sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Danificado escudo protetor da central nuclear de Chernobyl

 

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, referiu, a 14 de fevereiro, que um ataque com drone russo atingiu, no Norte da Ucrânia, a central nuclear de Chernobyl – classificando-o como “ameaça terrorista para o Mundo inteiro” – e que os danos são significativos. Todavia, a Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) sustenta que não fora detetado aumento da radiação.

Um drone russo carregado de explosivos atingiu, na central nuclear de Chernobyl, uma estrutura que evita fugas de radiação, o que a AIEA confirmou, dizendo que um ‘drone’ atingiu instalações de proteção do reator da central nuclear ucraniana, mas adiantando que não foi, até agora, detetado qualquer aumento da radiação.

Em comunicado difundido através das redes sociais, poucas horas antes do encontro com o vice-presidente norte-americano James David Vance, em Munique na Alemanha – para tentar conter a aproximação entre Putin e Trump –, o chefe de Estado ucraniano, referia:Esta estrutura de proteção foi construída pela Ucrânia em conjunto com outros países da Europa e do Mundo, em conjunto com os Estados Unidos da América [EUA], em conjunto com todos aqueles que estão empenhados na verdadeira segurança da Humanidade.”

Zelensky acusou a Rússia de ser o único país do Mundo que ocupa centrais nucleares e faz a guerra, sem se preocupar com as consequências – “uma ameaça terrorista para o mundo inteiro”.

Ao invés, a Presidência da Rússia, contra as declarações de Zelensky, rejeitou a responsabilidade de ataque com drone contra uma cobertura de proteção da Central Nuclear de Chernobyl, na Ucrânia. A este respeito, de acordo com uma nota da Associated Press (AP), Dmitri Peskov, porta-voz do Kremlin, negou as acusações ucranianas, perante os jornalistas, em Moscovo, declarando: “Qualquer alegação deste tipo não é verdadeira, os nossos militares não fazem isso.”

Por seu turno, a AIEA, segundo a qual o ataque não violou a estrutura de contenção interna da central nuclear desativada, não atribuiu culpas, afirmando apenas que a equipa desta agência da Organização das Nações Unidas (ONU) destacada no local ouviu uma explosão e foi informada de que um drone tinha atingido o “invólucro de proteção”

Por outro lado, as forças de defesa antiaérea russas disseram ter abatido, durante a noite, 50 ‘drones’ ucranianos sobre o território de três regiões do país. De acordo com o relatório militar russo, 41 dos ‘drones’ foram destruídos sobre a região de Belgorod e os restantes foram abatidos nas regiões de Voronezh (cinco) e Rostov (quatro).

Rodion Mirozhnik, embaixador especial da Rússia para as questões conexas com os crimes do regime de Kiev, disse que os ataques contra regiões russas mostram que a Ucrânia reage, de forma histérica, ao início do diálogo entre o presidente dos EUA e o presidente da Rússia.

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Entretanto, Sasha Vakulina, em artigo de 14 de fevereiro, publicado pela Euronews, sob o título “Ataque com drones russos danifica escudo protetor da central nuclear de Chernobyl”, dá mais alguns pormenores.

“A central nuclear de Chernobyl foi atingida por um ataque russo durante a noite, atingindo um escudo protetor sobre o seu quarto reator destruído”, de acordo com informação de Zelenskyy.

Sobre a estrutura atingida, expõe: “A estrutura, conhecida como ‘Novo Confinamento Seguro’, foi construída através da cooperação internacional para conter os restos do desastre de Chernobyl de 1986. Foi concebida como um escudo para evitar fugas de radiação e [para] proteger o local e a área circundante dos riscos ambientais.”

“De acordo com o presidente da Ucrânia, o ataque de um drone [afinal, foi um drone, não drones] de ataque russo que transportava uma ogiva altamente explosiva danificou a cúpula, mas o fogo foi extinto e os níveis de radiação mantiveram-se estáveis”, escreveu Sasha Vakulina, segundo a qual “a situação está a ser monitorizada para avaliar quaisquer riscos potenciais”.

De acordo com a articulista, o líder ucraniano “publicou um vídeo da explosão nas redes sociais, mostrando o momento do impacto”, e classificou o ataque como “uma ameaça terrorista para o Mundo inteiro”. Além disso, considerando que “o ataque sublinha o contínuo desrespeito da Rússia pela segurança global”, sustenta que “o único país do Mundo que ataca locais como este, ocupa centrais nucleares e faz a guerra, sem ter em conta as consequências, é a Rússia de hoje.

A AIEA, em comunicado, no X, “confirmou a ocorrência da explosão e dos danos daí resultantes”, informando que “um drone atingiu o telhado do escudo”, mas que “os níveis de radiação, no interior e no exterior, permanecem normais e estáveis” e garantiu que a agência “continua a monitorizar a situação”.

