A 15 de fevereiro, decorreu, em Mação, no distrito de Santarém,
uma conferência a assinalar os 300 anos do nascimento do Padre António Pereira
de Figueiredo.
Na verdade, a 14 de fevereiro de 1725, nasceu o célebre de
outrora, mas muito esquecido, padre António Pereira de Figueiredo, oratoriano,
depois (1769), padre secular e, nos últimos dias de vida, oratoriano de novo. Foi
importante “latinista, filólogo, canonista e teólogo”, além de político e músico.
Neste ano, o concelho de Mação está a prestar homenagem ao “ilustre filho” da
terra e a convidar ao conhecimento da obra de “um dos maiores eruditos do
século XVIII”.
A primeira exposição geral sobre a sua vida e obra foi apresentada
por três competentes jovens alunas do ensino secundário do Agrupamento de
Escolas Horizonte Verde, de Mação. Seguiu-se um painel de aprofundamento, com a
intervenção de vários adultos, designadamente, o pároco local, um historiador e
uma jornalista, ambos do concelho, e José Carlos Gueifão, o homem que descobriu,
há 30 anos, o padre Pereira de Figueiredo e nunca mais deixou de desafiar os
poderes locais para a necessidade de reconhecer a importância deste homem da
terra. Em resultado desse labor, existe, há anos, no centro da vila um monumento
e está a decorrer um programa de comemorações que inclui, entre outras
iniciativas, a edição, em maio próximo, de um livro sobre o homenageado.
A fechar a conferência, um grupo de alunas
do mesmo agrupamento de escolas dançou a coreografia “Sapientia”, ao som de uma
peça composta por Pereira de Figueiredo e ali executada pela Filarmónica local.
Pereira de Figueiredo foi o autor de uma nova
gramática do Latim e o teólogo que, em apoio à política do Marquês de Pombal,
defendeu o regalismo, ou seja, a ideia de que o chefe de Estado tem direito a
intervir em assuntos internos da Igreja Católica. Compreende-se a importância
política desta linha teológica, no tempo do absolutismo, e percebe-se o papel
de primeira ordem que Pereira de Figueiredo teve no conflito de Pombal com os
Jesuítas, ao tempo adversários dos Oratorianos. E percebe-se que, após a morte
de Sebastião José de Carvalho e Melo, tenha caído Pereira de Figueiredo num
conveniente esquecimento.
Registe-se
que Pereira de Figueiredo fez “a primeira tradução completa da Bíblia para Português”,
que foi ainda corrente em Portugal no 1.º quartel do século XX e continua a ser
publicada no Brasil. O trabalho de tradução e publicação durou 18 anos a ser
completado. Inicialmente, foi publicado o Novo Testamento, entre 1778 e 1781,
em seis volumes. O Antigo Testamento foi publicado, entre 1782 e 1790, em 17
volumes (a Bíblia tem, ao todo, 23 volumes. Por ser versão em Português mais
recente, foi considerada melhor que a de Ferreira d’Almeida, apesar de não se
basear nas línguas grega e hebraica. A tradução de Pereira de Figueiredo baseia-se
na Vulgata Latina. A Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira editou revisões
de 1821 (uma é completa) e, em 1828, (sem os deuterocanónicos). Foi bem
acolhida entre católicos e protestantes. No Brasil, a Bíblia do Padre
Figueiredo é ainda hoje publicada, em versão corrigida em português moderno.
O padre António Pereira de Figueiredo faleceu em 1797,
como oratoriano, de novo, depois de ter composto mais de 150 livros.
***
De
Pereira de Figueiredo, refere a
Academia das Ciências de Lisboa que foi padre da Congregação
do Oratório de Lisboa, que estudou Latim e Música no Colégio Ducal de Vila
Viçosa. Em 1744, matriculou-se nos cursos de Filosofia e de Teologia na Casa do
Espírito Santo da Congregação do Oratório, onde foi, mais tarde, professor de
Latim, de Retórica e de Teologia. Foi deputado da Real Mesa Censória, deputado da Junta do Subsídio
Literário e oficial maior de Línguas da Secretaria do Estado dos Negócios
Estrangeiros.
