No passado dia 27 de dezembro, por ocasião da
recitação dominical do Angelus, o
Papa Francisco anunciou a convocação de um “Ano especial dedicado à Família Amoris
laetitia”, que será inaugurado a 19 de março de 2021, dia da Solenidade de
São José, esposo da Virgem Santa Maria, e 5.º aniversário da publicação
da Exortação Apostólica Amoris laetitia (AL), na sequência do XIV Sínodo ordinário
dos Bispos sob o tema “A vocação e a missão da família na Igreja e no mundo
contemporâneo”, celebrado de 4 a 25 de outubro e 2015 e que fora antecedido
pelo III Sínodo extraordinário os Bispos sob o tema “Os desafios pastorais
sobre a família no contexto da evangelização”, celebrado de 5 a 26 de
outubro de 2014.
O encerramento deste ano especial está marcado para 26 de junho
de 2022, termo do X Encontro Mundial das Famílias, em Roma, com o Santo Padre.
Com a intenção de “prosseguir o percurso sinodal” que levou à
publicação do documento, este será “um ano de reflexão” e uma oportunidade para
“aprofundar os conteúdos do documento” pós-sinodal em referência. Para tanto, o
Santo Padre lançou a todos o convite “a aderir às iniciativas que serão
promovidas ao longo do ano e que serão coordenadas pelo Dicastério para os
Leigos, a Família e a Vida” e
confiou “à Sagrada Família de Nazaré, em particular a São José,
esposo e pai solícito, este caminho com as famílias de todo o mundo”.
Na verdade,
a experiência da pandemia fez sobressair o papel central da família como Igreja
doméstica, bem como a importância dos laços entre as famílias, que fazem da
Igreja uma “família de famílias” (AL 87). Assim, através das iniciativas de caráter espiritual,
pastoral e cultural planeadas no Ano “Família Amoris Laetitia”,
Francisco dirige-se a todas as famílias e a todas as comunidades eclesiais do
mundo, exortando cada pessoa a ser uma testemunha do amor familiar. O tema merece um ano de celebrações porque
está no centro do empenho e do cuidado de cada realidade pastoral e eclesial.
Por
consequência, nas paróquias, dioceses, universidades, no contexto dos
movimentos eclesiais e das associações familiares, serão divulgados instrumentos de espiritualidade familiar, de
formação e ação pastoral sobre a preparação para o matrimónio, a educação dos
jovens para o afeto, sobre a santidade dos cônjuges e das famílias que vivem a
graça do sacramento na vida quotidiana. Além disso, serão
organizados simpósios académicos
internacionais para aprofundar os conteúdos e as implicações da sobredita
exortação apostólica em relação aos temas de grande atualidade que interessarão
as famílias em todo o mundo.
Tendo em
vista a inauguração deste ano especial em 19 de março, o Dicastério
para os Leigos, a Família e a Vida preparou um folheto informativo
para ser compartilhado com as dioceses, as paróquias e as famílias, disponível
no site do Dicastério – um site desenvolvido em cinco línguas (inglês,
francês, espanhol, português e italiano), rico em gráficos
e conteúdos, de fácil consulta e atualizável com as propostas e iniciativas
realizadas gradativamente ao longo do ano.
Os objetivos
já definidos são:
- Difundir o conteúdo da
exortação apostólica “Amoris Laetitia”, para “fazer experimentar que o Evangelho da
família é uma alegria que enche o coração e toda a vida ”
(AL
200), pois uma
família que descobre e experimenta a alegria de ter um dom e de ser um dom para
a Igreja e para a sociedade “pode tornar-se uma luz nas trevas do mundo” (AL
66) e o mundo hoje
precisa dessa luz.
-
Anunciar
que o sacramento do matrimónio é um dom e contém em si a
força transformadora do amor humano, pelo que têm os pastores e as famílias de
caminhar em corresponsabilidade e complementaridade pastoral entre as diversas
vocações na Igreja (cf AL 203).
-
Fazer
das famílias os protagonistas
da pastoral familiar, pelo que é necessário “um esforço
evangelizador e catequético dirigido no seio da família” (AL
200), pois o
discípulo familiar torna-se também família missionária.
- Sensibilizar
os jovens para a importância da
formação na verdade
do amor e do dom de si com iniciativas a eles dedicadas.
- Ampliar
o olhar e a ação da pastoral familiar para que se torne transversal à família, de modo
a incluir os cônjuges, os filhos, os jovens, os idosos e as situações de
fragilidade familiar.
***
Como ficou
entredito, os destinatários e, ao mesmo tempo, agentes deste ano especial são:
as conferências episcopais, as dioceses, as paróquias/freguesias, os movimentos
eclesiais, as associações familiares, mas, acima de tudo, as famílias de todo o mundo. E o convite,
dirigido a todas as comunidades, insta a participar e tornar-se
protagonista de outras propostas
a implementar a nível da Igreja local: diocese, paróquias, comunidades
eclesiais...
