O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, referiu, a 14 de fevereiro, que um ataque com
drone russo atingiu, no Norte da Ucrânia, a central nuclear de Chernobyl – classificando-o como “ameaça terrorista para
o Mundo inteiro” – e que os danos são significativos. Todavia, a Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA)
sustenta que não fora detetado aumento da radiação.
Um drone
russo carregado de explosivos atingiu, na central nuclear de Chernobyl, uma
estrutura que evita fugas de radiação, o que a AIEA confirmou, dizendo que um
‘drone’ atingiu instalações de proteção do reator da central nuclear ucraniana,
mas adiantando que não foi, até agora, detetado qualquer aumento da radiação.
Em comunicado
difundido através das redes sociais, poucas horas antes do encontro com o
vice-presidente norte-americano James David Vance, em Munique na Alemanha –
para tentar conter a aproximação entre Putin e Trump –, o chefe de Estado ucraniano, referia:
“Esta estrutura de proteção foi
construída pela Ucrânia em conjunto com outros países da Europa e do Mundo, em
conjunto com os Estados Unidos da América [EUA], em conjunto com todos aqueles
que estão empenhados na verdadeira segurança da Humanidade.”
Zelensky acusou
a Rússia de ser o único país do Mundo que ocupa centrais nucleares e
faz a guerra, sem se preocupar com as consequências – “uma ameaça terrorista
para o mundo inteiro”.
Ao invés, a Presidência
da Rússia, contra as declarações de Zelensky, rejeitou a responsabilidade de
ataque com drone contra uma cobertura de proteção da Central Nuclear de
Chernobyl, na Ucrânia. A este respeito, de acordo com uma nota da Associated Press (AP), Dmitri Peskov, porta-voz do Kremlin, negou as acusações
ucranianas, perante os jornalistas, em Moscovo, declarando: “Qualquer alegação
deste tipo não é verdadeira, os nossos militares não fazem isso.”
Por seu
turno, a AIEA, segundo a qual o ataque não violou a estrutura de contenção
interna da central nuclear desativada, não atribuiu culpas, afirmando apenas
que a equipa desta agência da Organização das Nações Unidas (ONU) destacada no
local ouviu uma explosão e foi informada de que um drone tinha atingido o
“invólucro de proteção”
Por outro lado, as forças de defesa antiaérea russas disseram ter
abatido, durante a noite, 50 ‘drones’ ucranianos sobre o território de três
regiões do país. De acordo
com o relatório militar russo, 41 dos ‘drones’ foram destruídos sobre a região
de Belgorod e os restantes foram abatidos nas regiões de Voronezh (cinco) e
Rostov (quatro).
Rodion
Mirozhnik, embaixador especial da Rússia para as questões conexas com os crimes
do regime de Kiev, disse que os ataques contra regiões russas mostram
que a Ucrânia reage, de forma histérica, ao início do diálogo entre o presidente
dos EUA e o presidente da Rússia.
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Entretanto,
Sasha Vakulina, em artigo de 14 de fevereiro, publicado pela Euronews, sob o título “Ataque com drones russos danifica
escudo protetor da central nuclear de Chernobyl”, dá mais alguns pormenores.
“A central
nuclear de Chernobyl foi atingida por um ataque russo durante a noite,
atingindo um escudo protetor sobre o seu quarto reator destruído”, de acordo
com informação de Zelenskyy.
Sobre a
estrutura atingida, expõe: “A estrutura, conhecida como ‘Novo Confinamento
Seguro’, foi construída através da cooperação internacional para conter os
restos do desastre de Chernobyl de 1986. Foi concebida como um escudo para
evitar fugas de radiação e [para] proteger o local e a área circundante dos
riscos ambientais.”
“De acordo
com o presidente da Ucrânia, o ataque de um drone [afinal, foi um drone, não
drones] de ataque russo que transportava uma ogiva altamente explosiva
danificou a cúpula, mas o fogo foi extinto e os níveis de radiação
mantiveram-se estáveis”, escreveu Sasha Vakulina, segundo a qual “a situação
está a ser monitorizada para avaliar quaisquer riscos potenciais”.
De acordo
com a articulista, o líder ucraniano “publicou um vídeo da explosão nas redes
sociais, mostrando o momento do impacto”, e classificou o ataque como “uma
ameaça terrorista para o Mundo inteiro”. Além disso, considerando que “o ataque
sublinha o contínuo desrespeito da Rússia pela segurança global”, sustenta que
“o único país do Mundo que ataca locais como este, ocupa centrais nucleares e
faz a guerra, sem ter em conta as consequências, é a Rússia de hoje.
A AIEA, em
comunicado, no X, “confirmou a
ocorrência da explosão e dos danos daí resultantes”, informando que “um drone
atingiu o telhado do escudo”, mas que “os níveis de radiação, no interior e no
exterior, permanecem normais e estáveis” e garantiu que a agência “continua a
monitorizar a situação”.