De acordo com o Professor Cândido dos Santos – que publicou o livro
“Padre António Pereira
Figueiredo – Erudição e Polémica na Segunda Metade do Século XVIII” (Roma
Editora, 2005) –, o padre António Pereira de Figueiredo, “uma das mais fortes
inteligências que Portugal tem gerado”, no dizer de Alexandre Herculano,
impõe-se como um dos grandes vultos da cultura portuguesa pela sua enorme
erudição e fecundidade produtiva. Latinista de renome europeu, historiador,
canonista e teólogo, serviu apaixonadamente a política pombalina. Combateu os
Jesuítas e denunciou os abusos da Cúria Romana. Tomou posição sobre problemas
eclesiológicos e teológicos do seu tempo, no que desagradou a muitos que, por
isso, o tentaram sepultar no esquecimento. Trabalhou pela implantação de uma
igreja nacional, à imagem da anglicana, mas nunca defendeu o cisma ou a
separação da Igreja Romana.
Parece ter-se antecipado à lógica napoleónica e feito reviver
o beneplácito régio, digo eu.
A tradução da Vulgata latina, em 23 volumes, é um monumento
literário que honra a cultura nacional. As suas obras estão espalhadas pelas
grandes bibliotecas estrangeiras e foram editadas e reeditadas, vezes sem
conta, em alguns países.
Não
obstante, a maior síntese de informação sobre o iluminista tricentenário encontra-se
no site do Instituto de Camões, pela
pena de Pedro Calafate, de que se retém o mais pertinente.
Religioso
da Congregação do Oratório (n. 1725 – m. 1797), “foi figura cimeira do
iluminismo em Portugal, tendo sido estreito colaborador do marquês de Pombal”.
Iniciou o contacto com as Letras no Colégio Ducal de Vila Viçosa, onde estudou
Latim, Latinidade e Música. Transitou, posteriormente, para o Mosteiro de Santa
Cruz de Coimbra e, em 1744, para a Casa do Espírito Santo da Congregação do
Oratório, matriculando-se nos cursos de Filosofia e de Teologia. Nesta
Congregação, que aglutinava parte relevante do esforço de renovação do espírito
filosófico em Portugal, foi professor de Latim, de Retórica e de Teologia.
No
domínio do Latim, celebrizou-se com a publicação, em 1753, do “Novo Methodo da
Grammatica Latina”, que gerou enorme polémica, pela simplificação metodológica
que propunha e pela forma como punha em causa a gramática do jesuíta Manuel
Álvares, que se tornara
obrigatória em todas as escolas jesuítas do Mundo, cujo método
de pedagógico ficou conhecido como “método alvarístico” – método que tem sido objeto de diatribes
académicas, seja a favor, seja contra, como foi, por exemplo, com o padre Luís
António de Verney, no Verdadeiro Método de Estudar, para ser útil à República e à
Igreja: proporcionado ao estilo, e necessidade de Portugal (1746).
Em
1759, Pereira de Figueiredo publicou “Elementos de Invenção e Locuçam Retorica
ou Princípios da Eloquência”, onde resume, com intenção didática, as lições de
Retórica, proferidas, três anos antes, na Casa das Necessidades. Esta obra,
mediante a qual faz incursão no domínio das regras da Eloquência, vem
desprovida de originalidade, pois fora decalcada sobre o pensamento de Vossio,
e denota o Pereira Figueiredo com pendor barroco, pela importância conferida à
metáfora e à agudeza.
