quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

No III centenário de um dos maiores vultos do iluminismo português

 

A 15 de fevereiro, decorreu, em Mação, no distrito de Santarém, uma conferência a assinalar os 300 anos do nascimento do Padre António Pereira de Figueiredo.

Na verdade, a 14 de fevereiro de 1725, nasceu o célebre de outrora, mas muito esquecido, padre António Pereira de Figueiredo, oratoriano, depois (1769), padre secular e, nos últimos dias de vida, oratoriano de novo. Foi importante “latinista, filólogo, canonista e teólogo”, além de político e músico. Neste ano, o concelho de Mação está a prestar homenagem ao “ilustre filho” da terra e a convidar ao conhecimento da obra de “um dos maiores eruditos do século XVIII”.

A primeira exposição geral sobre a sua vida e obra foi apresentada por três competentes jovens alunas do ensino secundário do Agrupamento de Escolas Horizonte Verde, de Mação. Seguiu-se um painel de aprofundamento, com a intervenção de vários adultos, designadamente, o pároco local, um historiador e uma jornalista, ambos do concelho, e José Carlos Gueifão, o homem que descobriu, há 30 anos, o padre Pereira de Figueiredo e nunca mais deixou de desafiar os poderes locais para a necessidade de reconhecer a importância deste homem da terra. Em resultado desse labor, existe, há anos, no centro da vila um monumento e está a decorrer um programa de comemorações que inclui, entre outras iniciativas, a edição, em maio próximo, de um livro sobre o homenageado. A fechar a conferência, um grupo de alunas do mesmo agrupamento de escolas dançou a coreografia “Sapientia”, ao som de uma peça composta por Pereira de Figueiredo e ali executada pela Filarmónica local.

Pereira de Figueiredo foi o autor de uma nova gramática do Latim e o teólogo que, em apoio à política do Marquês de Pombal, defendeu o regalismo, ou seja, a ideia de que o chefe de Estado tem direito a intervir em assuntos internos da Igreja Católica. Compreende-se a importância política desta linha teológica, no tempo do absolutismo, e percebe-se o papel de primeira ordem que Pereira de Figueiredo teve no conflito de Pombal com os Jesuítas, ao tempo adversários dos Oratorianos. E percebe-se que, após a morte de Sebastião José de Carvalho e Melo, tenha caído Pereira de Figueiredo num conveniente esquecimento.

Registe-se que Pereira de Figueiredo fez “a primeira tradução completa da Bíblia para Português”, que foi ainda corrente em Portugal no 1.º quartel do século XX e continua a ser publicada no Brasil. O trabalho de tradução e publicação durou 18 anos a ser completado. Inicialmente, foi publicado o Novo Testamento, entre 1778 e 1781, em seis volumes. O Antigo Testamento foi publicado, entre 1782 e 1790, em 17 volumes (a Bíblia tem, ao todo, 23 volumes. Por ser versão em Português mais recente, foi considerada melhor que a de Ferreira d’Almeida, apesar de não se basear nas línguas grega e hebraica. A tradução de Pereira de Figueiredo baseia-se na Vulgata Latina. A Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira editou revisões de 1821 (uma é completa) e, em 1828, (sem os deuterocanónicos). Foi bem acolhida entre católicos e protestantes. No Brasil, a Bíblia do Padre Figueiredo é ainda hoje publicada, em versão corrigida em português moderno.

O padre António Pereira de Figueiredo faleceu em 1797, como oratoriano, de novo, depois de ter composto mais de 150 livros.

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De Pereira de Figueiredo, refere a Academia das Ciências de Lisboa que foi padre da Congregação do Oratório de Lisboa, que estudou Latim e Música no Colégio Ducal de Vila Viçosa. Em 1744, matriculou-se nos cursos de Filosofia e de Teologia na Casa do Espírito Santo da Congregação do Oratório, onde foi, mais tarde, professor de Latim, de Retórica e de Teologia. Foi deputado da Real Mesa Censória, deputado da Junta do Subsídio Literário e oficial maior de Línguas da Secretaria do Estado dos Negócios Estrangeiros.

De acordo com o Professor Cândido dos Santos – que publicou o livro “Padre António Pereira Figueiredo – Erudição e Polémica na Segunda Metade do Século XVIII” (Roma Editora, 2005) –, o padre António Pereira de Figueiredo, “uma das mais fortes inteligências que Portugal tem gerado”, no dizer de Alexandre Herculano, impõe-se como um dos grandes vultos da cultura portuguesa pela sua enorme erudição e fecundidade produtiva. Latinista de renome europeu, historiador, canonista e teólogo, serviu apaixonadamente a política pombalina. Combateu os Jesuítas e denunciou os abusos da Cúria Romana. Tomou posição sobre problemas eclesiológicos e teológicos do seu tempo, no que desagradou a muitos que, por isso, o tentaram sepultar no esquecimento. Trabalhou pela implantação de uma igreja nacional, à imagem da anglicana, mas nunca defendeu o cisma ou a separação da Igreja Romana.

Parece ter-se antecipado à lógica napoleónica e feito reviver o beneplácito régio, digo eu.

A tradução da Vulgata latina, em 23 volumes, é um monumento literário que honra a cultura nacional. As suas obras estão espalhadas pelas grandes bibliotecas estrangeiras e foram editadas e reeditadas, vezes sem conta, em alguns países.

Não obstante, a maior síntese de informação sobre o iluminista tricentenário encontra-se no site do Instituto de Camões, pela pena de Pedro Calafate, de que se retém o mais pertinente.    

Religioso da Congregação do Oratório (n. 1725 – m. 1797), “foi figura cimeira do iluminismo em Portugal, tendo sido estreito colaborador do marquês de Pombal”. Iniciou o contacto com as Letras no Colégio Ducal de Vila Viçosa, onde estudou Latim, Latinidade e Música. Transitou, posteriormente, para o Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra e, em 1744, para a Casa do Espírito Santo da Congregação do Oratório, matriculando-se nos cursos de Filosofia e de Teologia. Nesta Congregação, que aglutinava parte relevante do esforço de renovação do espírito filosófico em Portugal, foi professor de Latim, de Retórica e de Teologia.

No domínio do Latim, celebrizou-se com a publicação, em 1753, do “Novo Methodo da Grammatica Latina”, que gerou enorme polémica, pela simplificação metodológica que propunha e pela forma como punha em causa a gramática do jesuíta Manuel Álvares, que se tornara obrigatória em todas as escolas jesuítas do Mundo, cujo método de pedagógico ficou conhecido como “método alvarístico – método que tem sido objeto de diatribes académicas, seja a favor, seja contra, como foi, por exemplo, com o padre Luís António de Verney, no Verdadeiro Método de Estudar, para ser útil à República e à Igreja: proporcionado ao estilo, e necessidade de Portugal (1746).

Em 1759, Pereira de Figueiredo publicou “Elementos de Invenção e Locuçam Retorica ou Princípios da Eloquência”, onde resume, com intenção didática, as lições de Retórica, proferidas, três anos antes, na Casa das Necessidades. Esta obra, mediante a qual faz incursão no domínio das regras da Eloquência, vem desprovida de originalidade, pois fora decalcada sobre o pensamento de Vossio, e denota o Pereira Figueiredo com pendor barroco, pela importância conferida à metáfora e à agudeza.

Na Teologia, salienta-se o labor da tradução para vernáculo dos textos bíblicos e a redação, de parceria com Manuel do Cenáculo, do texto da reforma do Curso de Teologia nos Estatutos da Universidade de Coimbra, de 1772. Aí se defendia uma teologia positiva ou “Exegética”, assente nos textos sagrados e na Tradição, que é considerada como “a primeira e principal de todas as disciplinas teológicas”. A ambiência iluminista do texto transparece, ainda, pela importância conferida ao método de ensino e à exposição das matérias teológicas, de acordo com o caráter pedagogista do nosso iluminismo, baseado na rígida ordem expositiva, decalcado do “método geométrico”. Por essa via ou método, procurava-se garantir uniformidade, a fim de que, como exigia o despotismo esclarecido, “não seja livre a cada teólogo idear e formar sistemas diversos e conseguir que se aprovem para uso das escolas”. Todavia, o aspeto que mais o fará sobressair como arquiteto dos desígnios pombalinos gira em torno do esforço teórico que empreendeu, para redefinir o problema das relações Igreja-Estado, num “contexto regalista”.

O oratoriano emerge, assim, como um dos principais teóricos do regalismo pombalino, cujas obras se afiguraram necessárias, já que, em 1760, se verificara o corte de relações entre o Estado Português e a Santa Sé, atitude que Figueiredo elogia, na “Tentativa Theologica”, como “modo ordinário com que a Majestade e a Soberania dos Príncipes Católicos (sem ofensa da Religião ou do primado de S. Pedro) costumam despicar-se das injúrias e desatenções da Cúria Romana”. A obra de maior vulto que dedica ao tema é o “De Suprema Regum...” (1765), na linha da qual se integram outros títulos seus, como o “Compêndio da Vida e Escritos de Gerson” e a “Carta do Clero de Liège”. O primeiro, que teve rápida difusão no estrangeiro, com tradução em França (1766) e em Itália (1768), é constituído por 16 teses, para demonstrar a supremacia e a autonomia dos príncipes seculares perante o Papa, em matérias do foro temporal, para o que se socorria dos “Suffragia Doctorum Catholicorum” e das “Probationes Ecclesisticae Antiquitatis”.

