sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

O Mitsubishi F-X pode desafiar o F-35 na Europa


O Japão iniciou – sob a liderança Mitsubishi Heavy Industries (MHI), com a colaboração de gigantes da tecnologia militar, incluindo a Lockheed Martin, dos Estados Unidos da América (EUA) – a construção do Mitsubishi F-X, um caça de sexta geração que promete ser um dos mais avançados de todo o Mundo. E, como refere Francisco Gonçalves, no blogue “Fragmentos”, (https://www.fragmentoscaos.eu/2025/02/28/mitsubishi-f-x-o-caca-de-sexta-geracao-que-pode-desafiar-o-f-35-na-europa/”, o projeto não só reforça a capacidade defensiva do Japão, como pode representar um desafio ao domínio dos caças F-35 dos EUA, na Europa, sobretudo, a partir de 2030, quando os países europeus começam a priorizar os seus próprios programas de defesa aérea.
O F-X que está programado para substituir os Mitsubishi F-2 da Força Aérea de Autodefesa do Japão (JASDF), a partir de 2035, será um caça stealth, com foco em capacidades, como guerra eletrónica avançada, inteligência artificial (IA) e comunicação em rede.
Algumas das suas principais caraterísticas incluem: alta furtividade, para escapar de radares inimigos; capacidade de operar em rede, permitindo que drones e outros caças atuem como uma única unidade tática; motores superpotentes, para maior velocidade e manobrabilidade; e sistemas de inteligência artificial, que auxiliam o piloto em combate.
Com previsão de um protótipo para 2027 e voo inaugural para 2028, o caça deverá entrar em produção em massa, a partir de 2031.
A introdução do Mitsubishi F-X (não confundir com o FX, um canal de televisão por assinatura, propriedade da FX Networks) é um dos maiores avanços no poder aéreo moderno e poderá tornar o Japão num líder mundial da aviação militar. A sua chegada terá, obviamente, impacto na estratégia militar; e os chefes militares do Mundo estarão atentos, para verem como o caça tipo OVNI (objeto voador não identificado) transforma a lógica da guerra.
O advento do F-X ameaça o domínio dos EUA e provocará o declínio do F-35, na Europa.
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Ferenc Szekely, em artigo publicado pela Euronews, a 27 de fevereiro, sob o título “Japão dá início à construção dos caças F-X, da Mitsubishi, os mais avançados do Mundo”, lembra que o Japão se viu “numa luta de cães, no início dos anos 2000, quando os EUA proibiram as exportações do F-22 Raptor” (como parte da emenda Obey, de 1997 para proteger a sua tecnologia), tido como o avião de combate mais avançado, até à data, não tendo o país qualquer opção viável para um caça de 5.ª geração, apenas o, mundialmente procurado, caça furtivo americano F-35, pelo qual 40 países estão, atualmente, a competir.
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O Lockheed Martin F-22 Raptor é um caça de dominação aérea fabricado, nos EUA, pela Lockheed Martin, que, agora, colabora no fabrico do F-X. Foi o primeiro caça de 5.ª geração a entrar em serviço. A sua missão principal é manter a superioridades no campo de batalha, mas possui capacidade secundária de ataque ao solo. O alto custo do programa de desenvolvimento da aeronave, atrasos no desenvolvimento do programa de caças de 5.ª geração  russos e chineses, a proibição de exportações e o desenvolvimento do mais versátil F-35 acabaram por encerrar o programa de produção do F-22. Hoje, a Força Aérea dos EUA possui 187 aeronaves destas no serviço ativo, tendo o último F-22 sido entregue em 2012.
Como arma secundária, o F-22 utiliza um canhão M61A2 Vulcan de 20mm com 480 projéteis. Já no armamento principal, pode ser armado com dois mísseis ar-ar, de curto alcance AIM9, e até seis mísseis ar-ar, de médio e longo alcances, AIM-120 AMRAAM. Para o combate ar-solo, pode ser armado com duas bombas de mil libras GBU-32 JDAMs e dois mísseis AIM-120.
Por seu turno, o Lockheed Martin F-35 Lightning II ou F-35 Joint Strike Fighter é um caça multifunção supersónico furtivo stealth de 5.ª geração.
Desenvolvido para satisfazer as necessidades dos governos dos EUA, do Reino Unido, da Holanda (hoje, Países Baixos), da Austrália, do Canadá, da Itália, da Dinamarca, da Noruega, da Turquia e de outros compradores, como Israel, foi concebido como projeto de três caças de 5.ª geração, CTOL F-35A JSF, STOVL F-35B JSF, CV F-35C JSF, de relativo baixo custo, para a Marinha, para a Força Aérea e para os Fuzileiros Navais dos EUA, pois englobar três aeronaves no mesmo projeto atenuou os elevados custos de desenvolvimento, comparativamente com os três separados. Todavia, devido a sucessivos problemas de desenvolvimento, o objetivo de baixo custo não foi atingido. As principais armas são transportadas em compartimentos internos, para um elevado grau de discrição, mas podem ser transportadas, externamente, armas adicionais, em missões em que a furtividade não é necessária.
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Voltando ao artigo de Ferenc Szekely, sabemos que o Japão comprou ou encomendou 147 das duas variantes do F-25, “em grande parte para compensar o fosso de desenvolvimento”. E, logo, as autoridades de Tóquio decidiram passar ao nível seguinte com um modelo local. Assim, foi lançado o programa Mitsubishi FX e nasceu o caça polivalente F-X, pois a estratégia japonesa tem o indisfarçável objetivo de conter a China, na região do Indo-Pacífico, como membro da organização QUAD (fórum estratégico informal entre os EUA, o Japão, a Austrália e a Índia que é mantido, por meio de cúpulas semirregulares, por trocas de informações e por exercícios militares entre os países membros).
Outras nações, incluindo os EUA, a Rússia e a China, também avançaram para esta nova fase de desenvolvimento. Porém, com a introdução do F-X – antecedida pelo Mitsubishi X-2 Shinshin (aeronave experimental japonesa para testar tecnologias avançadas de aeronaves de caça stealth) –, tornou-se real a possibilidade de o Japão ser o primeiro a ser capaz de colocar em campo e produzir em massa esta classe, o que deverá acontecer no início da década de 2030, quando outros atores de topo ainda não terão terminado o seu desenvolvimento (os caças japoneses que atacaram Pearl Harbor, em 1941, os Zeros, foram construídos pela Mitsubishi).
Em 2022, três nações (JapãoReino Unido e Itália) embarcaram numa colaboração conjunta de estratégia aérea denominada GCAP (Global Combat Air Program), um plano que permitiu à Mitsubishi tirar partido das capacidades britânicas, em matéria de controlo digital de voo e de combate furtivo, bem como das realizações italianas, em matéria de desenvolvimento de radares e de guerra centrada em redes. Neste sentido, o F-X é também sucesso conjunto dos três países, indicando que a cooperação entre nações com poder militar médio pode reduzir a superioridade industrial das grandes potências (EUA, Rússia, China).
O F-X tem a capacidade para se envolver em combate aéreo e terrestre, simultaneamente, contra múltiplos adversários e alvos, estabelecendo nova referência para aviões de combate no Mundo. Emprega a melhor tecnologia furtiva conhecida, com materiais compósitos especiais concebidos recentemente e com modelação estrutural otimizada para reduzir a secção transversal do radar, tornando-a virtualmente invisível ao inimigo. Segundo os projetistas, a sua capacidade furtiva (detetabilidade, visibilidade) será a melhor do Mundo, enquanto a Rússia ocupa o 11.º lugar, neste aspeto, com o Sukhoi-57 (Felon), o que supõe ser visível para os radares mais avançados.
Além destas capacidades, o F-X tem outras que incluem a guerra com IA e o combate autónomo. A IA fornece cenários de combate em tempo real, considerando todas as ameaças terrestres e aéreas, incluindo drones. Assim, as melhores opções de decisão aparecem no monitor interno do capacete do piloto numa fração de segundo. Paralelamente, o comandante da unidade pode ver, simultaneamente, as posições externas e internas do resto do esquadrão, como quantas e quais armas cada um tem, melhorando as hipóteses de ataque em grupo e poupando a fuselagem de riscos desnecessários.
O F-X consegue integrar armas hipersónicas e laser, podendo disparar, simultaneamente, mísseis a velocidades de Mach 5, enquanto abate os mísseis atacantes. Para tanto, utiliza um sistema de sensores de 360 graus. A segurança de disparo e de defesa é apoiada por um sistema de fusão de dados que combina informações de várias fontes, para melhorar a consciência situacional e a eficácia do combate. E os pilotos podem ver, através do corpo da aeronave, utilizando ecrãs montados no capacete, pelo que podem detetar a situação de combate a olho nu.
Para alimentar o avião, os engenheiros de desenvolvimento japoneses construíram nova geração de motores de ciclo adaptativo que ajustam, continuamente, a potência à velocidade e à eficiência do combustível. Com efeito, ao invés dos motores a jato convencionais, o F-X é capaz de alternar, de forma ótima, entre o funcionamento a alta velocidade e o funcionamento eficiente, em termos de combustível, o que aumenta o alcance de combate, sem a necessidade de reabastecimento frequente, o que não é possível com os tipos atuais.
O objetivo fundamental do caça F-X é alterar o equilíbrio de forças na indústria aeroespacial mundial, especialmente, na concorrência com a China. O caça J-20 Mighty Dragon de Pequim constitui sério desafio, no teatro de guerra do Extremo Oriente, mas o desenvolvimento da Mitsubishi elimina esta ameaça e oferece ao Japão o domínio do ar.
Há também significativo impacto económico a reforçar a indústria de defesa japonesa, criando milhares de empregos e reduzindo o custo das importações de armas estrangeiras. Até agora, Tóquio investiu mais de 48 mil milhões de dólares no desenvolvimento do F-X, o projeto militar mais dispendioso da História do país, mas espera-se que o programa aumente o produto interno bruto (PIB) do Japão e abra novos capítulos nos domínios da engenharia aeronáutica, do desenvolvimento de software e da investigação de materiais.
Através de parcerias com o Reino Unido e coma Itália, o Japão terá acesso às tecnologias aeroespaciais europeias, reforçando, ainda mais, o setor da defesa nacional.
Outro aspeto importante é que, através dos parceiros europeus, o Japão também estará mais bem ligado e integrado nos planos da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), quase como braço da aliança no Extremo Oriente, papel que a Coreia do Sul também tenta desempenhar.
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F-35 Lightning II dos EUA é, atualmente, o caça furtivo mais popular no Ocidente. Porém, a partir de 2030, o domínio norte-americano no setor de defesa aérea pode começar a ruir, e há três razões principais para isso: o investimento da Europa nos seus próprios caças; os problemas técnicos e de custos do F-35; e a expansão do Japão no Mercado Global de Defesa.
A Europa investe nos seus próprios caças. Efetivamente, já começou a desenvolver as suas próprias aeronaves de 6.ª geração, para reduzir a dependência dos EUA, estando a destacar-se dois projetos: o FCAS (Future Combat Air System), desenvolvido pela França, pela Alemanha e pela Espanha; e o GCAP (Global Combat Air Programme), uma parceria entre o Reino Unido, a Itália e o Japão. Com estes programas a avançar rapidamente, os países europeus têm cada vez menos motivos para continuar a comprar o F-35.
Problemas técnicos e de custo do F-35. Apesar da sua popularidade, o F-35 enfrenta críticas constantes devido a altos custos de manutenção, a problemas técnicos recorrentes e a dependência de software e de peças dos EUA, o que leva os países europeus a considerar alternativas, como o FCAS e o GCAP.
Expansão do Japão no Mercado Global de Defesa. O Japão, tradicionalmente, não exportava armas, devido às suas políticas pacifistas. Porém, com as novas leis que flexibilizam essa postura, o Mitsubishi F-X é oferecido a aliados estratégicos, incluindo países europeus. Assim, de futuro, o Japão e o Reino Unido podem promover o GCAP como alternativa ao F-35.
Ora, se o Mitsubishi F-X e o GCAP se consolidarem como caças altamente avançados, a partir de 2030, os EUA podem perder o monopólio na venda de caças furtivos para a Europa. Com cada vez mais países na busca de independência militar, o F-35 pode tornar-se opção secundária, enquanto novos programas assumem o protagonismo. Assim, o Japão, ao lado de aliados, como o Reino Unido e a Itália, está prestes a redefinir o futuro da aviação militar – e os EUA precisarão reagir, rapidamente, se quiserem manter a posição dominante.

