A Alemanha
foi às urnas, a 23 de fevereiro para eleições federais antecipadas, as mais
participadas, desde a reunificação – entre 83% e 84%, num universo de cerca de quase 60
milhões de eleitores, segundo as
projeções após o enceramento da votação – e que vai moldar o rumo do maior estado-membro
da União Europeia (UE) para os próximos quatro anos, com o novo governo a
herdar a economia em recessão, pelo segundo ano consecutivo, sobrecarregada pela
burocracia, pelo aumento do custo da energia e pela indústria automóvel,
outrora crucial, em luta para acompanhar as rivais chinesas e norte-americanas.
A coligação CDU-CSU
(União
Democrata-Cristã e a União Social-Cristã), de
centro-direita, e a AfD (Alternativa para a Alemanha), de extrema-direita,
lideravam as sondagens à boca das urnas, com o SPD (Partido Social
Democrata) a perder posições.
Os
resultados conhecidos pouco antes da meia-noite, para o preenchimento de 630
mandatos no Bundestag (Parlamento) indicavam 28,7% dos votos para a CDU (208
mandatos), 20,7% para a AfD (151 mandatos), 16,5% para o SPD (121 mandatos), 11,7%
para a Aliança 90/Os Verdes (Grüne), muitas vezes simplesmente conhecido por
Verdes (85 mandatos) e 8,7% para a Esquerda ou Die Linke (64 mandatos).
Conhecidos os resultados finais de todos os círculos, a CDU
ganhou, com 28,6% dos votos; a AfD ficou em segundo lugar, com 20,8% (duplicando a sua quota de votos,
em relação às últimas eleições, na Alemanha, em 2021 e sendo o partido de
extrema-direita com o melhor resultado, no país, desde a Segunda Guerra Mundial); o SPD obteve 16,4%; os Verdes obtiveram 11,6%; a Esquerda
obteve 8,8%, acima dos 4,9% de 2012; e os partidos mais pequenos não atingiram
o limiar de 5%, necessário para entrar no Bundestag, incluindo o liberais do Partido Democrático Livre (FDP) e a Aliança
Sahra Wagenknecht (BSW).
Assim, naturalmente, se conclui que a
CDU ganhou as eleições e que o seu líder, Friederich Merz, será o novo
chanceler, que pretende formar governo, o mais rapidamente possível (até à Páscoa,
como prometeu); que o SPD teve um dos piores resultados de sempre, sendo que Olaf
Scholz não se demite e se mostra disponível para entrar em negociações com a
CDU (com efeito, a CDU e o SPD formam maioria no Bundestag);
que a AfD, praticamente duplicou a votação e se tornou o segundo maior partido,
mas o líder da CDU, mantendo o cordão sanitário, não quer negociar com a
extrema-direita; que os Verdes podem entrar nas negociações, apesar de vincarem
as diferenças ideológicas, face à CDU; e que cerca de 34% dos eleitores votaram
em partidos contra a democracia liberal e contra a UE.
***
O partido de
Friederich Merz está a insistir na redução dos impostos, na
reforma das forças armadas do país e numa revisão radical das regras de
imigração e asilo. Já
a líder do AfD, Alice Weidel, que, há muito que critica a UE e afirma que a
Alemanha deve sair do bloco, fez manchetes, pela sua inesperada ligação com o
bilionário tecnológico sul-africano Elon Musk.
Christan Lindner, o líder do FDP,
decidiu abandonar a política ativa. Fez o anúncio, no X, depois dos maus resultados eleitorais nestas eleições, que
deixam o partido fora do Bundestag.
Na rede social X, Friederich Merz destacou uma parte do discurso que fez, na noite
eleitoral, aos apoiantes, ou seja, frisou a vontade de negociar, rapidamente,
com os partidos da oposição para formar um governo de coligação, escrevendo:
“Agora, vamos cumprir, rapidamente, o nosso mandato governativo, porque o
Mundo, lá fora, não está à nossa espera. Também não está à espera de longas
negociações e conversas de coligação.”
Mais tarde, voltou a publicar, na
rede X, dizendo que que a Rússia e a
América estão mais próximas: “A minha impressão, nos últimos dias, é que a Rússia
e a América estão a unir-se, à revelia da Ucrânia e, portanto, também à revelia
da Europa. É por isso que toda a gente está agora a olhar para a Alemanha. Com
que rapidez é que os alemães vão conseguir formar um governo depois deste
resultado eleitoral complicado? Essa é realmente uma prioridade para mim agora.”
