terça-feira, 29 de dezembro de 2020

O Papa anunciou Ano “Família Amoris laetitia”

 

No passado dia 27 de dezembro, por ocasião da recitação dominical do Angelus, o Papa Francisco anunciou a convocação de um “Ano especial dedicado à Família Amoris laetitia”, que será inaugurado a 19 de março de 2021, dia da Solenidade de São José, esposo da Virgem Santa Maria, e 5.º aniversário da publicação da Exortação Apostólica Amoris laetitia (AL), na sequência do XIV Sínodo ordinário dos Bispos sob o tema “A vocação e a missão da família na Igreja e no mundo contemporâneo”, celebrado de 4 a 25 de outubro e 2015 e que fora antecedido pelo III Sínodo extraordinário os Bispos sob o tema “Os desafios pastorais sobre a família no contexto da evangelização”, celebrado de 5 a 26 de outubro de 2014.

O encerramento deste ano especial está marcado para 26 de junho de 2022, termo do X Encontro Mundial das Famílias, em Roma, com o Santo Padre.  

Com a intenção de “prosseguir o percurso sinodal” que levou à publicação do documento, este será “um ano de reflexão” e uma oportunidade para “aprofundar os conteúdos do documento” pós-sinodal em referência. Para tanto, o Santo Padre lançou a todos o convite “a aderir às iniciativas que serão promovidas ao longo do ano e que serão coordenadas pelo Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida” e confiou à Sagrada Família de Nazaré, em particular a São José, esposo e pai solícito, este caminho com as famílias de todo o mundo”.

Na verdade, a experiência da pandemia fez sobressair o papel central da família como Igreja doméstica, bem como a importância dos laços entre as famílias, que fazem da Igreja uma “família de famílias” (AL 87). Assim, através das iniciativas de caráter espiritual, pastoral e cultural planeadas no Ano “Família Amoris Laetitia, Francisco dirige-se a todas as famílias e a todas as comunidades eclesiais do mundo, exortando cada pessoa a ser uma testemunha do amor familiar. O tema merece um ano de celebrações porque está no centro do empenho e do cuidado de cada realidade pastoral e eclesial.

Por consequência, nas paróquias, dioceses, universidades, no contexto dos movimentos eclesiais e das associações familiares, serão divulgados instrumentos de espiritualidade familiar, de formação e ação pastoral sobre a preparação para o matrimónio, a educação dos jovens para o afeto, sobre a santidade dos cônjuges e das famílias que vivem a graça do sacramento na vida quotidiana. Além disso, serão organizados simpósios académicos internacionais para aprofundar os conteúdos e as implicações da sobredita exortação apostólica em relação aos temas de grande atualidade que interessarão as famílias em todo o mundo.

Tendo em vista a inauguração deste ano especial em 19 de março, o Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida preparou um folheto informativo para ser compartilhado com as dioceses, as paróquias e as famílias, disponível no site do Dicastério – um site desenvolvido em cinco línguas (inglês, francês, espanhol, português e italiano), rico em gráficos e conteúdos, de fácil consulta e atualizável com as propostas e iniciativas realizadas gradativamente ao longo do ano.

Os objetivos já definidos são:

- Difundir o conteúdo da exortação apostólica “Amoris Laetitia, para “fazer experimentar que o Evangelho da família é uma alegria que  enche o coração e toda a vida ” (AL 200), pois uma família que descobre e experimenta a alegria de ter um dom e de ser um dom para a Igreja e para a sociedade “pode ​​tornar-se uma luz nas trevas do mundo” (AL 66) e o mundo hoje precisa dessa luz.

- Anunciar que o sacramento do matrimónio é um dom  e contém em si a força transformadora do amor humano, pelo que têm os pastores e as famílias de caminhar em corresponsabilidade e complementaridade pastoral entre as diversas vocações na Igreja (cf AL 203).

- Fazer das famílias os  protagonistas da pastoral familiar, pelo que é necessário “um esforço evangelizador e catequético dirigido no seio da família” (AL 200), pois o discípulo familiar torna-se também família missionária.

- Sensibilizar os jovens para  a importância da formação na verdade do amor e do dom de si com iniciativas a eles dedicadas.

- Ampliar o olhar e a ação da pastoral familiar  para que se torne transversal à família, de modo a incluir os cônjuges, os filhos, os jovens, os idosos e as situações de fragilidade familiar.

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Como ficou entredito, os destinatários e, ao mesmo tempo, agentes deste ano especial são: as conferências episcopais, as dioceses, as paróquias/freguesias, os movimentos eclesiais, as associações familiares, mas, acima de tudo, as famílias de todo o mundo. E o convite, dirigido a todas as comunidades, insta a participar e tornar-se protagonista de  outras propostas a implementar a nível da Igreja local: diocese, paróquias, comunidades eclesiais...