2025.02.28 – Louro de Carvalho

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

IGAS aponta dedo ao Ministério da Saúde e não há consequências políticas


O relatório preliminar da Inspeção Geral das Atividades em Saúde (IGAS), conhecido a 26 de fevereiro, concluiu que o Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) não teve acesso à informação, que devia, da existência da greve geral da Função Pública, para definir serviços mínimos no dia 4 de novembro.
 “O INEM, I.P., não recebeu, atempadamente, a comunicação de pré-avisos das greves gerais convocadas para os dias 31 de outubro e 4 de novembro, pelo que, não tendo conhecimento dos detalhes neles constantes, quanto ao tipo e duração das greves, bem como dos serviços mínimos propostos, ficou inviabilizada a possibilidade de eventual contestação dos serviços mínimos tendente à sua negociação, o que apenas poderia ter sido feito nas primeiras 24 horas seguintes à respetiva emissão de cada pré-aviso”, lê-se no relatório da IGAS.
Esta é a grande conclusão da IGAS, sobre o processo de inspeção que instaurou, a 11 de novembro à atividade do INEM, na greve dos técnicos às horas extras, depois de se ter conhecido que tinham sido registadas 10 mortes de doentes, por suspeita de falta de socorro pré-hospitalar, nos dias 31 de outubro e 4 de novembro. Assim, a IGAS sustenta que não se pode responsabilizar o INEM pela não definição de serviços mínimos, nos dois dias em que a decorria, em simultâneo, a greve dos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar (TEPH) e a greve geral da função pública, apontando o dedo aos serviços do Ministério da Saúde, nomeadamente, à Secretaria-Geral, que não cumpriu o procedimento legal de informar a estrutura do INEM.
No processo de inspeção, que se focou na verificação do cumprimento das normas de organização do trabalho e da capacidade operacional dos Centros de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) do INEM, nos períodos das greves decretadas, em outubro e novembro de 2024, e no impacto destas no socorro aos utentes, a IGAS verificou: “Os pré-avisos das greves gerais decretadas (i) pela Federação Nacional de Sindicatos Independentes da Administração Pública e de Entidades com Fins Públicos (FESINAP) e pelo Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Serviços e de Entidades com Fins Públicos (STTS), integrado na FESINAP, para o dia 31 de outubro e (ii) pela FESINAP, para o dia 4 de novembro, não foram comunicados, diretamente, ao INEM, I.P., mas, sim, à Secretaria-Geral do Ministério da Saúde (SGMS) e aos gabinetes dos membros do governo (que, no caso da saúde, os remeteram à SGMS, no dia 24 de outubro)”.
Ou seja, nem a SGMS, nem os gabinetes da ministra da Saúde, nem os das duas secretárias de Estado, nomeadamente a da Gestão da Saúde, Cristina André, que tutelava o INEM, informaram o INEM desta greve, não acautelando a sua atividade.
O relatório refere também que, “além das carências operacionais existentes e da procura extraordinariamente elevada registada no dia 4 de novembro de 2024, a mitigação do impacto da sobreposição da greve dos TEPH ao trabalho suplementar com as greves gerais da administração pública, em especial no dia referido, a capacidade operacional dos CODU não foi acautelada, por não terem sido acionados os mecanismos e formalidades legalmente previstos para contestar e negociar os serviços mínimos, nem para fixar o cumprimento dos serviços mínimos previstos no acordo coletivo de trabalho vigente”, -se na nota para a Comunicação Social.
Não obstante, segundo a IGAS, “durante a greve de 4 novembro foram implementadas medidas adequadas para, dentro das limitações existentes, minimizar o seu impacto”.
Das três greves convocadas, entre outubro e novembro, a IGAS salienta que apenas a greve ao trabalho suplementar/horas extraordinárias, decretada pelo STEPH, com início às 0h00 horas de 30 de outubro de 2024, por tempo indeterminado, foi comunicada ao INEM, através do pré-aviso de greve, remetido pela respetiva entidade sindical que a convocou.
Segundo a IGAS, o INEM “apenas teve conhecimento da greve de dia 31 de outubro, no próprio dia, constatando-se terem sido atingidos 80% dos trabalhadores escalados”. “No atinente à greve de 4 de novembro, “ainda que tivessem tomado conhecimento antecipado da sua realização, não foi seguido nenhum procedimento para a convocação dos trabalhadores escalados para a prestação dos serviços mínimos em períodos de greve, dado que esse procedimento não foi desenvolvimento pelas entidades sindicais até 24 horas antes do início da greve”, lê-se no relatório, de acordo com o qual só se “verificou incumprimento dos serviços mínimos no turno da tarde, entre as 16h e as 24 horas”, tendo sido, a 4 de novembro, “desencadeadas medidas de contingência que se revelaram, dentro do possível, adequadas”.
Após a greve do dia 4, no dia 6 de novembro, por deliberação do Conselho Diretivo, “foram então desencadeadas ações que estabilizaram o funcionamento dos CODU e permitiram debelar as fragilidades procedimentais no planeamento e preparação da greve geral da administração pública ocorrida no dia 6 de dezembro, garantindo, nesse dia, uma resposta mais adequada”.
Por conseguinte, a IGAS emitiu cinco recomendações, quatro dirigidas ao INEM e uma à SGMS.
Ao INEM, a IGAS recomenda que desenvolva “um procedimento formal para a revisão periódica dos rácios de pessoal, de acordo com a evolução da procura pelos CODU e com a evolução da sua performance, face às alterações organizacionais com impacto operacional”.
O INEM deve ainda “definir e monitorizar um objetivo para o indicador relacionado com o tempo até ao atendimento das chamadas de emergência”; “apresentar nos documentos de gestão informação sobre o volume e o peso do trabalho suplementar na atividade dos CODU; e definir um procedimento de atuação para o planeamento e organização do trabalho em caso de greve, que contemple a pronta avaliação tendente à eventual contestação e à negociação dos serviços mínimos propostos, bem como a fixação dos serviços mínimos e a convocatória formal dos trabalhadores escalados para o seu cumprimento, quando não definido pelas entidades sindicais, até 24 horas antes do início de cada período de greve”.
À SGMA, a IGAS recomenda a adoção de “um procedimento para o reencaminhamento imediato de todos os pré-avisos de greve recebidos de entidades sindicais ou dos gabinetes ministeriais às entidades tuteladas pelo Ministério da Saúde”.
Por fim, é de referir que a IGAS já enviou o documento às autoridades envolvidas para procederem ao contraditório.
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O secretário-geral do Partido Socialista (PS) defendeu, logo no mesmo dia, que o relatório preliminar da IGAS reforça a suspeita de “responsabilidades políticas” do Ministério da Saúde nas falhas de informação ao INEM, pois o INEM “não recebeu, atempadamente, a comunicação de pré-avisos das greves gerais convocadas para os dias 31 de outubro e 4 de novembro”.