Na
Teologia, salienta-se o labor da tradução para vernáculo dos textos bíblicos e
a redação, de parceria com Manuel do Cenáculo, do texto da reforma do Curso de
Teologia nos Estatutos da Universidade de Coimbra, de 1772. Aí se defendia uma
teologia positiva ou “Exegética”, assente nos textos sagrados e na Tradição,
que é considerada como “a primeira e principal de todas as disciplinas
teológicas”. A ambiência iluminista do texto transparece, ainda, pela
importância conferida ao método de ensino e à exposição das matérias teológicas,
de acordo com o caráter pedagogista do nosso iluminismo, baseado na rígida ordem
expositiva, decalcado do “método geométrico”. Por essa via ou método, procurava-se
garantir uniformidade, a fim de que, como exigia o despotismo esclarecido, “não
seja livre a cada teólogo idear e formar sistemas diversos e conseguir que se
aprovem para uso das escolas”. Todavia, o aspeto que mais o fará sobressair
como arquiteto dos desígnios pombalinos gira em torno do esforço teórico que
empreendeu, para redefinir o problema das relações Igreja-Estado, num “contexto
regalista”.
O
oratoriano emerge, assim, como um dos principais teóricos do regalismo pombalino,
cujas obras se afiguraram necessárias, já que, em 1760, se verificara o corte
de relações entre o Estado Português e a Santa Sé, atitude que Figueiredo
elogia, na “Tentativa Theologica”, como “modo ordinário com que a Majestade e a
Soberania dos Príncipes Católicos (sem ofensa da Religião ou do primado de S.
Pedro) costumam despicar-se das injúrias e desatenções da Cúria Romana”. A obra
de maior vulto que dedica ao tema é o “De Suprema Regum...” (1765), na linha da
qual se integram outros títulos seus, como o “Compêndio da Vida e Escritos de
Gerson” e a “Carta do Clero de Liège”. O primeiro, que teve rápida difusão no
estrangeiro, com tradução em França (1766) e em Itália (1768), é constituído
por 16 teses, para demonstrar a supremacia e a autonomia dos príncipes
seculares perante o Papa, em matérias do foro temporal, para o que se socorria
dos “Suffragia Doctorum Catholicorum” e das “Probationes Ecclesisticae
Antiquitatis”.
Na
primeira proposição, assume tese paulina segundo a qual o poder tem Deus como
autor, após o que aborda o objeto do poder temporal como abarcando tudo o que
contribui para a felicidade e para a tranquilidade da sociedade civil, razão
por que as leis que regem a sua conservação obrigam a República e a Igreja; a
proposição IV pode considerar-se o eixo de toda a obra, pois por ela se declara
e tenta demonstrar o caráter “supremo e independente no seu género” de cada um
dos dois poderes, de que resulta a ilegitimidade do Papa para depor os príncipes
seculares (proposição VI). Segue um conjunto de teses cujo objetivo é atacar as
imunidades e privilégios do clero, no seio da sociedade civil (proposições X a
XVI), que já tinham sido objeto da crítica de D. Luís da Cunha, no seu
Testamento Político. Para o oratoriano, tais privilégios não emergem do
Direito Divino: “Quidquid bonorum temporalium Ecclesia possidet, sub Regum jure
possidet” (proposição XIV). Assim, é legítimo aos reis exigir aos membros do
clero o pagamento de impostos ou tributos, sempre que tal seja necessário.
Através destas 16 teses não só se assegurava a independência do poder temporal
perante o espiritual, como, no conceito iluminista de sociedade civil, se
garantia um maior nivelamento de todos os grupos sociais, incluindo a Igreja e
a alta nobreza, perante o Estado Absoluto.