Para já, o Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida, sob o lema “Caminhando com famílias”, tendo em conta as diferentes caraterísticas e possibilidades das diversas realidades eclesiais, convida cada realidade eclesial a tomar as iniciativas que julga possível realizar de acordo com suas próprias condições e necessidades. E, neste sentido, propõe 12 caminhos para implementar a “Amoris Laetitia”, que aqui se especificam:

1. Fortalecer a pastoral da preparação ao matrimónio com novos itinerários catecumenais a nível diocesano e paroquial (cf AL 205-222) para propiciar a preparação remota e mediata do matrimónio, bem como o acompanhamento dos cônjuges nos primeiros anos de vida matrimonial – compromisso confiado de modo particular aos cônjuges que, juntamente com os pastores, se tornam companheiros de viagem de noivos e de casamentos mais jovens.

2. Fortalecer a pastoral do acompanhamento dos cônjuges com encontros aprofundados e momentos de espiritualidade e oração a eles dedicados para adquirirem consciência do dom e da graça do sacramento nupcial (cf AL 58 ss e 223-230).

3. Organizar encontros para os pais sobre a educação dos filhos e sobre os desafios mais atuais (cf AL 172 ss e 259-290), respondendo à indicação do Papa que sugere que os pais procurem compreender “onde estão os filhos na sua viagem” (cf AL 261).

4. Promover encontros de reflexão e discussão sobre a beleza e dificuldades da vida familiar   (cf AL 32-ss e 89-ss), para favorecer o reconhecimento do valor social da família e a criação duma rede de famílias e pastores capazes de estarem perto em situações de cansaço, com anúncio, partilha e testemunho.

5. Intensificar o acompanhamento de casais em crise (cf AL 232 ss) apoiando e formando a atitude resiliente que leve a ver nas dificuldades uma oportunidade para crescer no amor e fortalecer-se.

6. Envolver os casais nas estruturas  diocesanas e paroquiais para estabelecer a pastoral familiar (cf AL 86-88) e a formação dos agentes pastorais, seminaristas e sacerdotes para que estejam à altura dos desafios de hoje (cf AL 202 ss) colaborar com as famílias, para o que será importante fazer funcionar a reciprocidade entre a “Igreja família-doméstica” e a Igreja (AL 200), para que se descubra e valorize uma como dom insubstituível para a outra.

7. Promover a vocação missionária natural nas famílias (cf AL 201, 230 e 324), criando momentos de formação para a evangelização e iniciativas missionárias (vg: por ocasião da formação para os sacramentos dos filhos, casamentos, aniversários ou momentos litúrgicos importantes).

8. Desenvolver uma pastoral de idosos (cf AL 191-193) que vise superar a cultura do desperdício e da indiferença e promover propostas transversais em relação às diferentes idades da vida, tornando também os idosos protagonistas da pastoral comunitária.

9. Envolver a pastoral juvenil com iniciativas para refletir e discutir questões como família, casamento, castidade, abertura à vida, uso das redes sociais, pobreza, respeito pela criação (vd AL 40), para o que é necessário saber despertar o entusiasmo e valorizar a capacidade dos jovens de se empenharem plenamente em grandes ideais e os desafios que eles apresentam e dar especial atenção, este ano, às crianças, para que tomem conhecimento do Ano “Família Amoris Laetitia ” e das iniciativas propostas.

10. Promover a preparação para o X Encontro Mundial das Famílias com catequese e cursos formativos que, por meio de várias etapas e experiências, acompanhem as famílias ao encontro com o Santo Padre.

11. Lançar iniciativas de acompanhamento e discernimento para as famílias feridas (cf AL 50 ss, 241 ss e 291 ss), para ajudá-las a descobrir e realizar a missão que têm na família e na comunidade, a partir do Batismo.

12. Organizar grupos nas paróquias e comunidades para encontros aprofundados sobre a Amoris Laetitia”, para sensibilizar para as oportunidades pastorais concretas que se apresentam em cada comunidade eclesial (cf AL 199 ss).

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A este respeito, o Arcebispo Vincenzo Paglia, Grão-Chanceler do Pontifício Instituto Teológico João Paulo II para as Ciências do Matrimónio e da Família, pedindo um relançamento da pastoral familiar em nome do envolvimento dos leigos, frisa que a força dos laços familiares está conexa com a força do tecido social, pois “refletir sobre a família é falar sobre o próprio destino da humanidade”, pelo que urge “impulsionar a pastoral familiar, redescobrir a família como recurso para toda a sociedade e refletir sobre a esterilidade das gerações”.

Em entrevista, concedida a Marco Guerra, do Vatican News, o prelado considera que esta reflexão, que envolverá toda a comunidade católica no mundo, chega no final duma pandemia global que evidenciou o papel insubstituível da instituição familiar no acolhimento, cuidado e conforto de todas as pessoas.