Assinala a articulista que “Chernobyl, o local do pior desastre nuclear do Mundo, continua a ser um local altamente sensível”, tendo a explosão do reator da central, em 26 de abril de 1986, contaminado “uma vasta área que abrange a Ucrânia, a Bielorrússia e a Rússia”; que o local se situa “a cerca de 130 quilómetros a norte de Kiev”; e que as forças russas o ocuparam, “brevemente, nos primeiros dias da invasão em grande escala”.

Despois, dá nota de que “Zelenskyy, que se encontra em Munique para participar na conferência de segurança e nas primeiras reuniões com a administração dos EUA, para um possível acordo de paz com Moscovo”, afirmara que “a Rússia continua a expandir o seu exército e não mostra qualquer mudança na sua retórica de Estado perturbada e anti-humana” – o que dá a entender que “Putin não está, definitivamente, a preparar-se para negociações”, mas “a preparar-se para continuar a enganar o Mundo”.

Andriy Yermak, chefe do gabinete presidencial ucraniano, afirmou, no Telegram, que Kiev irá transmitir todas as informações sobre o ataque de Chernobyl às administrações dos EUA, na Conferência de Segurança de Munique. “Hoje, vamos dar muita informação aos nossos parceiros americanos sobre o ataque russo à central nuclear de Chernobyl, sobre a forma como estão constantemente a voar drones sobre a zona de Chernobyl e sobre as ameaças que representam para o abrigo e para a segurança nuclear”, disse Yermak, vincando: “Toda a gente está muito zangada com estas notícias, aqui em Munique. […] “Nos anos 80, o Mundo inteiro ajudou o Kremlin a eliminar esta tragédia, quando Moscovo atirou pessoas desprotegidas para a radiação. Depois, o Mundo inteiro investiu no abrigo.”

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César Avó publicou, também a 14 de fevereiro, no Diário de Notícias (Dn) online, um artigo sob o título “As oito datas que marcam Chernobyl. Da construção da central nuclear ao drone que explodiu no arco de proteção”, que parece de relevante interesse, pelo respigo os principais dados.

Em 1972, iniciou-se a construção da central nuclear Vladimir Lenine, a 15 quilómetros a Noroeste de Chernobyl, na margem direita do Prypiat (afluente do Dniepre) e cujo nome foi também o dado à cidade construída junto da central atómica para alojar os trabalhadores.

Em 1977, foi a oitava central nuclear a funcionar na União Soviética, a primeira na Ucrânia e a terceira com o sistema RMBK, reator de canal de alta potência arrefecido a água, com canais de combustível individuais e utilizando grafite como moderadora de neutrões. Segundo a Associação Nuclear Mundial (ANM), o design destes reatores tinha “várias deficiências” que contribuíram para a falta de segurança. Em 1978, o reator n.º 2 entrou ao serviço. E, desde 1983, funcionavam os quatro reatores, cada um com capacidade para produzir 1000 megawatts de eletricidade.

Em setembro de 1982, mercê de uma válvula de refrigeração defeituosa, deu-se uma fusão parcial do núcleo do reator n.º 1. Apesar da libertação de radiações e de terem sido feitas limpezas dentro e à volta da central, o acidente foi tornado público anos mais tarde. O reator esteve em reparação durante oito meses.

A 26 de abril de 1986, o reator n.º 4 sofreu uma fusão que resultou numa explosão do núcleo, o que originou a libertação de grandes quantidades de materiais radioativos na atmosfera e nos terrenos circundantes. Este, o maior desastre nuclear, ocorreu na sequência de experiência mal concebida. Os técnicos desligaram o sistema de regulação da potência do reator e os seus sistemas de segurança de emergência e retiraram a maior parte das barras de controlo do núcleo, permitindo que o reator funcionasse a 7% da potência. A reação em cadeia no núcleo de grafite ficou fora de controlo e várias explosões rebentaram com a tampa de aço e betão do reator. A União Soviética admitiu a existência do acidente, após as autoridades suecas terem registado níveis elevados de radioatividade. As localidades em redor foram evacuadas, criou-se uma zona de exclusão com o raio de 30 quilómetros e construiu-se um sarcófago de betão e aço para tentar conter as radiações.

Em 2000, a central deixou de produzir eletricidade, com o desligar do reator n.º 3. O reator n.º 2 fora desligado, em 1991, na sequência de um incêndio, e o reator n.º 1 cessou em 1996.

Só em 2017, apesar de anunciado em 2003 e começado a construir-se em 2010, ficou concluído o novo sarcófago. A estrutura de aço em forma de arco tem 100 metros de altura, 270 metros de largura e 150 metros de comprimento no total de 31 mil toneladas e com o custo de 2,15 mil milhões de euros. À sua volta, onde viviam mais de 100 mil pessoas, a zona de exclusão tornou-se um paraíso para a fauna, com populações crescentes de alces, de corças, de javalis, de lobos, de ursos, de raposas, de linces, de bisontes e uma espécie de cavalo em perigo de extinção.