Pedro Nuno Santos diz que, “a confirmar-se” este impedimento do INEM em definir serviços mínimos, por não ter recebido, atempadamente, do Ministério da Saúde os pré-avisos, “é algo que se reveste da maior gravidade”. Nesse sentido, “não tendo conhecimento dos detalhes neles constantes, quanto ao tipo e duração das greves, bem como dos serviços mínimos propostos, ficou inviabilizada a possibilidade de eventual contestação dos serviços mínimos tendente à sua negociação”. O pedido de negociação por parte do INEM “apenas poderia ter sido feito nas primeiras 24 horas seguintes à respetiva emissão de cada pré-aviso”, de acordo com a IGAS.
Ao INEM só chegou o pré-aviso da greve às horas extraordinárias convocada pelo STEPH.
Porém, no dia 27, o líder do PS acusou o primeiro-ministro de “assobiar para o lado”, na sequência da divulgação do relatório sobre o caso INEM, e aponta “responsabilidades políticas”.
Pedro Nuno Santos disse que o relatório reforça a suspeita de “responsabilidades políticas” do Ministério da Saúde, afirmando que as “consequências desta incompetência e desta negligência foram graves”, referindo-se às mortes reportadas.
Segundo o secretário-geral do PS, o primeiro-ministro tem de parar de “assobiar para o lado” e é “incompreensível” o “silêncio” da ministra da Saúde. A “saída da ministra não pode estar dependente do timing do ministro dos Assuntos Parlamentares”, disse o líder socialista, aludindo às eleições autárquicas e à possibilidade de Pedro Duarte assumir a candidatura à Câmara do Porto, e porfiando que espera ouvir a posição do Presidente da República (PR) sobre este caso, tendo recordado que ele “foi sempre muito exigente, e bem, com os governos socialistas”.
Perante a divulgação do relatório da IGAS, o presidente da Iniciativa Liberal (IL) defendeu que é o tempo de a ministra da Saúde tirar “consequências políticas” e considerou que Ana Paula Martins tem cada vez menos condições para continuar no cargo. “A ministra da Saúde, relativamente às conclusões ainda preliminares do relatório da IGAS, coloca-se na situação em que ela própria se colocou, porque, quando a questão se colocou, a senhora ministra disse que, quando houvesse um relatório, quando houvesse conclusões, teria de tirar responsabilidades políticas e consequências políticas. Agora já temos o relatório, é o momento de retirar consequências políticas”, afirmou o líder da IL, apontando como “muito provável que tenha havido mortes de portugueses, porque não houve uma resposta” do INEM, e “isso é uma situação absolutamente intolerável”.
Contudo, frisou que não é o caso de a governante ter responsabilidade pessoal, mas política. “Se isso aconteceu em função de um mau funcionamento do seu Ministério, eu creio que há consequências políticas a tirar”, defendeu Rui Rocha, acrescentando que a própria ministra “deve pôr em causa a sua própria continuidade”.
Falando aos jornalistas na Assembleia da República (AR), Rui Rocha afirmou que, “dia a dia essas condições [para continuar no cargo] estão a degradar-se”, estando em causa a situação da governante, por causa desta situação e de “muitas outras coisas”. “Se somarmos a situação do INEM a toda a incapacidade política que a ministra tem revelad relativamente às questões mais diversas […], eu diria que a secretária de Estado da Gestão da Saúde já devia ter saído e tenho muitas dúvidas de que seja ainda a ministra em funções que vá tomar essa decisão, se não será já outra pessoa que tem que tomar essa decisão”, atirou, sustentando que as conclusões da IGAS confirmam que a secretária de Estado Cristina Vaz Tomé “não tem condições para continuar em funções”.
O líder da IL assinalou que a última audição da Ministra da Saúde, na AR, foi “perturbadora”, pois “não sabia o que fazer no Hospital Amadora-Sintra, não tinha dados, não conseguia dar respostas”. “Nós temos de ter uma ministra da Saúde que tem respostas, que tem soluções, e nada disso tem acontecido”, criticou.
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Por sua vez, a ministra da Saúde, recusou, a 27 de abril, recusou tirar ilações políticas, após a divulgação do relatório da IGAS, que responsabiliza a tutela pelas dificuldades sentidas no INEM, em 2024, devido às greves dos técnicos da instituição. “Não me parece que possamos tirar ilações políticas. Há um relatório que não é final, mas traz alguma luz sobre o que falhou. Não consigo encontrar correlação entre as mortes e as falhas de socorro. Há mais dois processos, um de inspeção da IGAS e um de inquérito do Ministério Público”, disse, em declarações no seu Ministério, admitindo que a oposição está “no seu direito” em pedir a demissão da ministra.
Além disso, lembrou que foi a própria a solicitar o relatório e frisou que o INEM “já estava a trabalhar com muita falta de recursos humanos”, quando tomou posse. “Este relatório não é sobre os casos fatais, sobre se estão relacionados com o socorro, mas, sim, com o cumprimento de serviços mínimos. O relatório diz que há dois níveis de preocupação: os procedimentos na comunicação ao Ministério da Saúde, que têm de ser corrigidos, e a necessidade de melhorar os processos de convocação de serviços mínimos do INEM”, adiantou, admitindo que há “falhas” nos procedimentos do Ministério, “em relação à convocação de pré-avisos de greve” e que “tem de haver canal privilegiado para a circulação de informação, apesar do envio de e-mails”.
“A IGAS é clara nessa matéria: houve falha na comunicação da greve. Temos de encontrar, com a Secretaria-Geral do Ministério da Saúde e [com] os vários gabinetes, um modelo que não permita falhas de comunicação”, vincou, salientando que “é um desígnio nacional perceber o que aconteceu naqueles dias” e que a demissão de toda a equipa de cirurgiões que se demitiu do Hospital Amadora-Sintra, em 2024, e o seu eventual regresso ao serviço “é um tema” que a “tem preocupado muitíssimo” e lamentou a “degradação de um dos melhores serviços de saúde do país, com equipas extraordinárias”.
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Antes de mais, é preciso que a SGMS e o INEM curam as recomendações das IGAS. Depois, nem a Ministra da Saúde, nem o PS têm de atirar “piropos” de acusação mútua. O PS esteve oito anos no governo e nem tudo lhe correu bem, também nesta área; e este governo foi assertivo – e nisso enganou a opinião pública (a que se deixou enganar) – em prometer que resolveria, em tempo recorde, os grandes problemas do país, nomeadamente, os atinentes à Saúde. Porém, cada cavadela, minhocas, na área da Saúde, aliás como em quase todas.
Uma ministra demitiu-se, devido à morte de uma grávida transferida de um hospital para outro; desta vez, terão morrido 10 pessoas, mas a responsável política não tira consequências políticas.
No entanto, salvo raras exceções, a opinião pública publicada ou se remete ao silêncio ou acha normal, ético, legal e inócuo tudo o que de irregular acontece com este governo, quando, em seu entender, todos os anteriores casos e casinhos prenunciavam o Fim do Mundo e o Juízo Final. O próprio PR, que teve relevante papel no célere desgaste, no impiedoso cansaço e no frio requentamento da anterior maioria parlamentar, agora, mantém-se silente, se não complacente, a não ser em algum momento de “antologia”.