No debate da noite pós-eleitoral, entre
os partidos, o líder dos Verdes, Robert Habeck, mostrou-se disposto a negociar
a entrada num governo de coligação, apesar das diferenças ideológicas com a
CDU, mas tendo em conta que os alemães mostraram ser contra a normalização de
um governo de extrema-direita. E os Verdes faziam parte da coligação semáforo,
com o SPD e o FDP.
Já o Die Linke vai manter-se na
oposição. Jan van Aken diz opor-se aos planos de Friederich Merz para o Estado
Social alemão.
A AfD e a CDU mostram diferentes
interpretações dos resultados. Alice Weidel insiste que os eleitores votaram
numa coligação entre a AfD e a CDU; e Friederich Merz diz que os eleitores
sempre souberam que a CDU não pretende coligar-se com o partido de
extrema-direita.
Alice Weidel foi a primeira líder
partidária a falar, após serem conhecidos as sondagens à boca das
urnas. Mostrou-se satisfeita por o seu partido ter duplicado os resultados,
e interessada em fazer parte do próximo governo. Criticou a CDU, que acusou de
copiar o programa da AFD e, ao mesmo tempo, planeia coligar-se com a
esquerda.
O líder da CDU falou, na sede de
campanha, para declarar a vitória dos partidos da União CDU/CSU. Em frente de
muitos apoiantes, Merz disse que “agora a festa vai começar”.
Depois dos festejos desta noite, Merz
disse querer falar com os outros partidos e criar um governo de coligação o
mais rapidamente possível. “Vamos festejar hoje e amanhã vamos trabalhar!”, disse
o líder da CDU.
“Um resultado amargo”, foi assim que
o chanceler alemão classificou o resultado da SPD, de centro-direita e,
responsabilizando-se pelos resultados, deu os parabéns a Friederich Merz,
defendeu a manutenção de um cordão sanitário, em relação à AfD e defendeu o
mandato que decorreu em condições difíceis, particularmente face à invasão da
Ucrânia pela Rússia.
O SPD teve o pior resultado de sempre
para o mais antigo partido da Alemanha. Porém, os resultados podem levar ao
partido de regresso ao governo, numa coligação com a CDU, pois Scholz disse
estar disponível para conversações.
“Tomámos um grande risco e estamos a
pagar um preço alto”, foi assim que o líder do Partido Democrata Livre, o FPD,
reagiu aos resultados. “Mas pela Alemanha fizemos o que era correto”, disse Christian
Lindner, aludindo à crise que afastou o partido da coligação semáforo de Olaf
Scholz e precipitou estas eleições antecipadas.
Segundo as projeções, o FDP não iria
conseguir 5% dos votos. Como isso se confirmou, o partido não entrará no
Bundestag, nem num possível governo de coligação.
***
Porém, no SPD, as coisas não são tão
simples. Um copresidente dos socialistas alemães (SPD), Lars
Klingbeil, que deverá
tornar-se o novo presidente do parlamento, apelou à “mudança
geracional” no partido liderado pelo chanceler cessante, Olaf Scholz, após o
resultado nas eleições, que o ministro da Defesa, Boris Pistorius, considerou catastrófico. Pela primeira vez, o
partido não está entre as duas forças políticas mais votadas em eleições
legislativas, superado pelos conservadores da CDU, com cerca de 29%, e pela
extrema-direita, com quase 20%.
Também a outra copresidente do SPD,
Saskia Esken, admitiu que o partido precisa de se reorganizar, tanto em termos
de “conteúdo como de pessoal”.
Outras das figuras proeminentes do
SPD, o ministro da Defesa cessante, Borius Pistorius, apontado como candidato à
sucessão de Sholz na liderança dos socialistas, rejeitou especular sobre esse
cenário, mas classificou o resultado como “catastrófico” e “devastador”,
admitindo que “o partido terá de decidir com que equipa vai enfrentar os
próximos meses e anos”. E disse esperar fazer parte da equipa da negociação do
SPD para eventuais, e mais do que prováveis, negociações de coligação com a CDU
liderada pelo futuro chanceler Friedrich Merz.
O próprio líder do SPD, Olaf Scholz
admitiu que os resultados eleitorais são “uma derrota histórica” e disse que assume
a responsabilidade pela “derrota amarga”. E, escusando-se a falar do seu
futuro, abriu, no entanto, a porta da saída, ao afirmar que se (re)candidatou “ao
cargo de chanceler, e não a qualquer outro cargo governativo”.