Paglia justifica a coincidência do ano dedicado à família com a esperança do fim da pandemia pela chegada das vacinas, com o facto de, na pandemia (que nos ensinou que ninguém se salva sozinho e que todos precisamos uns dos outros, a começar pela família), “a família com todas as suas limitações” se ter revelado “a realidade mais sólida”, pois “conseguiu confortar e acompanhar muitos numa situação tão dramática”. Assim, pelo seu “caráter dramático”, esta experiência constitui “uma grande lição” – supostamente apendida – que “nos ajuda a compreender melhor a preciosidade da família tanto para a Igreja como para a sociedade”.

No âmbito da reflexão sobre a família a partir da Amoris Laetitia, o Grão-Chanceler refere que o Pontifício Instituto João Paulo II pretende promover uma pesquisa para recolher o que se conseguiu nas Igrejas locais a partir da Amoris Laetitia, pois, nestes cinco anos, foram muitas as iniciativas nas Igrejas locais que “repropuseram a família como lugar de vida cristã”. Todavia, como não basta ver o que foi feito, é indispensável dar um novo e bem mais forte impulso a toda a pastoral familiar, “entendida como lugar que deve abranger toda a pastoral”, ou seja, toda a pastoral deve ser “familiar”, pois, “quando a Igreja fala da família, fala de si mesma”.

Em relação à fundamentalidade do ideal evangélico da Sagrada Família para todos os cristãos, o Arcebispo recorda que o Papa “enfatiza o ideal da família desejada por Deus já no início da criação”, sendo o tema central “a aliança entre homem e mulher”, os quais, na família, em toda a sociedade e na Igreja, “são chamados tanto à custódia da criação como à responsabilidade das gerações”. Porém, é necessária “uma maior reflexão tanto a nível teológico como pastoral”, isto é, há necessidade duma “teologia da família”. E diz o prelado que o Instituto João Paulo II deu início a esta perspetiva teológica que postula “o desenvolvimento duma reflexão sobre as múltiplas articulações dos laços familiares e dos da paternidade, maternidade, fraternidade, das relações sociais, das responsabilidades mútuas e assim por diante” – uma reflexão que se dirija ao lado teológico e ao das ciências humanas, sem esquecer o nível da moral.

No atinente ao primado educativo da família e ao seu lugar fundamental para a transmissão da fé e campo de formação para a convivência, o entrevistado engrandece o precioso serviço que a Igreja presta à sociedade, “com a sua reflexão e ação no contexto familiar”, até porque “uma sociedade desfamiliarizada leva ao desmoronamento daquele ‘nós’ que é a base de toda sociedade”, sendo que o “colapso do nós” começa “na família e estende-se à nação e à família das nações”. E, porque se fala da evaporação do pai, do afrouxamento dos laços e da desintegração cultural da família como arquitetura de laços, “este é um ano importante” para impelir os fiéis e os não fiéis a redescobrir a família como “recurso único e extraordinário para a sociedade como tal”.

Atendendo a que o Papa tem denunciado as colonizações ideológicas que atingem a família e questionado sobre se este ano de reflexão servirá para fortalecer o papel e a importância da família no plano cultural, o entrevistado reage:

Por isso enfatizava como a fraqueza dos laços leva ao enfraquecimento do ‘nós’. Não é por acaso que o Papa usa o termo ‘irmão’ para indicar o vínculo universal entre todos; é um termo tipicamente associado à perspetiva familiar. Fratelli tutti é impossível de ser compreendida sem uma visão profunda da dimensão familiar que o termo comporta. Nesse sentido, acredito que refletir sobre a família significa falar do próprio destino da humanidade.”.

Isto é tão relevante que até “na linguagem mais secular, laica, falamos da família dos povos”.

Por fim, quanto às iniciativas a desencadear nas dioceses e paróquias, diz que são múltiplas e preveem – com o Dicastério dos Leigos, a Família e a Vida – “um compromisso direto de explicar alguns capítulos do documento” e “o envolvimento de todas as Igrejas locais na reflexão sobre os vários capítulos da Exortação”, uma vez que, até agora, “a atenção foi dada apenas ao capítulo VIII sobre a questão da comunhão para os casados ​​e divorciados, que é apenas um aspeto dos problemas”. E Dom Vincenzo deixa os seguintes pontos de reflexão: os poucos casamentos de jovens; o fechamento das famílias em si mesmas; a existência de “uma esterilidade de geração e não apenas em gerar filhos, mas também em gerar esperança, cultura e generosidade”; o tema da dificuldade de diálogo intergeracional; e a questão dos idosos.

Ora, é bom que todas essas fronteiras sejam ultrapassadas com as indicações que o Dicastério deu e que “cada Igreja local deve desenvolver com os homens e as mulheres de boa vontade”.

Assim seja!

2020.12.28 – Louro de Carvalho

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