Considerando
que “a maior alegria da vida é o nascimento duma criança”, pois, muda tudo, “desencadeia
energias inesperadas e faz ultrapassar fadigas, incómodos e noites sem dormir”,
o Santo Padre, aplica tal virtualidade ao nascimento de Jesus, “a novidade que
nos permite renascer dentro” com força “para enfrentar todas as provações”. E,
vincando que o Natal de Jesus cumpre a profecia de Isaías “um menino nasceu para
nós, um filho nos foi dado (Is 9,5), enfatiza
os destinatários desta dádiva de Deus: “nós”. Como Isaías, afirma-o Paulo na
Carta a Tito (Tt 2,14: “entregou-Se por nós”) e anuncia-o pela boca do anjo o
Evangelho de Lucas (Lc 2,11: “hoje nasceu para vós um Salvador”).
Efetivamente,
na noite de Natal de 2020, o ano em que a pandemia do novo coronavírus
apoquenta praticamente o mundo inteiro, a voz de Francisco ecoou na Basílica
Vaticana a ensinar-nos o sentido da locução “para nós”: “o Bendito por
natureza vem fazer-nos filhos benditos por graça”. E esta condição de filhos de
Deus, que nos deixa maravilhados, porque nos faz maravilha de Deus, dá-nos a
coragem de “sair do túnel da provação”, porque Ele está
connosco, está em nós. Ele no-lo garante, não só por palavras, mas fazendo-Se filho
como e por cada um de nós. Isto, por amor e amor gratuito e não baseado em
mérito da nossa parte.
E, glosando o
segmento “um filho nos foi dado”, Francisco faz ressaltar na homilia da
Missa da Meia-noite, que “o Pai não nos deu uma coisa”, mas “o próprio Filho
unigénito, que é toda a sua alegria”. E, apesar da nossa ingratidão, continua a
amar-nos “a preço da sua vida”. E este “é o seu segredo para entrar no nosso
coração”, pois “sabe que só melhoramos acolhendo o seu amor incansável,
que não muda, mas muda-nos a nós”.
A verificação de que, na pobreza da manjedoura está reclinado o Filho de Deus levanta-nos a
questão do motivo por que “veio Ele à luz durante a noite, sem um alojamento
digno, na pobreza e enjeitado, quando merecia nascer como o maior rei no mais
lindo dos palácios”. E Francisco encontrou a resposta:
“Para
nos fazer compreender até onde chega o seu amor pela nossa condição humana: até
tocar com o seu amor concreto a nossa pior miséria. O Filho de
Deus nasceu descartado para nos dizer que todo o descartado é filho de Deus. Veio
ao mundo como vem ao mundo uma criança débil e frágil, para podermos acolher
com ternura as nossas fraquezas. E para nos fazer descobrir uma coisa
importante: como em Belém, também connosco Deus gosta de fazer grandes coisas
através das nossas pobrezas.”.
E, atentando
na expressão “para nós” a significar proveito e finalidade, o Pontífice anotou
que o anjo disse aos pastores: “Isto servirá de sinal para vós:
encontrareis um menino (…) deitado numa manjedoura” (Lc 2,12). Ora, se o Menino na manjedoura foi sinal para os pastores, também o
será para nós, orientando-nos na vida. E, como Belém, a “casa do pão”, tem a Deus
na manjedoura, parece que Deus nos quer lembrar que “precisamos d’Ele – do seu
“amor gratuito, incansável, concreto” – “como de pão para a boca”. Todavia, não raro, alimentamo-nos
dos ingredientes (divertimento,
sucesso e mundanidade)
que nos deixam vazios. Disto Se lamenta o Senhor pela boca de Isaías: “enquanto o boi e o jumento conhecem a sua
manjedoura, nós, seu povo, não O conhecemos a Ele, fonte da nossa vida” (cf Is 1,2-3).
Na verdade,
atirando-nos a manjedouras vãs, esquecemos a manjedoura de Belém, “pobre
de tudo, mas rica de amor”, ensinando que o alimento da vida é deixar-se amar
por Deus e amar os outros, como é o caso de Jesus, o Verbo de Deus: não fala,
mas oferece a vida. Ao invés, “nós falamos muito, mas frequentemente
somos analfabetos em bondade” – observa o Papa.
