ser decisão possível de rever em 20 anos.
Melvin diz
que a Rússia quer entrar em negociação direta com Trump, e não com a Ucrânia ou
com os europeus, e considerar uma conversa mais alargada, que envolva questões
do Médio Oriente, de segurança internacional mais amplas, controlo de armas e
Ucrânia, de modo que haja uma grande negociação em que a Rússia procure um
acordo numa série de áreas diferentes, para aumentar a influência sobre a Ucrânia.
Ao revelar
os detalhes do telefonema com o homólogo russo, Donald Trump anunciou que a
conversa foi ampla, incluindo “a Ucrânia, o Médio Oriente, a energia, a
inteligência artificial, o poder do dólar e vários outros assuntos”. Já a
versão oficial do Kremlin afirma que Putin frisou a necessidade de “eliminar as
causas profundas” da guerra, concordando com Trump que “uma solução a longo
prazo poderia ser alcançada através de negociações pacíficas”. Ora, “causas
profundas” são, por exemplo, a violação pela NATO dos compromissos de não
avançar para Leste, em direção à fronteira russa.
Andrew Novo,
do Programa Transatlântico de Defesa e Segurança do CEPA, disse à Euronews que Putin quer “acabar com a
guerra, pelo menos a grande fase da guerra”. Porém, o cessar-fogo não irá
necessariamente acabar com a guerra e o que está em causa são os termos da paz.
Todos querem a paz, mas as suas ideias sobre o que é a paz são muito
diferentes, na ótica de Novo. Enquanto o presidente dos EUA quer “pôr fim à
guerra”, a UE diz que “não é apenas o destino da Ucrânia que está em causa. É o
destino da Europa”, como afirmou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.
Kiev afirmou,
repetidamente, pretender uma paz duradoura, fiável e justa para o país devastado
pela guerra. Porém, Melvin diz que a
paz não é o principal objetivo da Rússia. E explica isso, dizendo que
foi Putin quem começou a guerra, pois “tem uma visão histórica particular da
Rússia, que se prende com uma Rússia maior, com a pressão do período
pré-revolucionário, do período pré-soviético, uma espécie de império russo”,
sendo vistas muitas das terras da Ucrânia contemporânea como terras russas
nucleares, “porque foram tomadas por vários czares russos”. Por outro lado, a
guerra eclodiu para fazer recuar a solidariedade euro-atlântica e,
nomeadamente, a presença de segurança dos EUA na Europa.
Estes
objetivos estarão no centro da estratégia de negociação da Rússia e não a paz.
E, mesmo que a Ucrânia seja forçada a fazer concessões territoriais, não será
suficiente para Moscovo, na opinião de Melvin, pois um acordo não tem só a ver
com a perda de território, mas com a “subjugação da Ucrânia de uma forma mais
ampla”. Os russos pressionarão um acordo político na Ucrânia, que seja a seu
favor, levando à substituição de Zelensky. “Vão querer alguém mais flexível a
governar a Ucrânia, que promova a federalização da Ucrânia, que o russo se
torne a segunda língua oficial, que as escolas russas e a cultura russa sejam
institucionalizadas, que a Ucrânia adote um estatuto de neutralidade ou,
certamente, um estatuto internacional de não-alinhamento, que a Ucrânia se
desarme e que o atual nível das forças armadas seja reduzido e que não haja
presença militar estrangeira da comunidade atlântica, a não ser que seja sob um
mandato de manutenção da paz da ONU [Organização das Nações Unidas]”, sustenta
Melvin.
Em última
análise, será um acordo em que Moscovo tenta obter ganhos maximalistas e faz
poucas concessões. Além disso, tentará fazê-lo com base na visão do Kremlin de
que “as grandes potências decidem as questões da guerra e da paz, em função dos
seus interesses”.
É por isso
que Melvin diz que Putin quer falar com Trump e não com os líderes europeus ou
com a UE. Moscovo vê a primeira conversa direta entre os presidentes dos EUA e
da Rússia como o reconhecimento de que pensam falar com o poder nos bastidores,
e não com os europeus – muito menos com o líder da Ucrânia, que Putin parece
ter rejeitado.
Zelenskyy
reiterou, no dia 13, não aceitar “quaisquer negociações bilaterais sobre a
Ucrânia” sem ela, insistindo na estratégia de Kiev, “nada sobre a Ucrânia por
cima da Ucrânia”. Enfim, os ucranianos esperam obter mais clareza e garantias
de que Washington continua empenhado a apoiar a Ucrânia, num momento crítico
para a invasão da Ucrânia pela Rússia.
Porém, falar
de negociações acusando de má-fé uma das partes não augura nada de bom!
2025.02.15 – Louro de Carvalho
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