Até à invasão russa, a 24 de fevereiro de 2022, cerca de 6 mil pessoas trabalhavam na central para monitorizar a radioatividade: há 200 toneladas de combustível nuclear, 30 toneladas de poeiras contaminadas e 16 toneladas de urânio e plutónio. Na central, processa-se também combustível nuclear de outras centrais. Porém, as operações ficaram comprometidas com a invasão e com a consequente pilhagem e vandalismo dos soldados russos, inclusive de software único.

Finalmente, em 2025, um drone russo carregado de explosivos atingiu o sarcófago (ou arco para os franceses que o construíram) do antigo reator n.º 4 da central. Tanto Kiev como a AIEA disseram que os danos provocados não causaram aumento da radiação.

Além do perigo de radiação, caso o arco protetor fosse destruído, existe outro perigo no complexo: o combustível usado, em milhares de barras, está armazenado em piscinas para arrefecer a temperatura. Assim, havendo falha de eletricidade duradoura, a água das piscinas evapora, o revestimento das barras de combustível fica exposto ao ar e incendeia-se.

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O vice-presidente dos EUA disse, antes de se reunir com Zelensky, em Munique, que Washington está pronto para pressionar a Rússia, em futuras negociações, sobre o fim da guerra na Ucrânia, assegurando aos Europeus que terão o seu papel nas negociações sobre a matéria, mas lembrando-os de que têm de assumir maiores responsabilidades na Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), para se dividir o fardo da defesa do continente.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, disse que o fracasso na Ucrânia enfraqueceria a Europa, mas também os EUA. E o presidente francês, Emmanuel Macron, disse ao Financial Times que paz que seja capitulação seria “má notícia para o Mundo inteiro”.

O telefonema do dia 12, entre o presidente dos EUA e o seu homólogo russo, levou Kiev e os Europeus a temerem uma saída que prejudicasse os seus interesses. E Zelensky observou que Kiev conversaria com Moscovo, logo que tivesse acordado posições comuns com os EUA e com os outros aliados. Neste contexto, a intervenção de James David Vance, na Conferência de Segurança de Munique, de 14 a 16 de fevereiro, está a ser observada de perto. E o alemão Christoph Heusgen, que preside à conferência, disse que Vance poderia anunciar a retirada da Europa de grande parte das tropas americanas.

“Agora é a hora de investir [em defesa], porque não se pode dar por certo que a presença dos EUA durará para sempre”, alertou o secretário de Defesa dos EUA, Pete Hegseth, em Varsóvia, mas o ministro da Defesa da Alemanha, Boris Pistorius, tendo proposto um roteiro para esse fim, disse que o problema é os Europeus não poderem substituir militarmente os EUA da noite para o dia.

Na capital da Baviera, o chefe da administração presidencial ucraniana, Andrii Yermak, disse que se havia reunido com Keith Kellogg, emissário especial de Trump para a Ucrânia. “O principal tópico da conversa foi a coordenação de esforços comuns para alcançar uma paz justa e duradoura”, na Ucrânia, explicou Yermak, no Telegram.

O vice-presidente dos EUA procurou garantir a Kiev que os EUA levarão a sua soberania a sério, na conversa com a Rússia, depois de outras autoridades de alto escalão terem dito que a Ucrânia poderia ter de abrir mão de territórios ocupados pela Rússia, a começar pela Crimeia.

Essas declarações foram aplaudidas por Zelensky, que as descreveu como um “sinal forte”, reiterando a exigência da Ucrânia de uma “paz justa”, três anos após a invasão russa, e de garantias de segurança da Europa e dos EUA na forma de tropas para garantir a manutenção da paz.

Washington esclareceu que não enviará soldados para a Ucrânia e que não considera realista a entrada da Ucrânia na NATO. Por sua vez, a Rússia, que não está representada na conferência de Munique, quer manter os territórios ocupados e abordar as “raízes do conflito”, a começar pela presença da NATO, ao longo de suas fronteiras.

De acordo com Timothy Ash, professor de estudos europeus em Oxford, a mensagem da Casa Branca para a Europa é muito clara, em relação à Ucrânia: “O problema é seu”. Nós ajudaremos a fazer um acordo com a Rússia, mas cabe a ela garantir que ele seja feito.

O terramoto causado por Trump ao multilateralismo e à ordem internacional significa que são esperados debates intensos entre chefes de governo, diplomatas e altos funcionários reunidos em Munique. O governo dos EUA “não leva em conta as regras estabelecidas”, e a Europa terá de lidar com a nova realidade, refletiu o presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier.

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As negociações de uma paz difícil afiguram-se duras. Os beligerantes diretos estão cansados, mas não querem recuar nas posições de princípio; os EUA pensam retirar-se da Europa e virar-se para o Pacífico; a Rússia não quer a NATO nas suas fronteiras; e a Europa, não se sente capaz de levar, sozinha, a carta a Canossa, mas teme ver-se arredada desta momentosa questão geoestratégica.    

2025.02.14 – Louro de Carvalho

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