segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

Eleições federais antecipadas na Alemanha dão vitória à CDU

 

A Alemanha foi às urnas, a 23 de fevereiro para eleições federais antecipadas, as mais participadas, desde a reunificação – entre 83% e 84%, num universo de cerca de quase 60 milhões de eleitores, segundo as projeções após o enceramento da votação – e que vai moldar o rumo do maior estado-membro da União Europeia (UE) para os próximos quatro anos, com o novo governo a herdar a economia em recessão, pelo segundo ano consecutivo, sobrecarregada pela burocracia, pelo aumento do custo da energia e pela indústria automóvel, outrora crucial, em luta para acompanhar as rivais chinesas e norte-americanas.

A coligação CDU-CSU (União Democrata-Cristã e a União Social-Cristã), de centro-direita, e a AfD (Alternativa para a Alemanha), de extrema-direita, lideravam as sondagens à boca das urnas, com o SPD (Partido Social Democrata) a perder posições.

Os resultados conhecidos pouco antes da meia-noite, para o preenchimento de 630 mandatos no Bundestag (Parlamento) indicavam 28,7% dos votos para a CDU (208 mandatos), 20,7% para a AfD (151 mandatos), 16,5% para o SPD (121 mandatos), 11,7% para a Aliança 90/Os Verdes (Grüne), muitas vezes simplesmente conhecido por Verdes (85 mandatos) e 8,7% para a Esquerda ou Die Linke (64 mandatos).

Conhecidos os resultados finais de todos os círculos, a CDU ganhou, com 28,6% dos votos; a AfD ficou em segundo lugar, com 20,8% (duplicando a sua quota de votos, em relação às últimas eleições, na Alemanha, em 2021 e sendo o partido de extrema-direita com o melhor resultado, no país, desde a Segunda Guerra Mundial); o SPD obteve 16,4%; os Verdes obtiveram 11,6%; a Esquerda obteve 8,8%, acima dos 4,9% de 2012; e os partidos mais pequenos não atingiram o limiar de 5%, necessário para entrar no Bundestag, incluindo o liberais do Partido Democrático Livre (FDP) e a Aliança Sahra Wagenknecht (BSW).

Assim, naturalmente, se conclui que a CDU ganhou as eleições e que o seu líder, Friederich Merz, será o novo chanceler, que pretende formar governo, o mais rapidamente possível (até à Páscoa, como prometeu); que o SPD teve um dos piores resultados de sempre, sendo que Olaf Scholz não se demite e se mostra disponível para entrar em negociações com a CDU (com efeito, a CDU e o SPD formam maioria no Bundestag); que a AfD, praticamente duplicou a votação e se tornou o segundo maior partido, mas o líder da CDU, mantendo o cordão sanitário, não quer negociar com a extrema-direita; que os Verdes podem entrar nas negociações, apesar de vincarem as diferenças ideológicas, face à CDU; e que cerca de 34% dos eleitores votaram em partidos contra a democracia liberal e contra a UE.

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O partido de Friederich Merz está a insistir na redução dos impostos, na reforma das forças armadas do país e numa revisão radical das regras de imigração e asilo. Já a líder do AfD, Alice Weidel, que, há muito que critica a UE e afirma que a Alemanha deve sair do bloco, fez manchetes, pela sua inesperada ligação com o bilionário tecnológico sul-africano Elon Musk.

Christan Lindner, o líder do FDP, decidiu abandonar a política ativa. Fez o anúncio, no X, depois dos maus resultados eleitorais nestas eleições, que deixam o partido fora do Bundestag.  

Na rede social X, Friederich Merz destacou uma parte do discurso que fez, na noite eleitoral, aos apoiantes, ou seja, frisou a vontade de negociar, rapidamente, com os partidos da oposição para formar um governo de coligação, escrevendo: “Agora, vamos cumprir, rapidamente, o nosso mandato governativo, porque o Mundo, lá fora, não está à nossa espera. Também não está à espera de longas negociações e conversas de coligação.”

Mais tarde, voltou a publicar, na rede X, dizendo que que a Rússia e a América estão mais próximas: “A minha impressão, nos últimos dias, é que a Rússia e a América estão a unir-se, à revelia da Ucrânia e, portanto, também à revelia da Europa. É por isso que toda a gente está agora a olhar para a Alemanha. Com que rapidez é que os alemães vão conseguir formar um governo depois deste resultado eleitoral complicado? Essa é realmente uma prioridade para mim agora.”