Uma criança
pequena precisa de amor e paciência – reconhece Francisco, que sublinha a
necessidade de se lhe prestarem os cuidados inerentes à sua fragilidade. Porém,
se ela precisa de amor, também ensina a amar. Por isso, como bem adverte o
Pontífice, “Deus nasceu menino para nos
impelir a cuidar dos outros”, pois “o seu amor desarmado e desarmante
lembra-nos que o tempo de que dispomos não serve para nos lamentarmos, mas para
consolar as lágrimas de quem sofre”. E, frisando que “Deus vem habitar perto de
nós, pobre e necessitado, para nos dizer que, servindo aos pobres, amá-Lo-emos
a Ele”, cita E. Dickinson para sublinhar que, no quadro do Deus-connosco, “a
residência de Deus é próxima da minha; o mobiliário é o amor”.
E conclui
rezando que o filho que que nos foi dado “é Jesus, o Filho que me torna filho”,
que nos ama como somos, pelo que, abraçando-O, reabraçamos a nossa vida; e Ele
ensina-nos a viver e a servir, servir consolando os irmãos, que são todos os
seres humanos.
***
No dia de
Natal, aquando da Bênção Urbi et Orbi,
a partir da Sala da Bênçãos, o Sumo Pontífice disse que gostava de fazer chegar
a todos a mensagem que a Igreja anuncia nesta festa com as palavras de Isaías:
“Um menino nasceu para nós, um filho nos
foi dado”. E, vincando que o nascimento é sempre “fonte de esperança”, “vida
que desabrocha” e “promessa de futuro”, explicitou que este Menino “nasceu para
nós”, sendo que este é um “nós” sem fronteiras, privilégios ou exclusões. De
facto, “Jesus nasceu para todos: é o filho que Deus deu à família humana
inteira”. Graças a Ele, todos podemos dirigir-nos a Deus chamando-Lhe “Pai”, “Papá”,
pois o Unigénito de quem João diz que “ninguém mais conhece o Pai, senão Ele”, “veio
ao mundo precisamente para nos revelar o rosto do Pai celeste”. Assim, apesar
das diferenças, “graças a este Menino, todos podemos chamar-nos e ser realmente
irmãos”.
Verificando
que o momento histórico, marcado pela crise ecológica e por graves
desequilíbrios económicos e sociais, agravados pela pandemia, nos mostra a
premência da fraternidade, o Santo Padre sublinha que “Deus no-la oferece,
dando-nos o seu Filho Jesus”, não em “palavras bonitas, ideais abstratos, vagos
sentimentos”, mas “no amor real, capaz de encontrar o outro diferente de mim,
de compadecer-me dos seus sofrimentos, aproximar-me e cuidar dele”, qualquer
que seja a sua proveniência ou condição.
Celebrando a
luz de Cristo que vem ao mundo e para todos, Francisco referiu o surgimento de
várias luzes de esperança neste tempo de escuridão devido à pandemia. E
destacou as vacinas para dizer que hão de ser colocadas à disposição de todos,
para que possam ser luzes a iluminar o mundo interior e a dar-lhe esperança tão
acalentada. Para tanto, há que ultrapassar os nacionalismos, o individualismo e
a tentação de alguém se querer pôr à frente dos outros. Por isso, exorta a
todos, nomeadamente os líderes dos Estados, as empresas, os organismos
internacionais, a que promovam a cooperação (não a concorrência) na busca de solução para todos: vacinas para todos,
mas primeiro para os mais vulneráveis e necessitados em toda a Terra. Pede que o
Menino de Belém nos ajude a estar disponíveis, a ser generosos e solidários,
sobretudo com os mais frágeis, os doentes e quantos neste tempo se encontram
desempregados ou estão em graves dificuldades pelas consequências económicas da
pandemia, bem como as mulheres que nestes meses de confinamento sofreram
violências domésticas”. E confessa movido pela fé:
“Perante um desafio que não conhece
fronteiras, não se podem erguer barreiras. Estamos todos no mesmo barco. Cada
pessoa é um meu irmão. Em cada um vejo refletido o rosto de Deus e, nos que
sofrem, vislumbro o Senhor que pede a minha ajuda. Vejo-O no doente, no pobre,
no desempregado, no marginalizado, no migrante e no refugiado: todos irmãos e
irmãs!”.