2025.02.27 – Louro de Carvalho


A alteração à chamada “lei dos solos” tem dado que falar

 

Está em causa o Decreto-Lei n.º 117/2024, de 30 de dezembro, que entrou em vigor 30 dias após a data da sua publicação (29 de janeiro), que altera o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio.

O diploma, em vigor, que está a gerar discussões acesas sobre o impacto na resolução da crise da habitação, estabelece um novo regime para a reclassificação de terrenos rústicos em urbanos, simplificando o processo e permitindo a transformação de terrenos não edificados em áreas passíveis de urbanização, desde que cumpram um conjunto de requisitos. Isto, num momento em que o país enfrenta enorme pressão por mais espaço habitacional, sobretudo, em zonas de alta procura. Porém, embora a medida possa proporcionar resposta rápida à necessidade de construção de novas habitações, levanta questões importantes sobre o impacto ambiental, social e económico, com efeitos, a longo prazo, na sustentabilidade e na qualidade de vida das populações.

O diploma introduz importante possibilidade no ordenamento do território: a reclassificação de terrenos rústicos como urbanos, com a condição fundamental de que, pelo menos, 70% (ou seja, 700 metros quadrados por cada mil metros quadrados) da área total de construção acima do solo se destine a habitação pública ou a habitação com “valor moderado”.

O conceito de valor moderado, uma tentativa de tornar as habitações mais acessíveis, é determinado com base no preço por metro quadrado da construção, que não pode ser superior à mediana do preço de venda nacional ou, se superior, a 125% da mediana do preço de venda praticado no concelho onde se situa o terreno. Ou seja, a medida visa garantir que a requalificação de terrenos rústicos se volte, essencialmente, para soluções habitacionais acessíveis. Porém, a sua eficácia dependerá da realidade do mercado imobiliário em cada região, já que os preços médios variam, significativamente, entre diferentes zonas do país. Assim, o impacto na redução dos valores pode ser limitado em áreas metropolitanas com preços elevados, enquanto, em zonas de menor procura, pode ter efeito mais significativo.

A responsabilidade pela decisão de reclassificar um terreno recai sobre a assembleia municipal, que toma a decisão com base em proposta da câmara municipal. O decreto simplifica esse processo, ao dispensar a necessidade de aprovação por entidades superiores, como a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR). Embora a medida torne a conversão de terrenos mais rápida e menos burocrática, levanta preocupações, quanto à transparência e à possível influência de interesses privados nas decisões municipais. A flexibilização pode facilitar o desenvolvimento habitacional, mas exige rigoroso acompanhamento, para evitar usos indevidos e especulação imobiliária. Desde logo, é de salientar a ambiguidade do conceito de “valor moderado” e de questionar quem faz o dito acompanhamento, se as CCDR ficam de fora.

Alexandre Roque, sócio da SRS Legal, em artigo publicado no ECO online, a 17 de fevereiro, coloca a questão se a alteração em causa era necessária. 

E a sua resposta é imediata, sustentada, desde logo, no facto de o Partido Socialista (PS) ter anunciado, no âmbito do processo de apreciação parlamentar em curso, que está disposto a não inviabilizar a manutenção do Decreto-Lei n.º 117/2024, de 30 de dezembro. E adianta que a alteração se centra na “simplificação de procedimentos de reclassificação do solo rústico em solo urbano”, na sequência do já feito pelo anterior governo, no ‘Simplex Urbanístico’.

Respondendo a “opiniões avalizadas” que defendem não ser necessária tal alteração, porque, em Lisboa e no Porto, não há solo rural e a crise na habitação se resolve com promoção pública, como os bairros de Alvalade e dos Olivais, construídos nos anos 50, e de Telheiras, construído, pela Empresa Pública de Urbanização de Lisboa (EPUL), nos anos 70 e 80, contrapõe que o país não é só Lisboa e Porto e que, nos municípios vizinhos, há muito solo rural, face à respetiva classificação legal. E, no atinente à promoção pública em Lisboa, a Câmara Municipal, então liderada por António Costa, extinguiu a EPUL e centrou o investimento público nas zonas prime da Cidade, a qual voltou costas à sua periferia e, assim, à habitação acessível. Ignorou-a e ostracizou-a. É o vazio urbano em zonas, como Chelas, com muito terreno público disponível.

Na opinião do colunista, a maioria da classe do comentário público “foi muito crítica destas alterações, com comentários baseados em alguma ignorância, populismo e demagogia”. A ignorância resulta de desconhecimento da origem do problema e da razão da necessidade de o resolver, ao passo que o populismo e a demagogia passam a ideia de que se ia poder construir em qualquer lado. Ora, em temas da construção, a crítica é bem acolhida, mesmo que lhe falte a coerência, o que, aqui, passará por se ser proprietário de casas onde nunca se poderia construir.

O problema remonta a 2014, sendo Jorge Moreira da Silva ministro com a pasta do Ordenamento do Território, no governo de Passos Coelho, pela eliminação da categoria de “solos urbanizáveis”, vindo a existir, apenas “solo rural ou solo urbano”. Seria classificado como solo urbano o que já esteja total ou parcialmente urbanizado ou edificado. Não sendo o caso, o solo é classificado como rural, ainda que não tenha aptidão agrícola ou florestal.

Tal alteração legislativa, então, muito elogiada, tinha um efeito perverso: cristalizava os terrenos em que se podia construir, porque apenas se poderia construir em terrenos que já estivessem urbanizados em 2014, ou reabilitar o existente ou demolir para construir, o que determinava aumento exponencial do valor dos terrenos e do preço da habitação, inviabilizando investimentos industriais, pois, a reclassificação de solo rural como urbano carecia de plano de pormenor, procedimento moroso e incompatível com investimento industrial, sobretudo, estrangeiro.

A imposição da nova classificação, determinou que todos os planos municipais de ordenamento do território, nomeadamente, os Planos Diretores Municipais (PDM), fossem alterados no prazo de cinco anos, determinando-se, nos casos em que não fossem alterados, nesse prazo, a suspensão automática de todas as normas relativas a áreas urbanizáveis e impedindo-se aí qualquer construção. A alteração dos PDM foi sendo adiada e o prazo foi prorrogado sucessivamente, até à data-limite de 31 de dezembro de 2024, fixada no diploma agora contestado.

Neste contexto, o PS e o Partido Social Democrata (PSD) coincidiram na necessidade de uma alteração legislativa, que “assentou, não na reintrodução da categoria de solos urbanizáveis”, mas “na simplificação do procedimento de reclassificação de solos rurais em solos urbanos. Foi dado significativo passo, no início de 2024, pelo anterior governo, com o ‘Simplex Urbanístico’, que previu o regime simplificado de reclassificação, em particular, para a instalação de indústria e de habitação. Todavia, limitou a possibilidade de reclassificação de solos rurais para urbanos aos casos em que não haja solos urbanos disponíveis (continuando-se a inflacionar o valor desses solos), e, no atinente à habitação, estabeleceu-se, ainda, como requisito: que a propriedade do terreno seja exclusivamente pública; que esteja situado na contiguidade de solo urbano; e que se destine a habitação a custos controlados ou a uso habitacional, desde que previsto na Estratégia Local da Habitação, ou na Carta Municipal de Habitação ou na Bolsa de Habitação.

É, nomeadamente, nestes pontos que assenta o diploma em causa. Eliminou a exigência de inexistência de solos urbanos disponíveis e, no atinente à habitação, a limitação de a propriedade do solo ser exclusivamente pública. També eliminou o requisito de o solo ter de estar na contiguidade de solo urbano, mas estabeleceu que tem de ser assegurada a consolidação e a coerência da urbanização a desenvolver com a área urbana existente, o que afasta o cenário de se permitir o surgimento de construção dispersa. Além disso, determina que 700 por mil da área de construção tem de ser afeta a habitação pública ou a venda a valor moderado, de acordo com a definição prevista no diploma, e não a construção para habitação própria ou para segundas residências, como se tentou fazer passar.