Na primeira proposição, assume tese paulina segundo a qual o poder tem Deus como autor, após o que aborda o objeto do poder temporal como abarcando tudo o que contribui para a felicidade e para a tranquilidade da sociedade civil, razão por que as leis que regem a sua conservação obrigam a República e a Igreja; a proposição IV pode considerar-se o eixo de toda a obra, pois por ela se declara e tenta demonstrar o caráter “supremo e independente no seu género” de cada um dos dois poderes, de que resulta a ilegitimidade do Papa para depor os príncipes seculares (proposição VI). Segue um conjunto de teses cujo objetivo é atacar as imunidades e privilégios do clero, no seio da sociedade civil (proposições X a XVI), que já tinham sido objeto da crítica de D. Luís da Cunha, no seu Testamento Político. Para o oratoriano, tais privilégios não emergem do Direito Divino: “Quidquid bonorum temporalium Ecclesia possidet, sub Regum jure possidet” (proposição XIV). Assim, é legítimo aos reis exigir aos membros do clero o pagamento de impostos ou tributos, sempre que tal seja necessário. Através destas 16 teses não só se assegurava a independência do poder temporal perante o espiritual, como, no conceito iluminista de sociedade civil, se garantia um maior nivelamento de todos os grupos sociais, incluindo a Igreja e a alta nobreza, perante o Estado Absoluto.

O segundo texto a realçar, pois articula-se com o contexto regalista, é a “Tentativa Theologica”, na linha da qual se integram outros títulos, como a “Demonstração Theologica” e a “Carta a Galindo”. Nesses textos, revela-se o Pereira Figueiredo como firme adepto do episcopalismo, formulado por Benjamin Van Espen e Justinus Febronius (Nicolaus van Hontheim de seu nome). Realçando e fundamentando o papel dos bispos como legítimos sucessores dos Apóstolos de Cristo, o episcopalismo reduz o poder interno dos Papas, indo ao encontro dos desígnios do Estado Absoluto. Ao Bispo de Roma apenas era concedida a primazia sobre os restantes membros da Igreja. Todavia, para Figueiredo, “a essência do primado não está em ser o Papa, na Igreja, o único legislador ou Árbitro Supremo dos bispos”, pois o governo da Igreja não segue os cânones do despotismo. Ao invés, cumpre-lhe só vigiar “sobre toda a Igreja, a fim de que cada um cumpra exatamente as obrigações e ministérios da sua linha”: isto é, que o corpo da Igreja se conserve na disposição e harmonia em que Cristo e os apóstolos o deixaram, conservando ilesos os direitos de cada grau e franqueando a cada membro as funções próprias da sua hierarquia.

É de vincar que as teses regalistas e episcopalistas tiveram grande recetividade entre os nossos teóricos das Luzes, de Ribeiro Sanches a Ribeiro dos Santos, passando por Manuel do Cenáculo.

Das obras de Pereira de Figueiredo destacam-se as seguintes:

“Carta de Hum Amigo a Outro Amigo na qual se Defendem os Equivocos contra o Indiscreto Juizo, que Delles Faz o Moderno Critico, Author da Obra Intitulada, Verdadeiro Methodo de Estudar”, Paris, 1751; “Novo Methodo da Grammatica Latina”, Lisboa, 1752 (10 edições até 1797); “Elementos de Invenção e Elocução Rethorica ou Principios da Eloquencia”, Lisboa, 1759; “Principios de Mythologia, illustrados em Breves Notas”, Lisboa, 1761; “Principios da Historia Ecclesiastica”, Lisboa, 1765; “Doctrina Veteris Ecclesiae de Suprema Regum in Clericos potestate...,” Lisboa, 1765; “Tentativa Theologica”, Lisboa, 1766; “Compendio dos Escritos e Doutrina de João Gerson”, Lisboa, 1768; “Responsio Apologetica ad Censuram Gabrieli Galindi...”, Lisboa, 1768; “Compendio da Vida e Acções do Veneravel João Gerson”, Lisboa, 1769; “Demonstração Theologica, Canonica e Historica do Direito dos Metropolitanos de Portugal...”, Lisboa, 1769; “Novos Testemunhos da Milagrosa Aparição de Christo a El Rei D. Afonso Henriques antes da Batalha de Campo d’Ourique”, Lisboa, 1786; “João de Barros, Exemplar da mais Solida Eloquência Portuguesa”. [Uma relação completa no Catalogo das obras impressas e manuscritas de A. P. Figueiredo, Lisboa, 1800.]

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No “Doutrinas da Igreja sacrilegamente offendidas pelas atrocidades da moral jesuitica, que foram expostas no Appendix do Compendio Historico…” (Lisboa, 1772), a pgs. 158-161, vem sintetizado o controverso pensamento teológico do Padre António Pereira de Figueiredo, com a seguinte nótula: “O pensamento teológico do Padre António Pereira de Figueiredo tem de ser auscultado nas obras de natureza teológica, designadamente, em algumas ‘censuras’, mas sobretudo nas numerosas ‘notas’ da tradução da Vulgata. O que escreve sobre a predestinação gratuita ‘ante praevisa merita’, sobre a graça eficaz por si mesma, a atrição ou contrição imperfeita, e a vontade salvífica universal de Deus, etc. faz dele um teólogo jansenista.”

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Seja como for, não é lícito ignorar ou proscrever este homem polivalente, de indiscutível mérito, uma das boas exceções a quebrar, em vários campos, o monolitismo do pensamento único em Portugal, na Monarquia Absoluta.

2025.02.19 – Louro de Carvalho

Magistrados pretendem aceleração dos megaprocessos

 

O grupo de trabalho “Megaprocessos e processo penal: carta para a celeridade e melhor justiça” apresentou, a 18 de fevereiro, conclusões sobre os desafios e soluções para casos complexos.

Está em causa limitar a instrução ao debate instrutório e à decisão, recorrer à inteligência artificial (IA) para elaborar acórdãos, criar o assessor virtual para juízes, dotar juízes dos megaprocessos de assessores técnicos privativos, estabelecer taxas de justiça mais altas para os megaprocessos e multas contra as demoras abusivas dos processos, criar equipas especiais de funcionários judiciais, traduzir, de imediato, testemunhos ou peças processuais não vertidos em Português, distribuir as peças processuais por módulos e apetrechar as salas de audiência com computadores, monitores e adequados sistemas de som.

Estas são as principais propostas do grupo de trabalho, apesar de o estudo ter sido alargado aos processos penais, em geral. A apresentação do relatório, que resulta de um ano de trabalho dedicado à análise das razões para a morosidade dos megaprocessos e à proposta de soluções para tornar a justiça penal mais célere e eficiente, contou com a presença do presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e do Conselho Superior da Magistratura (CSM). E as conclusões foram apresentadas ao Plenário do CSM e remetidas à ministra da Justiça.

O grupo, que inclui seis juízes e o procurador-geral adjunto Rui Cardoso, diretor do Departamento Central de Investigação a Ação Penal (DCIAP), é coordenado por Helena Susano, juíza de direito no Juízo Central Criminal de Lisboa (JCCL) e responsável pelo julgamento do caso BES/GES, que julga Ricardo Salgado, entre outros.

Todos devem ser chamados, pois, a concorrer para a eficácia e eficiência da Justiça, aportando, objetivamente, ao nível do articulado e do texto, o seu contributo facilitador para o resultado final: a clareza, a transparência e a evidência da sua perspetiva, quanto à matéria a decidir”, lê-se no relatório, segundo o qual “o tempo excessivo é inimigo da aplicação da Justiça”, na linha da acusação e na da defesa de boa-fé, devendo ser promovidos comportamentos que levem o processo, em vez de fio processual linear e escorreito, que compõe a tarefa no seu tempo razoável e útil, a ser um emaranhado de fios que se entrelaçam e enodam, impedindo o julgador, qual tecelão diligente, de cumprir “o desiderato que é a decisão final”.

O grupo alerta para o facto de a fase de instrução servir, não raro, para produzir a contraprova reunida no inquérito, com violação do objetivo inicial para que foi criada, originando, nos processos de excecional complexidade, durações excessivas e alocação de meios humanos e materiais que não lhes deveriam estar afetos. Ora, a instrução, como fase facultativa do processo penal, tem lugar após o encerramento do inquérito, para verificar se a acusação ou o arquivamento se justificam. Pode preceder o julgamento, se houver despacho instrutório de pronúncia, ou fazer terminar o processo, se o despacho for de não pronúncia. Por isso, se propõe a restrição dos atos de instrução ao debate instrutório, com a possibilidade excecional de produção de prova, mas só em situações concretas. Com efeito, como diz o relatório, são variados os procedimentos judiciais que conformaram a instrução “numa fase meramente contraditória à do inquérito, com produção de prova ex novo, cujo escopo é o de contraditar os factos apurados em inquérito, com a perversidade processual que resulta da observância do princípio da imediação, perante o decisor, apenas quanto a essa nova prova”.

Os magistrados defendem que, usada como um pré-julgamento, a instrução distorce a sua finalidade de confirmação da decisão de acusar ou de arquivar, baseada na prova adquirida em inquérito, o que se não consente na estrutura concetual do nosso processo penal.

Nestes termos, consideram:

* A instrução será constituída só pelo debate instrutório, a agendar no despacho que admite o requerimento de abertura da instrução, praticando-se os atos excecionais de produção de prova, se se justificarem. Não é uma fase de contraprova da prova já adquirida, mas, se necessário e na exata medida, a “complementação desta última, para habilitar o julgador a ultrapassar a sua dúvida com vista à boa decisão da causa”. Excecionalmente, será possível, pela natureza do ato ou por outro motivo justificado, tal produção ser prévia ao debate instrutório.