No debate da noite pós-eleitoral, entre os partidos, o líder dos Verdes, Robert Habeck, mostrou-se disposto a negociar a entrada num governo de coligação, apesar das diferenças ideológicas com a CDU, mas tendo em conta que os alemães mostraram ser contra a normalização de um governo de extrema-direita. E os Verdes faziam parte da coligação semáforo, com o SPD e o FDP.

Já o Die Linke vai manter-se na oposição. Jan van Aken diz opor-se aos planos de Friederich Merz para o Estado Social alemão. 

A AfD e a CDU mostram diferentes interpretações dos resultados. Alice Weidel insiste que os eleitores votaram numa coligação entre a AfD e a CDU; e Friederich Merz diz que os eleitores sempre souberam que a CDU não pretende coligar-se com o partido de extrema-direita.

Alice Weidel foi a primeira líder partidária a falar, após serem conhecidos as sondagens à boca das urnas. Mostrou-se satisfeita por o seu partido ter duplicado os resultados, e interessada em fazer parte do próximo governo. Criticou a CDU, que acusou de copiar o programa da AFD e, ao mesmo tempo, planeia coligar-se com a esquerda. 

O líder da CDU falou, na sede de campanha, para declarar a vitória dos partidos da União CDU/CSU. Em frente de muitos apoiantes, Merz disse que “agora a festa vai começar”.

Depois dos festejos desta noite, Merz disse querer falar com os outros partidos e criar um governo de coligação o mais rapidamente possível. “Vamos festejar hoje e amanhã vamos trabalhar!”, disse o líder da CDU.

“Um resultado amargo”, foi assim que o chanceler alemão classificou o resultado da SPD, de centro-direita e, responsabilizando-se pelos resultados, deu os parabéns a Friederich Merz, defendeu a manutenção de um cordão sanitário, em relação à AfD e defendeu o mandato que decorreu em condições difíceis, particularmente face à invasão da Ucrânia pela Rússia. 

O SPD teve o pior resultado de sempre para o mais antigo partido da Alemanha. Porém, os resultados podem levar ao partido de regresso ao governo, numa coligação com a CDU, pois Scholz disse estar disponível para conversações. 

“Tomámos um grande risco e estamos a pagar um preço alto”, foi assim que o líder do Partido Democrata Livre, o FPD, reagiu aos resultados. “Mas pela Alemanha fizemos o que era correto”, disse Christian Lindner, aludindo à crise que afastou o partido da coligação semáforo de Olaf Scholz e precipitou estas eleições antecipadas.

Segundo as projeções, o FDP não iria conseguir 5% dos votos. Como isso se confirmou, o partido não entrará no Bundestag, nem num possível governo de coligação

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Porém, no SPD, as coisas não são tão simples. Um copresidente dos socialistas alemães (SPD), Lars Klingbeil, que deverá tornar-se o novo presidente do parlamento, apelou à “mudança geracional” no partido liderado pelo chanceler cessante, Olaf Scholz, após o resultado nas eleições, que o ministro da Defesa, Boris Pistorius, considerou catastrófico. Pela primeira vez, o partido não está entre as duas forças políticas mais votadas em eleições legislativas, superado pelos conservadores da CDU, com cerca de 29%, e pela extrema-direita, com quase 20%.

Também a outra copresidente do SPD, Saskia Esken, admitiu que o partido precisa de se reorganizar, tanto em termos de “conteúdo como de pessoal”.

Outras das figuras proeminentes do SPD, o ministro da Defesa cessante, Borius Pistorius, apontado como candidato à sucessão de Sholz na liderança dos socialistas, rejeitou especular sobre esse cenário, mas classificou o resultado como “catastrófico” e “devastador”, admitindo que “o partido terá de decidir com que equipa vai enfrentar os próximos meses e anos”. E disse esperar fazer parte da equipa da negociação do SPD para eventuais, e mais do que prováveis, negociações de coligação com a CDU liderada pelo futuro chanceler Friedrich Merz.

O próprio líder do SPD, Olaf Scholz admitiu que os resultados eleitorais são “uma derrota histórica” e disse que assume a responsabilidade pela “derrota amarga”. E, escusando-se a falar do seu futuro, abriu, no entanto, a porta da saída, ao afirmar que se (re)candidatou “ao cargo de chanceler, e não a qualquer outro cargo governativo”.