Assim, a necessidade desta alteração, no dizer do colunista, resulta do facto de o PS estar disposto a não inviabilizar a manutenção do decreto-lei em causa.

Face às propostas já apresentadas pelo PS, não se pretende reintroduzir o requisito da propriedade dos terrenos ser exclusivamente pública, que reduzia o efeito prático da alteração introduzida pelo ‘Simplex Urbanístico’, mas que não haja solos urbanos disponíveis (aplicável ao uso habitacional e ao industrial), o que continua a inflacionar o valor do solo urbano e a permitir que, por essa via, se impeça a reclassificação; se mantenha o requisito da contiguidade com solo urbano, o que pode gerar dificuldades de aplicação, na definição dessa contiguidade; e se elimine a referência à venda a valor moderado, impondo-se que os referidos 700 por mil de área de construção sejam afetos a habitação pública, a arrendamento acessível ou a custos controlados, o que, nessa relação, pode tornar os projetos economicamente inviáveis, e não assegurar habitação a jovens e à classe média.

Mantém-se, assim, na opinião de Alexandre Roque, o desafio, mesmo estando perante um regime extraordinário de aplicação caso a caso, e não a reequacionar a introdução da classificação nos planos de ordenamento do território da figura de solos urbanizáveis, algo que, numa reforma mais profunda. ainda se devia ponderar, mesmo que mais limitado do que o que existia no passado.

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Entretanto, a 26 de fevereiro, a Assembleia da República (AR) aprovou, na especialidade, um conjunto de alterações ao Decreto-Lei n.º 117/2024, de 30 de dezembro, que permite reclassificar solos rústicos em urbanos, para construção de habitação, com a maioria das modificações resultante de um entendimento entre o PSD e o PS.

A reapreciação do diploma fora requerida por iniciativa do Bloco de Esquerda (BE). O projeto inicial era impedir a sua vigência. Porém, a abstenção do PS viabilizou o processo de alterações. Assim, foram aprovadas, na generalidade, propostas de alteração do PSD, do PS, do BE, do Livre e da Iniciativa Liberal (IL) ao diploma do governo, que baixaram à Comissão de Economia, Obras Públicas e Habitação – com recusa da proposta do partido Chega –, para debate na especialidade, onde foram aprovadas, ficando a aprovação final, no plenário da AR, garantida pelos votos do PSD – bem como pelos do partido do Centro Democrático Social (CDS) – e do PS, mas com o voto contra do Chega e do Partido Comunista Português (PCP).

A votação das propostas, que durou quase duas horas, foi feita alínea a alínea, o que gerou, em alguns casos, confusão com os partidos a pedirem para alterar o sentido de voto. A deputada socialista Marina Gonçalves deu conta de lapsos na votação de uma proposta do PSD, semelhante à do PS. “Nós retiramos os usos conexos mas, olhando para a proposta do PSD, vocês também tiraram os usos conexos. A vossa proposta é igual à nossa, mas o PSD votou contra a nossa”, avisou Marina Gonçalves. O erro foi apontado e a votação foi repetida e acabou por ser aprovada.

O PSD incluiu, nas suas propostas, a maioria das exigências do PS, nomeadamente, quanto à necessidade de demonstração do impacto nas infraestruturas existentes e aos encargos do “seu reforço”. E as áreas a reclassificar mantêm-se integradas na Reserva Ecológica Nacional (REN) e na Reserva Agrícola Nacional (RAN), com “salvaguardada da preservação dos valores e funções naturais fundamentais” e com a “prevenção e mitigação de riscos para pessoas e bens”.

O PS exigiu ainda que, em vez do conceito de habitação de “valor moderado”, se use habitação pública, para “arrendamento acessível” ou “habitação a custos controlados”, e que os usos complementares visem funcionalidades relacionadas com a habitação. E, ainda, repõe o critério territorial de “contiguidade com o solo urbano”, para consolidação de área urbana existente, e a limitação da reclassificação à “inexistência de áreas urbanas disponíveis”.

Assim, além de a vigência do diploma passar a ser de quatro anos, entre as principais alterações aprovadas, está a substituição do conceito de habitação de “valor moderado” – utilizado pelo governo – por “a custos controlados” e por “arrendamento acessível”; a reposição do critério territorial de “contiguidade com o solo urbano”, para consolidação de área urbana existente; e a revogação da possibilidade de construir habitação destinada ao alojamento de trabalhadores agrícolas, fora das áreas urbanas existentes.

O PS e o BE, apontando “recuos importantes” do governo, consideram que as alterações, agora, aprovadas na AR, permitiram corrigir parte dos problemas e mitigar alguns dos efeitos negativos do diploma. Porém, o BE, embora reconheça que o diploma fica melhor, não desiste do escrutínio e lutará pela sua revogação, até porque a sua vigência fica prevista por quatro anos.

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Quem resolveu meter areia na engrenagem, nos últimos dias, foi o Presidente da República (PR).

Promulgou, quase de imediato e acriticamente, o diploma em causa. Entretanto, perante os jornalistas, escorado no que ouviu a alguns autarcas, sustentou que o diploma é de muito difícil aplicação em ano de eleições autárquicas (deveria ter pensado nisso, antes da promulgação, e vetá-lo), o que mereceu a resposta adequada o ministro da Presidência, considerando que todos os anos são bons (ou maus, diria eu) para aplicação das leis.

Por outro lado, é mais uma intromissão indevida na área da governação e a crónica apetência para comentar tudo, interrompendo as tréguas de silêncio a que parecia estar remetido.

Depois, há uma incoerência: promulga um diploma do governo, mas não garante a promulgação do diploma alterado por lei da AR (supostamente com maior debate e ponderação dos nossos representantes). “Quo vadis, cohaerentia?”     

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Entretanto, o RJIGT mantém-se polémico: uns querem mais facilidades, os especuladores; outros querem mais restrições, os que veem os componentes da classe média baixa em dificuldades sérias na obtenção de casa, quer em regime de arrendamento, quer em regime de propriedade, a par com tanta casa desocupada, com tantas casas de segunda e de terceira residência e com as ofertas para venda ou arrendamento a exigirem custos incomportáveis para a maioria dos cidadãos; e outros estão atentos aos pobres que também têm direito a teto condigno, mas de quem os especuladores e os poderes públicos não têm compaixão.

E mal vai a barca, quando o debate, não sério, acusa adversários de ignorância ou de populismo, de ataque à propriedade privada ou de desprezo pelo destino universal dos bens e do valor social da propriedade, de ideologia de esquerda ou de ideologia de direita.

Por fim, esquece-se algo de relevante: muitas das casas desocupadas, ou pela sua estruturação em razão das funções para que foram concebidas, e / ou pelo estado de degradação em que se encontram, exigem um investimento demasiado avultado, em comparação com o exigido para uma nova construção.

Enfim, o debate deve continuar, se se pretende promover o bem-estar das populações. E este é o principal objetivo de quem governa, nomeadamente a nível das autarquias – o dito poder de proximidade.               