* Prevê-se a possibilidade de o despacho de pronúncia ou de não pronúncia ser notificado aos sujeitos processuais, sem obrigatoriedade de agendar diligência de leitura, o que não obsta a que o juiz a agende, se o entender conveniente, devendo, então, manter a instrução, mas limitando-a à discussão de questões de direito que possam evitar que o arguido vá a julgamento, e bem assim à análise da prova indiciária que sustenta a acusação ou determina o arquivamento.

* O processo pode seguir para julgamento, mesmo no caso de alteração substancial de factos, dando ao arguido um prazo razoável mais dilatado para se defender. Trata-se de verdadeira alteração de factos (embora substancial) e não de objeto processual (verdadeiramente) novo, caso em que só uma investigação do Ministério Público (MP) seria legítima.

As principais propostas de medidas concretas são:

* Com o objetivo de munir o sistema processual penal de mecanismos que permitam contrariar a dedução, na fase de recurso, de requerimentos e incidentes manifestamente infundados, utilizados como estratégia para evitar o cumprimento julgamento ou do trânsito em julgado, importa-se para o processo penal “a figura da defesa contra as demoras abusivas”, consagrada no artigo 670.º do Código de Processo Civil (CPC). Pode, assim, o juiz condenar o visado no pagamento de uma soma entre duas e 100 Unidades de Conta (UC), ou seja, cerca de 200 euros a 100 mil euros. E aumentam-se os limites máximos da taxa de justiça em processo penal, ajustando a tributação ao custo efetivo e às particularidades de cada processo de especial complexidade, devendo manter-se inalterados os limites mínimos.

* É de proceder à afetação de funcionários mais competentes e com mais experiência aos processos de especial complexidade, pela criação de equipas com preparação para o exercício de funções nesse contexto, a servirem o processo em exclusividade, bem como criar um sistema automatizado de tradução de documentos que garanta a produção imediata de traduções, sem a demora e os custos inerentes à contratação de profissionais para o efeito, e implementar a interpretação linguística em tempo real, permitindo que, em audiência ou noutra diligência processual, os participantes se exprimam na sua própria língua, podendo os restantes visualizar a interpretação em tempo real.

* Em termos de assessoria jurídica, os juízes terão um assessor de ciências jurídicas privativo, que deve, sob supervisão do juiz, realizar tarefas de mero expediente e de gestão quotidiana, a fim de libertar o juiz para a sua função jurisdicional; torna-se possível a delegação no assessor jurídico de funções específicas relativas ao agendamento das sessões de julgamento e da inquirição de testemunhas, da organização de ficheiros de prova, de recursos pendentes ou concluídos, de listagens temáticas, bem como da elaboração de projetos de despacho ou da pesquisa da legislação, da jurisprudência e da doutrina necessárias à preparação das decisões judiciais; e deve organizar-se a assessoria de especialistas, a constarem de lista de assessores, podendo o assessor técnico, com previsão expressa no CPC, ser convocado a acompanhar o juiz, pontualmente ou durante a audiência de julgamento.

* Deve ser criada a figura do assistente virtual do juiz, que permita a recolha e agregação da informação relevante para a realização da decisão judicial, sobretudo, em tarefas instrumentais que, atualmente, condicionam o tempo de execução. Em concreto, no quotidiano do juiz, há tarefas que podem ser feitas de forma automatizada, por não requererem as especiais qualificações do magistrado.

* Devem juiz e assessores dispor de ferramentas de pesquisa para, com transparentes sistemas de IA rastreáveis e suscetíveis de controlo, permitindo pesquisas avançadas (não se cingindo à pesquisa por termos, datas ou códigos), pela interpretação dos elementos processuais, pela perceção do respetivo contexto e pelo estabelecimento de relações entre os mesmos.

* Deve promover-se um novo modelo de elaboração e de apresentação de peças processuais de elevada dimensão (acórdãos e decisões instrutórias), que permita a decomposição por módulos, para a simplificar a sua construção, bem como a comunicação ao cidadão.

* Há que valorizar a cultura da síntese e da clareza na redação das peças processuais e nas decisões judiciais.

* As salas de audiência devem estar equipadas com computadores, com monitores, com sistemas de som adequados e com telemóveis capazes de estabelecer ligação com intervenientes processuais. E devem disponibilizar-se computadores ágeis e ecrãs múltiplos aos magistrados, possibilitando a eficiente execução das aplicações informáticas e a consulta de processos em formato digital, com a ligação dos meios de prova.

* É de esclarecer, expressamente, que o MP pode arquivar o inquérito, nos crimes particulares (ponderar a descriminalização da injúria e difamação, com reforço dos meios civis).

* Tem se se garantir ao arguido o direito de se sentar junto do advogado durante o julgamento.

* E há que reforçar o controlo do segredo de justiça, quando seja imposto.

São conclusões alinhadas com as Grandes Opções do Plano para 2024-2028, publicadas em Diário da República, em janeiro, que identificam os megaprocessos como um dos maiores desafios para a justiça penal e reforçam a necessidade de alterações legislativas para acelerar a ação dos tribunais. Também o Programa do Governo vincou a importância de reformar a fase de instrução criminal e de implementar medidas que garantam maior celeridade e eficiência, como a simplificação das notificações e mais eficaz gestão processual. O relatório será enviado à ministra da Justiça, aos grupos parlamentares e ao presidente da Assembleia da República.

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O grupo de trabalho em causa foi criado pelo CSM, em outubro de 2023, para identificar os problemas que atrasam os megaprocessos e propor soluções que “promovam uma justiça penal mais célere, eficaz e acessível”, e para reforçar as “práticas de gestão processual e promoção de uma cultura de eficiência nos tribunais” bem como “a identificação de recursos necessários, como ferramentas tecnológicas, plataformas digitais e equipas de assessoria especializadas”.

O trabalho desenvolvido pelo grupo, que durou pouco mais de um ano, incidiu sobre a análise dos constrangimentos processuais e extraprocessuais.

A duração total de cada megaprocesso até trânsito em julgado, sem possibilidade de recurso, é, em média, de oito anos, sendo a fase de investigação mais demorada do que a de julgamento. 

O estudo foi realizado a partir de 140 processos de criminalidade complexa distribuídos na comarca de Lisboa, desde 2013 até 2023. Na totalidade dos processos analisados, 77% têm uma fase de investigação mais demorada, face à de julgamento. Contudo, os processos mais morosos na fase de inquérito não correspondem aos mais demorados na fase de julgamento.

Entre as causas apontadas para a morosidade nos processos está o número de testemunhas, quando são ouvidas mais do que uma vez ou quando se ouvem menos testemunhas por sessão, o número de sessões de julgamento e a existência de incidentes, como pedido de escusa do juiz, pedido de perícias, recusas do juiz, arguição de nulidades ou conflito negativo de competência.
Entre todas as fases do processo, a duração total até trânsito em julgado na Comarca de Lisboa é, em média, de oito anos e um mês. Ainda assim, 6% dos processos demoram mais de 15 anos até ficarem concluídos. Já nos 57 processos sem trânsito em julgado a decorrer na Comarca de Lisboa, a média é de nove anos e três meses, ou seja, superior aos processos que já transitaram em julgado. O maior número de processos situa-se entre os oito e nove anos (21%). Cerca de 9% dos processos demoram mais de 15 anos.

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O grupo propõe a criação de um tribunal ou juízo vocacionado para o julgamento de processos de elevada complexidade, sem circunscrição a tipos de crimes, mas antes por referência à dimensão do objeto, com natureza homóloga à da Audiencia Nacional Espanhola – um tribunal para megraprocessos. Esta proposta “é para ser estudada para o futuro” e, se for aprovada, provocará uma mudança de paradigma na Justiça portuguesa.

“Em Portugal não há tribunais especializados na área criminal”, explica Nuno Matos, presidente da Associação sindical de Juízes (ASJ), que tem “reservas”, em relação à proposta, alertando: “Tendo em conta o volume processual, um tribunal desses poderia funcionar só com um coletivo de juízes e isso pode provocar a pessoalização das decisões, como já aconteceu no Tribunal Central de Instrução Criminal [TCIC] e que teve de ser corrigido.”

O grupo propõe, ainda, problematizar a relação entre o trânsito em julgado e a execução da decisão condenatória confirmada em 2.ª instância. Ou seja: se um tribunal superior confirmar a decisão da 1.ª instância, a sentença é executada. Além disso, sugere avaliar “a viabilidade da implementação de um sistema de acordos de sentença” e admite a hipótese de julgamentos de processos que vêm dos juízos centrais, mas que não tenham grande gravidade, serem julgados por um tribunal singular, ao invés do coletivo de três juízes.

Os magistrados acentuam que a consagração na nossa ordem jurídica dos acordos de sentença na fase de julgamento e a criação de tribunais especializados para tramitar processos especialmente complexos “demandam uma análise mais alargada, que extravasa o direito adjetivo penal, não compaginável com a limitação de tempo disponível para a elaboração deste trabalho. E, para o imediato, defendem que a fase de instrução seja espartilhada e “composta apenas por um debate instrutório onde decorre, se a ela houver lugar, a produção de prova”. Ao invés do que sucede agora, só serão ouvidas testemunhas em casos excecionais e se o juiz o considerar imprescindível.