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As reações internacionais não se fizeram esperar.

Por exemplo, Donald Trump mostrou-se satisfeito com a vitória da CDU: “Parece que o partido conservador, na Alemanha, teve uma grande e muito antecipada vitória”, escreveu o presidente dos Estados Unidos da América (EUA), na rede Truth Social, comparando o resultado alemão aos das presidenciais dos EUA, sobretudo, em temas como a imigração e a energia.

“Vão seguir-se muitas mais vitórias!”, escreveu Donald Trump, sempre em letras maiúsculas. 

Também de Portugal, chegou a reação de André Ventura. No entanto, o líder do partido Chega decidiu dirigir os parabéns a Alice Weidel, de extrema-direita. No X, Ventura escreveu que “acabou o bipartidarismo na Alemanha” e que, em breve, o Chega e a AfD vão ser governo. 

O primeiro-ministro português, Luís Montenegro, deu os parabéns a Friederich Merz e mostrou-se “entusiasmado com a perspetiva” de trabalhar com o futuro líder do governo alemão.

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Friedrich Merz, líder da CDU e o vencedor das eleições, esperou muito tempo para chegar a este ponto, a um passo da chancelaria alemã. De 69 anos, casado e com três filhos, é entusiasta da aviação e proprietário de dois aviões que pilota nos seus tempos livres.

Tem estado, constantemente, à frente nas sondagens, desde que o chanceler Olaf Scholz perdeu um voto de confiança, em dezembro de 2024, o que levou à realização de eleições antecipadas.

Anteriormente, rival de longa data da ex-chanceler Angela Merkel, mais centrista, Merz, relativamente à direita, tornou-se presidente da CDU, em janeiro de 2022, e foi designado candidato a Chanceler em setembro de 2024. Procurando conduzir o partido numa direção mais conservadora, fez da contenção da migração irregular uma questão central da sua política.

Merz estudou Direito e começou por trabalhar como advogado. Aderiu à CDU, ainda na escola, mas sempre teve os olhos postos na política, tendo sido eleito para o Parlamento Europeu (PE), em 1989. Em 1994, tornou-se deputado alemão e passou a dedicar-se à política interna.

Nos anos seguintes, subiu na hierarquia do partido, mas foi afastado, após uma luta pelo poder com Angela Merkel. Decidiu abandonar a política e passou vários anos a trabalhar em cargos de chefia no setor privado, como na BlackRock Germany e no HSBC Trinkhaus & Burkhardt, tendo também feito parte da direção da EY Germany e da equipa de futebol Borussia Dortmund.

O seu regresso ao parlamento, mais de uma década depois, ficou marcado pelas tentativas de orientar a CDU para uma posição mais conservadora, do ponto de vista social e pró-empresarial.

No atinente à imigração, causou sensação, em janeiro, ao fazer aprovar uma moção não vinculativa que defendia regras de imigração mais rigorosas, tais como controlos nas fronteiras e aumento das deportações, apesar das críticas de que isso violaria a lei de asilo alemã.

E, no respeitante à sua potencial vontade de entrar em território politicamente arriscado, foi amplamente criticado, por ter recuado na posição de não trabalhar com a AfD e de ter quebrado a “barreira” contra o partido de extrema-direita para aprovar as medidas. Mais tarde, excluiu qualquer cooperação futura com a extrema-direita.

Com a economia alemã em dificuldades, Merz tem criticado frequentemente as políticas económicas apresentadas pelo governo de Scholz, responsabilizando-as pela recessão económica do país. É defensor da redução dos benefícios sociais e da diminuição do emprego público. Controversamente, apoia a redução dos impostos, o que reduziria as receitas do Estado, ao mesmo tempo que se mostra aberto à redução dos subsídios governamentais.

Quanto à política externa, Friedrich Merz foi assertivo na Conferência de Segurança de Munique, vincando que a Alemanha deve desempenhar papel de maior liderança na UE e prometendo apoiar a Ucrânia e a sua adesão à Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO).

Agora, dado o sistema eleitoral alemão, para conseguir maioria no Bundestag, terá de negociar, com o SPD e com os Verdes ou com o SPD e com o PDP.

2025.02.24 – Louro de Carvalho

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