Assinala a
articulista que “Chernobyl, o local do pior desastre nuclear do Mundo, continua
a ser um local altamente sensível”, tendo a explosão do reator da central, em
26 de abril de 1986, contaminado “uma vasta área que abrange a Ucrânia, a
Bielorrússia e a Rússia”; que o local se situa “a cerca de 130 quilómetros a
norte de Kiev”; e que as forças russas o ocuparam, “brevemente, nos primeiros
dias da invasão em grande escala”.
Despois, dá
nota de que “Zelenskyy, que se encontra em Munique para participar na
conferência de segurança e nas primeiras reuniões com a administração dos EUA,
para um possível acordo de paz com Moscovo”, afirmara que “a Rússia continua a
expandir o seu exército e não mostra qualquer mudança na sua retórica de Estado
perturbada e anti-humana” – o que dá a entender que “Putin não está,
definitivamente, a preparar-se para negociações”, mas “a preparar-se para
continuar a enganar o Mundo”.
Andriy
Yermak, chefe do gabinete presidencial ucraniano, afirmou, no Telegram, que Kiev irá transmitir todas
as informações sobre o ataque de Chernobyl às administrações dos EUA, na Conferência
de Segurança de Munique. “Hoje, vamos dar muita informação aos nossos parceiros
americanos sobre o ataque russo à central nuclear de Chernobyl, sobre a forma
como estão constantemente a voar drones sobre a zona de Chernobyl e sobre as
ameaças que representam para o abrigo e para a segurança nuclear”, disse
Yermak, vincando: “Toda a gente está muito zangada com estas notícias, aqui em
Munique. […] “Nos anos 80, o Mundo inteiro ajudou o Kremlin a eliminar esta
tragédia, quando Moscovo atirou pessoas desprotegidas para a radiação. Depois,
o Mundo inteiro investiu no abrigo.”
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César
Avó publicou, também a 14 de fevereiro, no Diário
de Notícias (Dn) online, um artigo sob o título “As oito
datas que marcam Chernobyl. Da construção da central nuclear ao drone que
explodiu no arco de proteção”, que parece de relevante interesse, pelo respigo
os principais dados.
Em
1972, iniciou-se a construção da
central nuclear Vladimir Lenine, a 15 quilómetros a Noroeste de Chernobyl, na margem
direita do Prypiat (afluente do Dniepre) e cujo nome foi também o dado à cidade
construída junto da central atómica para alojar os trabalhadores.
Em
1977, foi a oitava central nuclear a
funcionar na União Soviética, a primeira na Ucrânia e a terceira com o sistema
RMBK, reator de canal de alta potência arrefecido a água, com canais de
combustível individuais e utilizando grafite como moderadora de neutrões. Segundo
a Associação Nuclear Mundial (ANM), o design destes reatores tinha “várias
deficiências” que contribuíram para a falta de segurança. Em 1978, o reator n.º
2 entrou ao serviço. E, desde 1983, funcionavam os quatro reatores, cada um com
capacidade para produzir 1000 megawatts de eletricidade.
Em
setembro de 1982, mercê de uma válvula
de refrigeração defeituosa, deu-se uma fusão parcial do núcleo do reator n.º 1.
Apesar da libertação de radiações e de terem sido feitas limpezas dentro e à
volta da central, o acidente foi tornado público anos mais tarde. O reator
esteve em reparação durante oito meses.
A 26 de abril de 1986, o reator n.º 4 sofreu uma
fusão que resultou numa explosão do núcleo, o que originou a libertação de
grandes quantidades de materiais radioativos na atmosfera e nos terrenos
circundantes. Este, o maior desastre nuclear, ocorreu na sequência de experiência
mal concebida. Os técnicos desligaram o sistema de regulação da potência do
reator e os seus sistemas de segurança de emergência e retiraram a maior parte
das barras de controlo do núcleo, permitindo que o reator funcionasse a 7% da
potência. A reação em cadeia no núcleo de grafite ficou fora de controlo e
várias explosões rebentaram com a tampa de aço e betão do reator. A União
Soviética admitiu a existência do acidente, após as autoridades suecas terem
registado níveis elevados de radioatividade. As localidades em redor foram
evacuadas, criou-se uma zona de exclusão com o raio de 30 quilómetros e
construiu-se um sarcófago de betão e aço para tentar conter as radiações.
Em
2000, a central deixou de produzir
eletricidade, com o desligar do reator n.º 3. O reator n.º 2 fora desligado, em
1991, na sequência de um incêndio, e o reator n.º 1 cessou em 1996.
Só em 2017, apesar de anunciado em 2003 e começado
a construir-se em 2010, ficou concluído o novo sarcófago. A estrutura de aço em
forma de arco tem 100 metros de altura, 270 metros de largura e 150 metros de
comprimento no total de 31 mil toneladas e com o custo de 2,15 mil milhões de
euros. À sua volta, onde viviam mais de 100 mil pessoas, a zona de exclusão tornou-se
um paraíso para a fauna, com populações crescentes de alces, de corças, de javalis,
de lobos, de ursos, de raposas, de linces, de bisontes e uma espécie de cavalo
em perigo de extinção.