A ideia é acabar com os pré-julgamentos e fazer da instrução o que o legislador idealizou: saber se o MP tem ou não indícios suficientes para um julgamento.

Os magistrados, identificando como um dos fatores de lentidão dos megaprocessos o arrastamento da audiência de julgamento e de recursos, propõem que se possa recorrer para o STJ, só em caso de condenações a penas superiores a oito anos, em vez dos cinco atuais. Assim, se a Relação confirmar a decisão da 1.ª instância, só é possível recorrer, se a pena for superior a 12 anos de prisão. No caso de recurso para o Tribunal Constitucional (TC), deve ser possível ao TC, a título excecional, conferir efeito devolutivo ao recurso, isto é, não suspender o processo.

Por fim, pretende-se consagrar uma norma geral sancionatória para comportamentos processuais impertinentes e causadores de atrasos injustificados na marcha do processo penal.

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A terem êxito tais propostas, teremos uma boa pedrada no charco da reforma da Justiça. Porém, tribunais especiais em processo penal, não! Já os tivemos e são de má memória.

2025.02.18 – Louro de Carvalho

terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

Futuro da Ucrânia discute-se na França e na Arábia Saudita

 

Uma cimeira informal, no Palácio do Eliseu, em Paris, a 17 de fevereiro, entre os líderes europeus, terminou sem qualquer anúncio concreto, visto que a ideia do envio de tropas de manutenção da paz para a Ucrânia suscita grandes divisões. Assim, a Europa diz apoiar, em conjunto, a Ucrânia, face à invasão russa, mas não dá garantias de segurança que façam a diferença no contexto do impulso de Donald Trump para lançar negociações com a Rússia.

A declaração do presidente dos Estados Unidos da América (EUA) de chegar a um acordo para resolver, a curto prazo, a guerra de três anos abalou a Europa – bem como a aliança transatlântica, outrora sólida – e alimentou o receio de levar a concessões dolorosas para Kiev, deixando o continente vulnerável ao expansionismo de Moscovo.

A reunião – marcada por uma divergência com alguns países da UE, como a Polónia, que disseram não querer a sua marca militar em solo ucraniano – foi organizada pelo presidente francês, Emmanuel Macron, na sequência da conversa telefónica entre Donald Trump e Vladimir Putin, e contou com a presença dos líderes da Alemanha, do Reino Unido, da Itália, da Polónia, da Espanha, dos Países Baixos e da Dinamarca (a chefe do governo da Dinamarca representou os países nórdicos e os bálticos). A eles juntaram-se o secretário-geral da Organizaçáo do Tratado do Atlântico Norte (NATO), Mark Rutte, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e o presidente do Conselho da União Europeia (UE), António Costa.

“Hoje, em Paris, reafirmámos que a Ucrânia merece a paz, através da força. Uma paz que respeite a sua independência, soberania e integridade territorial, com fortes garantias de segurança”, afirmaram Ursula von der Leyen e António Costa, numa mensagem coordenada, vincando: “A Europa assume a sua quota-parte na assistência militar à Ucrânia. Ao mesmo tempo, precisamos de um aumento da defesa na Europa.”

A administração norte-americana enviou um questionário aos aliados europeus, a perguntar, entre outras coisas, se estariam dispostos a enviar soldados de manutenção da paz para a Ucrânia.

O presidente francês já tinha mostrado abertura a este cenário, mas não se comprometeu, agora. E esclareceu que defende, há muito, uma defesa europeia mais forte e que as suas repreensões e ameaças de não cooperação, face ao perigo militar, foram um choque para o sistema.

Pouco antes da reunião, tal como depois, Macron falou, ao telefone, com Trump, mas o gabinete de Macron não revelou pormenores sobre tais conversas.

O primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, deixou claro, na cimeira, que estava pronto para fazer o mesmo, desde que os EUA fornecessem apoio. “Estou preparado para considerar a possibilidade de colocar forças britânicas no terreno, juntamente com outras, se houver um acordo de paz duradouro. Mas tem de haver apoio por parte dos EUA, porque uma garantia de segurança dos EUA é a única forma de dissuadir, eficazmente, a Rússia de voltar a atacar a Ucrânia”, disse Keir Starmer, no final da cimeira, sublinhando: “Temos de reconhecer a nova era em que nos encontramos e não nos agarrarmos, irremediavelmente, aos confortos do passado. É altura de assumirmos a responsabilidade pela nossa segurança, pelo nosso continente.”

A primeira-ministra dinamarquesa, Mette Frederiksen, disse que o seu país estava aberto à ideia da manutenção da paz, mas alertou para muitas questões que postulam resposta. “Uma coisa muito importante é saber como é que os norte-americanos vão encarar estas questões”, afirmou, para interrogar: “Apoiarão os europeus, no caso de haver botas no terreno?”

Mette Friedriksen, frisando que “um cessar-fogo não é automaticamente paz” e, sobretudo, “paz duradoura”, apelou aos países europeus para que “intensifiquem” a sua ajuda à Ucrânia, de forma a colocar o país na “melhor posição possível” para futuras negociações.

O chanceler alemão, Olaf Scholz, foi muito mais crítico, sustentando que qualquer discussão sobre as forças de manutenção da paz era “completamente prematura” e “altamente inadequada”, no atual momento, pois a guerra continua com toda a sua brutalidade. “Estou até um pouco irritado com estes debates”, disse Scholz, depois de abandonar a reunião.

Scholz saudou a perspetiva de conversações de paz, mas advertiu contra a imposição de uma “paz ditada” à Ucrânia, tal como vincou a necessidade de manter uma frente ocidental unida contra o Kremlin. Os aliados têm sido abalados pelas recentes sugestões da Casa Branca de que poderá, em breve, começar a retirar as tropas americanas de solo europeu. “Não deve haver divisão de segurança e de responsabilidades entre a Europa e os EUA, o que significa que a NATO se baseia no facto de agirmos sempre em conjunto, de corrermos riscos em conjunto e de garantirmos assim a nossa segurança”, disse Scholz aos jornalistas, acrescentando: “Isso não deve ser posto em causa. Temos de ter isso em mente.”

O primeiro-ministro neerlandês, Dick Schoof, reconheceu que os europeus precisam de chegar a uma conclusão comum sobre com o que podem contribuir para conseguirem “um lugar à mesa”, pois sentarem-se à mesa, sem contribuir, “é inútil”. “Se as garantias de segurança implicarem a necessidade de tropas europeias, penso que os Países Baixos deveriam, pelo menos, entrar em conversações”, defendeu.

O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, insistiu que qualquer acordo entre a Ucrânia e a Rússia não deve “cometer os mesmos erros do passado” e permitir que Vladimir Putin volte a anexar território estrangeiro, no futuro. E afirmou que os esforços para restaurar a paz “devem reforçar o projeto europeu e a ordem multilateral”. “Ainda não temos as condições de paz para começar a pensar neste modelo”, disse Sánchez, questionado sobre se Espanha se comprometeria a colocar botas no terreno, e acrescentou: “Qualquer garantia de segurança tem de ser uma responsabilidade partilhada por todos os aliados.”

Antes da reunião, o chefe do governo da Polónia, Donald Tusk, tinha excluído a possibilidade de enviar soldados polacos para a Ucrânia, no âmbito de uma missão de manutenção da paz. A Polónia é o líder da NATO, em termos de fatia do produto interno bruto (PIB) consagrada à defesa (4% – mais do que qualquer outro membro da NATO), o que tem sido elogiado pela administração Trump. “Não tencionamos enviar soldados polacos para o território da Ucrânia, mas apoiaremos, também em termos logísticos e de apoio político, os países que, eventualmente, queiram dar essas garantias, no futuro”, afirmou Tusk, antes de partir para Paris. Porém, depois, considerou: “Chegou o momento de a Europa ter uma capacidade muito maior para se defender. […] Há unanimidade, aqui, sobre a questão do aumento da despesa com a defesa. Trata-se de uma necessidade absoluta.”  

O ritmo acelerado das negociações colocou a Europa no limite e provocou uma onda de atividade diplomática para mostrar unidade política e renovada determinação. A administração Trump espera que a Europa assuma a maior parte do futuro apoio militar e financeiro à Ucrânia. O continente manifestou a disponibilidade para um papel mais importante, mantendo a frente ocidental que foi erguida nas primeiras horas da invasão. Porém, as últimas ações de Trump e os comentários do secretário da Defesa, Pete Hegseth, de que qualquer missão de manutenção da paz enviada para a Ucrânia seria privada do artigo 5.º da NATO, relativo à defesa coletiva, indicam que os EUA não veem a Europa como prioridade e poderão, em breve, começar a retirar pessoal militar do continente, para se concentrarem na China e na fronteira com o México.

Pete Hegseth e vice-presidente dos EUA, James David Vance, questionaram os compromissos de segurança da Europa e os seus princípios democráticos. Ora, a Europa está empenhada em reforçar as suas forças armadas onde investirá, após anos de queixas dos EUA, e a maioria aumentou as despesas com a defesa para 2% do PIB, mas a via para chegar aos 3% não é clara.

***

Keith Kellogg, enviado especial dos EUA para a Ucrânia e Rússia, confirmou, mais tarde, que a Europa seria consultada, mas que não teria lugar à mesa. Disse que estava a trabalhar no “tempo de Trump”, o qual esperava ter um projeto de acordo, numa questão de dias e ou de semanas.

O ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, que está sob sanções da UE, reuniu-se com o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, no dia 18, em Riade, na Arábia Saudita, sendo a primeira vez que altos funcionários dos EUA e da Rússia se encontraram, pessoalmente, desde a invasão russa. Rubio é acompanhado por Mike Waltz, conselheiro de segurança nacional, e por Steve Witkoff, enviado para o Médio Oriente. As duas partes concordaram em nomear equipas específicas para prosseguir as negociações. Contudo, ainda não está marcada uma data para o encontro entre Trump e Putin.

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskyy, em visita aos Emirados Árabes Unidos, para chegar à Arábia Saudita, no dia 19, disse não que aceitará acordos sem a Ucrânia e que apoia a inclusão da Europa nas conversações. Porém, a Rússia prefere manter os europeus fora da sala. “Não sei o que é que eles vão fazer à mesa das negociações. Se tentam impor ideias manhosas sobre o congelamento do conflito, enquanto eles próprios têm em mente a continuação da guerra, então porquê convidá-los?”, disse  Lavrov.

Entretanto, Ursula von der Leyen e António Costa reuniram-se, em separado, com Keith Kellogg, tendo este deixado claro que a Europa seria excluída da mesa das negociações. Dito de outro modo, nenhum dos dois dirigentes da UE obteve garantias da reserva de um lugar para a Europa.

No entanto, o secretário de Estado dos EUA, falando da Arábia Saudita, após a primeira ronda de conversações com o homólogo russo, disse que a UE seria convidada a juntar-se à mesa, mas só para conceder uma redução das sanções ao Kremlin. “Há outras partes que têm sanções, a União Europeia vai ter de se sentar à mesa a dada altura, porque também impôs sanções”, disse Rubio, insistindo que terão de ser feitas concessões a “todas as partes”.

A sugestão de Rubio de aliviar as sanções vai contra o objetivo da UE de fazer a Rússia pagar pela agressão à Ucrânia. Bruxelas concedeu um empréstimo a Kiev, utilizando os ativos congelados da Rússia como garantia. Se o dinheiro for libertado, como pretende o Kremlin, o empréstimo cai e deixa as capitais europeias responsáveis pelos reembolsos.

Na reunião com Kellogg, Ursula von der Leyen insistiu que a UE estava disposta a “trabalhar ao lado dos EUA para pôr fim ao derramamento de sangue e [para] ajudar a garantir a paz justa e duradoura que a Ucrânia e o seu povo merecem por direito”. E reiterou que “qualquer resolução deve respeitar a independência, a soberania e a integridade territorial da Ucrânia, apoiada por fortes garantias de segurança”. Além disso, garantiu a Kellogg que o bloco estava pronto para intensificar o apoio financeiro e militar à Ucrânia, uma exigência da administração Trump.

Os últimos números do Instituto Kiel para a Economia Mundial confirmam que o apoio coletivo da Europa (132 mil milhões de euros) ultrapassou o dos EUA (114 mil milhões de euros).

Questionado sobre se a presidente da Comissão Europeia tinha assegurado alguma promessa de que a Europa teria um lugar e a sua voz seria ouvida, um porta-voz da Comissão absteve-se de partilhar mais pormenores e disse que nenhuma solução para a Ucrânia deveria ser “trabalhada” sem o envolvimento de Kiev e da UE, até porque Ucrânia é candidata ao bloco. “As diferentes reuniões que estão a ter lugar têm de ser vistas como o início de um processo”, disse o porta-voz, sustentando: “Em última análise, estas reuniões têm de ser realizadas em conjunto, para ver como podemos fazer avançar as coisas com todas as partes envolvidas.”

A reunião Costa-Kellogg teve teor semelhante. “A Ucrânia pode contar com a Europa. Estamos prontos para continuar a trabalhar, de forma construtiva, com os EUA, para garantir a paz e a segurança”, afirmou o presidente do Conselho Europeu, nas redes sociais, advertindo que “a paz não pode ser um simples cessar-fogo” – avaliação partilhada por outros líderes europeus que receiam que um acordo apressado para pôr fim aos combates permita à Rússia reagrupar as suas forças e lançar um novo conflito no futuro.

O gabinete de Kellogg não forneceu qualquer informação. Na sua conta, no X, o enviado dos EUA descreveu a reunião com Costa como “grandes discussões”.

Os líderes europeus concordaram em aumentar o apoio financeiro e militar à Ucrânia, mas não chegaram a consenso sobre novas garantias de segurança, como potencial missão de manutenção da paz. O presidente francês, que falou com Trump, antes e depois da cimeira, também falou com Zelenskyy, que avisou, repetidamente, que o seu país não aceitaria um acordo feito nas suas costas. “As garantias de segurança têm de ser sólidas e fiáveis”, afirmou Zelenskyy, depois de falar com Macron, no dia 17, à noite, acrescentando: “Qualquer outra decisão sem essas garantias – como um cessar-fogo frágil – serviria apenas como mais um engano da Rússia e um prelúdio para uma nova guerra russa contra a Ucrânia ou outras nações europeias.”

O telefonema Trump-Putin, sem prévia consulta aos aliados ocidentais, quebrou o esforço de três anos para isolar, diplomaticamente, o líder russo e deixou as capitais europeias abaladas. E Kellogg agravou o sentimento de pânico, ao afirmar que a Europa seria consultada, ao longo de todo o processo, mas que seria excluída da mesa de negociações. “O que não queremos é entrar numa discussão em grande grupo”, disse o general na reserva, na Conferência de Segurança de Munique, explicando que o processo de paz seguirá uma abordagem “dupla”: por um lado, os EUA falarão com a Rússia e, por outro lado, falarão com a Ucrânia e com os aliados democráticos que apoiam a nação devastada pela guerra.

O Kremlin afirmou que o encontro do dia 18 tinha sido uma “conversa séria sobre todas as questões”, mas que era difícil avaliar se as posições estavam a convergir. E o chefe da diplomacia dos EUA classificou o encontro como “o primeiro passo de uma longa e difícil jornada”, com mais reuniões a seguir, tendo por objetivo “pôr fim a este conflito, de uma forma justa, duradoura, sustentável e aceitável para todas as partes envolvidas”.

***

Entretanto, o presidente francês convocou nova cimeira para o dia 18, mais uma vez sem Portugal. E, embora a Europa seja, em certa medida, parte nas negociações de paz, a NATO está excluída, por a Rússia a ter como ameaça direta ao seu território. Oxalá que não se esteja a construir a quadratura do círculo.

2024.02.17 – Louro de Carvalho

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

Caprichos, fragilidades e equívocos do poder político

 

A 11 de fevereiro, Pedro Passos Coelho, antigo primeiro-ministro (PM), depôs como testemunha, em tribunal, que sugerira, em maio de 2014, a Ricardo Salgado que negociasse com os credores do Grupo Espírito Santo (GES) uma “falência ordenada” desta entidade e contou que, à data da resolução do Banco Espírito Santo (BES), no verão de 2014, a recomendação fora dada depois de, em reunião com o banqueiro e com outros dois elementos da instituição, estes haverem solicitado que o Estado implementasse um programa de apoio ao GES.

“Essa reunião traduzia o pedido do Dr. Ricardo Salgado de ver o governo, não direi impor, mas dar orientações à Caixa Geral de Depósitos [CGD] e, eventualmente, se isso fosse necessário, dar algum aporte positivo sobre um plano de reestruturação junto de outros bancos [...] para um programa de apoio financeiro ao Grupo Espírito Santo”, afirmou Passos Coelho, ao testemunhar no julgamento do processo principal do colapso do BES/GES, cujo julgamento começou a 30 de outubro de 2024, no Tribunal Central Criminal de Lisboa.

O processo conta com 18 arguidos, incluindo o ex-presidente do BES, Ricardo Salgado, de 80 anos e diagnosticado com a doença de Alzheimer, que responde por cerca de 60 crimes, incluindo um de associação criminosa e vários de corrupção ativa no setor privado e de burla qualificada. O Ministério Público (MP) estima que os atos alegadamente praticados, entre 2009 e 2014, pelos arguidos, ex-quadros do BES e de outras entidades do GES, tenham causado prejuízos de 11,8 mil milhões de euros ao banco e ao grupo.

Além de apoio financeiro, a administração do BES pretenderia fazer “uma troca de ativos”, de modo a gerir os que poderiam “estar a pressionar a saúde financeira do grupo”. E a reação de Passos Coelho foi, alegadamente, a de que “esse plano não tinha qualquer viabilidade”, pelo que sugerira, para evitar a falência desordenada do GES, que Ricardo Salgado reunisse “os seus credores mais relevantes” e negociasse “com eles uma falência ordenada”.

Passos Coelho recordou que, em abril de 2014, tivera uma primeira reunião com o ex-presidente do BES, que mostrara “desconforto com a forma como o governador do Banco de Portugal [BdP] lidava com o BES”. O BdP estava empenhado, no dizer do deponente, em garantir a substituição da administração do BES, sem ajudar à confusão entre a situação, que era razoavelmente conhecida, do GES e a do banco.

Adriano Squilacce, advogado se defesa do ex-banqueiro lamentou, na sessão do julgamento, não poder, dada a situação clínica, conferenciar com o seu cliente, para melhor exercer o contraditório sobre o sucedido nas duas reuniões relatadas pelo antigo governante, o que se traduz numa “violação das garantias de defesa” do arguido.