***
As reações internacionais não se
fizeram esperar.
Por exemplo, Donald Trump mostrou-se
satisfeito com a vitória da CDU: “Parece que o partido conservador, na Alemanha,
teve uma grande e muito antecipada vitória”, escreveu o presidente dos Estados
Unidos da América (EUA), na rede Truth
Social, comparando o resultado alemão aos das presidenciais dos EUA,
sobretudo, em temas como a imigração e a energia.
“Vão seguir-se muitas mais vitórias!”,
escreveu Donald Trump, sempre em letras maiúsculas.
Também de Portugal, chegou a reação
de André Ventura. No entanto, o líder do partido Chega decidiu dirigir os
parabéns a Alice Weidel, de extrema-direita. No X, Ventura escreveu que “acabou o bipartidarismo na Alemanha” e
que, em breve, o Chega e a AfD vão ser governo.
O primeiro-ministro português, Luís
Montenegro, deu os parabéns a Friederich Merz e mostrou-se “entusiasmado com a
perspetiva” de trabalhar com o futuro líder do governo alemão.
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Friedrich
Merz, líder da CDU e o vencedor das eleições, esperou muito tempo para chegar a
este ponto, a um passo da chancelaria alemã. De 69 anos, casado e com três
filhos, é entusiasta da aviação e proprietário de dois aviões que pilota nos
seus tempos livres.
Tem estado,
constantemente, à frente nas sondagens, desde que o chanceler Olaf Scholz perdeu um voto de confiança, em
dezembro de 2024, o que levou à realização de eleições antecipadas.
Anteriormente,
rival de longa data da ex-chanceler Angela Merkel, mais centrista, Merz,
relativamente à direita, tornou-se presidente da CDU, em janeiro de 2022, e foi
designado candidato a Chanceler em setembro de 2024. Procurando conduzir o
partido numa direção mais conservadora, fez da contenção da migração irregular uma questão central da sua
política.
Merz estudou
Direito e começou por trabalhar como advogado. Aderiu à CDU, ainda na escola,
mas sempre teve os olhos postos na política, tendo sido eleito para o
Parlamento Europeu (PE), em 1989. Em 1994, tornou-se deputado alemão e passou a
dedicar-se à política interna.
Nos anos
seguintes, subiu na hierarquia do partido, mas foi afastado, após uma luta pelo
poder com Angela Merkel. Decidiu abandonar a política e passou vários anos a
trabalhar em cargos de chefia no setor privado, como na BlackRock Germany e no
HSBC Trinkhaus & Burkhardt, tendo também feito parte da direção da EY
Germany e da equipa de futebol Borussia Dortmund.
O seu
regresso ao parlamento, mais de uma década depois, ficou marcado pelas
tentativas de orientar a CDU para uma posição mais conservadora, do ponto de
vista social e pró-empresarial.
No atinente
à imigração, causou sensação, em janeiro, ao fazer aprovar uma moção não vinculativa que
defendia regras de imigração mais rigorosas, tais como controlos nas fronteiras
e aumento das deportações, apesar das críticas de que isso violaria a lei de
asilo alemã.
E, no
respeitante à sua potencial vontade de entrar em território politicamente
arriscado, foi amplamente criticado, por ter recuado na posição de não trabalhar com a AfD e de ter
quebrado a “barreira” contra o partido de extrema-direita para aprovar as
medidas. Mais tarde, excluiu qualquer cooperação futura com a extrema-direita.
Com a
economia alemã em dificuldades, Merz tem criticado frequentemente as políticas
económicas apresentadas pelo governo de Scholz, responsabilizando-as pela
recessão económica do país. É
defensor da redução dos benefícios sociais e da diminuição do emprego público.
Controversamente, apoia a redução dos impostos, o que reduziria as receitas do
Estado, ao mesmo tempo que se mostra aberto à redução dos subsídios
governamentais.
Quanto à
política externa, Friedrich Merz foi assertivo na Conferência de Segurança de
Munique, vincando que a Alemanha deve desempenhar papel de maior liderança na
UE e prometendo apoiar a Ucrânia e a sua adesão à Organização do Tratado do
Atlântico Norte (NATO).
Agora, dado
o sistema eleitoral alemão, para conseguir maioria no Bundestag, terá de
negociar, com o SPD e com os Verdes ou com o SPD e com o PDP.
2025.02.24 – Louro de Carvalho
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