Até à invasão russa, a 24 de fevereiro de 2022,
cerca de 6 mil pessoas trabalhavam na central para monitorizar a
radioatividade: há 200 toneladas de combustível nuclear, 30 toneladas de poeiras
contaminadas e 16 toneladas de urânio e plutónio. Na central, processa-se também
combustível nuclear de outras centrais. Porém, as operações ficaram
comprometidas com a invasão e com a consequente pilhagem e vandalismo dos
soldados russos, inclusive de software único.
Finalmente,
em 2025, um drone russo carregado de
explosivos atingiu o sarcófago (ou arco para os franceses que o construíram) do
antigo reator n.º 4 da central. Tanto Kiev como a AIEA disseram que os danos
provocados não causaram aumento da radiação.
Além do perigo de radiação, caso o arco protetor
fosse destruído, existe outro perigo no complexo: o combustível usado, em
milhares de barras, está armazenado em piscinas para arrefecer a temperatura.
Assim, havendo falha de eletricidade duradoura, a água das piscinas evapora, o
revestimento das barras de combustível fica exposto ao ar e incendeia-se.
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O
vice-presidente dos EUA disse, antes de se reunir com Zelensky, em Munique, que
Washington está pronto para pressionar a Rússia, em futuras negociações, sobre
o fim da guerra na Ucrânia, assegurando aos Europeus que terão o seu papel nas
negociações sobre a matéria, mas lembrando-os de que têm de assumir maiores
responsabilidades na Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), para se dividir
o fardo da defesa do continente.
A presidente
da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, disse que o fracasso na Ucrânia enfraqueceria
a Europa, mas também os EUA. E o presidente francês, Emmanuel Macron, disse ao Financial Times que paz que seja capitulação
seria “má notícia para o Mundo inteiro”.
O telefonema
do dia 12, entre o presidente dos EUA e o seu homólogo russo, levou Kiev e os Europeus
a temerem uma saída que prejudicasse os seus interesses. E Zelensky observou
que Kiev conversaria com Moscovo, logo que tivesse acordado posições comuns com
os EUA e com os outros aliados. Neste contexto, a intervenção de James David Vance,
na Conferência de Segurança de Munique, de 14 a 16 de fevereiro, está a ser
observada de perto. E o alemão Christoph Heusgen, que preside à conferência,
disse que Vance poderia anunciar a retirada da Europa de grande parte das tropas
americanas.
“Agora é a
hora de investir [em defesa], porque não se pode dar por certo que a presença
dos EUA durará para sempre”, alertou o secretário de Defesa dos EUA, Pete
Hegseth, em Varsóvia, mas o ministro da Defesa da Alemanha, Boris Pistorius, tendo
proposto um roteiro para esse fim, disse que o problema é os Europeus não poderem
substituir militarmente os EUA da noite para o dia.
Na capital da
Baviera, o chefe da administração presidencial ucraniana, Andrii Yermak, disse
que se havia reunido com Keith Kellogg, emissário especial de Trump para a
Ucrânia. “O principal tópico da conversa foi a coordenação de esforços comuns
para alcançar uma paz justa e duradoura”, na Ucrânia, explicou Yermak, no Telegram.
O
vice-presidente dos EUA procurou garantir a Kiev que os EUA levarão a sua
soberania a sério, na conversa com a Rússia, depois de outras autoridades de
alto escalão terem dito que a Ucrânia poderia ter de abrir mão de territórios
ocupados pela Rússia, a começar pela Crimeia.
Essas
declarações foram aplaudidas por Zelensky, que as descreveu como um “sinal
forte”, reiterando a exigência da Ucrânia de uma “paz justa”, três anos após a
invasão russa, e de garantias de segurança da Europa e dos EUA na forma de
tropas para garantir a manutenção da paz.
Washington esclareceu
que não enviará soldados para a Ucrânia e que não considera realista a entrada
da Ucrânia na NATO. Por sua vez, a Rússia, que não está representada na
conferência de Munique, quer manter os territórios ocupados e abordar as
“raízes do conflito”, a começar pela presença da NATO, ao longo de suas fronteiras.
De acordo com
Timothy Ash, professor de estudos europeus em Oxford, a mensagem da Casa Branca
para a Europa é muito clara, em relação à Ucrânia: “O problema é seu”. Nós
ajudaremos a fazer um acordo com a Rússia, mas cabe a ela garantir que ele seja
feito.
O terramoto
causado por Trump ao multilateralismo e à ordem internacional significa que são
esperados debates intensos entre chefes de governo, diplomatas e altos funcionários
reunidos em Munique. O governo dos EUA “não leva em conta as regras
estabelecidas”, e a Europa terá de lidar com a nova realidade, refletiu o
presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier.
***
As
negociações de uma paz difícil afiguram-se duras. Os beligerantes diretos estão
cansados, mas não querem recuar nas posições de princípio; os EUA pensam retirar-se
da Europa e virar-se para o Pacífico; a Rússia não quer a NATO nas suas
fronteiras; e a Europa, não se sente capaz de levar, sozinha, a carta a Canossa,
mas teme ver-se arredada desta momentosa questão geoestratégica.
2025.02.14 – Louro de Carvalho
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