***

Aludindo à circunstância de, em 15 de janeiro, o depoimento de Passos Coelho ter sido adiado, devido à greve dos oficiais de justiça, desta vez, a juíza disse ao antigo chefe do governo esperar “que se veja livre disto, hoje”. 

E o deponente ironizou: “Pois, passados dez anos. Mas talvez haja mais pessoas que devem estar mais incomodadas do que eu.”

Depois, garantiu ao procurador que fará “tudo para responder com a verdade ao tribunal” e revelou que reuniu com Ricardo Salgado, em 2012 e em 2013. “Uma vez ou outra, o Dr. Ricardo Salgado, como outros, solicitava audiência. E recebi-o. Tal como a outros presidentes de bancos”, explicou, vincando que “houve duas reuniões, em 2014, [em] abril e [em] maio”. Na primeira, Ricardo Salgado mostrou desconforto pela forma como o governador do BdP lidava com o BES e mostrou uma garantia bancária do Banco Angolano (BA), a provar a solidez do BES, mas insistia que “o governador estava a pressionar de mais sobre a situação do BES”. A pressão “era para substituir os membros da família por outros administradores”. E o então PM não foi, nem mandou, verificar a veracidade da garantia bancária.

Já sobre a segunda reunião, Passos Coelho disse que Ricardo Salgado, acompanhado de José Manuel Espírito Santo e de José Honório, “solicitou ajuda do governo para salvar o banco BES” e para, junto da CGD, “haver um plano de apoio financeiro ao GES”. O plano foi apresentado por José Honório, que pediu apoio para dar tempo ao grupo “para recuperar”. 

O antigo PM afirmou que “Salgado alegou que seria a altura do Estado ajudar o grupo de forma a retribuir o que o GES já tinha feito pelo país” e que o “crédito que propuseram seria de dois mil milhões de euros”. Porém, respondeu que o plano não teria intervenção do governo, porque “não faria sentido, nem seria razoável importar um risco para a CGD”. E, como o plano não tinha viabilidade, sugeriu ao Dr. Ricardo Salgado que negociasse com os credores uma falência ordenada, de forma a destruir menos valor e a não ter situação desordenada, no que não foi atendido. E disse ao tribunal que “tinha a real perceção de que o GES estava insolvente”.

Além disso, revelou que o governador do BdP lhe garantiu que “tinha uma equipa, dia e noite, a supervisionar o BES” e que achava que havia uma estratégia do BES para persuadir o supervisor de que era preciso dar mais folga no plano do BdP para salvar o BES. Ficou com a ideia de que o BdP “não tinha alargado o plafond ao BES, nem que houve qualquer exceção. Tem a ideia de Salgado lhe ter mostrado a carta com a garantia do Estado Angolano, mas não a leu. Porém, disse que só soube da garantia, mais tarde e só através do BdP, não tendo razão para desconfiar de que o que lhe transmitiam não era verdade. Penso que deveria ter estado mais atento!

Segundo o antigo PM, Cavaco Silva, Presidente da República ao tempo, escreveu ao homólogo de Angola, para efetivar a garantia, e o chefe do governo falou com o vice-presidente Manuel Vicente para o supervisor angolano diligenciar a “ver como se podia efetivar a garantia”. “Vim, mais tarde, a saber que a garantia era para o BESA [Banco Espírito Santo Angola] e não para o BES”, alegou.

Após as perguntas do MP, o deponente foi interpelado por Nuno Silva Vieira, advogado de mais de duas mil vítimas que são assistentes no processo. Questionado se as perdas do BES se relacionavam com questões de mercado ou de má gestão, respondeu: “Não me compete saber essas questões. Sei que havia um desequilíbrio nas contas e que o BdP ficou muito surpreendido. Parece-me muito claro que a exposição do BES ao GES agravou esse desequilíbrio. […] Convenci-me de que se tratava de um caso de polícia, não me cabe a mim determinar se era ou não era. Acho que o supervisor foi muito corajoso, porque, até ali, ninguém tinha enviado uma carta ao BES a dar ordens para o que quer que fosse. Aliás foi tão inédito que até o presidente do banco se queixou.”

Justificou o seu entendimento com o facto de o BdP, que tinha “uma equipa, dia e noite”, a acompanhar a situação, ter ficado surpreendido com o desequilíbrio da instituição.

À data, o então chefe do governo só “não equacionava” a “nacionalização do banco”, embora admitisse a “recapitalização pública, nos termos da lei”. “Na altura, para mim, era muito claro que seria pouco provável que os acionistas do BES solicitassem essa recapitalização pública, no sentido em que isso equivaleria a perderem o controlo do banco”, vincou, insistindo que, nos meses que antecederam a resolução, que originou o Novo Banco (NB), “era claro que o BES ia mudar de dono”, já que o GES “estava a enfrentar um processo de insolvência [...] não formal”.

No seu depoimento, o antigo PM relatou como, nas vésperas da decisão, tentou sensibilizar o então vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, para a necessidade de o BA responder com celeridade ao BdP sobre as relações entre o BES e o BESA. A subsistência de dúvidas, quanto à transferência de ativos entre as duas instituições obrigaria o regulador angolano a diligências que demorariam. “Era tempo que na altura não existia”, observou.

***

Sobre a resolução do BES, o então PM disse ter sabido dela, dois dias depois de Portugal a ter comunicado a Bruxelas, e não ter conhecido a carta enviada pelo governo a Bruxelas, em que foi pedida autorização para ajudas públicas. Ora, o governo pediu autorização à Comissão Europeia para avançar com ajudas públicas, no âmbito da resolução do BES, a 30 de julho de 2014, mas o então primeiro-ministro garante que só teve conhecimento da decisão do BdP de aplicar a medida de resolução ao BES, dois dias depois, a 1 de agosto.

Questionado por Adriano Squilacce sobre o momento em que teve conhecimento da medida de resolução que acabou por ser aplicada ao BES, a 3 de agosto de 2014, Passos Coelho foi claro: “Recebi, no dia 1 de agosto, a comunicação da ministra das Finanças de que o governador do BdP [Carlos Costa] a tinha informado de que iria proceder à resolução do BES. A decisão foi-me comunicada, quando foi tomada.”

Porém, como recordou a defesa de Salgado, dois dias antes, o governo endereçou uma carta à Direcção-Geral da Concorrência a pedir autorização para avançar com ajudas públicas no âmbito da resolução do BES, que seriam utilizadas para capitalizar o Novo Banco (NB), que nasceu neste processo e que ficou com os ativos considerados saudáveis do banco falido. “Eu sei que só tive conhecimento nesse dia 1 de agosto, porque já fui confrontado com esta questão e, na altura, reuni a informação toda, portanto, sei isso. E, tanto quanto sei, a ministra das Finanças também”, respondeu Passos Coelho.

Questionado sobre se o pedido de autorização para auxílio público foi feito sem o conhecimento do então primeiro-ministro, Passos Coelho frisou: “Seguramente.” E, interrogado sobre qual foi o membro do governo responsável pelo envio da carta, disse não fazer ideia, mas que não foi ele. “Tem de perguntar à ministra das Finanças”, acrescentou o deponente.

Confrontado com alterações à legislação, dias antes da resolução (e antes da data em que disse que teve conhecimento da medida) e que visavam o processo de resolução bancária, respondeu: “Houve duas alterações à lei, ambas a pedido do governador do BdP, um pedido expresso, no sentido de clarificar dois aspetos de uma possível resolução que pudesse ser feita. Não havia segurança de que ela fosse feita, mas era um plano de contingência do BdP.”

E rejeitou que isto seja contraditório com a data em que foi informado da resolução.

O BdP, nessa semana, viveu com planos de contingência que envolviam a resolução. Houve um decreto-lei aprovado no Conselho de Ministros de quinta-feira, 31 de julho, em reunião presencial. A segunda alteração foi aprovada num Conselho de Ministros virtual, no domingo, a que o PM deu concordância. Todos os ministros assinaram digitalmente o documento. Tudo foi feito a pedido do BdP, dentro do plano de contingência em que o regulador trabalhava, caso fosse necessária a resolução, algo que o governador esperava que fosse evitado, segundo Passos Coelho.

O então PM, nos meses anteriores à resolução, foi uma das pessoas em cargos de poder que garantiram que a instituição era estável. Transmitiu-o, 23 dias antes da queda do BES, garantindo que o banco tinha “almofada financeira suficiente – mais do que suficiente – para acomodar toda a exposição ao GES. E não foi o único a fazê-lo. Também Aníbal Cavaco Silva, então Presidente da República, respondia, a 21 de julho de 2014, pela solidez da instituição. “O Banco de Portugal tem sido perentório, categórico, a afirmar que os portugueses podem confiar no BES”, disse.

Pedro Passos Coelho desvaloriza a asserção, recusando que possa ter servido de “balão de oxigénio” para o BES, como sugeriu um dos advogados dos assistentes do processo. E considerou que “o ex-Presidente da República dirá aquilo que entender”, pois não tem procuração para falar por ele. Contudo, admite que o que ele queria transmitir era uma indicação alicerçada em informação do regulador. E acrescentou: “Imagine o contrário. Se a uma pergunta do jornalista o primeiro-ministro ou o Presidente da República começasse a gaguejar e a dizer que cada um teria de ser prudente… O banco rebentava no dia seguinte.”