O
segundo texto a realçar, pois articula-se com o contexto regalista, é a “Tentativa
Theologica”, na linha da qual se integram outros títulos, como a “Demonstração
Theologica” e a “Carta a Galindo”. Nesses textos, revela-se o Pereira
Figueiredo como firme adepto do episcopalismo, formulado por Benjamin Van Espen
e Justinus Febronius (Nicolaus van Hontheim de seu nome). Realçando e
fundamentando o papel dos bispos como legítimos sucessores dos Apóstolos de
Cristo, o episcopalismo reduz o poder interno dos Papas, indo ao encontro dos
desígnios do Estado Absoluto. Ao Bispo de Roma apenas era concedida a primazia
sobre os restantes membros da Igreja. Todavia, para Figueiredo, “a essência do
primado não está em ser o Papa, na Igreja, o único legislador ou Árbitro
Supremo dos bispos”, pois o governo da Igreja não segue os cânones do despotismo.
Ao invés, cumpre-lhe só vigiar “sobre toda a Igreja, a fim de que cada um
cumpra exatamente as obrigações e ministérios da sua linha”: isto é, que o corpo
da Igreja se conserve na disposição e harmonia em que Cristo e os apóstolos o
deixaram, conservando ilesos os direitos de cada grau e franqueando a cada
membro as funções próprias da sua hierarquia.
É
de vincar que as teses regalistas e episcopalistas tiveram grande recetividade
entre os nossos teóricos das Luzes, de Ribeiro Sanches a Ribeiro dos Santos,
passando por Manuel do Cenáculo.
Das
obras de Pereira de Figueiredo destacam-se as seguintes:
“Carta
de Hum Amigo a Outro Amigo na qual se Defendem os Equivocos contra o Indiscreto
Juizo, que Delles Faz o Moderno Critico, Author da Obra Intitulada, Verdadeiro
Methodo de Estudar”, Paris, 1751; “Novo Methodo da Grammatica Latina”, Lisboa,
1752 (10 edições até 1797); “Elementos de Invenção e Elocução Rethorica ou
Principios da Eloquencia”, Lisboa, 1759; “Principios de Mythologia, illustrados
em Breves Notas”, Lisboa, 1761; “Principios da Historia Ecclesiastica”, Lisboa,
1765; “Doctrina Veteris Ecclesiae de Suprema Regum in Clericos potestate...,”
Lisboa, 1765; “Tentativa Theologica”, Lisboa, 1766; “Compendio dos Escritos e
Doutrina de João Gerson”, Lisboa, 1768; “Responsio Apologetica ad Censuram
Gabrieli Galindi...”, Lisboa, 1768; “Compendio da Vida e Acções do Veneravel
João Gerson”, Lisboa, 1769; “Demonstração Theologica, Canonica e Historica do
Direito dos Metropolitanos de Portugal...”, Lisboa, 1769; “Novos Testemunhos da
Milagrosa Aparição de Christo a El Rei D. Afonso Henriques antes da Batalha de
Campo d’Ourique”, Lisboa, 1786; “João de Barros, Exemplar da mais Solida
Eloquência Portuguesa”. [Uma relação completa no Catalogo das obras impressas e
manuscritas de A. P. Figueiredo, Lisboa, 1800.]
***
No
“Doutrinas da Igreja sacrilegamente offendidas pelas atrocidades da moral
jesuitica, que foram expostas no Appendix do Compendio Historico…” (Lisboa,
1772), a pgs. 158-161, vem sintetizado o controverso pensamento teológico do Padre
António Pereira de Figueiredo, com a seguinte nótula: “O pensamento teológico
do Padre António Pereira de Figueiredo tem de ser auscultado nas obras de
natureza teológica, designadamente, em algumas ‘censuras’, mas sobretudo nas
numerosas ‘notas’ da tradução da Vulgata. O que escreve sobre a predestinação
gratuita ‘ante praevisa merita’, sobre a graça eficaz por si mesma, a atrição
ou contrição imperfeita, e a vontade salvífica universal de Deus, etc. faz dele
um teólogo jansenista.”
***
Seja
como for, não é lícito ignorar ou proscrever este homem polivalente, de
indiscutível mérito, uma das boas exceções a quebrar, em vários campos, o
monolitismo do pensamento único em Portugal, na Monarquia Absoluta.
2025.02.19 – Louro de Carvalho