Para já, o Dicastério para os
Leigos, a Família e a Vida, sob o lema “Caminhando com famílias”, tendo em conta as diferentes caraterísticas e
possibilidades das diversas realidades eclesiais, convida cada realidade
eclesial a tomar as iniciativas que julga possível realizar de acordo com suas
próprias condições e necessidades. E, neste sentido, propõe 12 caminhos para
implementar a “Amoris Laetitia”, que aqui se especificam:
1. Fortalecer a pastoral da preparação ao matrimónio
com novos itinerários catecumenais a nível
diocesano e paroquial (cf AL 205-222) para propiciar
a preparação remota e mediata do matrimónio, bem como o acompanhamento dos
cônjuges nos primeiros anos de vida matrimonial – compromisso confiado de modo
particular aos cônjuges que, juntamente com os pastores, se tornam companheiros
de viagem de noivos e de casamentos mais jovens.
2. Fortalecer a pastoral do acompanhamento dos cônjuges com
encontros aprofundados e momentos de espiritualidade e oração a eles dedicados
para adquirirem consciência do dom e da graça do sacramento nupcial (cf AL 58 ss
e 223-230).
3. Organizar encontros para os pais sobre a educação dos filhos e sobre
os desafios mais atuais (cf AL 172 ss e 259-290), respondendo à indicação do Papa que sugere que os pais procurem
compreender “onde estão os filhos na sua viagem” (cf AL 261).
4. Promover encontros de reflexão e discussão sobre a beleza e dificuldades da vida
familiar (cf AL 32-ss e 89-ss), para favorecer o reconhecimento do valor social da família e a criação duma
rede de famílias e pastores capazes de estarem perto em situações de cansaço,
com anúncio, partilha e testemunho.
5. Intensificar o acompanhamento de casais em crise (cf AL 232 ss) apoiando e formando a atitude resiliente que leve a
ver nas dificuldades uma oportunidade para crescer no amor e fortalecer-se.
6. Envolver os casais
nas estruturas diocesanas e paroquiais para estabelecer a
pastoral familiar (cf AL 86-88) e a formação dos agentes
pastorais, seminaristas e sacerdotes para
que estejam à altura dos desafios de hoje (cf AL 202 ss) colaborar com as famílias, para o que será importante
fazer funcionar a reciprocidade entre a “Igreja família-doméstica” e a Igreja (AL 200), para que se descubra e valorize uma como dom
insubstituível para a outra.
7. Promover a vocação
missionária natural nas famílias (cf AL 201, 230 e 324), criando momentos de formação para a evangelização e
iniciativas missionárias (vg: por ocasião da formação para os sacramentos dos
filhos, casamentos, aniversários ou momentos litúrgicos importantes).
8. Desenvolver uma pastoral
de idosos (cf AL 191-193) que vise
superar a cultura do desperdício e da indiferença e promover propostas
transversais em relação às diferentes idades da vida, tornando também os idosos
protagonistas da pastoral comunitária.
9. Envolver a
pastoral juvenil com iniciativas para refletir e discutir questões
como família, casamento, castidade, abertura à vida, uso das redes sociais, pobreza,
respeito pela criação (vd AL 40), para o que
é necessário saber despertar o entusiasmo e valorizar a capacidade dos jovens
de se empenharem plenamente em grandes ideais e os desafios que eles apresentam
e dar especial atenção, este ano, às crianças, para
que tomem conhecimento do Ano “Família Amoris Laetitia ” e
das iniciativas propostas.
10. Promover a preparação
para o X Encontro Mundial das Famílias com catequese e cursos
formativos que, por meio de várias etapas e experiências, acompanhem as
famílias ao encontro com o Santo Padre.
11. Lançar iniciativas de acompanhamento e
discernimento para as famílias
feridas (cf AL 50 ss, 241 ss e 291 ss), para
ajudá-las a descobrir e realizar a missão que têm na família e na comunidade, a
partir do Batismo.
12. Organizar grupos nas paróquias e comunidades
para encontros aprofundados
sobre a “Amoris Laetitia”, para
sensibilizar para as oportunidades pastorais concretas que se apresentam em
cada comunidade eclesial (cf AL 199 ss).
***
A este
respeito, o Arcebispo Vincenzo Paglia, Grão-Chanceler do Pontifício Instituto Teológico João
Paulo II para as Ciências do Matrimónio e da Família, pedindo um relançamento
da pastoral familiar em nome do envolvimento dos leigos, frisa que a força dos
laços familiares está conexa com a força do tecido social, pois “refletir sobre
a família é falar sobre o próprio destino da humanidade”, pelo que urge “impulsionar
a pastoral familiar, redescobrir a família como recurso para toda a sociedade e
refletir sobre a esterilidade das gerações”.
Em
entrevista, concedida a Marco Guerra, do Vatican
News, o prelado considera que esta reflexão, que envolverá toda a
comunidade católica no mundo, chega no final duma pandemia global que
evidenciou o papel insubstituível da instituição familiar no acolhimento,
cuidado e conforto de todas as pessoas.