Passos Coelho recordou, ainda, os esforços junto do governo angolano da altura, para que este adotasse uma posição rápida, quanto ao BESA. Houve um pedido expresso do governador do BdP no sentido de o governo português sensibilizar o angolano para a importância de o governador angolano ser diligente. Porém, só mais tarde, percebeu que o que estava em causa era que o Estado angolano iria conceder uma garantia soberana para cobrir créditos duvidosos concedidos pelo BESA. Tal garantia foi concedida ao BESA, no final de 2013, quando a instituição corria o risco de enfrentar perdas na carteira de crédito, por incumprimento dos clientes. E o BES estaria exposto a estas perdas. Com esta garantia, cuja validade o BdP não pôs em causa, não seria necessário, segundo o regulador pedir ao BES que constituísse uma provisão, para fazer face a essa exposição, que seria de três mil milhões de euros.

***

É deplorável que um PM haja tido a perceção de que o BES/GES era um caso de polícia e não tenha denunciado ao MP, para investigação, guardando a informação para agora. Por outro lado, para não beliscar a saúde de um banco, declara, explicitamente, que a instituição oferecia garantias de estabilidade. Bastava que declarasse que o governo não se pronunciava sobre a gestão bancária! Porém, foi preferível sacrificar centenas de acionistas e gerar milhares de lesados. O plano do GES era inexequível, mas sugeriu a falência “ordenada”, que sabia os credores não aceitariam e admitia a capitalização pública do BES. Que atitude tão equívoca!

Não retribuiu os benefícios do GES ao país com um apoio financeiro – que não podia ser dado, pois a CGD tinha sido capitalizada pela troika –, mas fê-lo com declarações abonatórias públicas.

Não se percebe que o chefe do governo concorde com alterações legislativas, a pedido do BdP, para efeitos de resolução bancária, sabendo que o BES estava pelas ruas da amargura e tenha conhecimento da resolução e da carta do seu governo para Bruxelas, só depois. Que chefe do governo era este, que não sabia de negócios de tamanha relevância para o Estado?

Ficou demostrado como o país fica em rota de colisão, quando é a banca a mandar.

Por fim, um reparo. A meritíssima juíza, ainda em sessão de audiência, manda desligar os microfones e pergunta ao deponente se é candidato a Presidente da República, ao este responde que “não”. Ora, como foi ajuramentado para dizer a verdade e só a verdade, não posso esperar votar nele, pois não pode faltar ao juramento. Poderia ter dito: “Prefiro não responder.”

Enfim, picardia abusiva da magistrada sobre uma vedeta política, agora fragilizada. O facto de as decisões definitivas dos tribunais prevalecerem sobre as das demais autoridades não legitima que o juiz use a audiência para questões laterais. E o tribunal tem gabinetes e corredores onde tais matérias podem ser abordadas.      

2025.02.17 – Louro de Carvalho

A idolatria do dinheiro e do poder obsta à salvação

 