Depois de
mencionar todas as regiões e países onde as tensões recrudescem, a fome assola e
as crianças e outros seres humanos vulneráveis sofrem nas malhas da atrocidade,
Francisco deixa a parenética final acentuando que o Menino que veio para nos
salvar, anuncia que “o sofrimento e o mal não são a última palavra”, pelo que
“resignar-se à violência e à injustiça significaria recusar a alegria e a
esperança do Natal”. Por isso, formulou “uma saudação particular a todas as
pessoas que não se deixam subjugar pelas circunstâncias adversas, mas se esforçam
por levar esperança, consolação e ajuda, socorrendo quem sofre e acompanhando
quem está sozinho”.
E,
considerando que “Jesus nasceu num estábulo, mas envolvido pelo amor da Virgem
Maria e de São José”, e assim “consagrou o amor familiar”, pensou de modo
especial nas famílias que não se puderam reunir, bem como nas que são obrigadas
a permanecer em casa, desejando que o Natal seja, para todos, “a ocasião
propícia para redescobrirem a família como berço de vida e de fé, lugar de amor
acolhedor, de diálogo, perdão, solidariedade fraterna e alegria partilhada,
fonte de paz para toda a humanidade” e grande oportunidade de convite a todos os
seres humanos a tornarem-se melhores e mais fraternos, sem que nos esqueçamos
de rezar “pelas famílias e comunidades atribuladas por tantos sofrimentos”.
***
E, neste dia
de Santo Estêvão, o protomártir, Francisco mencionou o dia de Natal como o dia de
Jesus, a verdadeira luz que vem ao mundo, e referiu que este dia é o duma
testemunha de Jesus que brilha, não com luz própria, mas com a luz de Jesus, como
a Igreja, que é o mistério da luz.
Ora, Estêvão,
acusado falsamente e apedrejado brutalmente, faz brilhar nas trevas do ódio a
luz de Jesus rezando pelos que O matam e perdoando-lhes como fez Jesus na cruz.
Foi o primeiro da grande multidão de irmãos e irmãs que vêm, ao longo da
história, trazendo luz às trevas e rompendo “a espiral do ódio com a mansidão
do amor”.
Segundo o
Papa, uma pessoa converte-se em testemunha de Jesus imitando-O, tomando a sua luz.
E Santo Estêvão é um poderoso exemplo. Com efeito, Jesus veio e vive para
servir, não para ser servido; e Estêvão foi eleito diácono, ou seja, servo para
servir os pobres às mesas. E, porque imitou Jesus todos os dias, na hora da
morte, preso, condenado e assassinado fora da cidade como Jesus, também rezou e
perdoou como Jesus.
Como diz o Papa,
são precisos testemunhos de bondade num mundo que propaga a maldade, até pela surpresa
do resultado que pode surgir. Na verdade, entre aqueles por quem Estêvão rezava
e a quem perdoava, estava Saulo (Paulo, nome latino é), o qual, pouco depois, pela graça de Deus, se converteu, recebeu a luz de Jesus
e se tornou o maior missionário da história. Esta é uma prova de que os gestos
de amor (inclusive os
pequenos, ocultos, quotidianos) mudam a história.
Ora, ser testemunha
de Jesus é o desafio lançado a todos nós: no lugar onde vivemos, na família, no
trabalho, em toda a parte. Estêvão, enquanto recebia as pedras do ódio, devolvia
palavras de perdão. Também nós podemos – diz o Pontífice – transformar o mal em
bem todos os dias, como sugere o provérbio: “faz como a palmeira, atira-lhe pedras e deixa cair tâmaras”.
E, instando
à oração pelos muitos e muitas que sofrem hoje a perseguição pelo nome de Jesus,
Francisco augura que o clima de alegria natalina, que se prolonga nos enche o
coração, desperte em todos o desejo de contemplar Jesus no presépio, para O
servirmos e amarmos nas pessoas que nos rodeiam.
2020.12-26 –
Louro de Carvalho
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