Paglia justifica a coincidência do ano dedicado à família com a esperança do fim da
pandemia pela chegada das vacinas, com o facto de, na pandemia (que nos
ensinou que ninguém se salva sozinho e que todos precisamos uns dos outros, a
começar pela família), “a família
com todas as suas limitações” se ter revelado “a realidade mais sólida”, pois “conseguiu
confortar e acompanhar muitos numa situação tão dramática”. Assim, pelo seu “caráter
dramático”, esta experiência constitui “uma grande lição” – supostamente apendida
– que “nos ajuda a compreender melhor a preciosidade da família tanto para a
Igreja como para a sociedade”.
No âmbito da reflexão sobre a família a partir da Amoris Laetitia, o Grão-Chanceler refere que o Pontifício Instituto João Paulo II pretende
promover uma pesquisa para recolher o que se conseguiu nas Igrejas locais a
partir da Amoris Laetitia, pois, nestes cinco anos, foram muitas as
iniciativas nas Igrejas locais que “repropuseram a família como lugar de vida
cristã”. Todavia, como não basta ver o que foi feito, é indispensável dar um
novo e bem mais forte impulso a toda a pastoral familiar, “entendida como lugar
que deve abranger toda a pastoral”, ou seja, toda a pastoral deve ser
“familiar”, pois, “quando a Igreja fala da família, fala de si mesma”.
Em relação à fundamentalidade do ideal evangélico da Sagrada Família para
todos os cristãos, o Arcebispo recorda que o Papa “enfatiza o ideal da família desejada por Deus já no
início da criação”, sendo o tema central “a aliança entre homem e mulher”, os
quais, na família, em toda a sociedade e na Igreja, “são chamados tanto à
custódia da criação como à responsabilidade das gerações”. Porém, é necessária
“uma maior reflexão tanto a nível teológico como pastoral”, isto é, há
necessidade duma “teologia da família”. E diz o prelado que o Instituto João Paulo
II deu início a esta perspetiva teológica que postula “o desenvolvimento duma
reflexão sobre as múltiplas articulações dos laços familiares e dos da
paternidade, maternidade, fraternidade, das relações sociais, das
responsabilidades mútuas e assim por diante” – uma reflexão que se dirija ao
lado teológico e ao das ciências humanas, sem esquecer o nível da moral.
No atinente ao primado educativo da família e ao seu lugar fundamental
para a transmissão da fé e campo de formação para a convivência, o entrevistado
engrandece o precioso serviço que a Igreja presta à sociedade, “com a sua reflexão e ação no contexto familiar”, até
porque “uma sociedade desfamiliarizada leva ao desmoronamento daquele ‘nós’ que
é a base de toda sociedade”, sendo que o “colapso do nós” começa “na família e
estende-se à nação e à família das nações”. E, porque se fala da evaporação do
pai, do afrouxamento dos laços e da desintegração cultural da família como
arquitetura de laços, “este é um ano importante” para impelir os fiéis e os não
fiéis a redescobrir a família como “recurso único e extraordinário para a
sociedade como tal”.
Atendendo a que o Papa tem denunciado as colonizações ideológicas que
atingem a família e questionado sobre se este ano de reflexão servirá para
fortalecer o papel e a importância da família no plano cultural, o entrevistado
reage:
“Por isso enfatizava como a fraqueza dos laços leva ao enfraquecimento
do ‘nós’. Não é por acaso que o Papa usa o termo ‘irmão’ para indicar o vínculo
universal entre todos; é um termo tipicamente associado à perspetiva
familiar. Fratelli tutti é impossível de ser compreendida sem uma visão
profunda da dimensão familiar que o termo comporta. Nesse sentido, acredito que
refletir sobre a família significa falar do próprio destino da humanidade.”.
Isto é tão
relevante que até “na linguagem mais secular, laica, falamos da família dos
povos”.
Por fim, quanto às iniciativas a desencadear nas dioceses e paróquias,
diz que são múltiplas e
preveem – com o Dicastério dos Leigos, a Família e a Vida – “um compromisso
direto de explicar alguns capítulos do documento” e “o envolvimento de todas as
Igrejas locais na reflexão sobre os vários capítulos da Exortação”, uma vez
que, até agora, “a atenção foi dada apenas ao capítulo VIII sobre a questão da
comunhão para os casados e divorciados, que é apenas um aspeto dos problemas”.
E Dom Vincenzo deixa os seguintes pontos de reflexão: os poucos casamentos de jovens;
o fechamento das famílias em si mesmas; a existência de “uma esterilidade de
geração e não apenas em gerar filhos, mas também em gerar esperança, cultura e
generosidade”; o tema da dificuldade de diálogo intergeracional; e a questão
dos idosos.
Ora, é bom
que todas essas fronteiras sejam ultrapassadas com as indicações que o Dicastério
deu e que “cada Igreja local deve desenvolver com os homens e as mulheres de
boa vontade”.
Assim seja!
2020.12.28
– Louro de Carvalho
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