Não me
incluo no quadro daqueles que pretendem salvar o Natal, que não carece disso,
pois nós é que precisamos da salvação temporal da pandemia e da salvação total
quando Ele quiser.
Percebo a
sua intenção, intenção expressa no âmbito de pandemia que teima em não deixar
esta humanidade que se habituara à hipocrisia da conveniente e distante
proximidade, pautada pelos mecanismos do consumismo, da exploração e do
descarte. Trata-se, antes, duma visão política, quiçá de boa vontade, que julga
acudir ao descalabro económico levantando as medidas restritivas que têm
sufocado a economia e a saúde dos mais débeis e pensa dar o belo tom da
convivência social e da sustentação da convivência social harmoniosa, quando o
vírus da indiferença e do egoísmo tem sido mais poderoso e perverso que o SARS
CoV-2. Ademais, com o falso pudor de recomendar o distanciamento físico, acaba
por sair o tiro pela culatra quando se recomenda o distanciamento social. Bem
hajam, mas esse não carece de recomendação: já chega e sobra. O Natal é precisamente
para esbater as barreiras sociais que resultam dos caprichos das abissais
desigualdades económicas que geram e sustentam pesadas ostracizações políticas
sobretudo através dum poder financeiro demolidor escondido nas dobras da capa
da inevitabilidade e da viabilização económica.
No meio
do afanoso “salve-se quem puder”, ressaltam persistentemente – na linha da
frente, na retaguarda, na crista da onda ou ao lado de quem sofre – múltiplos e
poderosos fenómenos humanos de entreajuda, generosidade, dedicação, dádiva e
entrega da parte de crentes e de não crentes, que descobriram que a vida e a
dignidade humanas estão acima de tudo. Esse crescente número de pessoas, grupos
e comunidades merece a nossa saudação e o nosso elogio e aplauso, mas precisa
sobretudo da nossa cooperação e apoio e da nossa adesão de acordo com as
possibilidades de cada um.
Esses e
essas não estão a querer salvar o Natal, que não precisa de ser salvo, mas estão
a fazer Natal diariamente e a intensificar a sua ação bendizente, benevolente e
benfazeja nesta quadra temporal em que a saudade, a solidão e o desamparo se
tornam mais evidentes, lutando com mais afinco pela vida e dignidade humanas. Não
se trata de contrapor ao vírus da pandemia o vírus do bem. Isso seria afrontar
o bem, que não é vírico, pois “vírus” no latim era veneno, peçonha, humor, amargor,
mau cheiro…
E os
crentes em, com e por Jesus Cristo, o Senhor do Natal, sabem muito bem que o
Natal é o primeiro passo de Deus na Terra para a Salvação de que os seres humanos
carecem e que terá o seu ápice na Páscoa. Assim, o Natal de Cristo, tornado
nosso Natal por dom e dádiva de Deus, que solicitamos, acolhemos e procuramos
merecer, não precisa de ser salvo, mas salva e precisa, sim, que o celebremos, vivamos
e estendamos a quantos e quantas nos estendem a mão carecida e suplicante. Ora,
em vez de salvadores do Natal, teremos de ser discípulos do Natal junto da
manjedoura, onde se reclina o menino envolto em panos exposto ternamente à
nossa adoração, e apóstolos-missionários do Natal, de modo que a Salvação se
apodere de todos os corações, molde todas as comunidades, chegue a toda a parte
onde haja seres humanos e gere a ecologia integral. É, pois, necessário o
presépio humano da integridade e da totalidade a modelar o presépio cósmico do
limitado, mas infindo.
No sentido
do Natal genuíno da fraternidade que nos considera a todos da casa, com a
utilização frugal do comércio da época na medida do necessário e suficiente
para a partilha, o Natal será vida. As medidas de profilaxia impostas ou
recomendadas condicionarão o distanciamento físico, mas consolidarão a verdadeira
aproximação familiar, esbaterão os fatores e os elementos de distanciamento
social e, quanto possível, colocarão Deus e homem no centro das atenções de
todos nós que, em vez de nos saudarmos com o acotovelamento, preferimos ter e mostrar
ter no coração todos e cada um dos nossos semelhantes.
Nisto e
por isto, antes de entrarmos nos dias litúrgicos das antífonas de “O”, desejo um
“Santo e Poderoso Natal” para todos os familiares, amigos e amigas, bem como
para quantos e quantas tive o ensejo de conhecer ao longo dos tempos! Belo e
Santo Natal!
2020.12.16 – Louro
de Carvalho
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