A Palavra de Deus proclamada e apresentada para meditação no VI domingo do Tempo Comum no Ano C propõe a opção acertada para construir uma vida com sentido. De um lado, apresenta-se-nos o caminho que Deus propõe; do outro, o caminho apontado pela lógica dos homens. O caminho proposto por Deus parece improvável, por obrigar a navegar contra a corrente, mas é o caminho da vida verdadeira.
***
Na primeira leitura (Jr 17, 5-8), Jeremias garante que a aposta em realidades humanas e efémeras a desperdiça a nossa existência, ao passo que, se pusermos a nossa esperança em Deus e aceitarmos viver de acordo com as suas indicações, encontraremos vida em abundância.
Deus, falando com o profeta, prevê que o Povo o coloque sobre que pecado cometeram as pessoas contra o Senhor. E o profeta responderá: “Os vossos pais abandonaram-Me e foram atrás de deuses estranhos, para os servir e adorar, e não guardaram a minha lei. Porém, vós fostes mais além no erro: cada um, sem me escutar, segue os maus desejos do seu coração.”
O trecho em apreço vem na sequência de tudo isto. O povo que deixou de confiar em Deus, virou-Lhe as costas e passou a construir a sua História sobre realidades humanas, efémeras.
Para Jeremias, tal desvio espelha-se na política de alianças militares que os reis de Judá procuram celebrar, a fim de se defenderem dos planos imperialistas de potências regionais, como o Egito ou a Babilónia. Assim, Israel confia mais em exércitos estrangeiros do que em Deus. Deus perdeu o seu lugar no coração do Povo. Por isso, em estilo sapiencial, o profeta denuncia o pecado daqueles que “confiam no homem” e “põem na carne toda a sua esperança”. Os que confiam mais em realidades humanas, limitadas e falíveis são “malditos”. As suas apostas estão condenadas ao fracasso, pois não encontrarão, nessas realidades, a vida e a segurança que buscam. São comparáveis a “um cardo na estepe que nem percebe quando chega a felicidade”. Vivem “na aridez do deserto”: as suas vidas raquíticas e áridas estão condenadas a morte precoce. Não conhecerão a vida em plenitude.
Diferente em absoluto é a sorte daqueles que “confiam no Senhor e põem Nele a sua esperança”. São “como árvore plantada à beira da água, que estende as suas raízes para a corrente” e bebe a água revigorante e vivificadora, pois mergulha as raízes bem fundo e encontra vida em plenitude. Não os inquietam os tempos de seca e de aridez (as crises e vicissitudes da vida e da História), porque sabem que Deus não lhes falha; e, com uma confiança e uma esperança que nunca serão desmentidas, continuam a produzir frutos verdadeiros, frutos de vida.
Está aqui um aviso a Judá: se o Povo confiar no Senhor e viver de acordo com as suas indicações, lançará as suas raízes, de forma permanente, na Terra Prometida, onde há vida em abundância; mas, se ignorar Deus, será arrancado da sua terra e conhecerá a experiência dolorosa do exílio. 
***
No Evangelho (Lc 6,17.20-26), Jesus mostra aos discípulos e à multidão como chegar à felicidade. O caminho que aponta – o das “bem-aventuranças” – contradiz a a lógica humana e inverte a nossa escala de valores, mas tem o selo de garantia de Deus. De acordo com Jesus, é o caminho para um Mundo mais humano, mais fraterno e mais feliz.
Lucas inicia este discurso da planície – dirigido aos discípulos de todas as épocas – com quatro bem-aventuranças (em Mateus, as bem-aventuranças são oito). Os referidos como bem-aventurados são os pobres (“ptôckhoí”), os que têm fome (“peinôntes”), os que choram (“klaíontes”), os que são perseguidos (“hótan misêsôsin hoi ántrôpoi, kaì hótan aphorísôsin hymãs kaì oneidísôsin” kaì ekbálôsin tò ónoma hymôn hôs ponêrón”).
O termo grego “ptôkhos” usado por Lucas traduz vários termos hebraicos (“anawim”, “dallim”, “ebionim”) que, no Antigo Testamento, definem uma classe de pessoas privadas de bens e à mercê da prepotência dos ricos e dos poderosos. São desprotegidos, explorados, pequenos, sem vez e sem voz, vítimas da injustiça, despojados dos seus direitos e da sua dignidade pela arbitrariedade dos grandes. Contudo, a palavra não define um âmbito meramente sociológico: os pobres são também os que, privados de tudo, põem a sua confiança em Deus e se entregam nas mãos de Deus. Sustenta-se que aqueles que não têm qualquer segurança humana estão mais disponíveis para acolher os dons de Deus.
“Os que têm fome” são os que não têm o pão de cada dia para si próprios e para as suas famílias, mas são também os que, excluídos e desconsiderados, não têm lugar à mesa do banquete onde os irmãos saciam a sua fome de vida. São os que, de qualquer modo, vivem em situação de carência. Deus oferecer-lhes-á o alimento de que precisam para terem vida em abundância.
“Os que choram” são os que vivem mergulhados numa dor infinda e sem remédio: os doentes incuráveis, as vítimas de todas as injustiças, os magoados pelo egoísmo e pela maldade dos seus irmãos. Deus enxugará as lágrimas amargas que brotam dos seus corações doloridos.
Para os “perseguidos” Lucas utiliza quatro vocábulos para definir o que lhes acontece: são os odiados (“miséô”), os rejeitados (“aphorízô”), os insultados (“oneidízô”), os marcados como infames (“ponêrós”). São vítimas da intolerância e do desprezo dos irmãos, por causa das suas convicções e pelo modo como acolhem o Evangelho da verdade. O seu sofrimento coloca-os na linha dos profetas. Deus fá-los-á triunfar sobre os seus detratores.
A todos os que sofrem Jesus promete que a sua triste situação vai mudar. Conhecerão a felicidade, pois a chegada do Reino de Deus introduzirá um dinamismo novo no Mundo. O sofrimento será vencido. Pela ação de Jesus, Deus proporcionará a todos os seus filhos o encontro com uma vida nova e plenamente realizada. O Deus que libertou o seu Povo do cativeiro egípcio está decidido a continuar a sua obra salvadora em favor dos seus filhos que sofrem.
Do lado oposto estão os ricos, os saciados, os que riem, os elogiados por toda a gente. “Ai de vós” – diz-lhes Jesus. A exclamação “ai” com que começa cada uma das invetivas equivale às lamentações usadas em contexto funerário. É uma exclamação de dor e de pena dita por alguém que contempla uma realidade e lamenta a desgraça que dela resultar. A expressão aparece nas admoestações dos profetas.
Os “ricos” são os que têm dinheiro em abundância e que põem toda a sua esperança e segurança nos bens materiais. Acham que não precisam de Deus, pois o dinheiro oferece-lhes tudo aquilo de que necessitam para uma vida de tranquilidade. São prisioneiros dos bens que endeusaram. Não alcançarão uma vida feliz.
Os “saciados” são os que, além do pão com fartura, têm abundância de todas as coisas boas que a vida pode oferecer. “De barriga cheia”, apostados em gozar a vida, tendem a esquecer-se de Deus e dos seus irmãos. Acham que a fome do Mundo não lhes diz respeito. Chegará a altura em que serão privados do que agora lhes sobra e considerarão que a sua vida perdeu todo o sentido.
“Os que agora riem” são os que vivem, permanentemente, em festa e zombam das lágrimas dos seus irmãos. O verbo usado (“geláô”) pode traduzir a ideia de “troçar da miséria” dos outros. Jesus adverte que esse riso sarcástico lhes desaparecerá dos lábios, quando perceberem que estão fora da comunidade do Reino.
Os “elogiados” por toda a gente, não são os apreciados pela sua bondade e integridade, mas os que fazem tudo para serem populares, muitas vezes, à custa da verdade e da própria dignidade. Trocam os valores consistentes e duradouros por minutos de fama e de aplausos. Constroem a sua vida sobre a areia. Rapidamente, serão abandonados e esquecidos.
No discurso das “bem-aventuranças”, Jesus inverte a escala de valores que predomina no Mundo. Segundo Jesus, os ricos, os que são admirados, os que parecem ter tudo para serem felizes, podem falhar na construção de uma vida com sentido, enquanto os pobres, os pequenos, os que nunca obtêm reconhecimento social, os que o Mundo despreza e cataloga como fracassados, são, aos olhos de Deus, os vencedores, os que terão condições para construir uma vida feliz. A lógica de Deus está infinitamente distante da lógica que comanda o mundo e os homens.
As bem-aventuranças dão-nos a conhecer o coração de Deus. Deus tem sempre um fraquinho pelos pobres e desprezados, não porque serem melhores, mas por necessitarem, mais do que os outros, de ser acompanhados e sustentados pelo amor misericordioso de Deus.
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Na segunda leitura (1Cor 15,12.16-20) Paulo, dirigindo-se aos cristãos de Corinto – e a todos nós – insta a crer na ressurreição e a viver de olhos postos no Mundo que há de vir.
A ressurreição de Cristo – o “Evangelho” que Paulo recebeu da tradição apostólica e que transmitiu aos seus filhos de Corinto – não era contestada pela comunidade cristã. O que causava problemas aos cristãos de Corinto era a ressurreição dos homens.
Paulo, alheio ao dualismo da filosofia grega sobre a realidade do homem, não entra em distinções entre alma e corpo. O seu raciocínio é linear. Se os Coríntios creem na ressurreição de Cristo, têm de crer na ressurreição dos homens. A fé em Cristo ressuscitado desemboca na inquebrantável esperança de que os cristãos ressuscitarão. E o inverso também é verdadeiro: não esperar a ressurreição dos mortos equivale a não crer na ressurreição de Cristo.
O apóstolo passa, então, a enumerar as consequências que adviriam, para a vida cristã, se Cristo não tivesse ressuscitado: a fé que anima a existência cristã, a libertação da escravidão do pecado, a salvação que todos esperam não teriam sentido e os cristãos seriam gente enganada, ridícula, “os mais miseráveis de todos os homens”. Ao invés, Paulo está absolutamente certo de que os cristãos não são um rebanho de gente iludida. A partir da ressurreição de Cristo, podemos crer na vida plena que Deus reserva para todos os que O amam. É essa certeza que dá sentido à caminhada que o cristão faz neste Mundo.
E Paulo detém-se, para lançar um grito jubiloso de fé e de esperança: “Cristo ressuscitou dos mortos, como primícias dos que morreram!” Jesus ressuscitou não como o único, mas como o primeiro de uma longa cadeia da qual fazemos parte. Este “primeiro” não deve ser entendido em sentido cronológico, mas no sentido de que Cristo é o princípio ativo da ressurreição, o que gera a nova Humanidade sobre a qual as forças da morte não têm qualquer poder. Ele arrasta atrás de Si a Humanidade solidária com Ele, até à realização plena, à vida definitiva.
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Por fim, a partir do dia do Jubileu dos Artistas e do Mundo da Cultura, não será descabido dar a vez a Francisco, pela voz do cardeal Tolentino de Mendonça, que o substituiu na Eucaristia jubilar na Basílica de São Pedro (e leu a homilia papal), neste VI domingo do Tempo Comum:
“Jesus proclama as bem-aventuranças diante dos discípulos e de uma multidão de pessoas. Já as ouvimos muitas vezes e, no entanto, não deixam de nos maravilhar: ‘Felizes vós, os pobres, porque vosso é o Reino de Deus. Felizes vós, os que agora tendes fome, porque sereis saciados. Felizes vós, os que agora chorais, porque rireis.’ Estas palavras contradizem a lógica do Mundo e convidam-nos a olhar a realidade com olhos novos, com o olhar de Deus, que vê para lá das aparências e reconhece a beleza, até na fragilidade e no sofrimento.
“A segunda parte contém palavras duras e de repreensão: ‘Ai de vós, os ricos, porque recebestes a vossa consolação! Ai de vós, os que estais agora fartos, porque haveis de ter fome! Ai de vós, os que agora rides, porque gemereis e chorareis!’ O contraste entre ‘felizes vós’ e ‘ai de vós’ recorda-nos a importância de discernir onde colocamos a nossa segurança. Vós, artistas e pessoas de cultura, sois chamados a ser testemunhas da visão revolucionária das Bem-Aventuranças. A vossa missão não se limita a criar beleza, mas revela a verdade, a bondade e a beleza escondidas nos recantos da História, a dar voz a quem não tem voz, a transformar a dor em esperança.
“Vivemos numa época de crises complexas, que são económicas e sociais, mas são, antes de mais, crises da alma, crises de sentido. Coloquemo-nos a questão do tempo e a questão do rumo. Somos peregrinos ou errantes? Caminhamos com uma meta ou andamos à deriva, perdidos? O artista é aquele ou aquela que tem a função de ajudar a Humanidade a não se desnortear, a não perder o horizonte da esperança. Mas atenção: não é uma esperança fácil, superficial e desencarnada. Não! A verdadeira esperança entrelaça-se com o drama da existência humana. Não é refúgio confortável, mas fogo que arde e ilumina, como a Palavra de Deus. Por isso, a arte autêntica é sempre encontro com o mistério, com a beleza que nos supera, com a dor que nos interpela, com a verdade que nos chama. Caso contrário, ‘ai [de nós]’! O Senhor é severo no seu apelo.
“Como escreve o poeta Gerard Manley Hopkins, ‘o Mundo está pleno da grandeza de Deus. / Seu fulgor inflama, qual lâmina fulgurante’. Eis a missão do artista: descobrir e revelar essa grandeza escondida, torná-la acessível aos nossos olhos e aos nossos corações. O mesmo poeta ouvia também no Mundo um ‘eco de chumbo’ e um ‘eco de ouro’. O artista é sensível a estas ressonâncias e, com a sua obra, realiza um discernimento e ajuda os outros a discernir no meio dos diferentes ecos dos acontecimentos deste Mundo. Os homens e as mulheres de cultura são chamados a avaliar estes ecos, a explicar-no-los e a iluminar o caminho por onde nos conduzem: se são cantos de sereia que seduzem ou apelos da nossa mais verdadeira humanidade. Pede-se-vos a sabedoria para distinguir o que é ‘como a palha que o vento leva’, do que é sólido ‘como a árvore plantada à beira da água corrente’ e capaz de dar fruto.
“Vejo em vós guardiães da beleza que sabe inclinar-se sobre as feridas do Mundo, que sabe escutar o grito dos pobres, dos sofredores, dos feridos, dos presos, dos perseguidos, dos refugiados. Vejo em vós guardiães das Bem-Aventuranças! Vivemos num tempo em que se erguem novos muros, em que as diferenças se tornam pretexto para a divisão, em vez de serem oportunidade de enriquecimento recíproco. Mas vós, homens e mulheres de cultura, sois chamados a construir pontes, a criar espaços de encontro e diálogo, a iluminar as mentes e a aquecer os corações. Alguns dirão: “Mas para que serve a arte num Mundo ferido? Não há coisas mais urgentes, mais concretas e mais necessárias?”. A arte não é luxo, mas necessidade do espírito. Não é fuga, mas responsabilidade, convite à ação, apelo, grito. Educar para a beleza significa educar para a esperança. E a esperança nunca está separada do drama da existência: ela atravessa a luta quotidiana, as fadigas da vida, os desafios deste nosso tempo.
“Jesus proclama felizes os pobres, os aflitos, os mansos, os perseguidos. É a lógica invertida, a revolução da perspetiva. A arte é chamada a participar nesta revolução. O Mundo precisa de artistas proféticos, de intelectuais corajosos, de criadores de cultura.
“Deixai-vos guiar pelo Evangelho das Bem-Aventuranças e que a vossa arte seja anúncio de um Mundo novo. Que a vossa poesia no-lo mostre! Nunca deixeis de procurar, de interrogar, de arriscar. Porque a verdadeira arte nunca é acomodada; ela oferece a paz da inquietação. E lembrai-vos: a esperança não é ilusão; a beleza não é utopia; o vosso dom não é mero acaso. É uma chamada. Respondei com generosidade, com paixão, com amor.”

2025.02.16 – Louro de Carvalho