2025.02.26 – Louro de Carvalho

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

Asteroide 2024 YR4 já não constitui uma ameaça para a Terra

 
A 27 de Janeiro, o 2024 YR4 gerou verdadeira preocupação, quando se tornou o único asteroide de grandes dimensões com uma probabilidade de impacto superior 1%.
Inicialmente, as probabilidades de impacto eram de 3,1%, mas, graças às últimas medições orbitais, os astrónomos reduziram esse valor para uns insignificantes 0,0034%, dissipando quaisquer preocupações até à data.
Depois de semanas de incerteza sobre o possível impacto do asteroide 2024 YR4 e de idas e vindas sobre o seu risco de colisão, a agência espacial norte-americana, a Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço (NASA) atualizou os seus cálculos, a 25 de fevereiro, e reclassificou-o para o nível zero, na Escala de Turim, o que significa risco zero de colisão com o nosso planeta.
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A Escala de Turim é uma ferramenta usada por astrónomos para avaliar os riscos de impacto de asteroides e cometas na Terra. Foi criada, em 1999, pelo professor Richard P. Binzel do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e recebe o nome da cidade italiana de Turim, onde foi apresentada pela primeira vez.
Essa escala vai de zero a 10, onde sero indica risco nulo ou quase nulo, e 10 representa uma colisão certa com consequências catastróficas em escala global. A escala considera dois fatores principais: a probabilidade de impacto e a energia cinética do objeto.
A Escala de Turim está dividida nas seguintes categorias principais: “branco” (0), sem risco de impacto; “verde” (1), com probabilidade de impacto extremamente baixa; “amarelo” (2-4), para eventos que merecem atenção aumentada, mas com baixa probabilidade de impactar a Terra; “laranja” (5-7), que representa a meaça séria, pelo que requer monitorização contínua; e “vermelho”, que representa impacto certo com consequências devastadoras.
O asteroide foi descoberto, a 27 de dezembro de 2024, por um telescópio financiado pela NASA em Rio Hurtado, no Chile, porque teve uma “aproximação” à Terra no Natal, de acordo com o Centro de Estudos NEO da NASA (CNEOS). Na altura, os cientistas disseram que era difícil prever se o asteroide iria ou não colidir com a Terra.
Embora a dimensão exata do asteroide ainda não possa ser confirmada, os cientistas estimam que o seu tamanho se situará entre os 40 e os 90 metros, sendo a maior estimativa, aproximadamente, da mesma altura que a estátua da Liberdade de Nova Iorque. E, se atingisse a Terra, fá-lo-ia com a força de 500 bombas atómicas, podendo destruir várias cidades.
A NASA nomeou, como países potencialmente “em risco”, por serem possíveis alvos, os seguintes: a Índia, o Bangladesh, o Paquistão, a Etiópia, a Nigéria, a Venezuela, a Colômbia e o Equador, bem como o Sudão, grande país africano com área aproximadamente equivalente, no total, à França, à Espanha, à Suécia, à Noruega e à Alemanha. Este país africano tem, ao longo dos anos, experimentado inúmeros incidentes com meteoritos. Uma das suas experiências mais recentes remonta a 2008, quando o asteroide 2008 TC3, com 4,1 metros de diâmetro, explodiu a cerca de 37 quilómetros acima do Sudão, com fragmentos espalhados pelo “deserto da Núbia”.
Um meteorito é um fragmento de um asteroide ou cometa a mover-se no espaço. Uma vez que entra na atmosfera da Terra, pode dividir-se em pedaços mais pequenos, à medida que queima, criando um meteorito. Os 600 estilhaços de meteoritos que atingiram o Sudão, até agora – são coloquialmente chamados de “Almahata Sita” –, também proporcionaram a oportunidade para os cientistas preverem, com sucesso, uma colisão de asteroides, antes de entrarem, pela primeira vez na atmosfera da Terra, embora o local previsto para a colisão tenha sido a alguma distância do local do impacto final.
O despenhamento do “Almahata Sita” atraiu uma onda de investigadores a esta terra em busca de fragmentos, cada um contendo milhares de microdiamantes e outros minerais preciosos.
Os cientistas classificaram o 2024 YR4 com o valor de três em 10 na Escala de Turim, a escala que o CNEOS utiliza para avaliar o nível de ameaça potencial do impacto de um asteroide na Terra. Nenhum outro asteroide observado tem classificação superior a zero, segundo o CNEOS.
A NASA afirmou, no seu blogue de defesa planetária, que vários asteroides subiram na lista de risco “e acabaram por descer, à medida que foram chegando mais dados”, o que significa que o asteroide pode vir a ser reclassificado como tendo risco zero.
A NASA informou que vai continuar a observar o asteroide até abril, sendo que, depois disso, estará demasiado longe da Terra, até junho de 2028.
O risco de colisão pode aumentar ou continuar a diminuir, durante este período, à medida que os cientistas compreendem como a Terra estará a rodar no momento do impacto.
O Telescópio Espacial James Webb determinará o tamanho exato do asteroide, em março de 2025, para esclarecer a probabilidade de uma colisão, disse a NASA. Se o nível de ameaça aumentar, as respostas de emergência, em todo o Mundo, serão alertadas para o risco de impacto e receberão o apoio do Centro de Coordenação de Objetos Próximos da Terra da Agência Espacial Europeia (ESA). E as agências espaciais poderão também efetuar missões de defesa planetária.
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Segundo os dados da agência espacial norte-americana, conhecidos a 19 de fevereiro, o asteroide 2024 YR4 tinha mais de 3% de hipóteses de atingir o planeta, em 2032, o que fazia dele o asteroide mais ameaçador alguma vez detetado. Aliás, os dados sugeriam que o asteroide, se atingisse a Terra, representaria um risco para algumas das regiões mais densamente povoadas do Mundo. Poderia, provavelmente, atingir uma área ao longo de um “corredor de risco” que a NASA identificou como estendendo-se pelo Leste do Oceano Pacífico, Norte da América do Sul, Oceano Atlântico, África, Mar Arábico e sul da Ásia.
Entre as cidades que se encontram nesta trajetória estão Bogotá, na Colômbia, cuja área metropolitana alberga mais de 11,6 milhões de pessoas, a área metropolitana de Bombaim, na Índia, que tem uma população de 18,4 milhões de habitantes, e Daca, no Bangladesh, onde vivem mais de 23,9 milhões de pessoas.
A agência espacial norte-americana aumentou o risco de o asteroide atingir o planeta em 2032, para 3,1%, o que o torna no “asteroide com maior risco alguma vez detetado”. Este valor é superior ao alerta de 2,3% de probabilidade emitido há pouco tempo.
A NASA reviu em alta o risco de colisão depois de ter recolhido mais informações sobre a órbita do asteroide. E a ESA estima a probabilidade de colisão em 2,8%, o que representa um nível de ameaça superior ao do asteroide Apophis, em 2004. Inicialmente, pensava-se que atingiria a Terra em 2029, mas esta teoria foi rejeitada com mais investigação.
Em 2022, a missão DART da NASA colidiu, intencionalmente, com o pequeno asteroide Dimorphos e alterou, com sucesso, a sua trajetória orbital, segundo informou a agência.
A ESA lançou a sua missão Hera, em outubro de 2024, para regressar ao local do acidente da missão DART e recolher dados. Estes dados serão utilizados para ajudar a formar um sistema de defesa planetária contra futuras ameaças de asteroides.
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O 2024 YR4 é um asteroide próximo da Terra, o que significa que a sua órbita o traz para a região terrestre do Sistema Solar. Estima-se, como se disse, que tenha entre 40 e 90 metros de diâmetro – aproximadamente a mesma largura que a torre inclinada de Pisa – e tinha hipótese, ainda que pequena, de atingir a Terra, a 22 de dezembro de 2032. A rocha espacial, que tinha, até à semana anterior a 25 de fevereiro, a maior probabilidade de impacto alguma vez registada, deixou de ser uma ameaça, porque, com as últimas observações, os especialistas da NASA concluíram que já não representa um risco para o nosso planeta.
À medida que os astrónomos foram aprendendo mais sobre a trajetória do 2024 YR4, a percentagem e as correspondentes probabilidades de impacto diminuíram para um valor verdadeiramente insignificante de um em 26 mil, ou seja, existe a probabilidade de 99,9961% de a rocha espacial passar pela Terra, sem causar quaisquer danos. Por isso, a NASA já não considera que o 2024 YR4 represente uma ameaça para o planeta.
A 20 de fevereiro, o asteroide passou do nível 3 (amarelo) para o nível 1 da Escala de Turim (nível verde). O seu estado atual, ou seja, o nível zero, assinalado a branco, como zona não perigosa, tranquiliza, mais uma vez, o Mundo, pois a monitorização contínua da sua trajetória orbital, a pequena probabilidade de intercetar a Terra, dentro de alguns anos, motivou uma miríade de artigos, de reportagens, de vídeos e de entrevistas.
É perfeitamente normal que as probabilidades de impacto de um asteroide mudem ou oscilem, à medida que ficam disponíveis mais dados sobre a sua órbita, e o que se esperava era que o 2024 YR4 reduzisse as hipóteses de nos atingir na sua aproximação, em 2032, para quase zero e bem abaixo do nível zero na Escala de Turim. Especificamente, uma hipótese de um em 26 mil significa que há apenas 0,0034% de hipóteses de impacto, de acordo com o Centro de Estudos de Objetos Próximos da Terra da NASA no Laboratório de Propulsão a Jato em Pasadena, na Califórnia, nos Estados Unidos da América (EUA). No entanto, o seguimento por telescópio vai continuar. Podemos não ver esta rocha espacial nos cabeçalhos dos jornais, mas aprendemos algo pelo caminho. O importante é que os astrónomos disponham de ferramentas que lhes permitam detetar estes objetos, muito antes de passarem pelo nosso planeta, e que é provável que tais deteções se tornem mais comuns no futuro. E, embora o 2024 YR4 já não seja objeto de discussão pública ou sequer digno de nota, continuará a ser de interesse científico, quando passar perto da Terra, em 2028, e, novamente, em 2032.
Também a ESA concluiu que o asteroide 2024 YR4 não representará uma ameaça para a Terra, em 2032 e nos anos seguintes, depois de os últimos cálculos terem reduzido para 0,001% a probabilidade de impacto. Os cientistas excluíram, quase por completo, qualquer ameaça de um asteroide que poderia atingir a Terra, em 2032, numa das regiões mais populosas do Mundo.
A probabilidade de o recém-descoberto asteroide 2024 YR4 atingir a Terra chegou aos 3%, atingindo o topo das listas mundiais dos asteroides que representavam risco para a Humanidade.
Entretanto, a ESA baixou as probabilidades para 0,001%.
Já a NASA, baixou-a para 0,0000384% – o que significa que o asteroide passará em segurança pela Terra, em 2032, e que não haverá qualquer ameaça de impacto durante o próximo século.
Paul Chodas, que dirige o Centro de Estudos de Objetos Próximos da Terra, da NASA, disse à Associated Press (AP) que não há qualquer hipótese do aumento das probabilidades, nesta altura, e que foi excluído um impacto em 2032. “Esse é o resultado que esperávamos desde o início, embora não pudéssemos ter 100% de certeza de que isso aconteceria”, disse num e-mail à AP.
Porém, ainda há 1,7% de hipóteses de o asteroide atingir a Lua, a 22 de dezembro de 2032, segundo a NASA, mas Chodas espera que as probabilidades deste impacto também diminuam.
Os telescópios do Mundo continuam a seguir o asteroide, à medida que se afasta de nós, com o Telescópio Espacial Webb a fazer zoom, para determinar a sua dimensão para o próximo mês. Espera-se que desapareça de vista, dentro de um mês ou dois.
“Embora já não represente um risco de impacto significativo para a Terra, o 2024 YR4 proporcionou uma oportunidade inestimável” para estudo, afirmou a NASA, em comunicado.
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E a ciência avança nas suas descobertas e na sua missão de ajuda à Humanidade.

2025.02.26 – Louro de Carvalho


terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

Afastamento dos EUA da UE, na ONU, a favor da Rússia é preocupante

 
A votação de resoluções da Organização das Nações Unidas (ONU) que exigem o fim da guerra de três anos da Rússia contra a Ucrânia, no dia 24, viu os Estados Unidos da América (EUA) separarem-se dos seus aliados europeus, recusando-se a responsabilizar Moscovo pela invasão do território ucraniano, o que vem confirmar a grande mudança nas relações transatlânticas com o regresso de Donald Trump à Casa Branca.
O voto surpresa dos EUA, dito surpresa (que não o é), surge depois de o presidente norte-americano ter decidido iniciar conversações diretas com a Rússia para pôr fim à guerra, chocando a Ucrânia e os seus aliados, na Europa, ao não os incluir nas discussões iniciais, na Arábia Saudita.
Na Assembleia Geral da ONU (constituída pelos representantes de 193 países), em Nova Iorque, os EUA juntaram-se à Rússia na votação contra uma resolução ucraniana apoiada pela Europa, que denunciava a agressão de Moscovo e exigia a retirada imediata das tropas russas.
Já numa outra resolução, os EUA abstiveram-se, depois de a União Europeia (UE), liderada pela França, ter conseguido alterá-la, para tornar claro que a Rússia era o agressor. Essa votação teve lugar no momento em que Trump recebia o presidente francês, Emmanuel Macron, em Washington, no terceiro aniversário da invasão da Ucrânia pela Rússia.
O ministro dos Negócios Estrangeiros do Chipre, Constantinos Kombos, referiu que os acontecimentos do dia 24, na ONU, tiveram o seu significado nas relações transatlânticas. “Ontem foi um dia muito difícil, dado que foi o aniversário de três anos da invasão ilegal da Ucrânia pela Rússia”, disse Kombos à Euronews, no dia 25, explicitando: “O resultado é que, ontem, a União Europeia conseguiu manter um elemento importante, em termos de posição de princípio, de declaração, mas também em termos de redação, no atinente à situação na Ucrânia.”
Na verdade, houve uma mobilização muito séria por parte dos estados-membros, com um número significativo de líderes europeus a deslocarem-se a Nova Iorque para gerir este assunto, e o resultado foi avaliado pela UE como positivo.
O voto dos EUA na Assembleia Geral da ONU, cujas decisões não são legalmente vinculativas, mas consideradas como um indicador do sentimento global, provocou reações na Internet, com alguns comentadores a tê-lo como infeliz, mesmo no seio do partido republicano de Trump.
O presidente dos EUA acusou, falsamente, Kiev de ter iniciado a guerra e avisou o presidente ucraniano, Volodymr Zelenskyy (o qual afirmou que Trump está a viver num “espaço de desinformação” criado pela Rússia) de que poderia perder o seu país, se não “agisse, rapidamente”, para negociar um acordo.
A Assembleia Geral da ONU aprovou a resolução ucraniana por 93 votos a favor, 18 contra e 65 abstenções. Apesar de positivo, o resultado mostrou diminuição do apoio à Ucrânia, sobretudo, porque, nas anteriores votações da assembleia, mais de 140 nações condenaram a agressão russa e exigiram a retirada imediata das tropas de Moscovo da Ucrânia. De acordo com a vice-ministra dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia, Mariana Betsa, o país estava a exercer o “direito inerente à autodefesa”, na sequência da invasão russa, que viola o requisito da Carta das Nações Unidas, a qual determina que os países respeitem a soberania e a integridade territorial de outras nações.
Na grande rutura com a administração Biden, Donal Trump restabeleceu a comunicação com a Rússia, enviando altos funcionários para manter conversações na Arábia Saudita com uma delegação russa e falando, diretamente, ao telefone com o líder do Kremlin, Vladimir Putin.
O presidente dos EUA e outros elementos da sua administração recusaram, claramente, culpar a Rússia pelo início do conflito. Contudo, Donald Trump, disse aos jornalistas, na Casa Branca, durante a visita do presidente francês, Emmanuel Macron, que a guerra poderia terminar dentro de semanas, se se registassem progressos nas conversações que encetou com responsáveis russos.
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Na verdade, após um encontro com o presidente dos EUA, o líder francês disse que um cessar-fogo com a Rússia é possível, mas que deve ter garantias de segurança para a Ucrânia.
Em declarações à Fox News, em Washington, após conversações com o presidente norte-americano, Emmanuel Macron afirmou que é “viável” sugerir que uma trégua entre a Rússia e a Ucrânia possa ser acordada, nas próximas semanas, mas frisou que os líderes – incluindo Trump – devem ser “cuidadosos” nas negociações com a Rússia.
“Em 2014, tivemos um cessar-fogo com a Rússia, que foi sempre violado”, disse Macron, sustentando que qualquer acordo de tréguas deve ser apoiado por garantias de segurança.
Donald Trump afirmou que a guerra entre a Rússia e a Ucrânia pode terminar, “dentro de semanas”, e insistiu que a Europa deve assumir o ónus de um acordo de manutenção da paz. A pressão de Trump para a realização de conversações de paz com a Rússia e as críticas ao presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskyy, a quem chamou “ditador”, ciaram, nos líderes europeus, o receio de que os EUA mediassem um acordo de cessar-fogo desfavorável à Ucrânia, dando a Moscovo tempo para se reagrupar.
Com o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, Macron posicionou-se na vanguarda dos esforços para garantir resposta europeia unida a uma mudança de tom da nova administração dos EUA. Ambos sugeriram que estariam abertos ao envio de tropas de manutenção da paz para a região, sugestão que Macron reiterou no dia 24. “Não para ir para a linha da frente, não para ir em confronto, mas para estar em alguns locais, sendo definido pelo tratado, como uma presença para manter esta paz e a nossa credibilidade coletiva com o apoio dos EUA”, vincou Macron.
Durante uma conferência de imprensa conjunta com Macron, Donald Trump afirmou que Putin tinha concordado com a presença de forças de paz europeias na Ucrânia, apesar de o embaixador da Rússia no Reino Unido, Andrei Andrei Vladmirovich Kelin, ter rejeitado, liminarmente, a ideia alguns dias antes.
O presidente norte-americano não mencionou as garantias de segurança, após a reunião com Macron, mas disse que o custo de assegurar a paz na Ucrânia deve ser coberto pela Europa e pelos EUA. Por sua vez, Macron declarou que a Europa compreende a necessidade de “partilhar, de forma mais justa, o fardo da segurança”, concluiu que a presença de Trump era uma “mudança de jogo” e concordou que este tinha “boas razões” para envolver Putin em conversações.
Trump afirmou que irá encontrar-se com o presidente russo, mas não sabendo quando. Por outro lado, convidou o presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskyy, para a Casa Branca, a fim de finalizar um acordo de 500 mil milhões de dólares (477 mil milhões de euros) sobre minerais de terras raras, que a administração Trump enquadrou como o reembolso, por parte de Kiev de milhares de milhões de dólares de ajuda que Washington enviou ao país, devastado pela guerra.
Zelenskyy disse, inicialmente, que a Ucrânia não assinaria um acordo deste tipo, uma vez que os EUA não tinham oferecido quaisquer garantias de segurança específicas em troca. Porém, no dia 23, o presidente do parlamento ucraniano disse que o governo iria começar a trabalhar, seriamente, para chegar a um acordo com a administração Trump, para dar aos EUA acesso aos recursos minerais da Ucrânia, mas sustentando que qualquer acordo deveria incluir garantias de segurança para a Ucrânia, por parte de Washington.
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Há poucos dias, o embaixador da Rússia no Reino Unido disse que Moscovo rejeitava, liminarmente, o envio de forças britânicas para solo ucraniano no pós-guerra, ao passo que o presidente dos EUA afirmava que o líder russo aceitaria o envio de forças de manutenção da paz europeias para a Ucrânia, como parte de um potencial acordo para acabar com a guerra. “Sim, ele vai aceitar”, disse Trump. “Já lhe fiz essa pergunta. Se fizermos este acordo, ele não está à procura de uma guerra mundial”.
No entanto, não é claro por que Putin teve esta aparente mudança de opinião sobre as forças internacionais de manutenção da paz na Ucrânia. Com efeito, como foi dito, há apenas três dias, o embaixador da Rússia no Reino Unido, Andrey Vladmirovich Kelin, disse que Moscovo rejeitava a ideia do envio de forças britânicas para a Ucrânia num cenário pós-cessar-fogo.
Trump disse ter esperança de que os EUA e a Ucrânia cheguem, rapidamente, a um acordo sobre os minerais de terras raras, depois de se ter reunido com os líderes do G7 numa sessão virtual.
Washington está a pedir uma redução de 50% de todas as receitas geradas pelos recursos minerais e naturais da Ucrânia, algo que as autoridades norte-americanas chamam de pagamento pelo apoio militar anterior. Este acesso americano aos minerais de terras raras da Ucrânia foi apresentado, pela primeira vez, a Zelenskyy pelo Secretário do Tesouro Scott Bessent, no início de fevereiro.
Zelenskyy rejeitou a proposta original, aduzindo que não podia “vender a Ucrânia e que os EUA não tinham fornecido, nem de perto nem de longe, essa soma em ajuda militar ou financeira, nem oferecido quaisquer garantias de segurança específicas.
Em declarações antes das conversações com Macron, Donald Trump não disse se o acordo emergente incluiria garantias de segurança americanas, mas afirmou que “a Europa vai certificar-se de que nada acontece”.
A decisão de Trump de enviar os seus principais assessores para conversações preliminares com funcionários russos, na Arábia Saudita, sem a presença de alguém da Ucrânia, nem do bloco dos 27, causou consternação generalizada, em toda a Europa. Porém, o presidente dos EUA rejeitou as queixas de Zelenskyy sobre a Ucrânia e a Europa não terem sido incluídas nas conversações.
Entretanto, os EUA não conseguiram que a Assembleia Geral da ONU aprovasse a sua resolução que apela para o fim da guerra, sem mencionar a agressão de Moscovo. Os aliados europeus uniram-se, recentemente, em redor de Zelenskyy, nervosos com a aproximação de Trump a Moscovo e receosos de que as negociações de paz se realizem sem o envolvimento direto da Ucrânia e favoreçam a Rússia. Macron afirmou que a Europa está disposta a assumir-se como “um parceiro forte” e a fazer mais para garantir a defesa do continente, num momento em que se teme que as prioridades de segurança de Trump estejam noutro lado. “Tenho um grande respeito pela coragem e resistência do povo ucraniano. E partilhamos o objetivo da paz. Mas estamos muito conscientes da necessidade de ter garantias e uma paz sólida para estabilizar a situação”, discorreu Emmanuel Macron, acrescentando: “Penso que os EUA e a França estão sempre do mesmo lado, o lado correto, diria eu, da História.”
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Perante a relutância da administração Trump em trazer a Ucrânia e a Europa para a mesa das negociações sobre a paz com a Rússia, os líderes europeus reafirmaram o apoio ao presidente Zelenskyy e o empenho em objetivos de segurança comuns. E, após discussões sobre as prioridades de segurança, no contexto da guerra de três anos, na Ucrânia, vários funcionários europeus planearam visitas aos EUA para discutir o fim da guerra e promover um papel europeu na via para um potencial acordo de paz.
O presidente polaco, Andrzej Duda, reuniu-se com Donald Trump no dia 22, o presidente francês, Emmanuel Macron, esteve em Washington DC, no dia 24, enquanto o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, esteve com o presidente dos EUA no dia 20.
O presidente polaco, que fez a sua primeira visita a Trump, desde que este regressou à Casa Branca, em janeiro, mantém, desde há muito, uma relação positiva com o homólogo americano.
Desde o início da invasão russa, a Polónia tem sido um firme aliado da Ucrânia e um centro de transporte de ajuda humanitária e de equipamento militar proveniente do Ocidente. E membros superiores da administração Trump, incluindo o secretário da Defesa dos EUA, Pete Hegseth, elogiaram as despesas de defesa e o empenho da Polónia na segurança.
Antes da sua chegada aos EUA, Duda disse, numa declaração, no X, que tinha falado com Zelenskyy, ao telefone, para discutir o processo de paz e as conversações dos EUA com Moscovo.
O anúncio desta enxurrada de visitas diplomáticas surge depois de uma delegação dos EUA se ter reunido com diplomatas russos na capital saudita, Riade, para conversações sobre o fim da guerra.
Não foram convidados representantes da Ucrânia ou da Europa. Por isso, o presidente francês recebeu os líderes europeus numa cimeira de emergência, em Paris, no dia 17, para alinhar a sua posição conjunta sobre a Ucrânia.
Antes do seu encontro com Trump, Macron disse que tencionava dizer ao presidente dos EUA para não “ser fraco”, face ao presidente russo. “O que lhe vou dizer é que não se pode ser fraco, perante o presidente Putin. Não é o seu caso, não é a sua imagem de marca, não é do seu interesse”, disse Macron, ao responder a perguntas na sua página nas redes sociais, no dia 20, acrescentando: “Como é que se pode ser credível perante a China se se é fraco perante Putin? Se deixarem a Rússia tomar conta da Ucrânia, será imparável para os europeus, para toda a gente.”
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Entretanto, a Ucrânia, tal como a Rússia (que já acha imprescindível a Europa nas negociações), chegou a acordo com os EUA para a exploração de minerais e terras raras no seu território, negociada em troca da proteção norte-americana, avançou o Financial Times, na tarde de 25 de fevereiro. O acordo foi também noticiado pela Reuters que, citando duas fontes próximas das negociações, refere que o presidente ucraniano planeia deslocar-se a Washington, no dia 28, para se encontrar com Donald Trump. Kiev terá concordado com a exploração dos seus recursos, incluindo o petróleo e o gás, depois de Washington ter deixado cair a exigência relativa ao direito a 500 mil milhões de dólares (cerca de 475 mil milhões de euros) em futuras receitas provenientes dessa exploração, o que o governo ucraniano considerara inaceitável. Os EUA, em contrapartida, apoiam o desenvolvimento da economia ucraniana no pós-guerra, mas não há referência às garantias de segurança exigidas por Kiev, nem se esclarecem os termos do acordo de propriedade conjunta com os EUA, que deverão ser negociados a seguir.
Porém, a Rússia quer atrair investidores estrangeiros para os territórios que acabou de “readquirir” (?) – as regiões de Kherson, Zaporijjia, Donetsk e Lugansk que foram ilegalmente anexadas por Moscovo, em 2022, na sequência de pretensos referendos, não reconhecidos pela Ucrânia, pela UE ou pelos EUA.
Estará, apesar de tudo, próxima a consecução da paz? A que preço e por quanto tempo?

2025.02.25 – Louro de Carvalho